quarta-feira, 31 de julho de 2013

Comunicação no período técnico-cientifico informacional: informática e liberdades


Internacional| 31/07/2013 | Copyleft

Caso Snowden está mudando o mundo digital

O caso Edward Snowden nos levou a mudar de mundo, a modificar nossos hábitos no mundo digital e a exigir dos poderes públicos uma intervenção mais decisiva nesta área. É isso o que disse à 'Carta Maior' Isabelle Falque-Pierrotin, a presidenta da Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL), organismo francês encarregado de cuidar da proteção dos dados pessoais. Por Eduardo Febbro, de Paris

Paris – A história de Edward Snowden marca uma fronteira definitiva entre as ilusões e a confiança na tecnologia e a crua realidade de nosso comportamento inocente: ninguém mais poderá dizer que “não sabia”. Agora sabemos todos, não só que estamos sendo constantemente espionados, mas sim e, sobretudo, que essa espionagem é realizada com a cumplicidade dos operadores privados em quem havíamos depositado nossa confiança: Google, Skype, Microsoft, Apple e seus demais aliados na empresa planetária da vigilância e da violação da intimidade. A era digital, do seu modo, era a idade da inocência: éramos perfeitamente capazes de fechar as portas com chave, de fechar as janelas, de colocar grades na varanda ou na janela, de ficar atentos ao andar em bairros perigosos em certas horas da noite. Mas, ao mesmo tempo em que existia essa consciência do perigo do meio ambiente físico, deixamos entrar em casa um espião, um espoliador de dados, um bandido teleguiado desde os escritórios de inteligência do grande império.

Na América do Sul conhecemos bem os resultados dessa prática: o Plano Condor montado pelas ditaduras de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai funcionou com base em um sistema de comunicações, de armazenamento e tratamento de dados chamado Condortel e cujo eixo foram computadores da IBM que processavam as informações sobre os suspeitos. Hoje, o programa espião Prisma permite elaborar um “perfil” planetário de suspeitos. Um exemplo basta para compreender um dos numerosos alcances dessa produção de perfis em massa: se alguém viaja pela primeira vez para os Estados Unidos em classe executiva ou primeira classe pode ser tratado com atenção especial pelos serviços de segurança. Como os assentos da classe executiva e da primeira classe estão perto da cabine dos pilotos, os passageiros sem histórico nesse tipo de viagem serão, sem dúvida alguma, vigiados com atenção.

Para além da curiosa trama do caso, Edward Snowden nos levou a mudar de mundo, a modificar nossos hábitos e a exigir dos poderes públicos uma intervenção mais decisiva. É exatamente isso o que pensa Isabelle Falque-Pierrotin, a presidenta da Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL). Este organismo do Estado francês é encarregado de cuidar da proteção dos dados pessoais, Criada em 1978, a Comissão nacional de informática e Liberdades tem hoje uma missão mais essencial do que nunca: a construção de uma ética digital, a capacitação para fazer frente aos desafios e excessos dos operadores e dos Estados e, acima de tudo, a proteção da privacidade dos indivíduos.

O caso Snowden tem muitas leituras, desde a policial até a informática. Para você, o que significam as revelações que ele fez ao mundo?
O caso Snowden quer dizer que entramos em uma nova era, quer dizer que a era digital é uma era na qual há dados pessoais por todas as partes, por todos os usos. Quer dizer também que, a partir disso, devemos permanecer atentos a nossa vida individual. Não podemos nos apoiar unicamente nos demais, devemos nos responsabilizar com nosso comportamento e com nossa utilização da internet. Não se trata de montar uma censura individual, isso seria contra- produtivo. Hoje estamos todos concernidos pelo mesmo problema. A partir da agora é preciso adaptar os comportamentos. O caso Snowden mostra igualmente que a transparência entrou em uma nova fase e que, talvez, seja necessário aportar respostas mais institucionais que a resposta de Snowden. Devemos construir controles democráticos, tanto dos poderes públicos como das empresas, que são extremamente poderosas.

Tivemos um grande choque com o que ocorreu com Snowden. O que esse caso mostra é que existe uma aliança objetiva entre os grandes grupos da internet e os poderes públicos estrangeiros para colocar os indivíduos sob vigilância. De fato, a vigilância dos poderes públicos existe há muito tempo. Mas essa vigilância era feita, digamos, em relação a pessoas más. Agora, em troca, estamos potencialmente em um sistema onde somos potencialmente vigiados em nosso uso cotidiano e banal da internet. Isso dá medo aos indivíduos, ao mesmo tempo em que acentua a necessidade de construir garantias jurídicas importantes e reais frente aos grandes grupos.

O que se pode exigir concretamente de gigantes como Google, Facebook, Microsoft, Skype e outros?
É preciso exigir que abram suas caixas-pretas e digam o que fazem com nossos dados pessoais, como os utilizam e a quem permitem o acesso dos mesmos. O período atual é decisivo porque a Europa está elaborando seu novo marco jurídico e é evidente que o caso Snowden nos obriga a cerrar fileiras e a avançar em grupo para dizer aos atores internacionais e aos Estados estrangeiros: “aqui vocês devem atuar desta forma”.

E que estratégia deve se adotar frente ao grande público. Já sabemos que a questão da espionagem não é uma fantasia, ou uma paranoia dos adeptos das teorias da conspiração, mas sim uma realidade universal.
Não creio que manejar esse tema mediante o medo seja algo bom. O caso Snowden reforça a inquietude dos cidadãos e a vontade de transparência. Nós queremos fazer circular a ideia de que o universo digital é extraordinário porque todas essas ferramentas nos oferecem uma potencialidade de ação considerável. O problema está em que, no fundo, não compreendemos bem essas ferramentas. Por isso esse caso nos incita a desenvolver a educação digital. Isso é o que estamos fazendo agora na França: lançamos a educação digital como uma causa nacional. Essa é, creio, a resposta positiva ao caso Snowden. Mais amplamente, creio que na França e na Europa não se tomou plena consciência da magnitude do fenômeno digital. Snowden é, a sua maneira, o ponto culminante de uma evolução que se constata há um ano.

O mundo digital entrou na vida das pessoas com suas preocupações, a vigilância, por exemplo, mas também pelos aspectos positivos de sua utilização. Há, ao mesmo tempo, muito apetite por esses instrumentos e, também, um medo latente que só espera a circunstância certa para se cristalizar em um ou outro ponto. Hoje é Snowden, amanhã será outra coisa. A resposta deve ser a pedagogia e a responsabilização dos atores econômicos pedindo-lhes oficialmente garantias de parâmetros obrigatórios, transparência e a permissão para que os clientes escolham realmente, o que não é o caso hoje.

Como funciona a Comissão e quais são suas atribuições?
A CNIL é uma autoridade administrativa independente cujo trabalho consiste em proteger os dados pessoais dos indivíduos, ou seja, todos os dados que circulam no mundo digital e que dizem respeito à vida das pessoas. O trabalho da CNIL consiste também de uma tarefa pedagógica, que é acompanhar o uso dos instrumentos, controlar as empresas e os responsáveis públicos para proteger os dados pessoais dos indivíduos. Trata-se, em resumo, de garantir a vida privada e as liberdades digitais neste universo. É uma tarefa ambiciosa. A Comissão é um instrumento muito potente: temos um orçamento substancial e há 148 pessoais trabalhando aqui. Nosso trabalho permite às empresas a construção de um modelo econômico mais legítimo.

Quanto aos atores públicos, nós fixamos limites e marcas para eles. No universo atual isso é muito útil. Somos uma instância que é consultada sobre os textos de lei e os decretos cada vez que o tema da proteção dos dados pessoais está em jogo. Temos também outros poderes como, por exemplo, a aprovação da utilização da biometria. Temos igualmente um poder de controle e sanção sobre tudo que possa violar a proteção dos dados pessoais.

Contamos com todo o arsenal necessário para um regulador. Se o responsável pelo tratamento de dados não está em conformidade com nossa lei podemos aplicar sanções. Atualmente estamos nesse processo de sanção com Google. A empresa tem três meses para cumprir o que exigimos. Se não o fizer, temos a possibilidade de discutir sanções financeiras.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 30 de julho de 2013

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Vigilância policial nos manifestos

Fonte: Carta Capital online

PM finge que filmagens de protestos feitas por policiais não existem

Segundo Polícia Militar, imagens foram feitas somente de helicópteros, mas fotos e vídeos mostram PMs gravando os manifestantes
por Patricia Cornils e Piero Locatelli — publicado 29/07/2013 14:14, última modificação 29/07/2013 14:44


 
Policial filma manifestação no largo da Batata. Segundo PM, essas filmagens não existiram

   Você já participou de manifestações em São Paulo e viu um policial militar, fardado, filmando os manifestantes? Nós já, muitas vezes. A Polícia Militar de São Paulo filma regularmente protestos e manifestações e, nos últimos anos, isso se tornou uma prática constante. Assim, é surpreendente que a instituição, em resposta a um pedido de acesso à informação, tenha afirmado que realiza filmagens pelo Olho de Águia, sistema instalado em helicópteros.

   Além de responder a este pedido com uma informação falsa, a Polícia Militar não cumpriu a Lei de Acesso em outros três pedidos de informação, realizados no dia 27 de junho. O primeiro: “Qual a norma ou portaria que define como, com qual finalidade e como são feitas e guardadas as filmagens realizadas pela Polícia Militar durante manifestações?”. O segundo: “Gostaria de ter acesso à íntegra das imagens feitas pela Polícia Militar no protesto realizado pelo Movimento Passe Livre no dia 15 de junho de 2013”. O terceiro: “Como é realizado o processo de identificação das pessoas nas filmagens realizadas pela Polícia Militar em manifestações políticas?” No dia 28, o Serviço Estadual de Informações ao Cidadão (SIC.SP) nos informou, por e-mail, que os pedidos foram reecaminhados ao SIC da Polícia Militar - Comando de Policiamento da Capital.

   A Lei de Acesso à Informação determina que os pedidos devem ser respondidos em prazo não superior a 20 dias, a contar da data do protocolo da solicitação. Este prazo pode ser prorrogado por mais dez dias, mediante justificativa expressa. Não houve resposta, nem justificativa.

   Durante todo o mês de junho, policiais fardados filmaram as manifestações. No primeiro protesto organizado pelo Movimento Passe Livre, no dia 6, a reportagem presenciou um manifestante sendo preso. Policiais militares isolaram a área onde ele foi colocado em um camburão. Enquanto ele era levado, e era impossível acessar o local, dois policiais filmavam de perto os diálogos entre o preso e os policiais.

   Vários PMs filmaram os protestos nos dias seguintes. Não eram os chamados P2 (policiais infiltrados em meio aos manifestantes), mas PMs fardados e carregando grandes câmeras. A cena de policiais filmando áreas que eles mesmo haviam isolado eram constantes. Mas, segundo a Polícia Militar, não existem PMs cinegrafistas.

   Pela lei de acesso à informação, pedimos uma série de detalhes sobre as filmagens. A Polícia Militar ignorou a existência delas:

Pergunta: Quais os modelos e marcas das câmeras utilizadas pela Polícia Militar para registrar manifestações no estado de São Paulo?

Resposta da PM: As imagens oficiais da Policia Militar são feitas pelo Olho de Águia - Copom da PMESP.

O Olho de Águia é o sistema instalado em helicópteros que custou 9,1 milhões de reais ao estado de São Paulo em 2008. Três aeronaves da corporação podem manejar o sistema, e repassam as informações a uma base “de gerenciamento de crise” da própria PM.

Como mostram as fotos e o vídeo desta matéria, as imagens não eram feitas somente pelo Olho de Águia, mas pelos próprios PMs, fardados, no chão.

A PM deu uma resposta semelhante quanto perguntada sobre os formatos das filmagens:

Pergunta: Qual formato de vídeo foi usado pela PM para salvar as imagens captadas nos protestos de junho de 2013 organizados pelo Movimento Passe Livre em São Paulo?

Resposta da PM: As imagens são feitas em AVI por meio do Olho de Águia.

Novamente, a PM ignora os policiais fardados filmando os manifestantes de perto. Perguntei também o porquê das filmagens:

Solicitação: Qual o objetivo das filmagens feitas pelos policiais militares nas sete manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre em São Paulo em junho de 2013?

Resposta: Na medida do possível as operações Políciais Militares são filmadas afim de preservar a imagem da instituição e resguardar a ação do policial e do cidadão.

A resposta não especifica qual o objetivo dela. “Preservar a imagem da instituição” e “resguardar a ação do policial” são respostas nada precisas.

   A polícia não detalha como as filmagens são feitas e também não dá acesso a elas. A PM tem o mais rico acervo de imagens do que aconteceu em São Paulo no mês de junho, incluindo dos seus próprios abusos que foram amplamente divulgados pela mídia, mas finge que estas filmagens, de evidente interesse público, não existem.

   Mas há outro componente alarmante nesta questão. Não existe, no Brasil, nenhuma lei de proteção aos dados pessoais dos cidadãos. A Constituição determina, em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” e cria a figura do “habeas-data”, para acesso do cidadão aos dados que constem em registros ou bancos de dados de entidades públicas a seu respeito.

   No anteprojeto da Lei de Proteção de Dados Pessoais, parado no Ministério da Justiça, é reconhecida a necessidade de uma legislação específica para os bancos de dados instituídos e mantidos para fins exclusivos de segurança pública, defesa, segurança do Estado e suas atividades de investigação. É urgente que os direitos e deveres do Estado em relação a informações sobre a vida de seus cidadãos também sejam estabelecidos. E, bom, que a Polícia Militar do Estado de São Paulo cumpra a Lei de Acesso, principalmente no Brasil, onde há pouco mais de um ano ela nem existia; onde se discute a tipificação do crime de terrorismo e onde há poucos dispositivos legais para nos proteger da vigilância do Estado.

Liberdade de expressão: pluralismo, desconcentração, circulação

Por que a concentração monopólica da mídia é a negação do pluralismo

O déficit de investimentos setoriais, as políticas públicas inconsistentes e a inércia regulatória afastaram o Estado do protagonismo nas áreas de informação, entretenimento e telecomunicações. Em face da concentração monopólica, a possibilidade de interferência do público nas programações depende não só da capacidade reativa dos indivíduos, como também de se garantirem direitos coletivos e controles sociais democráticos sobre a produção e a circulação de dados, sons e imagens.

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Nos últimos meses, vem crescendo a mobilização de dezenas de entidades da sociedade civil em torno de duas iniciativas convergentes na luta pela democratização da comunicação no Brasil: a campanha “Para expressar a liberdade”, que defende uma nova e abrangente lei geral de comunicações; e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações, cuja finalidade é regulamentar os artigos da Constituição de 1988 que impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa e estabelecem princípios para a radiodifusão sob concessão pública (rádio e televisão).

São propostas fundamentais que têm como pressuposto a necessidade de se pôr fim à concentração monopólica da mídia. Por que a concentração favorece as ambições mercantis de grupos midiáticos, afeta a diversidade informativa e cultural e representa a negação do pluralismo? Este artigo propõe-se a lançar luzes sobre a questão, que tem a ver com a garantia constitucional da liberdade de expressão e com o aprofundamento dos direitos democráticos no país.

As últimas décadas acentuaram, no Brasil e na América Latina, o traço histórico de concentração de expressiva parcela dos meios de comunicação nas mãos de um reduzido número de megagrupos. A moldura de concentração prospera em meio à digitalização de sistemas, redes e plataformas de produção, transmissão e recepção de dados, imagens e sons. As infotelecomunicações (palavra que utilizo para designar a convergência tecnológica entre os setores de informática, telecomunicações e mídia) asseguram as condições objetivas para o crescimento exponencial da oferta de canais, produtos, serviços e conteúdos. Só que essa vocação expansiva se consolida sob controle, influência e lucratividade de poucas corporações, via de regra globais, ou nacionais e regionais em alianças estratégicas ou parcerias com gigantes transnacionais.

O ciclo de concentração monopólica está intimamente associado à diversificação produtiva apoiada em tecnologias de ponta e na capacidade de inovar em prazos curtíssimos e a custos reduzidos. Os focos das políticas de comercialização são a diminuição de custos industriais e enormes ganhos de produtividade com a economia de escala. Para preservar poderes monopólicos, as corporações recorrem a duas manobras principais, segundo David Harvey: "uma ampla centralização do capital em megaempresas, que busca avidamente o domínio por meio do poder financeiro, economias de escala e posição de mercado, e dos direitos monopólicos da propriedade privadas por meio de direitos de patente, leis de licenciamento e direitos de propriedade intelectual”[1].

Significa concentrar nas mesmas mãos todas as etapas dos processos tecnoprodutivos, com vistas a garantir liderança na cadeia de fabricação, processamento, comercialização e distribuição dos produtos. O lastro financeiro, a capacidade logística, a infraestrutura tecnológica e o controle de inovações e patentes conferem aos conglomerados multimídias vantagens competitivas incomparáveis, já que empresas nacionais de menor porte não têm recursos nem suportes para gerir investimentos de vulto[2]. Às pequenas e médias firmas restam nichos de mercado ou o fornecimento de insumos e serviços especializados, sempre que é mais vantajoso para as grandes companhias terceirizar a produção ou adquirir itens cuja fabricação seria dispendiosa.

Os monopólios midiáticos são determinantes porque interferem na conformação do imaginário coletivo e em valores consensualmente aceitos e assimilados. No Brasil e na América Latina, tanto no âmbito público quanto na esfera privada, há fatores que contribuem, em graus variados mas não menos substanciais, para agravar a concentração. O déficit de investimentos setoriais, as políticas públicas inconsistentes e a inércia regulatória afastaram o Estado, nos últimos decênios, do protagonismo nas áreas de informação, entretenimento e telecomunicações. Em contrapartida, grupos transnacionais ocuparam vorazmente os vácuos abertos, favorecidas por legislações frágeis, anacrônicas e permissivas, que lhes permitem acumular licenças de rádio e televisão – as joias da coroa em termos de faturamento e projeção política, ideológica e cultural.

Esse quadro nos leva a convergir com Néstor García Canclini quando avalia que a desigualdade na produção, na distribuição e no acesso aos bens culturais “não se explica como simples imperialismo ou colonialismo cultural (ainda que subsistam esses comportamentos), e sim pela combinação de processos expansivos, exercícios de dominação e discriminação, inércias nacionalistas e políticas culturais incapazes de atuar na nova lógica dos intercâmbios”.[3]

Com as desregulamentações e privatizações durante os anos 1980 e 1990, os megagrupos alastraram-se sem maiores restrições legais na América Latina. Eles adotam uma estratégia centrada em mercados mais seguros e rentáveis, estabelecendo parâmetros de produção, distribuição, difusão e circulação de conteúdos que lhes proporcionem crescente rentabilidade.

A estratégia é oportunista porque, constantemente, as majors abandonam segmentos arriscados em termos de investimentos (cinema e música) para operar prioritariamente em áreas com retornos mais imediatos (telenovelas, seriados, jogos eletrônicos) e nos meios de massa que atraem publicidade e patrocínios (imprensa, rádio, televisão). Aliam-se ainda a sócios ou parceiros globais e regionais que lhes ofereçam logísticas sólidas, financiamentos assegurados e inserção mercadológica.[4]

Em função da recessão econômica pós-2008 na Europa e nos Estados Unidos, as corporações transnacionais incrementaram a corrida por lucros compensatórios na América Latina. A região converteu-se em um dos mercados mais cobiçados para o escoamento de produtos e serviços. O vasto potencial de consumo, o espanhol como segundo idioma da globalização, a carência por tecnologias avançadas e a ausência de legislações antimonopólio motivaram corporações, sobretudo norte-americanas, a incrementar os negócios, expandindo marcas, patentes e conteúdos no maior número possível de praças. News Corporation, Viacom, Time Warner, Disney, Bertelsmann, Sony e Prisa adquiriram ativos de mídia e/ou sedimentaram acordos com grupos regionais. Com isso, ampliaram exponencialmente suas atuações multissetoriais e os mercados, com as vantagens adicionais de reduzir e repartir custos e contornar fatores de risco – em especial os decorrentes da instabilidade econômica e do encolhimento da vida útil das mercadorias. Para os grupos regionais, tais associações representam a possibilidade de entrecruzar negócios e estabelecer alianças com atores de maior peso no cenário internacional.

Os quatro maiores conglomerados de mídia latino-americanos – Globo do Brasil; Televisa do México; Cisneros da Venezuela; e Clarín da Argentina –, juntos, retêm 60% do faturamento total dos mercados latino-americanos. Para se ter uma ideia dos níveis recordes de concentração, basta saber que Clarín controla 31% da circulação dos jornais, 40,5% da receita da TV aberta e 23,2% da TV paga; Globo responde por 16,2% da mídia impressa, 54% da TV aberta e 44% da TV paga; Televisa e TV Azteca formam um duopólio, acumulando 69% e 31,37% da TV aberta, respectivamente.[5]

No Brasil, é aguda a concentração na televisão aberta. De acordo com levantamento do projeto Os Donos da Mídia, seis redes privadas (Globo, SBT, Record, Band, Rede TV e CNT) dominam o mercado de televisão no Brasil. Essas redes privadas controlam, em conjunto, 138 dos 668 veículos existentes (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva. A Globo, além de metade da audiência, segue com ampla supremacia na captação de verbas publicitárias e patrocínios.[6]

Cabe salientar ainda que, no Brasil e na América Latina, a concentração monopólica se estabelece, há décadas, sob a égide de dinastias familiares proprietárias dos principais grupos midiáticos. Entre tais famílias estão Marinho, Civita, Frias, Mesquita, Sirotsky, Saad, Abravanel, Sarney, Magalhães e Collor (Brasil), Cisneros e Zuloaga (Venezuela), Noble, Saguier, Mitre, Fontevecchia e Vigil (Argentina), Slim e Azcárraga (México), Edwards, Claro e Mosciatti (Chile), Rivero, Monastérios, Daher, Carrasco, Dueri e Tapia (Bolívia), Ardila Lulle, Santo Domingo e Santos (Colômbia), Verci e Zuccolillo (Paraguai), Chamorro e Sacasa (Nicarágua), Arias e González Revilla (Panamá), Picado Cozza (Costa Rica), Ezerski, Dutriz e Altamirano (El Salvador), Marroquín (Guatemala) e Canahuati, Roshental, Sikaffy, Willeda Toledo e Ferrari (Honduras).[7]

Entre os impactos mais graves da concentração, podemos apontar: as políticas de preços predatórias destinadas a eliminar ou a restringir severamente a concorrência; os controles oligopólicos sobre produção, distribuição e difusão dos conteúdos; e a acumulação de parentes e direitos de propriedade intelectual por cartéis empresariais. Martín Becerra chama a atenção ainda para o alto risco de unificação das linhas editoriais e a prevalência das ambições empresariais sobre os interesses do conjunto da sociedade. E acrescenta:

“A concentração vincula os negócios do espetáculo (estrelas exclusivas), dos esportes (aquisição de direitos de transmissão), da economia em geral (inclusão de entidades financeiras e bancárias) e da política (políticos transformados em magnatas da mídia ou em sócios de grupos midiáticos) com áreas informativas, o que gera repercussões que alteram a pretensa ‘autonomia’ dos meios de comunicação.”[8]

Os impactos negativos da transnacionalização cultural se refletem na ocupação oligopolizada e na desnacionalização das indústrias de entretenimento. Os dois principais mercados editoriais, Brasil e Argentina, estão majoritariamente nas mãos de grupos estrangeiros. As majors dominam as cadeias de distribuição e exibição cinematográficas, com supremacia de lançamentos de filmes estrangeiros. O mercado fonográfico apresenta desequilíbrios semelhantes. No Brasil as gravadoras independentes produzem 70% da música nacional, mas só conseguem 8% de espaço de difusão nas emissoras de rádio e televisão. Ao mesmo tempo, as majors gravam apenas 9% com repertório nacional e, no entanto, ficam com 90% dos espaços de divulgação.[9]

Sem contar que, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, os Estados Unidos tentam sempre impedir protecionismos nas indústrias audiovisuais (na forma de subsídios e fomentos), para favorecer os negócios de suas corporações. Os recursos de distribuição e exibição audiovisuais estão subordinados às estratégias traçadas pelas majors norte-americanas. “Conseguem isso com o apoio de políticas protecionistas e os privilégios impositivos que o governo norte-americano reserva à sua indústria cinematográfica, bem como através da pressão internacional sobre as demais nações para que favoreçam a expansão de seu cinema”.[10] O resultado é que 85,5% das importações audiovisuais da América Latina provêm dos Estados Unidos. Mensalmente, 150 mil horas de filmes, seriados e eventos esportivos norte-americanos são apresentadas nas emissoras de TV latino-americanas.[11]

A concentração monopólica da produção simbólica guarda estreita proximidade com a comercialização em grandes quantidades lucrativas. As conveniências corporativas se fixam em estratégias de maximização de lucros e de manutenção da hegemonia mercadológica, sem demonstrar maior interesse com a formação educacional e cultural das platéias, muito menos com sentimentos de pertencimento e valores que configuram identidades nacionais, regionais e locais. A prevalência das lógicas comerciais manifesta-se no reduzido mosaico interpretativo dos fatos sociais; na escassa variedade argumentativa, em razão de enfoques ajustados a diretivas ideológicas das empresas; na supremacia de gêneros sustentados por altos índices de audiência e patrocínios (telenovelas, reality shows, esportes); nas baixas influências do público nas linhas de programação; no desapreço pelos movimentos sociais e comunitários nas pautas jornalísticas; na incontornável disparidade entre o volume de enlatados adquiridos nos Estados Unidos e a produção audiovisual nacional. Em face da concentração monopólica, a possibilidade de interferência do público (ou de frações dele) nas programações depende não somente da capacidade reativa dos indivíduos, como também, e sobretudo, de se garantirem direitos coletivos e controles sociais democráticos sobre a produção e a circulação de dados, sons e imagens.

À luz do exposto, podemos concluir que se torna insuperável a exigência de legislações antimonopólicas de comunicação, sobretudo na radiodifusão sob concessão pública, em função da penetração social e dos requisitos de interesse coletivo que as empresas concessionárias de canais de rádio e televisão devem cumprir para desempenhar suas funções de informar, esclarecer e entreter. Impossível imaginar uma democratização efetiva da vida social, com livre circulação de informações e pluralismo, diante do desmedido poder dos impérios midiáticos. São urgentes mecanismos legais para coibir a concentração e a oligopolização, além de permitir lisura e transparência aos mecanismos de concessão, regulação e fiscalização das licenças de rádio e televisão. Há exemplos inspiradores na América Latina: as novas leis de comunicação da Argentina e do Equador, que resultaram de processos participativos de discussão e elaboração e são reconhecidas por organismos internacionais como marcos regulatórios avançados.

São essenciais, também, políticas públicas que reorientem fomentos, financiamentos e patrocínios, de modo a valorizar meios alternativas de comunicação (como rádios e televisões comunitárias, agências de notícias independentes, mídias digitais), bem como apoiar a produção audiovisual nacional e preservar o patrimônio e as tradições culturais. Políticas debatidas entre segmentos representativos da sociedade e o poder público, e formuladas com realismo, considerando as mutações da era digital e seus efeitos nas atividades comunicacionais. Políticas que protejam a diversidade frente à transnacionalização simbólica e favoreçam a manifestação de vozes ignoradas ou excluídas dos canais midiáticos. Que estimulem a compreensão e a interpretação dos fatos de maneira plural, avaliando os múltiplos aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos envolvidos. Iniciativas, enfim, que possam intensificar a diversidade cultural e fazer prevalecer o direito humano à comunicação como bem comum dos povos.

* Desenvolvo questões abordadas neste artigo nos meus livros Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação, em parceria com Ignacio Ramonet e Pascual Serrano (São Paulo, Boitempo/Faperj, 2013), e Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação (Rio de Janeiro, Mauad/Faperj, 2011).
Notas
[1] David Harvey. “A arte de lucrar: globalização, monopólio e exploração da cultura”, em Dênis de Moraes (org.), Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder, Rio de Janeiro: Record, 2003 (6a. ed., 2013), p. 148.

[2] Omar López e Sylvia Amaya. Panorama de las industrias culturales en Latinoamérica. Dimensiones económicas y sociales de las industrias culturales. Texto apresentado no II Seminario de Economía y Cultura, Montevidéu, 2004.

[3] Néstor García Canclini, La sociedad sin relato: antropología y estética de la inmanencia, Buenos Aires: Katz, 2010, p. 95.

[4] Enríque Bustamante, “Industrias culturales y cooperación iberoamericana en la era digital”, Pensamiento Iberoamericano, Madri, n. 4, junho de 2009, p. 79-80.

[5] Martín Becerra e Guillermo Mastrini, Los dueños de la palabra: acceso, estructura y concentración de los medios en la América Latina del siglo XXI. Buenos Aires: Prometeo, 2009.

[6] O estudo realizado pelo projeto Os Donos da Mídia pode ser consultado aqui.

[7] Dênis de Moraes, Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação, Rio de Janeiro, Mauad/Faperj, 2011, p. 40.

[8] Martín Becerra, “Mutaciones en la superficie y cambios estructurales. América Latina en el Parnaso informacional”, em Dênis de Moraes (org.), Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital. Buenos Aires: Paidós, 2010, p. 104.

[9] Beto Almeida. “Por telefone, perigosa desnacionalização da televisão ameaça soberania brasileira”, Brasil de Fato, São Paulo, n. 274, 29 de maio-4 de junho de 2008.

[10] Néstor García Canclini, La sociedad sin relato: antropología y estética de la inmanencia, Buenos Aires: Katz, 2010, p. 87.

[11] Dênis de Moraes, Cultura mediática y poder mundial. Buenos Aires: Norma, 2006, p. 46.

*Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO, Argentina, 2005). Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Foi contemplado em 2010 com o Premio Internacional de Ensayo Pensar a Contracorriente, concedido pelo Ministerio de Cultura de Cuba e pelo Instituto Cubano del Libro. Autor de mais de 25 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba. Pela Boitempo, publicou Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação (2013) e O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos (2012). Texto originalmente publicado no Blog da Boitempo, com o qual Dênis colabora mensalmente.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Grampos x Vazamentos: o que é legítimo?

Snowden não se equivocou ao fugir dos EUA

Snowden acha que não fez nada mal. Estou absolutamente de acordo. Mais de 40 anos depois da publicação, sem permissão, dos Papéis do Pentágono por minha parte, essas filtrações continuam sendo o sangue vital de uma imprensa livre e de nossa república.

  
 
O processo foi invalidado em 1971 depois de que se apresentaram provas ao tribunal da conduta dolosa do governo norte-americano, incluindo grampos telefônicos ilegais.

Muita gente compara desfavoravelmente Edward Snowden comigo por haver abandonado o país e solicitar asilo, em lugar de afrontar seu processo como eu fiz. O país no qual eu resolvi ficar era um Estados Unidos diferente, há muito tempo.

Depois que o New York Times foi impedido de publicar os Papéis do Pentágono, no dia 15 de junho de 1971, a primeira censura prévia de um jornal na história norte-americana, e eu havia entregado outra cópia ao Washington Post (que também teve proibida sua publicação), passei à clandestinidade com minha mulher, Patricia, durante treze dias. Meu objetivo (bastante semelhante ao de Snowden ao viajar a Hong Kong) consistia em eludir a vigilância enquanto preparava, com a ajuda crucial de uma série de pessoas, ainda desconhecidas para o FBI, a distribuição sequencial dos Papéis do Pentágono a outros 17 jornais, à vista de duas proibições mais. Os últimos três dias desse período transcorreram contra uma ordem de detenção: como Snowden hoje, fui um fugitivo da justiça.

Entretanto, quando eu me entreguei para ser detido em Boston, depois de ter dado saída às últimas cópias dos papéis em meu poder na noite anterior, fiquei em liberdade sob fiança nesse mesmo dia. Posteriormente, quando se agravaram as acusações contra mim, passando das três iniciais a uma dúzia, o que levava a uma possível sentença de 115 anos, minha fiança aumentou até os 50.000 dólares. Mas, durante os dois anos em que estive processado, tive liberdade para falar com a imprensa e em assembleias e conferências públicas. Afinal, eu fazia parte de um movimento contrário a uma guerra ainda em curso. Ajudar a que esta guerra terminasse era minha preocupação mais urgente. Não poderia haver conseguido do estrangeiro, e nunca me passou pela cabeça ir-me do país.

Não existe a mínima possibilidade de que essa experiência se repita hoje em dia, e não digamos já que um processo pudesse ser dado por finalizado ao revelarem-se ações da Casa Branca contra um acusado, que eram claramente criminais na era de Richard Nixon e tiveram sua parte em sua demissão antes de afrontar sua impugnação (impeachment), mas se consideram todas legais hoje em dia (incluindo a tentativa de incapacitar-me totalmente).

Tenho a esperança de que as revelações de Snowden desencadeiem um movimento que resgate nossa democracia, mas ele não poderia formar parte desse movimento se houvesse ficado aqui. São nulas as possibilidades de que o deixassem em liberdade sob fiança se voltasse agora e quase nulas as de que, de não ter ido embora do país, o houvessem concedido a liberdade sob fiança. Pelo contrário, estaria em uma cela penitenciária como Bradley Manning, incomunicado.

Ficaria confinado em total isolamento, mais longo inclusive que o sofrido por Manning durante seus três anos de encarceramento antes do início, recentemente, de seu processo. O Relator Especial sobre Tortura das Nações Unidas descreveu as condições de Manning como cruéis, inumanas e degradantes (essa perspectiva realista seria fundamento como para que a maioria dos países concedessem asilo a Snowden, sempre que pudessem resistir à intimidação e ao suborno por parte dos Estados Unidos).

Snowden acha que não fez nada mal. Estou absolutamente de acordo. Mais de 40 anos depois da publicação, sem permissão, dos Papéis do Pentágono por minha parte, essas filtrações continuam sendo o sangue vital de uma imprensa livre e de nossa república. Uma das lições dos Papéis do Pentágono e dos vazamentos de Snowden é simples: o secretismo corrompe, como corrompe o poder.

* Daniel Ellsberg (1931), lendário ativista de direitos civis, se tornou célebre por ter vazado, em 1971, ao New York Times, os chamados Papéis do Pentágono, que revelavam a implicação dos Estados Unidos no Vietnã. Doutor em Economia por Harvard, é também conhecido pelo chamado paradoxo de Ellsberg no âmbito da teoria matemática da decisão.

Tradução: Liborio Júnior

Boletim Carta Maior

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Uma comunicação revolucionária em grande estilo?


Internacional| 22/07/2013 | Copyleft

Papa Francisco deve anunciar "evangelho social" no Brasil

Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”. Por Eduardo Febbro.

Rio de Janeiro – Uma maré de algazarra, juvenil, explosiva em sua manifestação de alegria, com violões, cantos e mochilas às vezes maiores do que os corpos que as suportam. O aeroporto do Rio de Janeiro é um desfile interminável de jovens que chegam do mundo inteiro, enrolados em bandeiras e em abraços, cantando a fé só com a voz ou com violões. A hora é, ao mesmo tempo, grave e imensamente festiva. As jornadas mundiais da juventude que começam esta semana no Brasil fixarão o rumo oficial da mensagem que o Papa Francisco apresentará em sua primeira viagem internacional. Um momento que soa como um modelo de seu nascente papado.

Ficaram para trás as disputas orquestradas por João Paulo Segundo contra a Teologia da Libertação, os padres pedófilos, a corrupção no Banco do Vaticano, o IOR. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”. A palavra “social” é já todo um desafio que prolonga a ruptura que Bergoglio encarnou na noite em que, após o Conclave tê-lo escolhido Papa, apareceu em uma janela da Praça de São Pedro e pronunciou a palavra “povo”.

Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis. Há uma grande preocupação com a comunicação, inclusive com detalhes que assombram. A Santa Sé lançou um novo semanário para amplificar a mensagem papal: Credere. A publicidade diz: “o novo semanário que fará você viver a fé com alegria”. À esquerda, na capa, um retângulo diz: “a revista da Igreja de Francisco”.

Essa é a Igreja que Francisco apresentará no mais importante país católico do mundo, Bergoglio visitará os pobres de uma favela, doentes em um hospital, receberá presos, peregrinará ao santuário de Aparecida e, sobretudo, se encontrará com jovens de todo o mundo no que pode ser chamado de “Woodstock católico”. Sua viagem vem precedida por uma série de pronunciamentos que romperam com o conformismo vaticanista. Nas últimas semanas, Bergoglio denunciou a “tirania do dinheiro”, o “capitalismo selvagem” e a “globalização da indiferença”.

“Nos encontramos enfim com alguém que vê o mundo tal como é, com os mesmos olhos que o vemos e sofremos”, diz Angélica, uma espanhola de 19 anos, recém chegada ao Rio, vinda de Valência com centenas de outros espanhóis. Um dos vaticanistas mais célebres, Marco Politi, disse que o Papa, “no Brasil, dará continuidade, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social. Desde que foi eleito denuncia as novas formas de escravidão, a exploração, a desigualdade, a irresponsabilidade de algumas forças sociais”.

A história também parece correr na direção de Francisco. O Papa chega a um Brasil convulsionado pela revolta social, com demandas de justiça social, contra a corrupção, a favor da renovação de um sistema político gangrenado pelo clientelismo e pela corrupção. Francisco já havia escrito o discurso central que vai pronunciar no Brasil durante as Jornadas Mundiais da Juventude, mas, à luz dos protestos, o modificou. O arcebispo do Rio de Janeiro, Orani João Tempesta, responsável pela organização da Jornada Mundial da Juventude, viajou a Roma para se encontrar com Bergoglio. Depois, o seguiu o cardeal arcebispo emérito de São Paulo, Claudio Hummes, um homem de posições sociais conhecidas por ter aberto as portas de sua igreja a trabalhadores em greve.

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno, também se reuniu com o Papa em Roma. Este encontro é muito importante na definição do pronunciamento de Bergoglio, uma vez que foi precedido por uma reunião da CNBB. Realizada quase no final de junho, a reunião terminou com a redação de um documento no qual a entidade manifesta “nossa solidariedade e apoio aos manifestantes”. O texto traz um apoio total aos protestos. Um de seus parágrafos diz que os gritos contra a corrupção, a impunidade e falta de transparência (...) fazem renascer a esperança”.

É a esse mundo que chega Francisco. Um cenário ideal que as autoridades do país temem que sirva de novo elemento detonador ao que já está latente há semanas. O Papa Francisco não gosta dos esquemas de segurança e os responsáveis por protegê-lo durante as Jornadas Mundiais da Juventude não gostam da possibilidade de a chegada do papa renovar os protestos contra o sistema político. O Brasil aumento de 11 mil para 14 mil o número de efetivos das forças de segurança encarregados de garantir a segurança de Francisco. A perspectiva de uma “revolução cidadã” durante a visita de Bergoglio levou as autoridades brasileiras a propor uma série de mudanças na agenda papal, mas o Vaticano rejeitou-as. “Não haverá mudanças de programa”, disse em Roma Federico Lombardi, o porta-voz do Papa.

No entanto, as autoridades do Brasil queriam modificar um monte de coisas. O Brasil argumenta que se descobriram “indícios” de que grupos opositores preparavam uma contraofensiva aproveitando a chegada de Bergoglio. O mais perigoso era o encontro de Francisco com a presidenta Dilma Rousseff, com o governador do Rio, Sérgio Cabral, e com Eduardo Paes, o prefeito da cidade. Esse ato deve ocorrer no Palácio da Guanabara, sede do governo do Estado do Rio. Mas como há uma manifestação programada contra o governador e o prefeito, as autoridades propuseram realizar o encontro em outro lugar. O Vaticano disse que não. Mais ainda, as declarações dos responsáveis que se reuniram com Francisco em Roma mostram que a Santa Sé está com os manifestantes. Após seu regresso de Roma, o cardeal Claudio Hummes disse: “a mensagem de Cristo está em sintonia com essas reivindicações do povo”.

Será preciso esperar para ver e ouvir. Francisco se negou a utilizar o papamóvel blindado. Ele se deslocará no mesmo jeep aberto com o qual circula em Roma. Ao pedido do Papa, tampouco haverá em seu lado “homens armados com fuzis”. O Papa, dizem em Roma, não tem medo das manifestações: “elas não são contra o Papa, mas sim contra os políticos”, diz o Vaticano. Se a promessa se confirmar, haverá no Brasil um encontro entre dois mundos: o do evangelho liberal que tudo corrompe e destrói, o planeta e os seres humanos, e o que Francisco traz em sua mensagem: o “evangelho social” do cristianismo.

Primeiro ato de um pontificado que, em seus primeiros passos, expôs a escandalosa e soja trama de corrupção e lutas pelo poder que o predecessor de Francisco, Bento XVI, não pode desarmar. Isso o levou a renúncia. Evangelho Social, Teologia da Libertação, segundo vários vaticanistas ambas têm encontro marcado esta semana no Brasil em uma espécie de reconciliação misteriosa.

O vaticanista Marco Politi alega que “Francisco é um fruto inesperado da Teologia da Libertação porque é um representante da chamada Teologia Popular, que não é marxista nem politizada”, mas que denuncia com força os horrores da miséria, da desigualdade e seus mecanismos econômicos. O combate que João Paulo II travou contra essa corrente deixou muitas vítimas, pactos com as ditaduras, corrupção, uma espécie de monstro que seguiu vivo muito depois da morte do papa polaco. Por esse abismo se foi Bento XVI. Do mesmo abismo chega Bergoglio. A chamada “igreja de Francisco se constrói sobre uma montanha de cinzas ainda fumegantes”.

Tradução: Katarina Peixoto

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Em tempos de espionagem generalizada...

Votação do Marco Civil da Internet fica para a segunda semana de agosto

Lúcia Berbert, do Tele.Síntese

16/07/2013 - Apesar da pressão do governo, a votação do Marco Civil da Internet ficou para a segunda semana de agosto. A decisão foi anunciada nesta terça-feira (16), após reunião de líderes dos partidos, que definiu a pauta de votação de hoje e amanhã. Na quinta, começa o recesso parlamentar.

Até lá, durante o recesso, o texto passará por pequenos ajustes e pode incorporar a exigência de que grandes provedores guardem cópias dos dados de brasileiros no país, informa assessores do relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Não há previsão de alteração significativa no artigo que trata da neutralidade da rede, mas é possível que seja mudada uma palavra ou outra, admite o parlamentar.

O artigo sobre a neutralidade de rede é o ponto de maior atrito com as operadoras de telecomunicações e que, no final, emperrou a votação do projeto de lei. As denúncias de espionagem eletrônica feita pelos Estados Unidos despertaram o interesse do governo em ver a matéria aprovada.

A apreciação do Marco Civil da Internet somente acontecerá depois que o plenário da Câmara conclua a votação do projeto (PL 323/07) que destina os royalties do petróleo para educação e saúde. A previsão dos líderes partidários é de que isso aconteça na primeira quinzena de agosto.

domingo, 14 de julho de 2013

O teste da Globo passou no teste das ruas. Novos atos virão

Fonte: Blog do Rovai

12/07/2013 | Publicado por Renato Rovai em Geral


Projeção na sede da Globo (Foto: Maria Frô)

De repente uma palavra surge sobre o símbolo da Globo e outra a substitui na sequência.
Mente foi a primeira. Sonega, depois.
De onde surgiu aquilo? Quem mirava o projetor com tamanha criatividade contra a toda poderosa de tantos tempos e governos?
Era uma poderosa rede articulada ou apenas dois garotos criativos?
E a música? Quem era o puxador de samba daquela bateria?
Quem era aquela menina que parodiava a música tema do carnaval global?
E a galera com raiva e rostos cobertos? Quem eram os meninos que se diziam blacks blocs?
Quem era aquela gente nova numa manifestação pela democratização da mídia?
Quem eram eles que se misturavam ao Intervozes, ao Barão de Itararé e ao pessoal do MST e o Levante Popular?
Quem eram eles que estava ali com o Movimento Passe Livre e da Mídia Livre? Quem eram os ninjas que não eram da Pós TV?
Eles junto com o Lalo, o Sérgio Amadeu, o Miro, o João Brant e o Igor Felippe. Eles os pichadores sem medo e as meninas corajosas da primeira fila. Eles e elas que ignoraram a polícia e seus helicópteros.
A marcha de ontem à noite na frente à Globo marcou.
Uma TV inóspita e pouco acessível. Que fica num lugar inóspito e pouco acessível. Numa cidade, convenhamos, bastante inóspita como São Paulo. Mesmo assim éramos ao menos uns 2 mil por lá.



Aliás, daria para comparar a manifestação noturna de ontem na frente da Globo, que não tinha um único figurante, com a dos médicos na Paulista. A deles, segundo o Jornal da Globo do dia, teria 5 mil. Sendo assim, 5 mil para a de ontem também.
Passa bastão
Bastão passado. Havia muitos e muitos jovens putos, putíssimos com a TV dos Marinhos. Gente que quer ocupar a Globo. Que quer ocupar o Congresso. Que quer ocupar o Ministério das Comunicações. Que quer ir até as últimas consequências para mostrar que não aceita mais este jogo nas comunicações. Que quer derrubar o Paulo Bernardo e sua mentalidade lobista.
E tudo indica que isso vai continuar.

(Foto: Elisa/Centro de Mídia Independente)

A partir de hoje a Globo virou alvo. E a democratização das comunicações uma pauta das ruas.
Que bom que havia muitos jovens e a boa energia do Passe Livre.
E que bom que o MST estava lá.
Há coisas novas acontecendo. E em algum momento isso haveria de acontecer. A Globo se tornaria alvo.
Do que é movimento novo. E do que supostamente é movimento tradicional.
A Globo não poderia passar ao largo de um momento histórico como este que vive o Brasil.
Era preciso um movimento global contra a Globo.
O que aconteceu hoje foi só o começo.
As redes vão amadurecer o que aconteceu nas ruas. E vão articular novas ruas.
Redes e ruas vão criar ainda muitos problemas para quem se achava acima deles, a Globo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

[Da série] Letramento digital

Bye bye Codecademy, MIT shows off a way to program using natural language
computer code


SUMMARY:
Learning to program isn’t for everyone, but people are increasingly saying it should be considered an integral element of digital literacy. But perhaps new research from MIT might change that.
What if you could learn to code just by learning a few commands that match the way we speak or write?
Researchers at the Massachusetts Institute for Technology have shown off that for a few tasks, such as tweaking word processing documents and spreadsheets, people could use natural language as opposed to specific programming languages. As we spend more time in our digital worlds, making the manipulation of that world easier for everyone is the goal behind several startups such as IFTTT Codecademy or evenARB Labs, and is an essential ingredient for further breakthroughs.
The researchers in the MIT Computer Science and Artificial Intelligence Laboratory demonstrated their findings using productivity software, but their methods might also work for other programming tasks. While it’s not exactly clear from the MIT release how this will work in practice, it’s awesome that such research is even happening. Giving more people the power to code would be an amazingly huge source of innovation and disruption, because it will let even more people build things online and possibly in the real world.
While many people credit Amazon Web Services for lowering the cost of building a startup, I think they also underestimate the benefits of easier programming languages and frameworks such as Ruby, PHP and Python, which have grown in popularity and allowed more people to build apps they once would have struggled with in C or Java. Part of the reason these languages are so popular is because they’re easier to learn, and the more coders there are, the more apps get developed.
mitlearncode
So how did MIT work its magic? Regina Barzilay, an associate professor of computer science and electrical engineeringexplains the two primary insights. One is essentially translating computation tasks into set formalized language. Yet because people might use many variations to describe that task, the researchers used a graph structure to map out the relationships between the natural language ask so the computer could understand the many ways it might be asked to perform a task. From the MIT release:
What [Nate] Kushman and Barzilay determined, however, is that any regular expression has an equivalent that does map nicely to natural language — although it may not be very succinct or, for a programmer, very intuitive. Moreover, using a mathematical construct known as a graph, it’s possible to represent all equivalent versions of a regular expression at once. Kushman and Barzilay’s system thus has to learn only one straightforward way of mapping natural language to symbols; then it can use the graph to find a more succinct version of the same expression.

The second is a bit more complicated. The research team built a system that automatically learned how to handle data stored in different file formats such as .pdf or .doc files based on specifications prepared for a popular programming competition. Essentially the team built a systems that can use natural language to build input parsers. Input parsers figure out which parts of a file contain which types of data: Without an input parser, a file is just a random string of zeroes and ones.
So while people won’t be writing apps anytime soon using natural language, the research at MIT and efforts of startups such as IFTTT are crucial to helping us get more people manipulating the digital morass that we interact with daily. And that’s only going to empower more people to innovate.


sábado, 6 de julho de 2013

Crianças pobres e esquecidas desafiam o Google Maps

Fonte: Pragmatismo Político

Crianças pobres e esquecidas desafiam o Google Maps

Postado em: 5 jul 2013 às 11:28

Quando crianças desafiam o Google Maps. A emocionante luta pela busca de identidade que ajudou toda uma comunidade. Assista abaixo

crianças google maps
Quando crianças desafiam o Google Maps. (Imagem: Reprodução/Documentário)
Luciana Galastri, Revista Galileu

Um grupo de jovens com idades entre 10 e 14 anos chamados de Dakabuko (que significa ‘audacioso’ ou ‘corajoso’) resolveu agir quando percebeu que o Google Maps havia deixado de fora o lugar onde eles moram – uma das favelas da cidade de Kolkata, na Índia.
A região aparece em branco na pesquisa, como se não houvesse nada na área. Em um documentário, uma das integrantes conta que sua mãe perguntou ‘tem certeza que não estamos no mapa? O mundo todo está registrado’. E ela responde, com convicção absoluta ‘não, não estamos lá’.
Então os Dakabuko resolveram pesquisar a região por conta para construir um mapa. De acordo com Amlan Ganguly, assistente social que os acompanha, ter sua região registrada e mapeada faz parte dos direitos de qualquer cidadão. Eles não apenas fizeram a planta do local como também numeraram as casas, para que os moradores pudessem indicar seus endereços com mais facilidade.
O objetivo final do projeto é que, com o mapa, eles possam monitorar áreas onde habitantes ainda não tiveram acesso à vacina contra pólio. E graças ao trabalho dessas crianças, que chamam a comunidade para os postos de saúde, o número de vacinações na região aumentou 80%. Com a ajuda de um projeto da Universidade de Columbia eles até ganharam telefones para registrar a frequência das vacinações de cada habitante.

Confira o documentário emocionante: