domingo, 26 de janeiro de 2014

O perigo da desinformação e o rumor público de máscara "crítica"

Pra pensar - a sério - sobre o funcionamento discursivo.

Profetas do pânico: os grupos que patrocinam a campanha anticopa

Antonio Lassance

Existe uma campanha orquestrada contra a Copa do Mundo no Brasil. A torcida para que as coisas deem errado é pequena, mas é barulhenta e até agora tem sido muito bem sucedida em queimar o filme do evento.

Tiveram, para isso, uma mãozinha de alguns governos, como o do estado do Paraná e da prefeitura de Curitiba, que deram o pior de todos exemplos ao abandonarem seus compromissos com as obras da Arena da Baixada, praticamente comprometida como sede.

A arrogância e o elitismo dos cartolas da Fifa também ajudaram. Aliás, a velha palavra “cartola” permanece a mais perfeita designação da arrogância e do elitismo de muitos dirigentes de futebol do mundo inteiro.

Mas a campanha anticopa não seria nada sem o bombardeio de informação podre patrocinado pelos profetas do pânico.

O objetivo desses falsos profetas não é prever nada, mas incendiar a opinião pública contra tudo e contra todos, inclusive contra o bom senso.

Afinal, nada melhor do que o pânico para se assassinar o bom senso.

 
Como conseguiram azedar o clima da Copa do Mundo no Brasil

O grande problema é quando os profetas do pânico levam consigo muita gente que não é nem virulenta, nem violenta, mas que acaba entrando no clima de replicar desinformações, disseminar raiva e ódio e incutir, em si mesmas, a descrença sobre a capacidade do Brasil de dar conta do recado.

Isso azedou o clima. Pela primeira vez em todas as copas, a principal preocupação do brasileiro não é se a nossa seleção irá ganhar ou perder a competição.

A campanha anticopa foi tão forte e, reconheçamos, tão eficiente que provocou algo estranho. Um clima esquisito se alastrou e, justo quando a Copa é no Brasil, até agora não apareceu aquela sensação que, por aqui, sempre foi equivalente à do Carnaval.

Se depender desses Panicopas (os profetas do pânico na Copa), essa será a mais triste de todas as copas.

 
“Hello!”: já fizemos uma copa antes

Até hoje, os países que recebem uma Copa tornam-se, por um ano, os maiores entusiastas do evento. Foi assim, inclusive, no Brasil, em 1950. Sediamos o mundial com muito menos condições do que temos agora.

Aquela Copa nos deixou três grandes legados. O primeiro foi o Maracanã, o maior estádio do mundo – que só ficou pronto faltando poucos dias para o início dos jogos.

O segundo, graças à derrota para o Uruguai (“El Maracanazo”), foi o eterno medo que muitos brasileiros têm de que as coisas saiam errado no final e de o Brasil dar vexame diante do mundo - o que Nélson Rodrigues apelidou de “complexo de vira-latas”,  a ideia de que o brasileiro nasceu para perder, para errar, para sofrer.

O terceiro legado, inestimável, foi a associação cada vez mais profunda entre o futebol e a imagem do país. O futebol continua sendo o principal cartão de visitas do Brasil – imbatível nesse aspecto.

O cartunista Henfil, quando foi à China, em 1977, foi recebido com sorrisos no rosto e com a única palavra que os chineses sabiam do Português: “Pelé” (está no livro “Henfil na China”, de 1978).

O valor dessa imagem para o Brasil, se for calculada em campanhas publicitárias para se gerar o mesmo efeito, vale uma centena de Maracanãs.

 
Desinformação #1: o dinheiro da Copa vai ser gasto em estádios e em jogos de futebol, e isso não é importante

O pior sobre a Copa é a desinformação. É da desinformação que se alimenta o festival de besteiras que são ditas contra a Copa.

Não conheço uma única pessoa que fale dos gastos da Copa e saiba dizer quanto isso custará para o Brasil. Ou, pelo menos, quanto custarão só os estádios. Ou que tenha visto uma planilha de gastos da copa.

A “Copa” vai consumir quase 26 bilhões de reais.

A construção de estádios (8 bi) é cerca de 30% desse valor.

Cerca de 70% dos gastos da Copa não são em estádios, mas em infraestrutura, serviços e formação de mão de obra.

Os gastos com mobilidade urbana praticamente empatam com o dos estádios.

O gastos em aeroportos (6,7 bi), somados ao que será investido pela iniciativa privada (2,8 bi até 2014) é maior que o gasto com estádios.

O ministério que teve o maior crescimento do volume de recursos, de 2012 para 2013, não foi o dos Esportes (que cuida da Copa), mas sim a Secretaria da Aviação Civil (que cuida de aeroportos).

Quase 2 bi serão gastos em segurança pública, formação de mão de obra e outros serviços.

Ou seja, o maior gasto da Copa não é em estádios. Quem acha o contrário está desinformado e, provavelmente, desinformando outras pessoas.

Desinformação #2: se deu mais atenção à Copa do que a questões mais importantes

Os atrasos nas obras pelo menos serviram para mostrar que a organização do evento não está isenta de problemas que afetam também outras áreas. De todo modo, não dá para se dizer que a organização da Copa teve mais colher de chá que outras áreas.

Certamente, os recursos a serem gastos em estádios seriam úteis a outras áreas. Mas se os problemas do Brasil pudessem ser resolvidos com 8 bi, já teriam sido.

Em 2013, os recursos destinados à educação e à saúde cresceram. Em 2014, vão crescer de novo.

Portanto, o Brasil não irá gastar menos com saúde e educação por causa da Copa. Ao contrário, vai gastar mais. Não por causa da Copa, mas independentemente dela.

No que se refere à segurança pública, também haverá mais recursos para a área. Aqui, uma das razões é, sim, a Copa.

Dados como esses estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso (nas referências ao final está indicado onde encontrar mais detalhes). 

Se alguém quiser ajudar de verdade a melhorar a saúde e a educação do país, ao invés de protestar contra a Copa, o alvo certo é lutar pela aprovação do Plano Nacional de Educação, pelo cumprimento do piso salarial nacional dos professores, pela fixação de percentuais mais elevados e progressivos de financiamento público para a saúde e pela regulação mais firme sobre os planos de saúde.

Se quiserem lutar contra a corrupção, sugiro protestos em frente às instâncias do Poder Judiciário, que andam deixando prescrever crimes sem o devido julgamento, e rolezinhos diante das sedes do Ministério Público em alguns estados, que andam com as gavetas cheias de processos, sem dar a eles qualquer andamento.

Marchar em frente aos estádios, quebrar orelhões públicos e pichar veículos em concessionárias não tem nada a ver com lutar pela saúde e pela educação.

Os estádios, que foram malhados como Judas e tratados como ícones do desperdício, geraram, até a Copa das Confederações, 24,5 mil empregos diretos. Alto lá quando alguém falar que isso não é importante.

Será que o raciocínio contra os estádios vale para a também para a Praça da Apoteose e para todos os monumentos de Niemeyer? Vale para a estátua do Cristo Redentor? Vale para as igrejas de Ouro Preto e Mariana?

Havia coisas mais importantes a serem feitas no Brasil, antes desses monumentos extraordinários. Mas o que não foi feito de importante deixou de ser feito porque construíram o bondinho do Pão-de-Açúcar?

Até mesmo para o futebol, o jogo e o estádio são, para dizer a verdade, um detalhe menos importante. No fundo, estádios e jogos são apenas formas para se juntar as pessoas. Isso sim é muito importante. Mais do que alguns imaginam.

Desinformação #3: O Brasil não está preparado para sediar o mundial e vai passar vexame

Se o Brasil deu conta da Copa do Mundo em 1950, por que não daria conta agora?

Se realizou a Copa das Confederações no ano passado, por que não daria conta da Copa do Mundo?

Se recebeu muito mais gente na Jornada Mundial da Juventude, em uma só cidade, porque teria dificuldades para receber um evento com menos turistas, e espalhados em mais de uma cidade?

O Brasil não vai dar vexame, quando o assunto for segurança, nem diante da Alemanha, que se viu rendida quando dos atentados terroristas em Munique, nos Jogos Olímpicos de Verão de 1972; nem diante dos Estados Unidos, que sofreu atentados na Maratona Internacional de Boston, no ano passado.

O Brasil não vai dar vexame diante da Itália, quando o assunto for a maneira como tratamos estrangeiros, sejam eles europeus, americanos ou africanos.

O Brasil não vai dar vexame diante da Inglaterra e da França, quando o assunto for racismo no futebol. Ninguém vai jogar bananas para nenhum jogador, a não ser que haja um Panicopa no meio da torcida.

O Brasil não vai dar vexame diante da Rússia, quando o assunto for respeito à diversidade e combate à homofobia.

O Brasil não vai dar vexame diante de ninguém quando o assunto for manifestações populares, desde que os governadores de cada estado convençam seus comandantes da PM a usarem a inteligência antes do spray de pimenta e a evitar a farra das balas de borracha.

Podem ocorrer problemas? Podem. Certamente ocorrerão. Eles ocorrem todos os dias. Por que na Copa seria diferente? A grande questão não é se haverá problemas. É de que forma nós, brasileiros, iremos lidar com tais problemas.

Desinformação #4: os turistas estrangeiros estão com medo de vir ao Brasil

De tanto medo do Brasil, o turismo para o Brasil cresceu 5,6% em 2013, acima da média mundial. Foi um recorde histórico (a última maior marca havia sido em 2005).

Recebemos mais de 6 milhões de estrangeiros. Em 2014, só a Copa deve trazer meio milhão de pessoas.

De quebra, o Brasil ainda foi colocado em primeiro lugar entre os melhores países para se visitar em 2014, conforme o prestigiado guia turístico Lonely Planet (“Best in Travel 2014”, citado nas referências ao final).

Adivinhe qual uma das principais razões para a sugestão? Pois é, a Copa.


Desinformação #5: a Copa é uma forma de enganar o povo e desviá-lo de seus reais problemas

O Brasil tem de problemas que não foram causados e nem serão resolvidos pela Copa.

O Brasil tem futebol sem precisar, para isso, fazer uma copa do mundo. E a maioria assiste aos jogos da seleção sem ir a estádios.

Quem quiser torcer contra o Brasil que torça. Há quem não goste de futebol, é um direito a ser respeitado. Mas daí querer dar ares de “visão crítica” é piada.

Desinformação #6: muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, o que é um grave problema

É verdade, muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, mas isso não é um grave problema. Tem até um nome: chama-se “legado”.

Mas, além do legado em infraestrutura para o país, a Copa provocou um outro, imaterial, mas que pode fazer uma boa diferença.

Trata-se da medida provisória enviada por Dilma e aprovada pelo Congresso (entrará em vigor em abril deste ano), que limita o tempo de mandato de dirigentes esportivos.

A lei ainda obrigará as entidades (não apenas de futebol) a fazer o que nunca fizeram: prestar contas, em meios eletrônicos, sobre dados econômicos e financeiros, contratos, patrocínios, direitos de imagem e outros aspectos de gestão. Os atletas também terão direito a voto e participação na direção. Seria bom se o aclamado Barcelona, de Neymar, fizesse o mesmo.

Estresse de 2013 virou o jogo contra a Copa

Foi o estresse de 2013 que virou o jogo contra a Copa. Principalmente quando aos protestos se misturaram os críticos mascarados e os descarados.

Os mascarados acompanharam os protestos de perto e neles pegaram carona, quebrando e botando fogo. Os descarados ficaram bem de longe, noticiando o que não viam e nem ouviam; dando cartaz ao que não tinha cartaz; fingindo dublar a “voz das ruas”, enquanto as ruas hostilizavam as emissoras, os jornalões, as revistinhas e até as coitadas das bancas.

O fato é que um sentimento estranho tomou conta dos brasileiros. Diferentemente de outras copas, o que mais as pessoas querem hoje saber não é a data dos jogos, nem os grupos, nem a escalação dos times de cada seleção. 

A maioria quer saber se o país irá funcionar bem e se terá paz durante a competição. Estranho.

É quase um termômetro, ou um teste do grau de envenenamento a que uma pessoa está acometida. Pergunte a alguém sobre a Copa e ouça se ela fala dos jogos ou de algo que tenha a ver com medo. Assim se descobre se ela está empolgada ou se sentou em uma flecha envenenada deixada por um profeta do apocalipse.

Todo mundo em pânico: esse filme de comédia a gente já viu

Funciona assim: os profetas do pânico rogam uma praga e marcam a data para a tragédia acontecer. E esperam para ver o que acontece. Se algo “previsto” não acontece, não tem problema. A intenção era só disseminar o pânico e o baixo astral mesmo.

O que diziam os profetas do pânico sobre o Brasil em 2013?  Entre outras coisas:

Que estávamos à beira de um sério apagão elétrico.

Que o Brasil não conseguiria cumprir sua meta de inflação e nem de superávit primário.

Que o preço dos alimentos estava fora de controle.

Que não se conseguiria aprontar todos os estádios para a Copa das Confederações.

O apagão não veio e as termelétricas foram desligadas antes do previsto. A inflação ficou dentro da meta. A inflação de alimentos retrocedeu. Todos os estádios previstos para a Copa das Confederações foram entregues.

Essas foram as profecias de 2013. Todas furadas.

Cada ano tem suas previsões malditas mais badaladas. Em 2007 e 2008, a mesma turma do pânico dizia que o Brasil estava tendo uma grande epidemia de febre amarela. Acabou morrendo mais gente de overdose de vacina do que de febre amarela, graças aos profetas do pânico.

Em 2009 e 2010, os agourentos diziam que o Brasil não estava preparado para enfrentar a gripe aviária e nem a gripe “suína”, o H1N1. Segundo esses especialistas em catástrofes, os brasileiros não tinham competência nem estrutura para lidar com um problema daquele tamanho. Soa parecido com o discurso anticopa, não?

O cataclismo do H1N1 seria gravíssimo. Os videntes falavam aos quatro cantos que não se poderia pegar ônibus, metrô ou trem, tal o contágio. Não se poderia ir à escola, ao trabalho, ao supermercado. Resultado? Não houve epidemia de coisa alguma.

Mas os profetas do pânico não se dão por vencidos. Eles são insistentes (e chatos também). Quando uma de suas profecias furadas não acontece, eles simplesmente adiam a data do juízo final, ou trocam de praga.

Agora, atenção todos, o próximo fim do mundo é a Copa. “Imagina na Copa” é o slogan. E há muita gente boa que não só reproduz tal slogan como perde seu tempo e sua paciência acreditando nisso, pela enésima vez.

Para enfrentar o pessoal que é ruim da cabeça ou doente do pé

O pânico é a bomba criada pelos covardes e pulhas para abater os incautos, os ingênuos e os desinformados.

Só existe um antídoto para se enfrentar os profetas do pânico. É combater a desinformação com dados, argumentos e, sobretudo, bom senso, a principal vítima da campanha contra a Copa.

Informação é para ser usada. É para se fazer o enfrentamento do debate. Na escola, no trabalho, na família, na mesa de bar.

É preciso que cada um seja mais veemente, mais incisivo e mais altivo que os profetas do pânico. Eles gostam de falar grosso? Vamos ver como se comportam se forem jogados contra a parede, desmascarados por uma informação que desmonta sua desinformação.

As pessoas precisam tomar consciência de que deixar uma informação errada e uma opinião maldosa se disseminar é como jogar lixo na rua.

Deixar envenenar o ambiente não é um bom caminho para melhorar o país.

A essa altura do campeonato, faltando poucos meses para a abertura do evento, já não se trata mais de Fifa. É do Brasil que estamos falando.

É claro que as informações deste texto só fazem sentido para aqueles para quem as palavras “Brasil” e “brasileiros” significam alguma coisa.

Há quem por aqui nasceu, mas não nutre qualquer sentimento nacional, qualquer brasilidade; sequer acreditam que isso existe. Paciência. São os que pensam diferente que têm que mostrar que isso existe sim.

Ter orgulho do país e torcer para que as coisas deem certo não deve ser confundido com compactuar com as mazelas que persistem e precisam ser superadas. É simplesmente tentar colocar cada coisa em seu lugar.

Uma das maneiras de se colocar as coisas no lugar é desmascarar oportunistas que querem usar da pregação anticopa para atingir objetivos que nunca foram o de melhorar o país.

O pior dessa campanha fúnebre não é a tentativa de se desmoralizar governos, mas a tentativa de desmoralizar o Brasil.

É preciso enfrentar, confrontar e vencer esse debate. É preciso mostrar que esse pessoal que é profeta do pânico é ruim da cabeça ou doente do pé.

(*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política e torcedor da Seleção Brasileira de Futebol desde sempre.

Mais sobre o assunto:

A Controladoria Geral da União atualiza a planilha com todos os gastos previstos para a Copa, os já realizados e os por realizar, em seu portal:


Os dados do orçamento da União estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso. 

O “Best in Travel 2014”, da Lonely Planet, pode ser conferido aqui.

Sobre copa e anticopa, vale a pena ler o texto do Flávio Aguiar, “Copa e anti-copa”, aqui na Carta Maior:

Sobre o catastrofismo, também do Flávio Aguiar: “Reveses e contrariedades para a direita”, na Carta Maior.

Sobre os protestos de junho e a estratégia da mídia, leiam o texto do prof. Emir Sader, "Primeiras reflexões".

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A manifestação nos rolezinhos: do que se trata, afinal?

Quantos sábados o Iguatemi aguentaria fechado?

Há 57 anos uma negra chamada Rosa Parks deu um rolezinho sobre as prerrogativas dos brancos no transporte coletivo de Montgomey, nos EUA.

por: Saul Leblon


O Museu Henry Ford, em Detroit, nos EUA, guarda inúmeras relíquias da história norte-americana sobre rodas.

O veículo no qual  Kennedy foi baleado  está lá.

Gigantescas locomotivas  que desbravaram a expansão ferroviária do país no século XIX ilustram em toneladas de ferro e aço  o sentido da expressão revolução metal-mecânica.

Perto delas os esqueléticos Fords-bigode que deram origem à indústria automobilística, de que Detroit foi a capital um dia, parecem moscas.

O museu abriga  também um centenário ônibus da ‎ National City Lines, de número 2857, um GM com o número  1132, que fazia a linha da Cleveland Avenue na cidade de Montgomery, no Alabama,  em  1 de dezembro de 1955.

A ocupação de um assento naquele ônibus mudaria a história dos direitos civis nos EUA promovendo um salto na luta pela igualdade  entre negros e brancos no país.

O verdadeiro símbolo do episódio não é o velho GM, mas a costureira e ativista dos direitos dos negros, Rosa Park (1923-2005) que  naquela noite se recusou   a ceder o lugar a um branco.

Rosa tinha 40 quando desafiou a física do preconceito no Alabama dos anos 50, segundo a qual  brancos e negros não poderiam usufruir coletivamente do mesmo espaço, ao mesmo tempo.

Rosa Parks viveria mais 50 anos para contar e recontar esse rolezinho sobre as prerrogativas dos brancos, que transformaria o velho GM em um centro de peregrinação política.

O último presidente a sentar-se no mesmo banco do qual ela só saiu presa foi Barak Obama.

Em 2012, depois de alguns segundos em silêncio no mesmo lugar, ele disse: ‘É preciso um gesto de coragem das pessoas comuns para mudar a história’.

Rosa Parks era uma pessoa comum até dizer basta a uma regra sagrada da supremacia branca nos EUA.

Em pleno boom de crescimento do pós-guerra, quando  negros se integravam ao mercado de trabalho e de consumo norte-americano, eles não dispunham de espaço equivalente nem no plano político, nem nos espaços públicos, como o interior de um veículo de passageiros.

No Alabama os bancos da frente dos ônibus eram exclusivos dos brancos;  os do fundo destinavam-se aos negros.

Detalhes evitavam o contato entre as peles de cores distintas: os negros compravam seu bilhete ingressando pela porta da frente, mas deveriam descer e embarcar pela do fundo.

À medida em que os assentos da frente se esgotavam, os negros deveriam ceder seu lugar a um novo passageiro branco que embarcasse no trajeto.

Rosa Parks estava fisicamente exausta aquela noite e há muitos anos cansada da desigualdade que  humilhava sua gente.

Ela recusou a ordem do motorista e não cedeu o lugar mesmo ameaçada. Sua prisão gerou um boicote maciço dos negros de Montgomery.

Durante longos meses eles se recusaram a utilizar o transporte coletivo da cidade, provocando atrasos nos locais de trabalho e prejuízos às empresas de transporte.

Milhões de panfletos explicativos seriam distribuídos diariamente; de forma pacífica, grupos de ativistas vasculhavam os pontos de ônibus da cidade para convencer negros a aderir ao boicote.

Quase um ano depois, a lei da segregação dentro dos ônibus foi extinta.

Neste sábado, um dos shoppings mais luxuosos de SP, o Iguatemi JK, cerrou as portas para impedir  que movimentos sociais fizessem ali um protesto contra a discriminação em relação aos pobres.

O Iguatemi foi um dos pioneiros a obter liminar na Justiça de SP autorizando seguranças a selecionar o ingresso de clientes  para barrar a juventude dos rolezinhos - marcadamente composta de  jovens da periferia, pretos, mestiços e pobres.

A memória dos acontecimentos de 57 anos atrás em Montgomery convida a perguntar:

 - A exemplo das transportadoras racistas do Alabama, quantos sábados o Iguatemi aguentaria de portas cerradas, cercado por manifestações pacíficas e desidratado pela fuga de seus clientes tradicionais?

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Fórum Social no período técnico-científico informacional

11/01/2014 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

Fórum Social Temático debaterá crise capitalista, democracia, justiça social e ambiental

Crise capitalista, democracia, justiça social e ambiental: estes serão os temas do encontro que será realizado na capital gaúcha, de 21 a 26 de janeiro.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Divulgação
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - Crise capitalista, democracia, justiça social e ambiental: estes serão os temas do Fórum Social Temático 2014, que será realizado na capital gaúcha, de 21 a 26 de janeiro. O evento está sendo organizado por um grupo de centrais sindicais,  movimentos e organizações sociais brasileiras e internacionais em articulação com o Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.

O território do Fórum Social Temático 2014 abrangerá Usina do Gasômetro, Parque Harmonia, Câmara dos Vereadores, Largo Zumbi dos Palmares, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Assembleia Legislativa, Memorial do Rio Grande do Sul e Casa de Cultura Mário Quintana. A Marcha de Abertura será realizada no dia 23 de janeiro de 2014, com concentração a partir das 13h30m no Largo Glênio Peres e saída prevista às 15h30m. O itinerário será definido pelo Comitê de Organização e distribuído aos participantes antes do início da Marcha.

No mesmo período, estão programados outros eventos, com identidade própria, mas associados ao tema geral do Fórum. Entre eles destacam-se: o Fórum Mundial de Educação, que será realizado em Canoas; o Projeto Conexões Globais, que promove debates com participação à distância por meio de telões instalados na Casa de Cultura Mário Quintana; o Seminário Internacional do Fórum Mundial de Mídia Livre; o Espaço Mundo do Trabalho, que reúne entidades sindicais de todo o mundo, no mezanino da Usina do Gasômetro; o Espaço Ubuntu, no Largo Zumbi dos Palmares, o Acampamento Intercontinental da Juventude, no Parque da Harmonia, além da tradicional Feira da Economia Solidária.

Na nota convocatória do evento, o comitê organizador justifica a escolha do tema para o encontro deste ano, destacando a continuidade da crise econômica iniciada em 2008:

“A crise internacional do sistema capitalista chega ao seu auge com a desestruturação das economias dos países europeus e norte-americanos e da retirada constante de direitos sociais de seus trabalhadores e trabalhadoras. Como parte deste processo de crise mundial há uma profunda crítica à capacidade de representação dos anseios políticos por parte dos partidos, inclusive dos partidos de esquerda. Este dois fatores colocam a sociedade civil internacional em alerta para possíveis retrocessos da agenda democrática mundial. A crise política e social não se arrefeceu desde 2012, justamente por isso, é fundamental refletirmos sobre o mundo que queremos”.

Fórum Mundial de Educação

Parte integrante do processo do Fórum Social Mundial desde 2001, o Fórum Mundial de Educação 2014 ocorrerá em Canoas nos dias 21, 22 e 23 de janeiro, nas dependências da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra/Canoas). O tema deste ano será Pedagogia, Região Metropolitana e Periferia. Até dezembro, mais de 1,5 mil pessoas já estavam inscritas no Fórum Mundial de Educação, representando a Argentina, Uruguai, Colômbia, Cuba, Cabo Verde, Marrocos, Jordânia, Zâmbia, Espanha, Itália.

O Fórum oferece a possibilidade de acesso gratuito em palestras da área de educação, bem como nas salas de debate dos grupos de trabalho. O objetivo é possibilitar um amplo debate para a elaboração de alternativas, nas quais participem os diferentes setores sociais da comunidade educativa e os que se relacionem com ela. O evento é uma promoção conjunta do Comitê Organizador Internacional e da Prefeitura Municipal de Canoas, com o apoio da UNDIME-RS, Instituto Integrar, Ulbra, Canoas parque Hotel e Ministério da Educação.

A abertura oficial do Fórum ocorrerá no dia 21 de janeiro, às 9 horas, no Ginásio Poliesportivo da Ulbra (Prédio 17), com um debate sobre os 50 anos do Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura mediante o uso do sistema Paulo Freire. A programação completa do evento está disponível na página do encontro.

Hospedagem solidária

O Fórum Social oferece a possibilidade de hospedagem solidária para quem não tem condições de arcar com despesas de hoteis. Quem desejar ser acolhido pela hospedagem solidária pode se inscrever em um formulário disponível na página do evento. Moradores de Porto Alegre que quiserem receber em sua casa, para uma hospedagem solidária, um ou mais participantes do Fórum também podem se inscrever no mesmo endereço linkado acima.

Para maiores informações sobre os eventos, basta acompanhar as atualizações de suas respectivas páginas na internet:

Fórum Social Temático Porto Alegre
Fórum Mundial de Educação Canoas

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

As derrotas dos barões da mídia em 2013

Via campanha Para expressar a liberdade

Os avanços mais sensíveis se deram na América Latina. Infelizmente, o Brasil se manteve na posição da vanguarda do atraso no enfrentamento desta questão.

Em 2013, o debate sobre o poder ditatorial dos meios de comunicação e sobre a urgência da regulação democrática da mídia ganhou impulso no mundo inteiro. Até o Reino Unido, chocado com os escândalos de corrupção e invasão de privacidade do império de Rupert Murdoch, aprovou uma dura legislação. A Rainha Elizabeth 2ª se tornou, na visão dos barões da mídia, a nova “chavista” do planeta. Os avanços mais sensíveis se deram na América Latina. Infelizmente, o Brasil se manteve na posição da “vanguarda do atraso” no enfrentamento desta questão estratégica.

O “Royal Charter” britânico
A nova legislação britânica, assinada em outubro, cria um órgão regulador para a mídia imprensa, estabelece um código de ética para os veículos e fixa multas de até R$ 3,7 milhões para os crimes da imprensa. Ela se soma à regulação já existente há décadas sobre as concessões públicas de rádio e televisão. Os abusos da mídia britânica, principalmente do império Murdoch – o maior do planeta – resultaram num fato inédito. A nova lei foi elaborada pelo governo conservador de David Cameron, obteve o apoio da oposição trabalhista e foi assinada pela Rainha Elizabeth.
Os monopólios do setor fizeram de tudo para sabotar a nova lei. Ingressaram na Justiça, pressionaram parlamentares e até atacaram a “sagrada” monarquia britânica. A pressão, porém, não evitou que a rainha ratificasse a “Royal Charter”, a carta real sobre a mídia imprensa. Os poderes públicos se viram pressionados pela sociedade, que não engoliu os crimes praticados pelo jornal “News of the Word”, do empresário australiano Rupert Murdoch. O tabloide, que subornou e grampeou telefones ilegalmente, inclusive foi fechado e seus diretores podem ir para a cadeia.
Pela lei aprovada, o novo órgão regulador poderá aplicar multas de até 1 milhão de libras (R$ 3,7 milhões), além de impor correções e pedidos de desculpas por parte de jornais e revistas com o mesmo destaque dado pelas matérias caluniosas. Ele será composto por integrantes indicados de forma independente, sendo vedada a participação de editores dos veículos privados. Já o código de ética exige “respeito pela privacidade onde não houver suficiente justificativa de interesse público”. Qualquer pessoa que alegar ter sido atingida por reportagens poderá acionar o órgão.

A defesa do pluralismo na Europa
As derrotas dos barões da mídia não se deram apenas no Reino Unido. Em vários países tão badalados como expressão da “democracia liberal” também ocorreram importantes revezes em 2013. Outro destaque do ano, simplesmente ocultado pela imprensa brasileira, foi a aprovação do relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, em janeiro do ano passado. O documento foi elaborado por um grupo de alto nível (HLG) constituído no âmbito da União Europeia e faz trinta recomendações sobre a regulação democrática da mídia.
Entre outros pontos, o relatório realça que “o conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela. A última está entronizada nos valores e direitos fundamentais da Europa: ‘Todos têm direito à liberdade de expressão... Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade... Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder dominante”.
Para o desespero dos barões da mídia, o documento propõe a introdução da educação para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias; o monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo oficial; a total neutralidade de rede na internet; a provisão de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo; a existência de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.
“Todos os países da União Europeia deveriam ter conselho de mídia independente, cujos membros tenham origem política e cultural equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados. Esses organismos teriam competência para investigar reclamações (...), mas também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade... Os conselhos de mídia devem ter poderes legais, tais como imposição de multas, determinar a publicação de justificativas e cassação do status jornalístico”, afirma o relatório.

Espionagem e atritos nos EUA
Se na Europa o debate sobre a regulação democrática da mídia produziu alguma luz, na pretensa “pátria da democracia”, os EUA, ele só gerou atritos e nada de concreto. Mesmo assim, o tema esteve na ordem do dia. Durante vários meses, o presidente Barack Obama e os impérios midiáticos se digladiaram. O governo acusou abertamente a rede Fox, do mesmo Rupert Murdoch, de se transformar no braço político do Partido Republicano e da sua corrente mais fascistóide, o Tea Party. Já os veículos acusaram a Casa Branca de monitorar os seus repórteres e promover retaliações.
Em junho passado, num fato inédito, as corporações midiáticas chegaram a boicotar uma reunião com o secretário de Justiça, Eric Holder. A crise decorreu das revelações de que o governo espionava jornalistas. A agência de notícias Associated Press e a TV Fox News tiveram telefonemas e e-mails de seus repórteres monitorados pelo Departamento de Justiça, que investigava o vazamento de informações consideradas confidenciais pelo governo. Diante do escândalo, que desmistifica a “pátria da democracia”, Barack Obama aceitou conter as medidas de monitoramento.
O armistício, porém, não soluciona os crescentes atritos entre o governo dos EUA e as poderosas corporações midiáticas. Estudos indicam que a concentração do setor tem aumentado no país, reforçando assustadoramente o poder destes impérios. Mais de 120 jornais faliram nos últimos anos e apenas os grandes sobrevivem à avassaladora crise da mídia impressa. Já as emissoras de televisão “atravessam intensa concentração nos EUA”, segundo reportagem de Nelson de Sá, publicada em julho passado na Folha.
Através de aquisições e fusões, a mídia fica ainda mais monopolizada. Nelson de Sá cita dois exemplos nos setores de TV a cabo e TV aberta. “No primeiro, a Charter, controlada por John Malone, tenta comprar o serviço da Time Warner. Negócios semelhantes estariam sendo discutidos entre a Cablevision e a Cox e, no âmbito das operadoras de TV por satélite, entre a Dish e a DirecTV. No segundo setor, pequenos grupos de emissoras abertas estão se consolidando em grupos maiores, como na compra das 19 estações do Local TV pelo Tribune por US$ 2,7 bilhões”.

Por Altamiro Borges. Texto publicado originalmente na Carta Maior, em 01/01/2014