domingo, 31 de julho de 2011

Mídia, mídias, mediações

DEBATE ABERTO

Mídia: as mudanças virão das ruas

Venício Lima*

Esperava-se que os acontecimentos envolvendo o tablóide “News of the World” provocassem algum tipo de reflexão crítica por parte da grande mídia brasileira. O que temos visto, no entanto, é uma postura quase agressiva de atribuir o ocorrido à ação criminosa de apenas alguns indivíduos e de demonizar qualquer debate sobre a regulamentação do setor.


Esperava-se que os acontecimentos envolvendo o tablóide “News of the World” – que se espraiam não só para outros veículos do News Corporation, mas também para outros grupos de mídia na Inglaterra e, talvez, em outros países – provocassem algum tipo de reflexão crítica por parte da grande mídia brasileira, seus parceiros e defensores.

O que temos visto, no entanto, é uma postura quase agressiva de, sem mais (1) atribuir o ocorrido a ação criminosa de apenas alguns indivíduos que não representariam um comportamento rotineiro da grande mídia; (2) insistir que os fatos não podem servir de exemplo para a defesa da regulação do setor ou comprovar a ineficiência da autorregulação; e (3) acusar aqueles que discordam de pretenderem amordaçar a imprensa e cercear a liberdade de expressão.

Na verdade, a postura da grande mídia brasileira e de seus parceiros e defensores não deveria constituir surpresa. O histórico de rejeição sistemática à democratização do setor e de recusa ao diálogo tem sido uma de suas características. Hoje, tornou-se trivial executivos dos grandes grupos midiáticos darem declarações e/ou entrevistas acusando dispositivos da Constituição de 88 de serem normas autoritárias e de censura. Mas, no caso presente, o grau de resistência a enxergar o óbvio – que tem sido objeto de reflexões em todo o planeta – é realmente assustador.

Questões sem resposta
Por que a idéia de qualquer regulação do setor, a exemplo do que existe em outros países democráticos, incomoda tanto a grande mídia brasileira?

Por que o único critério para aferir a universalidade da liberdade de expressão é a não interferência do Estado no mercado oligopolizado de mídia e não a pluralidade de vozes que tem acesso ao espaço público?

Por que, diante de qualquer proposta de regulação, ressurge o argumento clássico liberal de que o melhor remédio é sempre mais liberdade quando se sabe que esse remédio, muitas vezes, sufoca o debate público e impede a manifestação exatamente das vozes que se oporiam ao discurso dominante?

Por que o debate dessas questões continua interditado na grande mídia brasileira que oferece espaço apenas para seus parceiros e aliados e não enfrenta o contraditório de suas posições?

Onde está a resposta?
A resposta a essas questões talvez esteja no poder de facto que a grande mídia consegue articular em torno de si mesma. Seus interesses estão de tal forma imbricados com aqueles das oligarquias políticas e de setores empresariais que permanecem intocáveis. E mais: são apresentados e justificados publicamente em nome de liberdades que são bandeiras verdadeiras da democracia.

Infelizmente, continuamos muito distantes do verdadeiro exercício democrático. O liberalismo brasileiro sempre foi excludente e continua tendo pavor de qualquer tentativa republicana do Estado no sentido de permitir maior participação popular na formulação e fiscalização das políticas públicas, em particular, nas comunicações. Por isso a idéia dos conselhos de comunicação – nacional, estaduais e municipais – é combatida de forma tão virulenta.

A consciência que vem das ruas
O que a grande mídia não consegue mais controlar, todavia, é o aumento da consciência sobre a importância do direito à comunicação nas sociedades contemporâneas. A exemplo das explosões populares que tem ocorrido em outras partes do planeta, sintomas do fenômeno começam a ocorrer aqui mesmo na Terra de Santa Cruz, com a fundamental mediação tecnológica das TICs.

Para além do entretenimento culturalmente arraigado – simbolizado pelas novelas e pelo futebol – cada dia que passa, aumenta o número de brasileiros que se dão conta do imenso poder que ainda está na mão daqueles que controlam a grande mídia e que, historicamente, sonega e esconde as vozes e os interesses de milhões de outros brasileiros.

É o aumento dessa consciência que vem das ruas que explica as pequenas e importantes vitórias que a sociedade civil organizada começa finalmente a construir em níveis estadual e local. O melhor exemplo parece ser a aprovação pela Assembléia Legislativa da Bahia do Conselho Estadual de Comunicação Social – o primeiro do país – que deve ser instalado em agosto, com participação majoritária dos movimentos sociais e dos empresários. Existe possibilidade real de que outros conselhos, já previstos nas constituições estaduais, sejam instalados em breve.

Esse parece ser o único caminho possível para a democratização da comunicação no nosso país: a consciência da cidadania. Esse caminho independe da vontade da grande mídia e de seus parceiros e defensores. Esses continuarão encastelados na sua arrogância, cada dia mais distantes das vozes excluídas que vem das ruas e que, felizmente, não conseguem mais controlar.

A ver.

*Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Problemas do "jornalismo" atual

Por um juramento de Hipócrates para jornalistas

Fonte: Boletim Carta Maior

Internacional| 17/07/2011 | Copyleft

O escândalo no império de Murdoch, que começa a se parecer como a história da queda do Muro de Berlim, submeteu a profissão menos cobrada e mais corrupta da Grã-Bretanha - o jornalismo - a um escrutínio público tardio. Os jornais não podem anunciar que seu objetivo é serem os ventríloquos das preocupações dos multimilionários. Eles devem apresentar-se como a voz do povo. O The Sun, o Mail e o Express alegam representar os interesses dos trabalhadores. Esses interesses acabam por ser idênticos aos dos donos dos jornais. O artigo é de George Monbiot.

Estaria Murdoch acabado na Grã Bretanha? Com a perseguição de Gordon Brown pelo Sunday Times e The Sun levando o escândalo a novos cantos do império do velho Murdoch, essa história começa a se parecer como a da queda do Muro de Berlim. A tentativa de destruir Brown sob qualquer meio, incluindo as invasões dos prontuários de seu filho pequeno doente, significa que não há nenhum limite óbvio para ramificações da história.

O escândalo muda radicalmente a percepção pública de como funciona a política, o perigo que o poder corporativo representa para a democracia, e as medidas em que tem comprometido e corrompido a polícia, afundados a ponto de parecer um exército privado de Murdoch. A crise foi uma descarga eletrica para um parlamento sonolento e submeteu a profissão menos cobrada e mais corrupta da Grã-Bretanha - o jornalismo - a um escrutínio público tardio.

As rachaduras estão aparecendo nos lugares mais inesperados. Olhe para a admissão notável da colunista conservadora Janet Daley, nesta semana no Sunday Telegraph. "Jornalismo político britânico é basicamente um clube do qual políticos e jornalistas pertencem", escreveu ela. "É essa familiaridade, essa intimidade, esse conjunto de pressupostos compartilhados... que é o corruptor verdadeiro da vida política. O espectro de auto-limitação do que pode e não pode ser dito... a covardia auto-reforçada, que toma como certo que determinados interesses são poderosos demais para valer a pena confrontar. Todas estas coisas são perigos constantes na vida política de qualquer democracia. "

A maioria dos jornalistas nacionais está incorporada, imersa na sociedade, no conjunto de crenças e cultura das pessoas que eles deveriam manter sob escrutínio com o seu trabalho. Eles são fascinados pelas lutas de poder entre a elite, mas têm pouco interesse no conflito entre a elite e aqueles que por ela são dominados. Eles celebram os com agência [de relações públicas] e ignoram os sem.

Mas isto é apenas parte do problema. Daley parou antes de dar nome à força mais convincente: os interesses do dono e da classe empresarial a que pertence. O proprietário nomeia os editores à sua própria imagem - que costumam fazer valer seus pontos de vista sobre a sua equipe. Os editores de Murdoch, como aqueles que trabalham para outros proprietários, insistem que eles pensam e agem de forma independente.

É uma mentira exposta pela concordância de suas opiniões (quer dizer que foi coincidência que todos os 247 editores News Corp apoiassem a invasão do Iraque?), e pelo depoimento explosivo de Andrew Neil em 2008 no Parlamento, no comitê de comunicações.

Os jornais não podem anunciar que seu objetivo é serem os ventríloquos das preocupações dos multimilionários. Eles devem apresentar-se como a voz do povo. O The Sun, o Mail e o Express alegam representar os interesses dos trabalhadores. Esses interesses acabam por ser idênticos aos dos donos dos jornais.

Assim, os jornais de direita fazem dezenas de matérias tentando expôr fraudadores de benefícios, ainda que digam quase nada sobre as fraudes fiscais das corporações. Eles atacam sindicatos e a BBC. Eles censuram as regulamentações que restringem o poder corporativo. Eles nos vendem seus valores - o culto ao poder, ao dinheiro, à imagem e à fama - que os anunciantes amam, mas que fazem deste um país mais raso e egoísta. A maioria deles enganam seus leitores sobre as causas das mudanças climáticas. Estas não são os valores dos trabalhadores. Estes são os valores impostos a eles pelos multimilionários que possuem esses jornais.

A mídia corporativa é uma operação gigantesca "astroturfing": uma cruzada popular falsa para servir aos interesses da elite. Neste contexto, as empresas de mídia se assemelham ao movimento Tea Party, que alega ser um espontânea manifestação operária contra a elite, mas foi fundada com a ajuda do bilionário Koch irmãos e promovido pela News de Murdoch Fox.

O principal objetivo do jornalismo é manter o poder sob escrutínio. Este propósito foi perfeitamente invertido. Colunistas e blogueiros são executores do poder corporativo, denunciando as pessoas que criticam seus interesses, atacando as novas ideias e os impotentes. Os barões da imprensa permitem aos governos ocasionalmente promover os interesses dos pobres, mas nunca para prejudicar os interesses dos ricos. Eles também tentam disciplinar o resto da mídia. A BBC, ao longo dos últimos 30 anos, tornou-se uma sombra da emissora que era, e agora tratam os grandes negócios com deferência. Todas as manhãs às 6h15 grandes executivos tem acesso na grande de programação que antes era reservado a Deus, em Pensamento do Dia.

Então, o que pode ser feito? Por causa da ameaça peculiar que eles representam para a democracia há um caso a ser feito para compreender a maioria dos interesses nas empresas de comunicação, e para a criação de um conselho público, nomeados talvez pelo parlamento, para atuar como um contrapeso aos interesses dos acionistas do ramo.

Mas mesmo que isso seja uma ideia viável, ainda é muito distante. Por enquanto, a melhor esperança é mobilizar os leitores para fazer com que os jornalistas respondam a eles, e não apenas a seus proprietários. Um meio de fazer isso é fazer uma pressão para que jornalistas se comprometam com uma espécie de juramento de Hipócrates. Aqui está um primeiro esboço. Espero que outros possam melhorá-lo. Idealmente, eu gostaria de ver a União Nacional de Jornalistas construir sobre ele e incentivar seus membros a assinar.

"Nossa tarefa principal é manter o poder sob escrutínio. Vamos priorizar aquelas histórias e questões que expõem os interesses do poder. Vamos ter cuidado com as relações que formamos com os ricos e poderosos, e garantir que nós não incorporaremos a sua sociedade. Nós não vamos agradar políticos, empresas ou outros grupos dominantes ao evitar reportagens que possam ser maléficas aos seus negócios, ou distorcer uma história para satisfazer seus interesses.

"Vamos enfrentar os interesses das empresas, e os anunciantes que as financiam. Nós nunca vamos receber para promover uma opinião em particular, e nós vamos resistir às tentativas de obrigar-nos a adotar uma.

"Vamos conhecer e compreender o poder que exercemos e como ele se origina. Vamos desafiar a nós mesmos e nossa percepção do mundo, tanto quanto desafiamos outras pessoas. Quando nós revelarmos errados, vamos reconhecer."

Reconheço que isso não aborda diretamente as relações de poder que dirigem os jornais. Mas pode ajudar os jornalistas a determinar uma certa medida de independência, e os leitores a mantê-los nela. Assim como os eleitores devem pressionar seus deputados para representá-los, os leitores devem procurar levar os jornalistas para longe das demandas de seus editores. O juramento é uma ferramenta que poderia aumentar o poder dos leitores.

Se você não gostar, sugira uma ideia melhor. Algo tem que mudar: nunca mais uma meia dúzia de oligarcas pode dominar e corromper a vida deste país.

Tradução: Wilson Sobrinho

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ainda sobre a atribuição de autoria...

Fonte: Pesquisa Fapesp
Política de C & T| Colaboração

Hierarquia complexa
Estudo mostra as dificuldades de compreender a contribuição de cada um dos autores de um artigo científico

©  Paula Gabbai
A atividade dos pesquisadores sofre transformações motivadas pelo avanço do trabalho em rede e pela pressão crescente para publicar novos conhecimentos em revistas especializadas. Dois pesquisadores espanhóis resolveram investigar os efeitos dessas mudanças analisando um objeto de estudo pouco usual: a hierarquia das assinaturas dos vários autores de um artigo científico. Num paper publicado na última edição da revista Scientometrics, Rodrigo Costas, do Centro para Estudos em Ciência e Tecnologia da Universidade Leiden, na Holanda, e María Bordons, do Instituto de Estudos Documentais sobre Ciência e Tecnologia de Madri, na Espanha, analisaram a ordem das assinaturas de artigos publicados por 1.064 pesquisadores espanhóis entre 1994 e 2004. O universo de autores pertencia a três áreas do conhecimento: biologia e biomedicina, ciências de materiais, e recursos naturais (que inclui disciplinas como ecologia, geologia e oceanografia).

A principal conclusão do estudo foi que, com o aumento da idade e a escalada na carreira, o pesquisador passa a figurar mais como o último nome da lista de autores, que é a posição de mais prestígio. Mas há nuanças. Nas áreas onde vigora uma colaboração menos intensa, como a de recursos naturais (média de quatro autores por artigo), é mais comum que o papel de líder da pesquisa, em geral aquele que assina em último lugar, caiba a um pesquisador com idade mais avançada, sinal de que o tempo de carreira é um fator importante na definição do chefe do grupo. Já em campo do conhecimento em que o trabalho em rede é mais vigoroso, caso de biologia e biomedicina (média de sete autores por artigo), o fator que define a liderança não é tanto a idade, mas a posição profissional – pesquisadores que se destacam rapidamente na carreira conseguem ocupar com mais frequência o último lugar na lista das assinaturas. Ainda que a amostra seja restrita a cientistas espanhóis, os autores afirmam que o fenômeno não exprime uma situação isolada. “Embora haja diferenças de país a país, elas são cada vez menores por conta da crescente internacionalização da ciência”, afirmaram Rodrigo Costas e María Bordons, que ressaltam a importância da ordem das assinaturas para o reconhecimento do pesquisador. “A autoria é um parâmetro em avaliações e resulta em prestígio profissional.”

As regras envolvendo a posição do nome dos autores variam entre as áreas 
do conhecimento, mas a convenção mais utilizada reserva as posições mais importantes para o primeiro nome da lista (em geral, o responsável pelo trabalho experimental) e o último, que tem o papel de supervisão e liderança. Os autores remanescentes tendem a aparecer nas posições intermediárias, em ordem decrescente de contribuição. Há exceções em campos como a economia, a matemática e a física de altas energias, que, por razões peculiares, com frequência optam pela ordem alfabética.

O crescimento das colaborações, além de evidenciar que o mundo da pesquisa vai ficando cada vez mais complexo, também torna mais ambíguo o sentido de autoria e da posição do autor na lista de assinaturas, observam os pesquisadores. Em colaborações multilaterais, nas quais membros de vários grupos estão envolvidos, os padrões de assinatura conquistam novas formas. A posição dos autores frequentemente é determinada após uma exaustiva negociação entre os pesquisadores, que pode incluir, por exemplo, uma rotação na posição de autor principal nos artigos científicos seguintes para premiar de forma adequada os membros de equipes diferentes. “Em uma pesquisa feita em colaboração entre dois ou três grupos de pesquisa, certamente haverá uma discussão acerca dos nomes que assinarão os artigos e a ordem da lista”, diz Samile Vanz, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autora de uma tese de doutorado sobre colaborações na pesquisa brasileira (ver "A construção da teia" na Pesquisa FAPESP nº 169). “Já em áreas como a física de altas energias, onde muitos grupos participam das pesquisas e a lista de coautores chega a mil, não há esse tipo de negociação e os nomes aparecem em ordem alfabética.”

Uma possibilidade frequente entre grupos multidisciplinares, diz Samile Vanz, é a preparação de diferentes artigos – cada um com foco em uma das disciplinas envolvidas. O pesquisador daquela área específica é o responsável pela preparação do artigo, mas todos os outros entram como coautores – e, nesse caso, aparecem no meio da lista, independentemente da idade ou status profissional. “Posso dar um exemplo concreto, pois aconteceu comigo: um grupo de pesquisadores me convidou  para um estudo sobre cocitações de um periódico. O grupo preparou um trabalho com resultado da análise e submeteu a um congresso de sua área, em que o líder da pesquisa apareceu em primeiro lugar e eu entrei no meio da lista, acima de um aluno de mestrado. Porém, eu preparei um artigo para publicar em uma revista da minha área e, nesse caso,  apesar de utilizar os resultados da pesquisa, foquei o artigo na técnica de análise dos dados. Obviamente, entrei em primeiro lugar na ordem dos nomes”, afirma Samile.

Ambiguidades - Revistas, associações e instituições científicas internacionais vêm exigindo que cada um dos autores de um artigo científico declare previamente qual foi a sua contribuição específica. 
A declaração dos autores inibe a inclusão daqueles que colaboraram secundariamente, embora haja ambiguidades nos vários campos do conhecimento na definição de quem deve e quem não deve assinar. No Brasil, ainda são poucas as revistas que exigem essa declaração, mas a tendência é que esse expediente viceje aqui, diz o editor-chefe da revista Scientia Agricola, Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni. “Os diversos fatores ligados à qualidade dos periódicos científicos serão temas do próximo encontro da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), que acontece neste mês”, afirma Alleoni, que é professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e será um dos palestrantes do evento da Abec. Ele conta que as regras variam bastante em seu campo do conhecimento. “Quando é um artigo de ciências agrárias vinculado à biologia, normalmente segue- -se o padrão da biologia e das ciências médicas, em que o líder aparece por último. Mesmo assim há exceções, como no caso do famoso artigo publicado na revista Nature, em julho de 2000, sobre o mapeamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, em que o líder assinou em primeiro”, diz, referindo-se ao pesquisador Andrew Simpson, do Instituto Ludwig. Já em outros tipos de artigo, ora o supervisor/orientador assina por último, ora em segundo lugar, quando são artigos derivados de dissertações e teses, ou até em terceiro, quando há participação de co-orientadores, sem haver regra preponderante, afirma Alleoni. Em geral, os demais colaboradores aparecem em ordem decrescente. “Há também os que optam por citar colaboradores que não participaram ativamente apenas nos agradecimentos, o que me parece mais recomendável. Assim como há exemplos em que aparece como um dos autores o estatístico, que ajudou a organizar o delineamento do experimento e a analisar os resultados. Isso ocorre  quando a análise estatística foi essencial para o autor principal interpretar os dados”, afirma.

Segundo o estudo publicado na Scientometrics, há várias orientações para definir a autoria e, embora nenhuma delas seja universal, os critérios mais aceitos incluem o envolvimento na concepção, planejamento e execução do trabalho científico, a interpretação dos resultados, a participação na escrita de uma porção substancial do manuscrito e a aprovação final da versão a ser publicada. Em algumas áreas, alguns desses critérios, como a participação efetiva na escrita do artigo, prevalecem sobre outros. Para Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, editora da Revista Brasileira de Linguística Aplicada e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “o autor é aquele que senta e escreve”. A produção intelectual em linguística é diferente da de áreas em que há uma grande equipe de pesquisa e o resultado só pôde sair porque havia muita gente envolvida, diz ela. “Quando há mais de um autor, assina primeiro, em geral, o que teve participação maior. Se a participação for equivalente, é comum que o pesquisador mais consagrado assine primeiro, mas não existe uma regra única”, afirma. A revista dirigida por Vera não aceita a inclusão do orientador como coautor de artigos que resultam de dissertações e teses. “Quando recebemos um artigo, analisamos o Currículo Lattes dos autores. Se ficar caracterizado que se trata do resumo de uma tese e que um dos autores é o orientador, rejeitamos na hora, sem analisar o artigo”, afirma. “Se é o aluno quem escreve, o autor é ele. O orientador pode ganhar crédito, mas como orientador e não como coautor.”

© Paula Gabbai
Orientador genuíno - No campo da medicina, a inclusão do nome do orientador é aceita. “Se foi um orientador genuíno, ele ajudou a pensar o artigo. E todos os que participaram física ou intelectualmente do artigo podem assinar como coautor”, afirma Maurício da Rocha e Silva, editor da revista Clinics, publicação da Faculdade de Medicina da USP, citando as regras da Associação Mundial de Editores Médicos (Wame, na sigla em inglês). Rocha e Silva, que é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, conta que ainda prevalece uma regra, a seu ver perniciosa, de citar entre os autores de um artigo da área médica o chefe do serviço no qual o pesquisador principal atua, mesmo que ele não tenha efetivamente participado do estudo. “É uma regra não escrita. Já soube de pesquisador que desafiou essa regra e sofreu retaliações”, afirmou. “Não consigo entender por que isso continua, pois não acrescenta nada ao currículo do chefe do serviço, em geral um professor titular.” A revista Clinics exige que o autor principal do artigo declare a participação de cada um dos que assinam. “Isso costuma inibir a inclusão de nomes que não participaram diretamente.”

Esse debate envolve novas definições sobre ética na pesquisa, afirma Rogério Meneghini, coordenador da biblioteca de revistas científicas SciELO Brasil e especialista em cienciometria, a disciplina que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência. “Nós aqui na SciELO estamos discutindo essa questão. Há muita gente que assina sem ter uma participação efetiva e recebe crédito só porque está em posição de comando institucional. Às vezes é um pesquisador que foi para Brasília atuar num órgão administrativo e evidentemente não teve tempo de participar.” Para Meneghini, o tema deveria ser discutido pela comissão recém-anunciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para discutir casos de fraude científica no Brasil.

A pressão para publicar, diz Meneghini, é um motor do exagero. Ele conta que, quando estava à frente do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, recusava-se a ter seu nome incluído em trabalhos feitos na instituição. “Meus comandados queriam pôr meu nome, mas eu dizia que o fato de eu ler o artigo antes e dar minha opinião não me qualificava como autor”, afirma. Certa vez, sentiu a pressão ao ouvir de um avaliador insinuações de que havia líderes da pesquisa no LNLS que publicavam pouco. Mas o que mais preocupa Meneghini é o fato de os brasileiros ainda pouco se destacarem nos artigos formulados por grandes redes internacionais. “Brasileiros assinam artigos em grandes redes nas áreas de medicina, astrofísica e física de partículas, mas nunca os vi em primeiro lugar.”