terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Que outra saída senão partilhar?

Opinião: quem se esqueceu do software livre?

Paulo Kliass
25/02/2013 

Fonte: ARede


As propostas de grupos como o Wikileaks e as ações mais recentes de Julian Assange, a partir do asilo concedido na Embaixada do Equador em Londres, recolocam no centro do debate político internacional questões essenciais que relacionam economia, poder e informática, nestes tempos de mudanças profundas nos padrões tecnológicos e culturais da sociedade contemporânea. A era da emergência das chamadas tecnologias da informação e comunicação (TICs).

No Brasil, o movimento pela democratização das condições de “ciência, tecnologia e inovação” encontra um espaço importante no movimento para disseminação do software livre. Afinal, convenhamos que é mesmo um absurdo ficarmos, todos nós, reféns das vontades e dos interesses de um punhado de poderosas mega-empresas da tecnologia virtual. É o caso da Microsoft e similares, que ganham fortunas apenas com os direitos autorais e de propriedade de seus programas, os chamados produtos software e aplicativos. Isso sem contar o enorme faturamento obtido também com a produção de máquinas e equipamentos, os produtos hardware. Usam e abusam de sua imensa influência para impedir o surgimento de outros caminhos. Escondem a 7 chaves os segredos de sua linguagem e de seus códigos, as fontes de seu poder no mercado e na sociedade.

Independência frente aos grandes grupos
Em razão desse tipo de constrangimento, é crescente o movimento de constituição de alternativas que não dependam desse tipo de amarração jurídica e financeira aos grandes grupos. Por todos os continentes são constituídos, a todo momento, grupos formais e comunidades informais de pesquisadores, profissionais e demais interessados, cujo objetivo é criar e oferecer, para toda a sociedade, o livre acesso aos mesmos tipos de programas de informática sem a necessidade de remunerar monetariamente direitos autorais ou de propriedade. São os chamados “free software”. Pra além do não pagamento, a idéia de “free” deve ser associada à liberdade para os usuários dominarem e abrirem a “caixa preta” dos sistemas. Com isso, os mesmos poderiam ser aperfeiçoados e reproduzidos de forma generalizada. O objetivo maior sendo a democratização do acesso e do uso dos programas.

No entanto, para que essa alternativa se viabilize e seja aceita de forma ampla, dentre os inúmeros universos de usuários existentes, é essencial que tais iniciativas contem com o apoio do Estado, por meio da formulação e implementação de políticas públicas para o setor. Afinal, as medidas estratégicas visando a universalização da inclusão digital deveriam incorporar a noção implícita de que o direito ao acesso ao mundo virtual é condição fundamental do exercício pleno da cidadania.

Apoio do Estado e políticas públicas
O apoio da Administração Pública pode vir sob diversas formas. A primeira delas é por meio de políticas de incentivo e financiamento ao desenvolvimento de software livre, tanto nas universidades e nos centros de pesquisa, quanto nos grupos informais e comunidades de ativistas. Com isso, contribuindo para criar massa crítica e para tornar permanente a formação de profissionais com esse perfil. Em segundo lugar, o Estado pode atuar de forma mais incisiva ao estabelecer que suas necessidades e solicitações de produtos e serviços de informática sejam direcionadas para o software livre. Com isso, ficaria assegurada uma demanda significativa para esse tipo de alternativa de programas e os orçamentos da União, dos estados e dos municípios deixariam de ser onerados pelos encargos com pagamento de direitos às grandes empresas de TICs. Em terceiro lugar, o Estado deve constituir fundos de financiamento específicos para o desenvolvimento desse tipo de programa, com o objetivo de disseminar sua utilização e oferecer condições de pesquisa e empreendedorismo para todos que desejem atuar com esse tipo de projeto. Finalmente, cabe aos órgãos governamentais exercer de forma mais incisiva seu papel de regulamentador e fiscalizador das condições de concorrência no mercado, para evitar as conhecidas práticas sob a forma de cartel ou abuso de poder econômico.

Ascensão e queda no governo Lula
Como se pode perceber a tarefa é árdua e as oportunidades políticas não podem ser desperdiçadas. Assim, o processo da vitória de Lula nas eleições presidenciais e o início de seu mandato em 2003 foram vistos pelas entidades, grupos e indivíduos que atuavam na área como o grande momento para colocar o processo em marcha e transformar o sonho em realidade. O lema generalizado era: “Sim, é possível!”. Durante os primeiros anos de governo houve até mesmo um esboço de incentivo à ampliação do uso do software livre e de sua propagação como política pública federal. Diversos grupos de trabalho foram constituídos para implementação de medidas em áreas como: i) inclusão e acesso digitais; ii) aprofundamento da estratégia do governo eletrônico; e iii) universalização da produção e acesso ao software livre, dentro e fora dos órgãos governamentais.

Porém, a força das empresas do setor não esperou muito para se manifestar. E, pouco a pouco, os poderosos das TICs foram reconquistando o terreno, articulando junto a políticos influentes no Executivo e reforçando seu “lobby” junto ao Legislativo. O objetivo central era minar, ainda no nascedouro, essa chamada “aventura irresponsável” do software livre. Apesar de perder força no interior do governo, a iniciativa ainda se mantinha acesa na esfera de poder da Presidência da República. Tanto que o próprio Lula assinou, em 2005, a apresentação de uma importante diretiva para que o software livre fosse adotado como regra para o uso das políticas de informática no interior da Administração Pública.

O documento “Guia Livre: Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal” estabelece uma estratégia para completar um processo que teve início logo no início do governo: romper a dependência tecnológica e financeira em relação aos grandes grupos. O texto assinado pelo Presidente não poderia ser mais claro a respeito de um engajamento com tal opção de política pública:

“Nos últimos três anos, implementamos uma forte política de independência tecnológica, de fortalecimento da pesquisa em computação de alto desempenho, de inclusão digital e de adoção do software livre. Elementos que compõem uma política industrial e uma estratégia de desenvolvimento nacional para esse setor.”

O texto de Lula refletia, com toda a certeza, o pensamento e a vontade da maioria dos integrantes de sua equipe de governo a respeito do assunto até o ano de 2005. O software livre era encarado como política pública e merecia o tratamento de prioridade. Vejamos outro trecho carregado de recados e significados:

“Quero agradecer a todos os que defendem o software livre e lutam pelo aprofundamento e ampliação dos direitos de cidadania em todo o mundo. As potencialidades e os desafios das novas tecnologias da informação têm cada vez mais importância para o efetivo exercício desses direitos. Em nosso ponto de vista, o acesso a esses avanços tecnológicos deve ser direito de todos e não privilégio de poucos. Por isso, o governo federal tem intensificado o diálogo democrático com a sociedade e tratado o software livre e a inclusão digital como política pública prioritária. Entre os resultados desse diálogo estão programas importantes em curso no País.” (grifo nosso)

Apesar dessa diretriz inequívoca, a questão do software livre foi, pouco a pouco, perdendo espaço na pauta de governo. O jogo de pressão das grandes empresas terminou por vencer a disputa, pois os dirigentes políticos não tiveram a coragem necessária para levar à frente esse importante projeto. O roteiro foi muito semelhante ao do que ocorreu com a submissão aos interesses dos banqueiros e do financismo, aos interesses das empreiteiras e das construtoras, aos interesses dos representantes do agronegócio e do latifúndio, aos interesses das empresas de telecomunicações e aos interesses dos grandes meios de comunicação. Neste caso, em particular, o governo terminou cedendo aos interesses dos grandes grupos de TICs. Tudo em nome da suposta necessidade de governabilidade. Tudo plenamente justificado pela busca de um modelo de realismo e pragmatismo políticos, que sempre termina por distorcer o sentido primeiro da conquista do poder: a transformação social.

Urgência em retomar o tema e o potencial do Brasil
O Brasil tem uma história recente que confirma seu potencial para alavancar um setor de computação competente e eficaz. Isso vem desde a antiga política nacional de informática, quando se pretendia desenvolver um setor nacional, com incentivos fiscais e estímulo governamental. Apesar dos problemas apresentados por tal estratégia, o fato é que o ingresso nos anos 1990, a adoção do receituário neoliberal e o mito da globalização acabaram por inviabilizar tal opção. Quando Collor escancarou de forma generosa e irresponsável o mercado brasileiro à concorrência internacional, não havia meios de resistir.

E, apesar da enorme pressão contra tudo o que fosse público, mesmo no interior da administração do Estado sempre houve ilhas excelência para desenvolvimento de programas e processos na área de informática. Era o exemplo do CPQD na Telebrás, antes de sua privatização. Ou então o caso do SERPRO, ainda operando para o governo federal no âmbito do Ministério da Fazenda. Isso significa que, caso o setor público venha a confirmar sua demanda por esse tipo de serviço, a sociedade brasileira pode criar as condições para sua implementação. O que falta, porém, é uma garantia de continuidade na política pública e o estímulo para que as novas gerações de profissionais e usuários sejam educadas e formadas em ambiente favorável ao uso do software livre.

Para além da questão da economia de recursos do orçamento - aspecto que não deve ser negligenciado de forma nenhuma, a política pública de software livre carrega consigo a noção de inclusão digital, de política industrial e de estratégia de desenvolvimento nacional. O desenvolvimento de capacitação econômica e profissional no setor de TICs internamente é essencial para um projeto de País. Um território de dimensões continentais como nosso, uma sociedade complexa como a brasileira, uma população tão numerosa como a que atingimos e uma estrutura econômica tão diversa e dispersa como a que temos não podem prescindir de uma política de tecnologia de comunicação e informação também autônoma, e que seja adaptada e voltada para os nossos problemas e desafios.

O monitoramento da Amazônia verde, o acompanhamento da Amazônia azul (o Oceano Atlântico de 200 milhas por quase 8.000 km de costas), os desdobramentos do Pré-Sal, o monitoramento das situações de riscos, os mecanismos de defesa de nossas fronteiras e tantos outros itens vitais não podem ser deixados para tratamento pelas grandes empresas do setor. Na verdade, trata-se de afirmar um desejo e uma necessidade de independência tecnológica e de soberania nacional. A política de software livre é tão somente a ponta do iceberg de um conjunto mais amplo de medidas para que o Brasil tenha condições de enfrentar de forma competente e robusta os desafios desse mundo cada vez mais multipolar.

A institucionalidade da Presidência da República ainda manteve a estrutura responsável por esse tipo de ação, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. O governo possui até mesmo um Plano Plurianual para o setor. Mas o quadro atual é muito distante daquele descrito por Lula há 7 anos atrás. Uma das evidências mais carregadas de simbolismo é que a página específica da internet parece que parou no tempo. É necessário que o governo se dê conta da importância do tema e recupere o espaço perdido, recolocando o software livre como prioridade em sua agenda. Para tanto, é essencial que lembremos, a todo instante, à equipe de Dilma Rousseff sobre a natureza estratégica dessa política pública: não se esqueçam jamais do software livre!

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.


complemento imperdível: entrevista recente de Assange "concedida na embaixada do Equador no Reino Unido, Julian Assange fala sobre seu novo livro, que está sendo publicado no Brasil, e analisa o atual momento da mídia mundial. 'O abuso que grandes corporações midiáticas fazem de seu poder de mercado é um problema. Nos meios de comunicação, a transparência, a responsabilidade informativa e a diversidade são cruciais. Uma das maneiras de lidar com isso é abrir o jogo para que haja um incremento massivo de meios de comunicação no mercado', defende.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

As coberturas de eventos: quem cobre o quê? Por quê? Pra quê?...


O jovem que a TV esconde  

Para que o telespectador possa comparar os programas e escolher os que lhe interessam é fundamental que emissoras públicas e privadas estejam lado a lado, com apenas um ‘zap’ entre elas

Por: Lalo Leal

Publicado em 16/02/2013


Cerca de 4 mil jovens circulam pelo campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na manhã de um sábado de verão. Festival de risos, músicas, mochilas e colchonetes.

Estão ali para participar do 14º Coneb, o Conselho Nacional de Entidades de Base, da União Nacional de Estudantes (UNE). Havia gente que levou dois ou três dias para chegar a Recife, como os que saíram do interior do Amapá, usando barcos e ônibus como transporte.

Durante três dias vão discutir os rumos da educação brasileira e, de quebra, a luta pela democratização da mídia. Nada mais pertinente e necessário. O próprio encontro é o melhor exemplo dessa necessidade, praticamente ignorado pelos grandes meios de comunicação.

O número de participantes, os convidados presentes (autoridades públicas e especialistas) e os temas justificam a inclusão do encontro em qualquer cobertura jornalística séria. Não foi o que ocorreu. Abro dois grandes jornais de Pernambuco no domingo, e nada. Nos do Rio e São Paulo nem sombra do encontro.

Televisões presentes só as públicas: TV Brasil e TV Pernambuco. Fato que ressalta a importância desses veículos na luta contra o bloqueio dos meios privados aos movimentos sociais, como o estudantil.

Uma cobertura ao vivo no campus da UFPE poderia render ótimas histórias. Além do conteúdo dos debates, as vivências daqueles estudantes com diferentes sotaques mostrariam ao telespectador um jovem comprometido com seu país, bem diferente dos que aparecem todos os dias nas novelas.

Coincidindo com o evento da UNE, foi implementada a Empresa Pernambuco de Comunicação, gestora da TV pública local. Embora vinculada ao governo do estado, é gerida por um conselho autônomo que segue em linhas gerais os padrões adotados pela Empresa Brasil de Comunicação. São tentativas promissoras de tornar esses veículos mais públicos e menos estatais.

No caso de Pernambuco, o processo levou mais de três anos, num debate aberto com ampla participação da sociedade. A TV já existia, mas estava sucateada. Foi criada em 1984 e, durante os governos pós-ditadura de Miguel Arraes (1987-1990 e 1995-1999), tornou-se um importante veículo de informação e entretenimento. Abandonada na gestão Jarbas Vasconcelos (1999-2006), tem agora possibilidades de se reerguer.

São passos importantes mas ainda preliminares para a constituição no país de um serviço público de rádio e televisão capaz de competir com a mídia comercial. Um dos obstáculos mais sérios, além de uma destinação constante e consistente de recursos, está na forma de o telespectador sintonizar essas emissoras.

O espectro eletromagnético por onde trafegam as ondas de rádio e TV foi praticamente privatizado. Em Recife, a TV Pernambuco pode ser vista no canal 46 (UHF). Até o governo Jarbas era possível ver a emissora estatal em VHF, no canal 9, ao lado das grandes redes comerciais. Mas a concessão foi perdida e ocupada, rapidamente, pela Bandeirantes.

O fato se repete em outros estados. Com a digitalização prevista para os próximos anos, o problema pode ser minimizado, mas não resolvido. As grandes redes comerciais continuarão a ser sintonizadas nos canais de números baixos (hoje vão do 2 ao 13), restando os mais longínquos para as redes públicas.

Para que o telespectador possa comparar os programas e escolher os que lhe interessam é fundamental que públicas e privadas estejam lado a lado. Não são tantas as TVs comerciais para mostrar praticamente a mesma coisa? Então deveremos ter muitas públicas, para mostrar nossas múltiplas realidades.

Só assim será possível cobrir ao vivo, com competência e detalhamento, um evento como o realizado em Recife pela UNE. Dessa forma, o estereótipo do jovem consumista e alienado será, no mínimo, relativizado.  

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cibercultura e ciência: divulgação científica sem filtro?

Uso das mídias sociais na ciência

20/02/2013
Por Heitor Shimizu, de Boston


Cientistas defendem que seus pares utilizem plataformas como Facebook, Twitter e YouTube para informar sobre resultados de pesquisas e se aproximar mais da população geral (foto: AAAS)


Agência FAPESP – O uso de Twitter, Facebook, YouTube e outras mídias sociais para a divulgação de informações sobre pesquisas científicas foi defendido pelos participantes de um painel sobre comunicação em ciência na reunião anual da American Association for the Advancement of Science (AAAS), realizada de 14 a 18 de fevereiro em Boston, Estados Unidos. O detalhe é que os painelistas eram não apenas comunicadores, mas também cientistas.
Entre os dados apresentados está que a internet ultrapassou os jornais como a segunda maior fonte de notícias (após a televisão) para o público geral nos Estados Unidos. Mas, no caso de informação científica e para quem tem menos de 30 anos, a principal fonte são os veículos on-line.

“Se os cientistas não estão utilizando as mídias sociais, eles simplesmente não estão se comunicando com a maioria da população”, disse uma das palestrantes, Christie Wilcox, do Departamento de Biologia Celular e Molecular da Universidade do Havaí.

“Mais de 680 mil atualizações de status por minuto são compartilhadas pelo Facebook. Em um segundo, o YouTube recebe uma nova hora de vídeo e o Twitter, 4 mil novos tweets. Você pode atingir milhares de pessoas com um único tweet, mas consegue falar com apenas um punhado de pessoas em um dia”, disse.

Até aí, nada de novo, mas o ponto principal é que os cientistas estão atrasados nessa tendência. Apesar do elevado nível de escolaridade e familiaridade com o uso de computadores e de tecnologia, em grande parte dos casos, os pesquisadores estão utilizando menos as redes sociais do que a população geral, de acordo com Wilcox.

“Um levantamento com chefes de laboratório apontou que mais da metade não tinha contas em serviços de mídias sociais. Sem esse alcance, cientistas ficam limitados a quantas pessoas eles podem atingir. Se você está fora das mídias sociais, pode fazer muito barulho, mas poucos serão os que o ouvirão”, disse.

“Quando um cientista escreve um livro a respeito de sua pesquisa, as pessoas que o comprarem serão pessoas interessadas em ciência. São importantes, mas compõem apenas uma pequena parte da população. Por isso, é fundamental atingir aqueles que ainda não se interessam por ciência”, disse outra palestrante, que atende pela alcunha “Scicurious”, com o qual assina um popular blog científico na revista Scientific American.

Com doutorado e pós-doutorado em neurociências, Scicurious salientou que as mídias sociais ajudam a tornar a ciência uma experiência mais próxima do público geral e podem dar aos pesquisadores uma possibilidade de mostrar “sua personalidade fora do laboratório”.

“A maior parte dos cientistas pode não ter tempo de manter um blog, mas felizmente plataformas como o Facebook oferecem maneiras eficientes de compartilhar informações científicas. Com 67% dos internautas usando o Facebook, os pesquisadores têm ali uma forma de atingir uma rede de pessoas com a qual, de outra forma, não poderiam se comunicar”, disse.

Otimismos à parte, a palestrante Dominique Brossard, professora de Comunicação na Universidade de Wisconsin em Madison, concordou com a importância das mídias sociais, mas sugeriu cautela na utilização dessas formas de comunicação para a transmissão de informações científicas.

Em um artigo publicado no Journal of Computer Mediated Communication, Brossard concluiu que o tom dos comentários em um blog ou em um post influencia a percepção dos leitores.

“O ponto principal é que a publicação em mídias sociais é uma comunicação bidirecional. Cada publicação pode vir acompanhada de comentários, que podem ser favoráveis ou contrários ao que se está informando”, disse.

De acordo com Brossard, quando comentários sobre uma pesquisa mencionada em redes sociais são rudes ou depreciativos, os leitores se tornam mais propensos a adotar um ponto de vista negativo a respeito do estudo. “Mas uma série de regras ou diretrizes de uso de mídias sociais, nesse caso, pode mitigar o problema e levar a melhorias na etiqueta on-line”, disse.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Regular a tv paga importa? - reflexões sobre meios e materiais de produção e difusão dos textos

Intervozes defende nova Lei de TV paga no STF


18/02/2013 - Veja, na íntegra, o texto enviado pelo Coletivo Intervozes ao STF.

"AUDIÊNCIA DO STF sobre a Lei 12.485/2011

Prezados senhores, prezadas senhoras. Gostaríamos de agradecer a oportunidade de apresentar aqui nosso ponto de vista sobre essas ADIs contrárias a uma lei que para nós é vital para ampliar a diversidade do sistema comunicacional brasileiro. A apresentação que faremos tem por objetivo analisar como se organiza esse mercado, por que ele tem uma tendência a concentração maior que os outros e como as medidas propostas na lei dificultam a concentração e, assim, efetivam a livre iniciativa e aumentam a liberdade de escolha do usuário consumidor.

O mercado de comunicação tende à concentração.

O mercado de comunicação não se comporta da mesma forma que mercados de bens materiais como cadeiras ou aparelhos eletrônicos. A comunicação lida essencialmente com informação, que é um bem intangível e não rivalizável, o que significa que o consumo de uns não priva os outros de também consumir.

Neste caso não há escassez natural, e o mecanismo de preços não é suficiente para governar o mercado. Deste modo, para se gerar valor de troca para a informação é preciso se criar mecanismos de escassez artificial. A TV por assinatura faz isso por meio do controle de acesso.

Os desafios para atingir pluralidade e diversidade começam da própria estrutura do mercado.

Nesse mercado os custos majoritários são os custos fixos para produzir a primeira unidade, com o custo marginal tendendo a zero, ou seja: custa praticamente a mesma coisa para produzir e distribuir um programa de TV para uma pessoa, quanto custa para distribuí-lo para milhões de pessoas. Isso quer dizer que não há como diluir o custo se ele não atingir um grande público. Estamos falando, portanto, de uma economia de escala.

Outro fator consiste no fato de que dois ou mais produtos de comunicação podem ser produzidos de forma mais barata se feitos em conjunto pelo mesmo fornecedor, do que separadamente por fornecedores competindo entre si.

Esses dois fatores favorecem o surgimento de um mercado concentrado, criando barreiras de entrada praticamente intransponíveis e o abuso do poder de mercado por empresas dominantes ao custo dos consumidores. Por isso, mecanismos ex-ante (regulação preventiva) são reconhecidamente necessários em mercados em que há um gargalo intransponível para se completar a cadeia de valor. É assim que boa parte dos países capitalistas garante condições de competição neste mercado.

A produção condicionada pela audiência torna o conteúdo homogêneo.

Por outro lado, é preciso salientar que a audiência não é o resultado da livre distribuição das preferências do consumidor. A audiência é sujeita a lei de Hotelling, que afirma que em mercados onde a competição não é guiada por preço, competidores economicamente racionais tenderão a se concentrar na metade do espectro de gostos do consumidor, em vez de prover uma gama diversa de produtos. Portanto o controle remoto nas mãos do consumidor não basta como instrumento para garantir que suas preferencias estejam efetivamente representadas na oferta dos conteúdos. No caso da TV a cabo, isso se acentua por se tratar de um mercado internacionalizado, onde o produto estrangeiro – muitas vezes de ótima qualidade – chega aqui já amortizado, podendo ser oferecido a custo bastante baixo. Para piorar, quando as mesmas empresas atuam em várias etapas da cadeia de valor, elas buscam criar gargalos para excluir seus concorrentes.

Deste modo, se a competição sozinha não traz diversidade, políticas públicas de comunicação são fundamentais para isso. Uma abordagem regulatória para propriedade baseada em competição e em considerações comerciais não é adequada para proteger a diversidade e a democracia. Os quase 20 anos de TV a cabo no Brasil evidenciaram este limite. Medidas positivas são necessárias para garantir diversidade interna e para prover acesso desobstruído, para pessoas e organizações, aos recursos comunicacionais da sociedade. A afirmação de que as cotas de programação ferem a liberdade de expressão é equivocada, pois inverte o argumento. A garantia da diversidade e pluralidade de conteúdos reforça a liberdade de expressão permitindo a circulação de falas que estavam silenciadas pela estrutura de concentração. Prova disto é a grande quantidade de conteúdos nacionais que já eram produzidos há muito tempo, tinham espaço no mercado internacional e que só agora encontraram janelas de exibição no Brasil, sendo bem aceitos pelo público.

O mercado de comunicação brasileiro é fechado nacional e internacionalmente.

A Lei 12.485 não restringe a participação do capital estrangeiro no mercado brasileiro, pelo contrário, ela inclusive permitiu a entrada no mercado de empresas de telecomunicações estrangeiras que antes estavam impedidas de atuar na distribuição.

Antes da Lei, tanto o consumidor quanto a livre iniciativa estavam prejudicados pelas desleais condições de concorrência estabelecidas. Isso é facilmente percebido ao se analisar os números que organizam o mercado.

Segundo a Ancine, todo o mercado audiovisual brasileiro faturou em 2010 cerca de US$ 15 bilhões. Note que essa cifra não corresponde apenas à TV por assinatura, mas também soma o faturamento da TV aberta, salas de cinema e vídeos domésticos. Do outro lado, estão empresas estrangeiras que chegam a faturar sozinhas US$ 40 bilhões por ano, quase 3 vezes mais que todo o mercado nacional. Ao menos 4 empresas estrangeiras que atuam no mercado nacional faturam mais sozinhas do que todo o mercado audiovisual brasileiro.

A lei abre espaço para a produção nacional em um cenário de desiguais condições, pois as barreiras à entrada na atividade de programação são gigantescas. Exemplo disso são as várias produtoras nacionais que conseguem vender sua programação no exterior, mas que não conseguem circular seu conteúdo no mercado brasileiro. Deste modo, a lei 12.485 não protege atores fracos ou produções ruins, ela apenas atende a uma demanda que não encontra espaço nas condições de extrema desigualdade.

Por isso, é importante que haja regulação nesse mercado, para haver mais concorrência, inclusive entre canais estrangeiros, de diferentes lugares e países. Repare que dos 80 canais estrangeiros de espaço qualificado no mercado brasileiro, 78 são de empresas controladoras dos Estados Unidos e apenas 2 são de empresas europeias (BBC HD e Eurochannel). Ou seja 97,5% dos canais estrangeiros são de um único país. Estamos bem distantes da multiplicidade de canais existente no exterior.
Esse mercado precisa ter mecanismos de regulação ex-ante porque tem barreiras à entrada intransponíveis que fazem o consumidor necessariamente perder em diversidade e liberdade de escolha e a livre iniciativa perder em condições de concorrencia. Ao estabelecer limites para a verticalização e para a propriedade cruzada e um mecanismo de cotas, o que o legislador fez foi estabelecer uma dinâmica de organização do mercado que permita condições mais equilibradas de competição, fazendo com que a livre iniciativa não seja 'letra morta', mas um conceito vivo e passível de ser efetivado.

A lei também estabelece mecanismos ex-poste onde eles são mais adequados e suficientes, mas ainda assim esse mecanismo não é aceito pelas empresas.

As programadoras estrangeiras, por exemplo, entraram com uma medida cautelar para se credenciarem na Ancine sem apresentação de seus contratos com as empacotadoras. Isso sugere que elas estão abusando de seu poder de mercado e impondo barreiras aos novos canais.

Verticalização do mercado aumenta a concentração.

A base do tratamento que a lei dá à questão da propriedade é separar distribuição e programação. Ou seja, quem tem a infraestrutura de distribuição não pode controlar a programação de conteúdo, e vice-versa. Esta é a chave encontrada por vários países, em especial na União Europeia, para dificultar a concentração neste mercado com enormes barreiras à entrada. Nesse sentido, é preciso olhar o mercado audiovisual como um todo, e por isso o artigo quinto da Lei 12.485 restringe inclusive a propriedade cruzada entre meios de radiodifusão e distribuidores de TV por assinatura.
Entretanto as maiores restrições estão colocadas para a propriedade vertical, incidindo sobre a cadeia produtiva da própria TV por assinatura. O mercado brasileiro tem características de grande verticalização, com poucos grupos econômicos que oferecem praticamente toda a cadeia ao consumidor, restringindo suas opções. Assim, como falamos anteriormente, essas restrições atuam ao mesmo tempo em benefício do consumidor aumentando sua possibilidade de escolha e da livre iniciativa aumentando a competitividade do mercado.

Desverticalizar para aumentar a liberdade de escolha.

É importante mencionar que a lei não proíbe totalmente a propriedade vertical, mas estabelece tetos de participação a fim de evitar os efeitos negativos da verticalização. Além disso, a lei estabelece mecanismos criativos de incentivo à diversidade, por meio da promoção da cultura nacional e do estímulo à produção independente, previstos expressamente no inciso II do artigo 221 da Constituição Federal.

Ao definir que uma produtora independente não pode ser controladora, controlada ou coligada a uma programadora, empacotadora ou distribuidora, a lei cria uma estrutura mais democrática permitindo que novas empresas entrem no mercado e que o consumidor tenha mais opções de escolha.
Em todo o mundo, as legislações que atuam ex-ante no controle da propriedade vertical são até mais rigorosas e eficientes que a elaborada no Brasil. Aqui, por exemplo, o empacotamento e distribuição podem e são feitos praticamente pelas mesmas empresas. Nesse contexto, o consumidor brasileiro é obrigado a escolher o pacote de canais em função da tecnologia de distribuição disponível para o seu domicílio, já que por aqui as empresas operadoras se ocupam justamente das duas atividades estabelecidas na Lei. Em localidades onde não exista, por exemplo, infraestrutura de fibra ótica, o consumidor não tem opção de contratar determinada empresa de empacotamento atrelada a essa tecnologia.

Na França a separação total entre serviços de infra estrutura e serviços de conteúdo permite que o consumidor, ao optar pelo pacote de canais de uma empresa, possa também escolher por qual via quer receber esse pacote, se por fibra ótica, satélite, cabo telefônico ou outro meio disponível, pois a distribuição está totalmente desvinculada do empacotamento. Isso uma vez mais aumenta a oferta para o consumidor porque aumenta a quantidade e diversidade de atores nesse mercado.
Em resumo, a Lei 12.485/2011 foi feita com o objetivo de tornar o mercado audiovisual brasileiro mais democrático e tem conseguido realizar esse objetivos já nos primeiros meses de aplicação da lei. Nesse ambiente, a produção nacional se torna mais robusta e os conteúdos a disposição do consumidor são mais diversos e plurais criando um novo contexto de acesso a cultura no país. A lei foi resultado de um processo de negociação cuidadoso que durou mais de quatro anos, e é resultado do maior consenso possível neste cenário. Não é à toa que ela conta com grande aceitação e enorme entusiasmo por parte de produtores e programadores que antes não conseguiam sequer se inserir neste mercado.

A resposta para as perguntas que questionam se esse novo ordenamento jurídico prejudica o consumidor, a livre iniciativa, a liberdade de escolha ou a liberdade de expressão é exatamente a mesma: Não, pelo contrário: liberdade de expressão, escolha, livre iniciativa e consumidores saem ganhando com a nova regra."

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Direitos Humanos e comunicação - quem pode o quê?

ONU declara acesso à Internet como direito humano
2013-02-08 14:00:31
Fonte: NovaE

A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou, na última semana, um novo relatório sobre promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão. No documento, a instituição ressalta que desconectar as pessoas da Internet é um crime e uma violação dos direitos humanos.
1150 ONU declara acesso à Internet como direito humanoImpedir o acesso à informação pela web infringe, segundo a ONU, o Artigo 19, parágrafo 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966. De acordo com o Artigo, todo cidadão possui direito à liberdade de expressão e de acesso à informação por qualquer tipo de veículo.

O parágrafo 3 até considera a hipótese de aqueles que tiverem transgredido algum tipo de lei, envolvendo meios de comunicação, possam sofrer restrições específicas. No entanto, não totais e apenas se as transgressões colocarem em risco os direitos e reputações de outras pessoas ou a segurança nacional.

A produção do relatório, feita pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e o site Mashable, foi motivada por novas leis aprovadas na França e na Inglaterra que excluem da Internet pessoas consideradas como infratoras de direitos autorais.

O documento também explica que outros países já bloqueiam conteúdos específicos na rede para seus cidadãos. Em alguns casos, os denominados infratores foram excluídos totalmente do acesso à Internet. Mas, para a ONU, não importa qual o crime cometido – violação de direitos autorais ou intelectuais –, todo ser humano ainda deve ter o direito de continuar com acesso à informação e à Internet.

Por meio do relatório, a ONU pede aos países que revejam suas leis contra pessoas que tiverem cometidos violações de direitos autorais ou intelectuais e as punições adotadas, para que elas não contrariem as diretrizes divulgadas no documento da organização.

Estado e Internet
Uma empresa de monitoramento da Internet identificou, na última semana, que dois terços do acesso à rede na Síria está bloqueado, segundo o site da revista Wired.

O relatório da ONU destaca que nenhum Estado pode interromper o acesso à Internet, nem mesmo em situações de crises políticas, sejam internas ou externas. A web tem sido utilizada para a livre expressão da sociedade a favor ou contra determinados assuntos.

Um fato de grande manifestação popular via web que ganhou repercussão mundial ocorreu em 2009, durante as eleições no Irã, quando o presidente Mahmud Ahmadinejad foi considerado reeleito. No período, os meios de notícias foram proibidos de trabalhar no país. Então, as denúncias de repressão aos eleitores favoráveis ao opositor Mir Hussein Mousavi e de fraude nas eleições passaram a surgir na Internet.

* Com informações do blog Oceanogeek e da Unesco.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013


Passo à frente

A história dos bons projetos de formação, sejam na área de educação, de cultura ou de inclusão digital e social, é feita de acúmulos. E, ao atingir um determinado patamar de amadurecimento, muitas vezes ocorre um salto de qualidade marcante ou mesmo a quebra de paradigma.

Os 56 projetos de inclusão digital que compõem esta edição do Anuário ARede, focado nas iniciativas desenvolvidas pelas organizações do Terceiro Setor e por empresas, mostram um avanço dos programas em direção a políticas inclusivas mais consistentes.
Ao contrário do que acontecia no passado, e continua ainda a ser realidade em muitas iniciativas patrocinadas por empresas, os projetos aqui descritos vão além da oferta de conexão à internet e da alfabetização digital básica. Estão atentos ao uso das ferramentas tecnológicas para atingir objetivos educacionais, à capacitação do público atendido para o mercado de trabalho, ao desenvolvimento do potencial criativo dos alunos para serem produtores de cultura digital.

Em relação aos projetos da edição 2010-2011 do Anuário ARede, é nitída a evolução dos que compõem esta edição. Mas ainda não atingiram a etapa do salto qualititativo, de transformar o potencial da informação em rede e do trabalho em rede em ferramentas de uso cotidiano nos projetos para o exercício da cidadania. O desafio que se coloca, agora, é a quebra de paradigmas.

Lia Ribeiro Dias
Diretora Editorial

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Produção discursiva e direito: interpretações e jurisprudências

Consultor Jurídico 31/01/2012

Mudanças na jurisprudência

Promotores do MP-SP paulista terão "aula de mensalão"


Apesar de o acórdão sobre a condenação dos réus da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal ainda não ter sido publicado, as mudanças na jurisprudência criminal indicadas pelos votos dos ministros já são estudadas pelo Ministério Público. Reportagem de Cristine Prestes publicada nesta quinta-feira (31/1) pelo jornal Valor Econômico informa que a Escola Superior do MP em São Paulo dará uma aula a seus promotores e servidores sobre o julgamento do chamado "mensalão".

De acordo com a reportagem, a aula inaugural intitulada Os reflexos penais da Ação Penal 470 acontecerá no dia 21 de fevereiro. Segundo o diretor da escola, o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo, a grande inovação do julgamento ocorreu no trato com as provas contra os réus. "A maior quebra de paradigma é a interpretação e valoração das provas", afirma. Segundo ele, os tribunais do país tratavam as provas obtidas em investigações criminais de uma maneira muito mais garantista, o que não ocorreu no caso do mensalão. "A expectativa é a de que se utilize essa jurisprudência", diz. "O juiz vai ter um lastro maior, baseado na decisão da maior corte do país."

Ainda segundo o diretor da escola, a avaliação inicial será mais técnica, para que os promotores e a comunidade jurídica possam discutir até que ponto a nova jurisprudência do STF pode se assentar — ou se ela decorre de um julgamento político. Além de Sarrubbo, os palestrantes da aula inaugural serão os professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz.

Leia a reportagem:

Promotores do Ministério Público paulista terão "aula de mensalão"  
Por Cristine Prestes

As mudanças na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) promovidas durante o julgamento do processo do mensalão já começam a se disseminar nos órgãos de combate ao crime do colarinho branco. O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), o maior da América Latina, é o primeiro que se tem notícia a trazer o tema abertamente à pauta de debates. A Escola Superior do MP-SP, destinada a treinar seus promotores e servidores, inicia seu ano letivo com uma "aula de mensalão".

Intitulada "Os reflexos penais da Ação Penal nº 470", a aula inaugural do MP-SP neste ano ocorrerá em 21 de fevereiro e terá como palestrantes os professores da Faculdade

de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz, além do diretor da Escola Superior do MP, o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo. "Estávamos torcendo para que o julgamento terminasse a tempo da aula inaugural", diz Sarrubbo. Segundo o procurador, a abordagem, neste encontro inicial, será mais técnica, para que os promotores e a comunidade jurídica possam discutir até que ponto a nova jurisprudência do STF pode se assentar - ou se ela decorre de um julgamento político. "Será uma primeira análise para um debate mais aprofundado sobre o tema e para ver como será possível aplicar as mudanças", diz.

Entre as inovações produzidas pelo STF durante o julgamento da Ação Penal nº 470 estão o uso da teoria da "cegueira deliberada", doutrina criada pela Suprema Corte americana que, no mensalão, levou a um debate sobre a possibilidade de condenação por lavagem de dinheiro em casos de dolo eventual - ou seja, quando há dúvidas sobre se o acusado sabia da origem ilícita dos valores recebidos; o fim da necessidade de indicação precisa do ato de ofício praticado ou omitido pelo agente público corrompido em troca de vantagem indevida oferecida pelo corruptor para caracterizar o crime de corrupção; e a teoria do domínio do fato, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin na década de 60 para permitir que se atribua responsabilidade penal a quem pertence a um grupo criminoso, mas não praticou diretamente o delito por ocupar posição hierárquica de comando - que, segundo o STF, é o caso do ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, considerado o chefe da quadrilha que teria engendrado o esquema do mensalão.

De acordo com o procurador Alexandre Rocha de Moraes, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP-SP, a maior novidade produzida pelo mensalão é o uso da teoria do domínio do fato para se chegar à condenação de chefes de organizações criminosas. Para ele, a aplicação da teoria para embasar condenações por crimes do colarinho branco Brasil afora dependerá de hábito. "O Supremo abriu uma porta", diz. Mas, de acordo com o procurador Mário Sarrubbo, a grande inovação do julgamento ocorreu no trato com as provas contra os réus. "A maior quebra de paradigma é a interpretação e valoração das provas", afirma. Segundo ele, os tribunais do país tratavam as provas obtidas em investigações criminais de uma maneira muito mais garantista, o que não ocorreu no caso do mensalão. "A expectativa é a de que se utilize essa jurisprudência", diz. "O juiz vai ter um lastro maior, baseado na decisão da maior Corte do país."

Segundo o procurador Alexandre de Moraes, o STF, durante muito tempo, esteve em uma "onda de abrandamento penal" - ele cita como exemplos recentes a limitação a interceptações telefônicas em investigações criminais, a permissão de progressão de regime prisional dos condenados por crimes hediondos e a restrição ao uso de algemas pelas polícias - decisões proferidas pela Corte em casos de grande repercussão. Para o procurador, entendimentos como esses levaram à anulação de investigações

relevantes e geraram indignação na sociedade. "O julgamento do mensalão é um incentivo contra a impunidade", diz. "Foi uma espécie de alento enxergar um novo paradigma de atuação do Supremo. É um estímulo ao juiz da primeira instância."

Moraes afirma que a aula inaugural da Escola do MP-SP é simbólica e pretende sinalizar, para os promotores, como eles devem pensar. "A ideia é mostrar o que aconteceu no processo do mensalão para que os eles possam começar a pôr em prática as novidades" diz. O mensalão também será um dos temas do congresso do MP-SP que acontece no segundo semestre deste ano.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-jan-31/promotores-ministerio-publico-paulista-terao-aula-mensalao 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Que mídia pra quem?

Do impacto didático das bolinhas de papel

publicado em 1 de fevereiro de 2013 às 19:28
por Luiz Carlos Azenha
Fonte: Viomundo

Em novembro de 2011, publicamos o teor de uma palestra feita pelo ex-ministro Franklin Martins em seminário promovido pelo PT, em São Paulo:

“Não se arranha a Constituição, mas não se deixa a Constituição na prateleira. Ninguém pode ferir a Constituição. Ninguém pode engavetar a Constituição. Devemos ter no marco regulatório a Constituição na forma de marco. Na íntegra”.

Na ocasião, Franklin listou os artigos da Constituição que deveriam ser regulamentados.
Todos os que defendemos um novo marco regulatório para a mídia brasileira sabemos que se trata de ter mais, não menos mídia. De combater os monopólios — e, portanto, a propriedade cruzada — e promover o pluralismo de ideias, a diversidade.

Vários países da América Latina avançaram muitos nos últimos anos, como Gilberto Maringoni e Verena Glass deixaram claro, aqui.

Porém, o assunto não interessa à própria mídia, já que ameaça o poder de uma dúzia de famílias de definir a agenda política do Brasil e, portanto, de extrair favores e concessões de governos variados.
Por isso, a decisão deliberada de confundir regulação da mídia com censura ou restrição à liberdade de imprensa.

Pouco importa que a tal regulação não trate, obviamente, dos meios impressos e se concentre nas concessões públicas de rádio e TV.

A confusão deliberada turva o debate e é este exatamente o objetivo: confundir, não esclarecer.
Ora, se todas as empresas concessionárias de bens públicos são regulamentadas, por que não atualizar o marco regulatório das empresas de radiodifusão?

A resposta óbvia é que os concessionários se encontram na confortável posição de exercerem monopólios locais, regionais ou de alcance nacional, como a empresa que concentra mais de 50% de todas as verbas publicitárias do Brasil.

Meu irmão, José Carlos, costuma dizer que ninguém fala mais da Globo que a própria Globo: as rádios promovem os colunistas de jornais, que aparecem na TV, que coloca O Globo na mão de personagens de novelas, que tocam as músicas da gravadora do grupo, que coloca seus contratados no Faustão…  e assim sucessivamente.

Este modelo é reproduzido regionalmente em todo o Brasil.
As chances de mudar são, a curto prazo, reduzidíssimas.

Por quê?

O senador Fernando Collor, que denunciou no Senado os que têm “poder de divulgação”, é ele mesmo concessionário, em Alagoas — como notou o comentarista Paulo Preto — assim como o ex-presidente José Sarney, no Maranhão.

Existem 271 políticos que aparecem como sócios de empresas concessionárias e neste quesito o PMDB de Sarney (com 17,71%) só perde para o DEM (21,4%). O PSDB vem em terceiro, com 15,87%. A estatística, dos Donos da Mídia, não inclui os laranjas.

O que quero dizer é que, embora formalmente aliado ao PT no governo federal, quando se trata da mídia o PMDB está quase que totalmente fechado com a direita na defesa de um modelo concentrador de verbas e poder político.

Podemos dizer sem medo de errar que o nó górdio da nossa jovem democracia está na confluência dos interesses dos que são aos mesmo tempo ou representam os latifundiários-congressistas-empresários de comunicação, não necessariamente nesta ordem.

Hoje, ao assumir o cargo de presidente do Congresso, Renan Calheiros concordou com Dilma Rousseff: quem regulamenta o setor “é o controle remoto”. É o mesmo que dizer que cabe ao consumidor, quando entra na farmácia, regulamentar com suas escolhas o setor farmacêutico.
O discurso de Renan demonstra que, apesar da atualidade deste debate no Reino Unido — a partir do escândalo envolvendo Rupert Murdoch e o relatório Leveson (íntegra aqui) e na Uniao Europeia (veja aqui), no Brasil ele continuará interditado no Parlamento.

(Parênteses para lembrar que, no Reino Unido, debate-se abertamente regulamentação que afetaria diretamente o conteúdo da imprensa escrita — e ninguém gritou censura!)

Para interditar o debate no Brasil contribuem dois outros fatores.

Por motivos eleitorais, o assunto não interessa neste momento à presidente Dilma. Por pragmatismo político, os  mesmos parlamentares do PT que, notou José Dirceu aqui, não se apresentam para defendê-lo ou ao partido na tribuna, por conta do julgamento do mensalão, preferem mendigar espaço na mídia tradicional a promover a verdadeira liberdade de expressão, que contemple os interesses dos trabalhadores e movimentos sociais e não apenas os interesses neoliberais dos donos da mídia.

Há raras exceções, mas fica explícito no comportamento dos pragmáticos que eles estão mais preocupados com a promoção de suas ideias ou interesses pessoais do que com a democratização do espaço público.

Porém, o cenário não é de todo desanimador. Desde que Rodrigo Vianna, ao deixar a TV Globo, expôs os bastidores da cobertura eleitoral de 2006, o que era um segredo de insiders passou a ser compartilhado por um crescente número de leitores. Os blogueiros sujos, com a colaboração de internautas e comentaristas, ajudaram a didatizar a crítica da mídia, hoje exercida cotidianamente por centenas de milhares de pessoas.

Todo período eleitoral — com suas bolinhas de papel e retrospectivas de 18 minutos sobre o mensalão — metaboliza este processo, acrescendo um número considerável de brasileiros ao rol dos que se tornam capazes de identificar de forma cristalina o jogo de omissões, descontextualizações, distorções, exageros e mentiras, como na recente “crise” do setor elétrico.

Uma coalizão entre internautas e militantes de movimentos sociais, frequentemente criminalizados pela mídia, continua sendo a melhor aposta para surpreender os atores do que, por enquanto, é um não-debate sobre mídia e democracia no Parlamento brasileiro. Já deu muito certo antes, como no lançamento do Privataria Tucana, o bestseller que a mídia tentou eliminar pelo silêncio.

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