segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Uma crítica propositiva, afinal?

MANIFESTO UNINÔMADE GLOBAL: REVOLUÇÃO 2.0

Fonte: Universidade Nômade
Rio de Janeiro – 24, 25 e 26 de agosto de 2011

Vivemos em uma situação revolucionária. A crise se torna permanente, a governança imperial está falida, o eixo atlântico apresenta a corda. Afirmá-lo não representa nenhuma concessão a um pretenso mecanicismo ou a qualquer tipo de determinismo ingênuo. São as próprias lutas a demonstrar que a multidão produtiva não quer mais viver como no passado, assim como os padrões do capitalismo global também não podem mais existir como no passado. Por isso o velho mundo está ruindo. Nas ruas do Egito, da Tunísia, da Espanha, de Londres, de Jirau e do Rio de Janeiro, de Santiago do Chile, nas praças e redes globais, a revolução qualifica a conjuntura e abre possibilidades extraordinárias na crise do capitalismo global iniciada entre 2007 e 2008 com a quebra dos contratos subprime e que hoje se aprofunda com a crise da dívida soberana na União Europeia.


Dessa maneira, a revolução volta à ordem do dia, embora de forma diferente: não há mais “palácio de inverno” a conquistar, centros nervosos do poder a serem apropriados. Por isso falamos em revolução 2.0: ela se articula através de diferentes tipos de rede – digitais e territoriais – e irrompe nas ruas e praças das metrópoles. Em um mundo no qual produzir se torna um ato comum, a “revolução 2.0” é o contexto no qual este ato se reafirma, e atualiza a potência de generalização do desejo comum.

A crise é sistêmica e permanente. A recorrência de bolhas através das quais a riqueza se acumula e estoura indica uma nova temporalidade da crise: não se trata mais de ciclos internos à (ir)racionalidade da economia capitalista, mas de uma temporalidade constituída pelos “mundos” que tais bolhas contêm. A temporalidade da crise é definida a cada momento pelas peculiaridades e pelos paradoxos que atravessam estes “mundos”, pelo conflito entre produção livre e horizontal do comum, de um lado, e sua captura parasitária, do outro. Em um viés negativo, as bolhas representam a forma que a acumulação capitalista usa para dividir e hierarquizar o comum. No positivo, são definidas e requalificadas pela difusão das lutas.

Governança e comum. Na crise, e diante dela, direita e esquerda se misturam, pensando-a como uma espécie de desvio da norma, por um lado, e usando-a como ocasião para aplicar unanimemente políticas ditas de exceção, por outro. Durante a primeira fase da crise ambas despejaram bilhões de dólares para socializar as perdas; agora desmantelam os últimos restos de welfare a fim de forçar a multidão de pobres e trabalhadores a arcar com o custo. O “estado de exceção” das economias centrais se une às políticas emergenciais dos países emergentes, de modo a submeter a sociedade aos interesses “superiores” do desenvolvimento. Mas, o “estado de exceção” é também aquele decretado pela multidão, em Londres.

Acenar com a ideia de exceção, portanto, não quer dizer afundar no catastrofismo, que nada mais é que um convite à inação política, ou mesmo reclamar a soberania estatal como freio à própria exceção. Quando a exceção se torna permanente, ela se torna normativa: e a governança se torna esta norma particular e não soft power, expertise e técnica de gestão que se distinguiria do governo fundado na violência. Digamo-lo então claramente: o modelo de governo soberano não acabou porque teria se tornado melhor, mas simplesmente porque as lutas o puseram em crise. A governança é um sistema de intervenção situado na base lá onde não é mais possível governar de cima para baixo. No entanto, essas intervenções alternam continuamente flexibilidade e violência (exatamente como se organizam /preparam as Olimpíadas de Londres e do Rio), com o fim de controlar e gerir aquilo que continuamente o excede: o comum. A governança é, portanto, continuamente alimentada por sua própria crise: é exatamente neste espaço, determinado pelas lutas, que se abre de modo permanente a possibilidade da ruptura e da subversão.

O trabalho da diferença advém da multidão. A revolução 2.0 é animada por uma composição do trabalho vivo de tipo novo, composta de pobres precarizados e precários empobrecidos. Trata-se de um trabalho altamente fragmentado, no qual se combinam velhas e novas formas de precariedade, reunindo na mesma condição produtiva os migrantes, os pobres daquelas áreas ditas “subdesenvolvidas” (de Tunísia, Egito ou Brasil) e o proletariado cognitivo e imaterial das metrópoles “centrais” e “emergentes”. Nas lutas, nas redes e nas praças, a esta vida de precariedade se contrapõe a potência do fazer multidão, isto é, a metamorfose dos fragmentos em singularidades que cooperam entre si a partir das próprias diferenças e as reinventam continuamente: mulheres, migrantes, homens, indígenas, negros, mestiços, jovens, gays, lésbicas, transexuais.

As forças produtivas contêm as relações de produção. Atualmente se inverte a tradicional relação entre forças produtivas e relações de produção: podemos dizer que são as próprias forças produtivas que contêm as relações de produção, enquanto o capital variável (isto é, o trabalho vivo que coopera / o trabalho colaborativo em rede) incorpora o capital fixo – as metrópoles e as suas praças, a cultura e a natureza. O comum indica exatamente esta dimensão relacional das forças produtivas enquanto produção de formas de vida (e de saberes) por meio de formas de vida (e de saberes). Os pobres se tornam potências produtivas sem passarem pelas relação salarial; os trabalhadores passam a ser plenamente produtivos por si mesmos, nas redes e nas praças.

Da relação salarial àquela de débito-crédito. Se no capitalismo industrial as variáveis centrais eram o salário e o lucro, no capitalismo cognitivo estas se tornam a renda e o rendimento. Neste regime de acumulação, o trabalho se torna relacional, “polinizador”, imerso em redes de autovalorização. A acumulação ocorre a posteriori, como captura – financeira – dos fluxos: o mecanismo fundamental da captura consiste em continuar a pagar exclusivamente os fragmentos de trabalho que se apresentam sob a forma tradicional do emprego (das abelhas operárias). Assim, a perda do salário direto e indireto é “compensada”, paradoxalmente, pelo crescente recurso ao endividamento. Lucro e salário se transformam então em rendimento e renda. O tornar-se rendimento do lucro, através da financeirização, lança luz sobre a dimensão parasitária do capital que, para sugar o valor, acaba por matar as abelhas polinizadoras do trabalho relacional. Diante deste parasita, a fim de que o trabalho da multidão reproduza suas condições comuns, o salário deve estender-se pelo tempo de vida total; devir-renda, ou seja, uma bio-renda que reconheça a dimensão produtiva do trabalho relacional:“polinizador”. O direito a decretar falência e dar calote por parte de precários e pobres, isto é, a recusa em pagar a dívida a bancos, firmas financeiras e Estados, é uma das práticas através das quais a multidão se reapropria da renda social e o trabalho passa por um devir-renda.

Da dialética público-privado ao comum. Finalmente passou o tempo em que o socialismo podia correr em socorro de um capitalismo em agonia. E os anos de crise mostraram que qualquer receita keynesiana ou neo-keynesiana que vise relançar o ciclo econômico através do governo público faliu. Os processos de financeirização do welfare não podem ser afrontados e derrotados no terreno público exatamente porque esta é a articulação que permite que esses processos funcionem. Por outro lado, os sujeitos da revolta inglesa ou das periferias francesas cada vez mais só experimentam do welfare público a função de controle, privados que são dos benefícios materiais e das promessas de progresso do capitalismo, do exaurimento definitivo da percepção da escola e da universidade como mecanismos de ascensão social – percepção hegemônica dos movimentos de precários e estudantes na Europa, assim como nas revoltas na Tunísia e no Norte da África, aproximando e tornando comum uma classe média empobrecida e um proletariado cuja pobreza é diretamente proporcional à produtividade: pobres precarizados e precários empobrecidos.

O desafio se coloca agora, imediatamente, no plano da reapropriação da riqueza social e, logo, de sua constituição em riqueza comum; isto é, no plano da construção de instituições do comum, entendidas como criação de normatividade coletiva imanente à cooperação social. Não “ilhas felizes” ou espaços de utopia no interior (ou apesar) da acumulação capitalista, mas organização da autonomia coletiva e destruição dos aparatos de captura capitalista.

Em suma, não resta mais nada a defender. Transformar as mobilizações em torno do público em organização do comum: eis o caminho que indicam as acampadas espanholas e os movimentos globais. Podemos encontrar traços importantes também neste laboratório extraordinário e produtivamente ambivalente em que se constituíram o Brasil e a América Latina da década passada, na relação aberta e tensa entre movimentos e governança: como a rede, a cultura, os saberes, a universidade, os lugares de habitação e os espaços metropolitanos podem ser imaginados não como afirmação daquilo que não pertence a ninguém, mas como instrumento de autovalorização e autonomia da potência cooperativa do trabalho vivo? Como afirmação, portanto, daquilo que é produzido por todos e que pertence a todos, ou seja, da institucionalidade do comum? Aqui se travam as batalhas.

Nem brasilianização, nem europeização: Sul, Sol, Sal! Como evocado pela poesia do modernismo comunista brasileiro, a revolução 2.0 vem do Sul (da Tunísia, do Egito), consolida-se no Sol das acampadas espanholas, para então retornar ao Sul que se localiza no interior do norte e reverbera nos fogos da revolta na Inglaterra. Em Londres, hoje, como em Paris ontem, encontramos as periferias pós- e neo-coloniais, fenômeno a que os sociológos do risco chamam de “brasilianização do mundo”: o colonizado continua a ser o mau exemplo aos olhos do colonizador. Mas, visto desde o Sul, a “brasilianização do Brasil” revela um duplo paradoxo: uma vez que atualmente é no Sul que se encontram as jazidas do crescimento global, a tal “brasilianização” é na realidade uma “europeização”. Estas jazidas, porém, não devem repetir a experiência de expropriação e homologação coloniais. Para além da brasilianização e da europeização, é na multidão de pobres – das favelas do Rio de Janeiro e das periferias de Londres – que encontramos o “Sal”: a metamorfose do próprio significado do desenvolvimento.

Os espaços constituintes do comum. A revolução 2.0 é irrepresentável: afirmam os movimentos. A potência constituinte da multidão não deve se tornar forma de governo, porque ela já exprime imediatamente as formas de vida em comum. A ocupação dos espaços metropolitanos, na condição de espaços centrais da produção, não é um simples exercício extemporâneo de protesto, mas construção de laboratórios de criação de formas de vida em comum, de reapropriação de poderes e logo de nova constituição. Mas, como é que esta potência constituinte pode conseguir esvaziar e romper a máquina de captura? Eis o ponto. De uma coisa estamos seguros: é no plano transnacional que o processo constituinte é jogado. Não há devir para as lutas nas angústias e nos limites esvaziados dos Estados-Nação. Isto vem sendo dito das acampadas espanholas até a Tunísia. E é por este motivo que – como indica a construção de uma grande jornada de mobilização transnacional no próximo dia 15 de outubro – os espaços globais só podem viver através de um processo constituinte que se encarna nos movimentos do comum e nas experimentações políticas da multidão. Por isso também, quaisquer tentativas de engenharia jurídica ou econômica, ou de reprodução em escala continental da crise irreversível da soberania estará morta ao nascer.

Quando nos anos recentes começamos a falar de multidão, de pobres e de comum, de trabalho cognitivo e biopolítica, talvez ainda não compreendêssemos com precisão a potência do que estávamos dizendo: pois as lutas hoje explicam e aprofundam esses termos. Estes são conceitos entendidos como ferramentas políticas. E será nesta tendência que continuaremos a dar nossa contribuição para transformar a situação revolucionária em revolução, revolução 2.0: é o único caminho plausível e possível para sair da crise para além da impotência e da melancolia das esquerdas e contra a guerra aos pobres criada pelas direitas.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Participemos!

Plano Nacional de Cultura

Fonte:  MinC

Cerimônia de abertura de consulta pública teve como destaque parceria entre MinC e MEC


A ministra Ana de Hollanda abriu nesta quarta-feira (21) consulta pública para o Plano Nacional de Cultura (PNC). A cerimônia aconteceu, às 10h, no Edifício Parque Cidade, durante a 15ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e contou com a presença do ministro da Educação, Fernando Haddad. O objetivo da consulta, que ficará aberta até o dia 20 de outubro, é receber contribuições da sociedade civil e de gestores públicos para a elaboração das metas, até 2020, que nortearão as políticas públicas no setor cultural. São 48 metas, construídas sobre as 275 ações do PNC.

O Plano Nacional de Cultura foi instituído pela Lei nº 12.343/2010 e apresenta um conjunto de diretrizes, estratégias e ações que devem nortear as políticas culturais dos próximos dez anos do governo federal, dos estados e municípios, articulados por meio do Sistema Nacional de Cultura.
O PNC tem como metas propostas: Reconhecimento e promoção da diversidade cultural; criação, fruição, difusão, circulação e consumo; educação e produção de conhecimento; ampliação e qualificação de espaços culturais; fortalecimento institucional e articulação federativa; participação social; desenvolvimento sustentável da cultura; mecanismos de fomento e financiamento; e políticas setoriais.

Educação e produção de conhecimento
Após a abertura da consulta pública, o período da manhã da reunião do CNPC foi reservado à apresentação das metas a serem alcançadas dentro do tema Educação e produção de conhecimento. Tendo como tema Diálogo: Interfaces entre o Plano Nacional de Educação (PNE) e o Plano Nacional de Cultura (PNC), os ministros da Cultura, Ana de Hollanda, e da Educação, Fernando Haddad, aunciaram a construção de uma parceria entre os dois ministérios para o desenvolvimento de ações conjuntas nas escolas públicas de todo o país.
“Nós criamos a Diretoria de Educação e Cultura e já estamos trabalhando com o objetivo de construir ações conjuntas com o Ministério da Educação”, afirmou a ministra Ana, acrescentando que o PNC tem seis metas voltadas para a educação. Segundo ela, o grupo de trabalho já está estudando uma parceria institucional entre os programas Mais Cultura (MinC) e o Mais Educação (MEC).
O ministro Fernando Haddad defendeu a parceria lembrando que é importante para os estudantes, os maiores beneficiados, essa interface entre educação e cultura. “O MEC tem como mensurar a qualidade da educação, mas não temos como mensurar os valores culturais inseridos na vida desses alunos. É aí que entra a cultura”, afirmou. Segundo Haddad, a parceria fortalecerá o ensino. “Se a criança dominar o texto literário, sua imersão no conhecimento será muito maior”, acentuou.

Cultura e fortalecimento
Para a ministra Ana, a cultura nas escolas não apenas fortalece o sistema de ensino. “A cultura trabalha a liberdade e ajuda na formação da personalidade dessas crianças. Ela dá a elas uma dimensão e reflexão maior da realidade e de sua formação, inclusive para questionar o próprio sistema educacional”, enfatizou. Segundo ela, o MinC pretende, por meio do Programa Mais Cultura, propiciar às crianças a aproximação com os Pontos de Cultura, que desenvolvem atividades culturais, como cursos e oficinas, com o apoio do Ministério da Cultura.
O ministro da Educação sugeriu ainda a inclusão do Sistema S (Senai, Senac, Sesc e Sebrae), já parceiro institucional do MEC, na parceria com o MinC. “O Sesc, por exemplo, é como um Ponto de Cultura privado e tem obrigação de oferecer atividades culturais voltadas para as escolas”, informou, acrescentando que o objetivo da parceria MEC/MinC é fazer chegar cultura em todas as regiões e municípios do Brasil.

Para o secretário de Políticas Culturais do MinC, Sérgio Mamberti, “esse é um momento muito especial para nosso país, que nos permite perceber que avançamos”. Segundo Mamberti, com o entrelaçamento das metas do PNC com as metas do PNE, o Governo Federal estará desenvolvendo ações à altura dos anseios da população.

O relator do Plano Nacional de Educação, deputado Angelo Vanhoni (PT/PR), também compareceu à cerimônia de abertura da consulta pública do PNC. Segundo ele, que defendeu a parceria entre os dois ministérios com os Planos de Educação e de Cultura, o PNE tem 32 emendas voltadas para a cultura. Vanhoni destacou uma proposta ao Vale-Cultura (em tramitação no Congresso Nacional) que inclui o benefício a todos os professores. “Com isso, aumentaríamos a qualidade dos professores, o que é importantíssimo para o processo, já que eles são irradiadores do conhecimento”, defendeu o deputado.
A cerimônia contou ainda com as presenças do presidente do Conselho Nacional de Políticas Culturais e secretário de Articulação Institucional do MinC, João Roberto Peixe; do secretário de Políticas Culturais do MinC, Sérgio Mamberti; da diretora de Educação e Comunicação do MinC, Juana Nunes Pereira; e do representante do Conselho Nacional de Educação, Gilberto Garcia.

Participe aqui da consulta pública

(Texto: Heli Espíndola,Ascom/MinC)
(Fotos: Bruno Spada, Ascom/MinC)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Saber e Corporalidade





Os vídeos acima mostram a gravação do trabalho de três amigos que, durante 44 dias, saíram explorando 11 países com apenas duas câmeras na mão. Tais vídeos baseiam-se nos conceitos “Move” (Movimento), “Learn” (Aprendizagem) e “Food” (Comida). Esse trabalho todo, para os jovens andarilhos, pode ter um significado diferente do qual eu irei, hipoteticamente, apresentar aqui.
Bom, a discussão que levanto após ver esses vídeos é: de que maneira e/ou até que ponto nós e, mais especificamente, cada um como indivíduo e até mesmo como cada EU- INTERIOR, estamos presos aos valores étnicos, culturais e sociais em que nos inscrevemos. Há um limite entre o sujeito caracterizado diante de aspectos físicos, psicológicos, discursivos e sociais e o TU novo que desperta desse EU- INTERIOR “deslocado” por certos momentos, devido, supostamente, ao engajamento desse sujeito em outras culturas e meios comunicativos. E que esse TU novo, ao “retornar” ao seu EU-INTERIOR “de origem”, possivelmente, volta com novas características influenciadas pelos meios culturais, sociais, políticos entre outros que circulou. Portanto, como é que se dá essa relação, há limites ou traços que identificam, a partir de um ponto, o começo de um TU novo. Se é um TU novo, não acaba sendo também um EU-INTERIOR “de origem”? Pois se estamos sempre nos constituindo corporalmente dos mais variados valores sociais, étnicos, culturais existentes, como exemplo, as vestimentas, os gestos, o andar, entre outros e, mentalmente, formações discursivas, produções orais, compreensão dos fatos, de algo e de coisas postas no mundo em que vivemos. Então, podemos dizer que a “criação” de um TU novo ocorre simultaneamente a cada comunicação que fazemos?!           


Thayara Galterio                                                                               
                  
           
                                                                                       

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pôr as barbas de molho...

Wikileaks: Microsoft recorreu à diplomacia americana para barrar a adoção do ODF no Brasil


Fonte da tradução: A Rede
O texto integral do despacho está no Knowledge Ecology International


Entre 2007 e 2008 houve uma disputa, no Brasil, em torno de qual formato de documentos a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) iria adotar como norma para os documentos eletrônicos no país. De um lado da disputa estava o padrão ODF (Open Document Format), um formato aberto e público. Do outro, o padrão OXML, proposto pela Microsoft para garantir a compatibilidade com os formatos anteriores usados por seus programas, como o Word e o Excel.

A ABNT escolheu o ODF e a versão final da tradução da norma ISO/IEC 26300 foi aprovada em 2008. Esta aprovação era o último passo para a adoção do ODF como Norma Brasileira. Antes disso, porém, houve uma enorme briga de bastidores na qual a Microsoft tentou fazer prevalecer seu padrão. Um dos 251 mil despachos das embaixadas americanas em todo o mundo, vazados pelo Wikileaks, mostra como o presidente da Microsoft, Michel Levy, recorreu ao embaixador americano no Brasil e argumentou em favor de sua posição, acusando o governo brasileiro de ser "anti-americano" e contrário à propriedade intelectual e os royalties.

O ODF foi adotado pela ABNT e foi criado o Protocolo Brasília, pelo qual empresas e organizações assumem o compromisso de adotar o padrão ODF. Leis sobre o assunto aprovadas em alguns estados e um projeto para adoção em todo o país agora tramita no Congresso Nacional. "O ODF só cresce no Brasil, e por isso mesmo fico feliz em ver que mesmo apelando como eles apelaram, fracassaram miseravelmente na tentativa de barrar este avanço", conta Jomar Silva, o Homembit,  engenheiro, desenvolvedor de padrões abertos e ativista do software livre. Hoje a Microsoft participa do comitê que desenvolve o padrão, suporta o ODF - ainda de forma bastante limitada - no Microsoft Office e tem trabalhado no desenvolvimento de padrões abertos. "A Microsoft precisou apelar até para o governo norteamericano para frear o ODF e avançar com o OpenXML. A pergunta que fica é: em quantos outros países eles fizeram o mesmo, e quais governos sucumbiram a esta pressão?", comenta Jomar.

Vale a pena ler o despacho, para ver como a empresa recorreu à diplomacia para defender seus interesses. Ele é atual porque argumentos como "pirataria" e "desrespeito à propriedade intelectual" ainda são usados por empresas que dependem de propriedade intelectual para impedir a adoção de padrões abertos e de leis de direito autoral mais flexíveis. E para defender a aprovação de leis de vigilância na internet.

A matéria que revelou o despacho de 2007 foi publicada no site da organização não governamental Knowledge Ecology International (KEI). Abaixo, uma tradução livre do texto. Vale observar que o XML citado no documento, de forma incorreta, é o OpenXML (OXML).


Em 21 de dezembro de 2007, o cônsul geral dos Estados Unidos em São Paulo, Thomas White, escreveu um despacho com o seguinte título: Microsoft vê ataques do governo contra direitos de propriedade intelectual (ou
intellectual property rights, na expressão em inglês, IPR). O despacho foi classificado como "Confidencial" pelo chefe de assuntos políticos e econômicos do consulado, James Story.

No despacho o cônsul relata uma reunião de 20 de dezembro, em São Paulo, entre o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel, e o presidente da Microsoft Brasil, Michel Levy. O tema da reunião foram as preocupações da Microsoft pelo fato de o Brasil estar:

"pressionando outros países para que adotem o padrão ODF (Open Document Format) em vez do XML no encontro realizado em março pela International Standards Organization (ISO) em Genebra." [A ABNT havia votado contra a adoção do padrão da Microsoft em agosto de 2007, na reunião da ISO]
Levy afirmou que tinha em mãos cartas não assinadas do Itamaraty a outros governos pedindo sua colaboração para apoiar o ODF, um padrão aberto, como padrão internacional. Mesmo que fosse verdade, isso não seria surpreendente porque havia, na época, um apoio amplo entre governos, empresas de software que não fossem a Microsoft, organizações de defesa de consumidores e defensores do software livre para pressionar pela adoção do ODF como o padrão aberto para formatos de arquivos. [Isso aconteceu porque essas organizações são contrárias à adoção de formatos proprietários para documentos eletrônicos].

O despacho afirma que a Microsoft esperava, do embaixador, uma consultoria confidencial sobre o tema, não a defesa das posições da empresa. Esse tipo de aconselhamento estava disponível: "O embaixador Sobel ofereceu, em vários assuntos confidenciais, conselhos sobre que tipo de abordagem a Microsoft poderia fazer para angariar apoio a padrões que admitissem tanto o ODF quanto o XML."

Michel Levy expressa sua preocupação em relação à Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil:

"Levy acredita que esse tema está sendo tratado de maneira ideológica e é uma manifestação de anti-americanismo dentro do Itamaraty. Ele citou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, assim como seu assessor de alto nível, Cezar Alvarez, como os arquitetos de uma estratégia anti-propriedade intelectual e anti-
royalties dentro do governo. De acordo com Levy, esses auxiliares convenceram o presidente Lula de que não havia diferença entre o ODF e o padrão proprietário XML. Sua principal preocupação era que o Poder Executivo decidisse, por meio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), adotar o ODF como padrão para os documentos do governo brasileiro sem consultar o Congresso Nacional, onde a Microsoft teria ao menos a chance de explicar as diferenças entre os sistemas de software. Levy usou como exemplo o fato de que todos os designs da Embraer são criados em XML e que o padrão ODF usado na época não daria conta de fazer a mesma coisa. Se o ODF for o único padrão, argumentava Levy, haveria consequências econômicas para o Brasil.

O despacho conclui com a observação de que "a preocupação da Microsoft de que o governo brasileiro esteja tentando adotar um padrão que não permita o uso de software proprietário merece nossa atenção".