quarta-feira, 30 de abril de 2014

Fome, lixo e comunicação

10 números sobre a fome

A FAO, a organização das Nações Unidas que luta contra a fome e a desnutrição, por ocasião da sua sessão anual de conferências realizadas em Roma, entre os dias 15 a 22 de junho, divulgou alguns dados que fornecem um quadro da situação alimentar no mundo.

A reportagem é da revista Popoli, 27-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


- 870 milhões de pessoas não têm o suficiente para comer. O número diminuiu em relação a 1990, mas é um pouco mais alto do que no início da crise econômica (2008).

- 98% das pessoas subnutridas vivem em países pobres ou em desenvolvimento, onde representam 15% dos habitantes.

- A maior parte deles vive na Ásia e no Pacífico (cerca de 563 milhões de pessoas). Além disso, aí vive a maior parte da população mundial, mas os números marcam quedas promissoras.

- Se as mulheres que trabalham nos campos tivessem o mesmo acesso aos recursos que os homens, o número de pessoas subnutridas poderia ser mais baixo do que 150 milhões.

- A malnutrição contribui para a morte de 2,6 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade por ano (um terço do total).

- Mais ou menos uma em cada seis crianças (cerca de 100 milhões) nos países pobres estão abaixo do peso.

- Uma em cada quatro crianças no mundo tem atraso no crescimento (raquitismo). Nos países pobres, uma em cada três.

- 80% das crianças com atraso no crescimento vivem em cerca de de 20 países.

- 66 milhões de crianças da escola primária vão à aula com o estômago vazio; 23 milhões na África.

- O Programa Alimentar Mundial (PAM) calcula que, em um ano, para alimentar esses 66 milhões de crianças, são necessários 3,2 bilhões de dólares.

- O último número é acrescentado por nós: o valor necessário para alimentar as crianças equivale a 2,4 bilhões de euros, o custo de cerca de 20 aviões F-35.


Para evitar alto custo econômico e ambiental, países adotam rigor contra desperdício de alimentos

Frequentadores de restaurantes chineses estão postando fotos de pratos vazios online, pedindo a amigos que não peçam mais do que podem comer. A Coreia do Sul está cobrando por peso pela coleta de lixo, na esperança de persuadir as famílias a descartarem menos comida. Massachusetts está proibindo grandes empresas de mandarem resíduos alimentares para aterros sanitários, e os supermercados britânicos estão melhorando os rótulos e embalagens para que os consumidores joguem menos fora o que comprarem.

A reportagem é de Beth Gardiner, publicada pelo The New York Times e reproduzida pelo portal UOL, 25-04-2014.

Por todo o mundo, o desperdício de alimentos é cada vez mais visto como um assunto econômico e ambiental sério. Com muitas famílias com orçamento apertado e a população mundial crescendo a cada ano, há uma crescente conscientização dos recursos desperdiçados na produção de alimentos que nunca são comidos. Empresas, governos e ativistas estão trabalhando para que mais do que é cultivado chegue às mesas, e menos às latas de lixo.

A ONU estima que um terço de todo o alimento produzido no mundo nunca é consumido, o que gera um total de cerca de 1,3 bilhão de toneladas de lixo por ano. Apenas nos Estados Unidos, cerca de 40% de todos os alimentos, no valor estimado de US$ 165 bilhões, são jogados fora, informou o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais em 2012.

No mundo desenvolvido, os alimentos descartados por varejistas e consumidores seriam mais que suficientes para alimentar os 870 milhões de pessoas com fome do mundo, disse José Graziano da Silva, diretor geral daOrganização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), no ano passado, ao apresentar a campanha antidesperdício Pense, Coma, Economize, que a organização promove em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

No Reino Unido, que conta com os dados mais abrangentes disponíveis sobre alimentos descartados, cada família joga fora, em média, 700 libras, ou US$ 1.170 , em alimentos por ano.

"Se você olhar para a história humana, fora os muito ricos, as famílias sempre aproveitavam ao máximo a comida", disse Richard Swannell, diretor de sistemas sustentáveis de alimentos do Programa de Ação para Recursos e Desperdício, ou Wrap (na sigla em inglês), a organização britânica antidesperdício que compilou o número. "À medida que ficamos mais prósperos, nós deixamos de nos preocupar com isso."

As consequências ambientais do desperdício são enormes, dizem os especialistas, com vastas quantidades de água, fertilizantes e terras usadas para produção de alimentos que nunca são comidos, além da energia usada para processá-los, refrigerá-los e transportá-los.

Os alimentos descartados que decompõem no aterro sanitário, sem a presença de oxigênio, emitem metano, um potente gás do efeito estufa.

Ao todo, esse lixo cria 3,3 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa anualmente, diz a FAO. Se o lixo alimentar fosse um país, aponta a agência, ele seria o terceiro maior emissor de gases do efeito estufa no mundo, atrás daChina e dos Estados Unidos.

Nos países em desenvolvimento, o desperdício de alimento começa a acontecer logo depois da colheita, enquanto as safras são armazenadas ou transportadas, por causa de falta de refrigeração e boas estradas, o que faz com que estraguem antes de chegar ao mercado. Nos países mais ricos, o desperdício frequentemente começa com os varejistas descartando itens que acham que não terão apelo aos consumidores. Mas a maior fonte individual de desperdício está nos lares, estima o Wrap, onde cerca da metade de todo o alimento não comido é descartado.

A organização tem buscado chamar a atenção para o problema com sua campanha Ame a Comida, Odeio o Desperdício, que pede aos consumidores que planejem antes das compras e congelem mais alimentos. As pessoas devem confiar mais em seus olhos e narizes, aconselha a campanha, em vez de apenas nas datas de validade para decidir se um alimento está estragado.

A organização está trabalhando com redes de supermercados para reduzir o lixo, deixando as datas de validade mais claras, vendendo porções menores e usando embalagem reutilizável para alimentos perecíveis, como queijo ou legumes congelados.

Esses esforços ajudaram o Reino Unido a reduzir o desperdício de alimentos em 21% desde 2007. É o único país na Europa que conseguiu essa redução, disse Clementine O'Connor, consultora sênior da Bio Intelligence Service, uma consultoria de sustentabilidade e empresa de auditoria francesa de propriedade da Deloitte Touche Tohmatsu.

A Tesco, a primeira rede de supermercados britânica a publicar seus números de descarte de alimentos, relatou que 28.500 toneladas de alimentos foram para o lixo em suas lojas e centros de distribuição na primeira metade de 2013 –0,87% de seu volume de vendas. Mas isso é apenas uma pequena fração do total de desperdício no país. Os alimentos jogados fora com mais frequência são hortifrútis frescos e assados, disse George Gordon, um porta-voz da Tesco. Alface embalado fica no topo da lista, ele disse, com 68% da produção total descartados.

A rede está estudando os itens mais desperdiçados e introduziu alface em embalagens com dois compartimentos, de modo que os consumidores podem usar metade, enquanto a outra permanece fresca, disse Gordon. A Tescotambém está alterando alguns dos processos de fornecimento, para que uvas, por exemplo, cheguem às lojas cinco ou 10 dias mais cedo, dando mais tempo para os consumidores as consumirem, ele disse.

"Se você olhar para a cadeia de valor, da fazenda à mesa, nós estamos bem no meio dela", disse Gordon, reconhecendo que os varejistas podem influenciar os fornecedores tanto quanto os consumidores. "Nós estamos em uma posição útil."

Na Coreia do Sul, um grande esforço para reduzir os alimentos desperdiçados parte do governo. Na esperança de reduzir os alimentos desperdiçados em 20%, o país introduziu um sistema que cobra por peso a coleta do lixo.

Na China, uma campanha chamada Operação Prato Limpo se tornou um sucesso nas redes sociais, com os frequentadores de restaurantes postando fotos de seus pratos vazios. A campanha teria o apoio do presidente Xi Jinping e, juntamente com os descontos "meia porção, metade do preço" e outras medidas antidesperdício, tem recebido grande cobertura do jornal "Diário do Povo", porta-voz do Partido Comunista.

No mês passado, os líderes chineses emitiram um memorando pedindo às autoridades que reduzam os banquetes fartos, instruindo aos cafés dirigidos pelo governo que reduzam as porções e pedindo às empresas da catering e restaurantes que facilitem para que os clientes peçam menos, noticiou o agência de notícias oficial "Xinhua". O governo também está preparando uma nova lei para desperdício de alimentos, informou a agência.

A fome matou dezenas de milhões de pessoas na China nos anos 60, mas Pan Wenjing, uma integrante do escritório em Pequim do Greenpeace, disse que grande parte do país é jovem demais para lembrar daqueles tempos. "A geração mais jovem realmente não sabe o que é fome", ela disse.
Pan disse que os líderes chineses perceberam que a redução do desperdício é crucial para a capacidade do país de alimentar a si mesmo, uma tarefa que deverá se tornar mais difícil se a mudança climática reduzir a produção agrícola, como esperam os especialistas.

Doug Rauch, o ex-presidente da rede americana de mercados Trader Joe's, está estudando pesquisas que mostram que alimentos além de seu prazo de validade frequentemente ainda são seguros para consumo. Rauchplaneja abrir o Daily Table em Boston, no mês que vem, uma organização sem fins lucrativos que estocará alimentos além do prazo de validade ou com embalagens danificadas para venda para pessoas carentes.

O Estado de Massachusetts está exigindo que qualquer instituição que jogue fora mais de uma tonelada de alimentos por semana o use para compostagem. Uma regra semelhante entrará em vigor no ano que vem em Nova York. Diferente dos aterros sanitários, o alimento que se decompõe na compostagem não produz metano, porque o oxigênio está presente.

Na Grécia, a crise econômica também promoveu um novo foco no lixo. Um grupo no país deu início a um centro online, para ajudar pequenas lojas com excesso de alimentos a contatarem pessoas carentes nas proximidades, disse O'Connor, da Bio Intelligence, que está trabalhando no Fusions, um esforço para redução do desperdício de alimentos financiado pela União Europeia. A união deseja reduzir pela metade o desperdício de alimentos até 2020.

No Reino Unido, onde mais da metade das autoridades locais coleta lixo alimentar para compostagem, também está investindo em biodigestores, que usam lixo orgânico para gerar energia.
Um dos maiores desafios atuais é o alimento estar ligado de modo inseparável à cultura, consequentemente tocando em questões emocionais difíceis de mudar. "Trabalhar na questão do desperdício de alimentos é muito delicado", disse Fanny Demassieux, chefe da unidade responsável pelo consumo do PNUMA.

"A ideia é não ser invasivo e dizer às pessoas o que fazer", ela disse. "É apenas explicar para elas que, provavelmente, elas estão desperdiçando mais alimentos do que imaginam."

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Marco Civil da Internet

Aprovação do Marco Civil respalda propostas do Brasil na Conferência da Internet

Escrito por: Tadeu Breda
Fonte: Rede Brasil Atual

País defende gestão da rede por comunidade global de governos, sociedade civil, técnicos, empresas e acadêmicos. Lei brasileira é saudada como exemplo para garantia de direitos e liberdades na internet

São Paulo – A rapidez da base aliada no Senado em aprovar ontem (22) o Projeto de Lei Complementar 21/2014, que cria o Marco Civil da Internet, estabelecendo direitos e deveres de usuários e instituições na rede, parece ter surtido os efeitos políticos internacionais esperados pelo governo federal.

O texto foi um dos principais destaques da abertura da Conferência Multissetorial Global para o Futuro da Governança da Internet, a NetMundial, que hoje (23) e amanhã (24) reúne representantes de governos, empresas, sociedade civil, academia e comunidades técnicas de mais de 90 países em São Paulo para discutir novos modelos de gestão da rede.

Anfitriã e entusiasta do evento, a presidenta Dilma Rousseff recebeu elogios públicos pelo empenho de seu governo na aprovação da lei. “O Brasil deu um exemplo positivo com o Marco Civil”, expressou Vint Cerf, vice-presidente do Google, secundado pelo criador da web, Tim Berners-Lee. “A lei votada ontem é um exemplo fantástico de como os governos podem proteger os direitos dos cidadãos na internet.”

Antes de fazer uso da palavra, Dilma aproveitou a ocasião para sancionar o texto, que já havia sido aprovado pela Câmara em março e que tramitou pelo Senado em velocidade acelerada e sem qualquer alteração – mudanças devolveriam o texto à Câmara, impedindo que fosse apresentado na NetMundial. “O Marco Civil estabelece princípios, direitos e garantias dos usuários, delimitando deveres e responsabilidades de todos os atores no ambiente online”, pontuou, observando que o projeto “ecoou a voz das ruas, das redes e das instituições” ao ser elaborado com intensa participação social.

“Ao estabelecer que empresas de telecomunicações devem tratar de forma isonômica os pacotes de dados, sem distinção de conteúdo, origem, destino, terminal ou aplicação, ele consagrou a neutralidade”, continuou a presidenta. Para ela, o Marco Civil da Internet protege as relações das pessoas com os Estados e com as empresas, garantindo a privacidade e a liberdade de expressão. “As empresas também não podem bloquear, monitorar ou filtrar conteúdo dos pacotes de dados.”
A aprovação do Marco Civil pelo Congresso respalda as propostas defendidas pelo governo brasileiro nas discussões que Brasília vem patrocinando no cenário internacional – e que pretendem chegar algum consenso durante a NetMundial. Dilma defende que a governança da internet, hoje concentrada nos Estados Unidos, seja multissetorial, multilateral, democrática e transparente.

“O multissetorialismo é a melhor forma de exercício da governança”, avaliou a presidenta, lembrando que esse conceito já funciona há vinte anos no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), com participação de governo, sociedade civil, empresas, acadêmicos e comunidade técnica do país. A ideia da presidenta é transferir esse modelo para o nível global, com delegados de cada setor, de todo o mundo, a partir da ideia de que a internet é um bem comum da humanidade.

“Também consideramos importante a perspectiva multilateral, segundo a qual a participação dos governos deve ocorrer em pé de igualdade entre si”, complementou. “Isso é consequência de um princípio elementar das relações internacionais contemporâneas: a igualdade entre Estados. Não vemos oposição entre multilateralismo e multissetorialismo. Queremos democratizar relações dos governos com sociedade e dos governos entre si.”

O discurso proferido hoje (23) por Dilma Rousseff guarda estreita semelhança com sua intervenção na abertura da 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas no ano passado. Na ocasião, irritada com as denúncias de espionagem norte-americana sobre suas próprias comunicações, a presidenta criticou a concentração da administração da internet num único país. E lançou as bases para o NetMundial.
Às vésperas da conferência, em fevereiro, os Estados Unidos – a quem está juridicamente subordinada a Corporação para Designação de Nomes e Números (Icann), órgão que coordena o funcionamento da rede – aceitaram discutir a proposta brasileira e quiçá abrir mão de sua hegemonia. O gesto também foi bastante saudado nos discursos de abertura do evento em São Paulo. “Saúdo a disposição dos Estados Unidos em substituir sua gestão do Iana e do Icann por uma gestão global. Agora, o novo arranjo institucional e jurídico de nomes e sistemas deve ser construído com ampla participação, indo além dos atores tradicionais”, afirmou Dilma.

Assim como ocorreu no final do ano passado, durante participação de Dilma no natal com os catadores e moradores de rua, na capital, membros da plateia se levantaram com os rostos cobertos com uma máscara de Edward Snowden. É um protesto para que o país conceda asilo ao ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, quem deu a conhecer ao mundo o esquema de espionagem massivo na internet.

Mais de uma vez, os manifestantes, sempre em silêncio, estenderam uma faixa com os dizeres: Marco Civil sim, Vigilantismo não. Quando o sistema de microfones falhou, voltaram a erguer uma faixa atestando: "Somos todos vítimas da vigilância. Estamos com você, Dilma".

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A história se faz: nomes, posicionamentos



20.Abr.2014

A subsidiária Transpetro já alcançou a marca de dez navios do Promef lançados ao mar. Cada um deles foi nomeado em referência a um grande nome da história do Brasil. Saiba mais sobre os homenageados:
Foto: Banco de Imagens Petrobras
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Nascido em 1920, na Paraíba, o economista (1920 – 2004) procurou entender a realidade do Brasil e, principalmente, a dos brasileiros, a fim de propor caminhos para o avanço do país. Para ele, os conceitos econômicos tradicionais, limitados a teorias e suas aplicações, eram insuficientes para explicar a realidade. Estendeu à economia uma visão humana e interdisciplinar para compreender melhor o subdesenvolvimento. Foi jornalista, funcionário público, advogado, doutor em Economia, pioneiro da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), superintendente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), e ministro do Planejamento e da Cultura.
Foto: Banco de Imagens Petrobras

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Nascido em Encruzilhada do Sul (RS), João Cândido (1880 – 1969) entrou para a Marinha aos 13 anos, em 1894. Marinheiro do Rio Grande do Sul e filho de ex-escravos, reivindicou melhores e mais seguras condições de trabalho nos navios brasileiros e liderou a Revolta da Chibata, como foi chamada, em 1910. Embora o movimento tenha terminado com o compromisso de o Governo Federal acabar com os castigos corporais e de conceder anistia aos revoltosos, João Cândido e os outros líderes foram detidos. Banido da Marinha, o Almirante Negro, como ficou conhecido, sofreu grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes na Praça XV, no Centro do Rio de Janeiro. João Cândido faleceu em decorrência de um câncer, pobre e esquecido, em 1969, aos 89 anos.
Foto: Banco de Imagens Petrobras

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Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982), um dos mais importantes pensadores brasileiros, mudou a maneira de se fazer e de se pensar História no Brasil. Autor de, entre outras obras, “Raízes do Brasil” e “Visão do Paraíso”, o historiador mostrou a importância da intervenção de novas forças sociais na vida brasileira. Em 1969, em um protesto contra a aposentadoria compulsória, pelo regime militar, de colegas da Universidade de São Paulo – onde era professor catedrático de História da Civilização Brasileira –, decidiu encerrar a sua carreira docente. Nascido em 11 de julho de 1902, em São Paulo, morreu em 24 de abril de 1982, aos 79 anos. Publicou dez livros, alguns traduzidos para o italiano, japonês, alemão, francês e espanhol. Bacharel em Direito, exerceu também o jornalismo e a crítica literária.
Foto: Agência Petrobras

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Rômulo Barreto de Almeida (1914 – 1988) nasceu em Salvador em 18 de agosto de 1914, formou-se em Direito, mas dedicou sua vida profissional ao planejamento econômico. Integrou a assessoria econômica do Presidente Getúlio Vargas, em seu segundo mandato, e deu importante contribuição para a criação de grandes estatais brasileiras, como a Petrobras e o Banco do Nordeste. Ocupou cargos públicos de destaque em governos e empresas e foi professor em importantes instituições de ensino, como a Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (Ebap/FGV) e a Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica. Era diretor de planejamento da área industrial do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), quando faleceu, em 23 de novembro de 1988, em Belo Horizonte.
Foto: Agência Petrobras

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Zumbi dos Palmares (1655-1695) nasceu no estado de Alagoas, em 1655. É considerado um dos grandes líderes da resistência negra à escravidão, na época do Brasil Colonial. Foi líder do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, comunidade livre formada por escravos fugitivos de fazendas. Lutou pela liberdade de culto, de religião e pela prática da cultura africana no país. O dia de sua morte, 20 de novembro, é lembrado e comemorado em todo o território nacional como o Dia da Consciência Negra.
Foto: Agência Petrobras

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Ex-vice-presidente da República (1931 – 2011), homem público e empresário. De humilde balconista que, aos 14 anos, já trabalhava em um armarinho em Muriaé (MG), ao comandante de um império industrial, José Alencar se transformou em líder empresarial e político respeitado e admirado que ajudou a escrever importantes páginas da história do Brasil.
Foto: Agência Petrobras

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Francisco José do Nascimento (1839-1914) é a identidade do herói cearense historicamente conhecido como Dragão do Mar. O líder jangadeiro, também conhecido como Chico da Matilde, chefiou os jangadeiros que se engajaram na luta abolicionista, recusando-se a transportar para os navios negreiros os escravos vendidos para o Sul do país.
Foto: Agência Petrobras

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Ana Maria de Jesus Pinheiro (1821 – 1849) nasceu em Santa Catarina, em 1821. Aos 14 anos, casou-se, pela primeira vez, com o sapateiro Manoel Duarte de Aguiar. Com 18 anos, conheceu o italiano Giuseppe Garibaldi, à época com 32 anos, durante a Revolução Farroupilha. Anita decidiu seguir Garibaldi e subir em seu navio para lutar na guerra. Participou de diversas batalhas, combatendo ao lado de Giuseppe, com quem se casou e teve quatro filhos. Recebeu o título de “Heroína de dois mundos”, por ter participado de batalhas no Brasil e na Itália. Morreu aos 27 anos, em Ravena, na Itália.
Foto: Agência Petrobras

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Oscar Niemeyer (1907 - 2012) é considerado uma das figuras-chave no desenvolvimento da arquitetura moderna. Visionário e decidido, acreditou em projetos que mudaram a cara de cidades e até mesmo do Brasil, como a construção de Brasília, na virada da década de 50 para a de 60. Identificada pelas curvas que a caracterizam e pelas formas abstratas, a sua arquitetura está presente em diversos países e é comumente considerada obra de arte.
Foto: Agência Petrobras

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Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes (1914 – 1992) foi uma das mais importantes ativistas humanitárias brasileiras do século XX. Também conhecida como Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, a baiana de Salvador morreu em 1992, em sua cidade natal. Ela realizou obras de caridade para presidiários, mães lactantes, doentes, crianças, operários e pobres em geral, atividades que ganharam notoriedade no Brasil e no mundo.
Irmã Dulce pertencia à Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus e pode se tornar a primeira santa católica nascida no Brasil. A cerimônia de beatificação (última etapa antes da canonização), realizada em 2011, foi presidida pelo arcebispo emérito de Salvador, Dom Geraldo Majella Agnelo, designado para o evento pelo então papa Bento XVI.

sábado, 19 de abril de 2014

Cinemão!

18/04/2014 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

A ditadura civil-militar em 10 filmes

Há cinema novo, cinema marginal, documentário, curta-metragem, cinema contemporâneo, filmes icônicos e filmes pouco conhecidos.


DivulgaçãoEsta lista não se pretende definitiva, muito menos apontar quais os dez melhores filmes sobre a ditadura civil-militar.

Trata-se de um panorama que busca abarcar grande parte da produção cinematográfica brasileira a respeito do tema. Há filmes de todas as décadas desde o golpe. Há cinema novo, cinema marginal, documentário, curta-metragem, cinema contemporâneo, filmes icônicos e filmes pouco conhecidos.

Imaginamos que os filmes dessa lista deem conta da maioria dos processos que envolveram a ditadura. Mas mais importante, esperamos que deixem evidente a capacidade do cinema em se colocar como documento de uma época das mais diversas maneiras.

O Desafio (Paulo Cesar Saraceni, 1965)

Impressiona que um filme feito no "calor da hora" tenha um grupo de personagens que dê conta das mais diversas posturas em relação ao golpe. Há o empresário que quer a manutenção da ordem, sua mulher alienada que continua vivendo como se nada tivesse acontecido, e o amante desta, o jornalista idealista em completa crise existencial.
 
Saraceni vê o golpe dentro de um processo histórico e não como evento isolado, fora de contexto, tendo assim sucesso na construção de tal panorama.

Terra em Transe (Gláuber Rocha, 1967)



Em 1964, um mês antes do golpe, Deus e o Diabo na Terra do Sol já estava finalizado e pronto pra chegar aos cinemas. Enquanto tratava das condições de exibição e distribuição do filme, Gláuber assistia a tomada de poder pelos militares. Três anos depois, é em Terra em Transe que temos retratado sua visão deste processo.

Paulo Martins é o protagonista que carrega em si o conflito entre conservadorismo e engajamento, quer ser poeta e tratar de temas políticos ao mesmo tempo.

Há uma certa análise superficial do filme, que acusa Gláuber de criticar todos os lados. No entanto, trata-se de um raro olhar dialético das contradições da época, concentradas em um personagem. Sem dúvida, um olhar bastante cético em relação às perspectivas futuras. Um ano depois, era decretado o AI-5.

A Mulher de Todos (Rogério Sganzerla, 1969)



Pode parecer estranho para alguns a presença deste filme numa lista como essa, mas é essencial retomar a postura de um dos mais importantes cineastas brasileiros em relação ao momento histórico de que tratamos aqui. E neste caso, é do total deboche e sarcasmo.
As desventuras de Angela Carne e Osso pela Ilha dos Prazeres retratam a mediocridade e alienação da classe média paulistana. E Sganzerla utiliza de todos os artifícios e referências da Boca do Lixo, das chanchadas e dos quadrinhos para isso.

E como grande momento, o discurso final do empresário traído interpretado por Jô Soares, prenhe de simbolismo em relação ao contexto histórico, quando diz: “Eu não calculo nunca, mas quando faço uma besteira, eu vou até o fim”.

Manhã Cinzenta (Olney São Paulo, 1969)



Censurado em 1969 por ser considerado “altamente subversivo”, o filme foi confiscado e nunca chegou a ser exibido comercialmente. Uma de suas cópias foi salva e ficou escondida na Cinemateca do MAM por 25 anos.

Olney São Paulo é o único cineasta brasileiro a ser preso e torturado pela produção de um filme.

Manhã Cinzenta retrata a prisão e tortura de estudantes que participavam de uma manifestação. Eles são interrogados por um robô e um cérebro eletrônico, situação absurda que Olney usa como metáfora, tanto para mostrar os extremos do regime quanto para tratar com escárnio a alienação de parte da sociedade na época.

Você Também Pode Dar um Presunto Legal (Sérgio Muniz, 1973)



Feito em 1971 e finalizado dois anos depois, o filme de Sérgio Muniz só foi exibido no Brasil em 2006. Esse hiato de 33 anos ocorreu pois, na época, amigos do diretor recomendaram que ele não passasse o filme no país, temendo por sua segurança.

O documentário foca nas ações do delegado Sérgio Fleury e do Esquadrão da Morte durante a ditadura, alternando matérias de jornal e imagens da época com depoimentos de torturados e fragmentos das peças "A Resistível Ascenção de Arturo Ui" (Bertold Brecht) e "O Interrogatório" (Peter Weiss).

E Agora, José? – Tortura do Sexo (Ody Fraga, 1979)



O filme Pra Frente Brasil (Roberto Farias, 1982) é muitas vezes considerado pioneiro em retratar as torturas que ocorriam nos porões dos órgãos policiais da ditadura. No entanto, tal “honraria” pertence, na verdade, a este filme, produto da Boca do Lixo paulistana. Assim como o sucesso de bilheteria estrelado por Reginaldo Faria e Antonio Fagundes, E Agora, José? também trata de um sujeito apolítico que é preso por engano e torturado pelo regime.

Enquanto Pra Frente Brasil pretende-se denúncia histórica – e acaba sendo reprodutor da “teoria dos dois demônios”, a qual defende que direita e esquerda estavam erradas – o filme de Ody Fraga tenta se equilibrar entre o engajamento e o escárnio, embora acabe derrabando em vícios do gênero e da época, como o erotismo misógino.

De qualquer forma, uma obra normalmente esquecida e que vale a revisão pelo pioneirismo e possibilidades que origina.

Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984)  



Em fevereiro de 1964, Eduardo Coutinho foi até a Paraíba para contar a história da morte do líder camponês João Pedro Teixeira, assassinado dois anos antes. O diretor buscava mostrar como as Ligas Camponesas, que tinham como objetivo a mobilização do trabalhador rural pela reforma agrária, estavam sendo reprimidas pelos latifundiários.

No entanto, o filme foi interrompido pelo Golpe. Membros da equipe de filmagem foram presos, acusados de estarem ensinando táticas de guerrilha para os camponeses, e parte do rolo do filme confiscado. Coutinho volta ao Engenho da Galileia dezessete anos depois para encontrar Elisabeth Teixeira, viúva de João Pedro, e continuar o filme, que, iniciado como ficção, acabou se tornando o mais importante documentário do cinema brasileiro.

Cabra Marcado para Morrer talvez seja o único filme brasileiro que não possa ser excluído de uma lista como esta, pois é de fato um produto da repressão da ditadura. Não retrata um contexto, faz parte dele.

Ação entre Amigos (Beto Brant, 1998)



Miguel (Zécarlos Machado) descobre o paradeiro do homem responsável pela sua tortura e de seus amigos. Ele engaja-se na busca desse acerto de contas e tenta convencer Elói, Paulo e Osvaldo a fazer o mesmo. A grande virtude do filme de Beto Brant está exatamente nessa batalha de argumentos a favor ou contra o enfrentamento com o carrasco, da onde emerge a necessidade da rememoração (um dos personagens diz que “já foi há tanto tempo, é melhor não mexer no passado”) e da busca pela justiça.

Paira sobre o filme, assim, a lógica de que, em um caso desses, quando não há ação do Estado, as consequências podem ser fatais.

Memória para Uso Diário (Beth Formaggini, 2007)



Produzido pelo grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, o documentário tem como cerne o exercício de memória em busca da reparação. Depoimentos explicam a história e as atividades do grupo. Familiares são levados às ruas que receberam o nome de seus parentes desaparecidos, onde explicam para os moradores quem foram aquelas pessoas. Uma senhora busca em arquivos do Estado uma prova de que seu marido desaparecido foi preso pelo regime. Um homem procura em um cemitério as ossadas de seu irmão.

No entanto, a grande virtude do filme é a relação que estabelece com a atualidade, bastante rara no cinema brasileiro contemporâneo. Vemos depoimentos de mães que tiveram seus filhos, negros e favelados, mortos sem razão aparente pela polícia militar. Relembrar, portanto, não serve apenas para resolver as questões passadas, mas também para expor a continuidade da truculência militar, agora com vítimas muito mais marginalizadas pela sociedade.

Hoje (Tata Amaral, 2013)



Acompanhamos a chegada da personagem Vera ao seu novo apartamento e todas as interações que uma mudança implica: conversa com a síndica do prédio, orientação sobre onde devem ir caixas e objetos etc.

De repente, surge Luiz, antigo companheiro de Vera nos tempos de guerrilha. Ele a questiona se o dinheiro daquele apartamento se deve a uma indenização, na qual o Estado reconhece que se trata de um cidadão desaparecido em razão de ações do regime.

O roteiro de Jean-Claude Bernardet, Felipe Sholl e Rubens Rewald (do ótimo Corpo, que também tem a memória e o direito à verdade como plano de fundo) faz dessa ambiguidade entre o real e a fantasioso instrumento para expor um trauma que precisa ser encarado a fim de ser resolvido.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A História: posicionamentos de ontem e de hoje

Nos EUA, a confirmação da mão de Roberto Marinho nos bastidores da ditadura

Em telegrama ao Departamento de Estado norte-americano, embaixador Lincoln Gordon relata interlocução do dono da Globo com cérebros do golpe em decisões sobre sucessão e endurecimento do regime
 
Embaixador Gordon descreve em detalhes ao Departamento de Estado dos EUA a influência de Marinho
Lincoln Gordon

No dia 14 de agosto do 1965, ano seguinte ao golpe, o então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, enviou a seus superiores um telegrama então classificado como altamente confidencial – agora já aberto a consulta pública. A correspondência narra encontro mantido na embaixada entre Gordon e Roberto Marinho, o então dono das Organizações Globo. A conversa era sobre a sucessão golpista.

Segundo relato do embaixador, Marinho estava “trabalhando silenciosamente” junto a um grupo composto, entre outras lideranças, pelo general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar; o general Golbery do Couto e Silva, chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI); Luis Vianna, chefe da Casa Civil, pela prorrogação ou renovação do mandato do ditador Castelo Branco.

No início de julho de 1965, a pedido do grupo, Roberto Marinho teve um encontro com Castelo para persuadi-lo a prorrogar ou renovar o mandato. O general mostrou-se resistente à ideia, de acordo com Gordon.
No encontro, o dono da Globo também sondou a disposição de trazer o então embaixador em Washington, Juracy Magalhães, para ser ministro da Justiça. Castelo, aceitou a  indicação, que acabou acontecendo depois das eleições para governador em outubro. O objetivo era ter Magalhães por perto como alternativa a suceder o ditador, e para endurecer o regime, já que o ministro Milton Campos era considerado dócil demais para a pasta, como descreve o telegrama. De fato, Magalhães foi para a Justiça, apertou a censura aos meios de comunicação e pediu a cabeça de jornalistas de esquerda aos donos de jornais.
No dia 31 de julho do mesmo ano houve um novo encontro. Roberto Marinho explica que, se Castelo Branco restaurasse eleições diretas para sua sucessão, os políticos com mais chances seriam os da oposição. E novamente age para persuadir o general-presidente a prorrogar seu mandato ou reeleger-se sem o risco do voto direto. Marinho disse ter saído satisfeito do encontro, pois o ditador foi mais receptivo. Na conversa, o dono da Globo também disse que o grupo que frequentava defendia um emenda constitucional para permitir a reeleição de Castelo com voto indireto, já que a composição do Congresso não oferecia riscos. Debateu também as pretensões do general Costa e Silva à sucessão.
Lincoln Gordon escreveu ainda ao Departamento de Estado de seu país que o sigilo da fonte era essencial, ou seja, era para manter segredo sobre o interlocutor tanto do embaixador quanto do general: Roberto Marinho.

Telegrama 1 
Telegrama 2 Telegrama 3

O histórico de apoio das Organizações Globo à ditadura não dá margens para surpresas. A diferença, agora, é confirmação documental.

domingo, 6 de abril de 2014

Upworthy: jornalismo sem jornalistas?

Um jornal sem jornalistas

Upworthy, o site de maior crescimento na historia da internet, se faz sem jornalistas. Lançado em 2012, atingiu, em novembro de 2013, 87 milhões de visitantes.

por Emir Sader em 05/04/2014 às 15:44




Emir Sader

Upworthy, o site de maior crescimento na historia da internet, se faz sem jornalistas. Lançado em marco de 2012, ele atingiu, em novembro do ano passado, 87 milhões de visitantes únicos, quase três vezes mais do que o site do New York Times, e gerou 17 milhões de compartilhamentos no Facebook, publicando apenas 225 artigos.

Para se ter uma comparação, um site como Yahoo coloca, mensalmente, 115 mil artigos e gera menos de 4 milhões de compartilhamentos. A equipe do site, que não conta com nenhum jornalista busca na Internet conteúdos que ela julga interessantes. O objetivo, segundo um dos seus diretores, é “ajudar as pessoas a encontrar conteúdos sérios mas divertidos”.

Eles consideram que vale mais a pena menos conteúdos de boa qualidade do que bombardear o público com milhares de artigos de má qualidade. A estrutura dos textos do Upworthy é sempre a mesma: duas frases curtas, do tipo: “Nós não ouvimos devidamente a voz do ameríndios. Eis a mensagem edificante de um deles.” Eles pretendem fazer com que as pessoas se interessem por temas importantes.

Um autor conhecido sobre os circuitos de internet, Johan Berger, lista 6 princípios que tornariam um texto um viral: o valor social, a facilidade de memorização, a ressonância afetiva, a possibilidade de observação (o fato de que se trata de um tema evidente para todos), a utilidade e o estilo narrativo.

Upworthy se vale do papel chave da viralidade para a difusão das informações. Eles consideram que cada vez menos pessoas leem uma história se ela não está postada por alguém em alguma das redes sociais. As histórias se tornam populares se as pessoas as compartilham no Facebook, no Twitter ou em alguma outra das redes sociais.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A comunicação entre nações: memória que propicia discursivizações supranacionais

Mercosul ganha Museu para construir memória e combater esquecimento

Pensar o Mercosul como uma coordenação de políticas de Direitos Humanos é resposta ao que foi a coordenação de políticas de terrorismo de Estado, da Condor



Marco Aurélio Weissheimer Alina Souza/Palácio Piratini

Porto Alegre - Quando era Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo Luis Duhalde propôs a criação da Operação Paloma para a integração regional através dos direitos humanos. Seria uma resposta dos governos democráticos da região às políticas de terrorismo de Estado implantadas pelas ditaduras que infestaram o Cone Sul. A ideia de Duhalde ganhou materialidade, terça-feira (1), com a inauguração, em Porto Alegre, do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul (MDHM), que funcionará no prédio do Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega. Ao inaugurar o museu, o governador Tarso Genro destacou que o projeto representa o trabalho de uma geração inteira sobre a democracia. “Nem todas são obras diretamente políticas, mas são trabalhos e documentos que se relacionam com um determinado período da histórica que nós temos que fixar na memória do povo e da cidadania”, afirmou.

A exposição inaugural do MDHM, “Deus e Sua Obra no Sul da América: a Experiência dos Direitos Humanos Através dos Sentidos”, reúne obras de 145 artistas do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Equador, e marca o início da Semana da Democracia, um conjunto de atividades e debates promovidos pelo governo gaúcho para assinalar a passagem dos 50 anos do golpe civil-militar de 1964. Instaladas no primeiro andar do museu, em uma área de aproximadamente mil metros quadrados, as obras incluem fotos, vídeos, pinturas, esculturas, instalações, cartazes, cartuns, charges e documentos, com contribuições dos países do Cone Sul, cujas democracias foram golpeadas por ditaduras nos anos 60 e 70 principalmente.


Além de um acervo permanente, o museu terá exposições e mostras focadas em outros temas, com a contribuição também do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). Para abrigar o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, o prédio histórico da antiga agência dos Correios e Telégrafos, na Praça da Alfândega, recebeu uma reforma, que ainda não foi concluída, com recursos do Estado e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no valor de R$ 1,5 milhão. Com uma nova verba do PAC das Cidades Históricas, no valor de R$ 4 milhões, o prédio será totalmente climatizado até 2016. O museu funcionará de terças a sextas-feiras, das 10h às 19h, e aos sábados das 12h às 18h.

Segundo o diretor do Memorial e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Márcio Tavares dos Santos,  o novo espaço terá a missão de ser um elo entre as instituições de memória que existem no Mercosul. “É um museu transnacional, uma experiência única no continente e talvez no mundo, cuja função principal será trabalhar pela integração, pela paz e pelos direitos humanos. O secretário estadual da Cultura do Rio Grande do Sul, Luiz Antônio de Assis Brasil, leu um trecho da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, para resumir a importância da iniciativa:

“Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres (...)”

Travar um combate sem tréguas contra a ignorância, o esquecimento e o desprezo pelos direitos humanos: essa é a missão do novo museu. “Passaram-se 225 anos desta Declaração e, no entanto, quantas transgressões e desrespeitos a esses direitos a humanidade viveu neste período. Não podemos dar oportunidade ao acaso. Sempre há forças prontas a recuperar seus poderes. E uma das nossas maiores armas contra isso é a lembrança”, disse Assis Brasil, lembrando o fogo de chão, na Fazenda Boqueirão, município de São Sepé (RS), que é mantido aceso desde o início do século XIX, há mais de 200 anos.

 Victor Abramovich, Secretário-Executivo do Instituto de Políticas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH-Mercosul), destacou o desafio imenso de construir uma memória regional. “Os países do Cone Sul compartilham um passado comum de lutas populares de enfrentamento às ditaduras. Esse passado comum é fundamental para a construção da nossa memória que é, por sua vez, essencial para aprofundar o processo de integração entre nossos países”, assinalou. “Não trabalhamos a memória”, acrescentou, “simplesmente para olhar para o passado, mas para pensar o futuro que queremos construir. Pensar o Mercosul como uma coordenação de políticas de Direitos Humanos é a melhor resposta que podemos dar à coordenação de políticas de terrorismo de Estado que foi a operação Condor”.


Uma das principais articuladoras da proposta do Museu, a ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, comemorou a inauguração do Museu, lembrando a inspiração que foi a ideia da Operação Paloma, de Eduardo Duhalde. No dia em que deixou a Secretaria de Direitos Humanos para reassumir sua cadeira na Câmara dos Deputados, Maria do Rosário anunciou que pretende, no Congresso, se dedicar à luta pela revisão da Lei da Anistia que, até hoje, garante a impunidade dos torturadores. “Não é razoável que a mais alta Corte do país siga dizendo que diante da tortura seguirá prevalecendo a impunidade”.

A nova titular da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvati, também participou da inauguração e destacou a importância de não se baixar a guardar em relação aos inimigos da democracia. “Os germes do autoritarismo e da prepotência seguem latentes, como vimos há poucos dias no país, com pessoas dispostas a sair às ruas para defender a volta da ditadura. Embora as marchas convocadas tenham sido um fracasso, a mera disposição em convocá-las mostra que não podemos descansar, achando que esse perigo está eliminado”.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Comunicação social e ditadura militar

A grande imprensa apoiou o golpe e a ditadura

Escrito por: Beatriz Kushnir
Fonte: Carta Capital

Os grandes veículos se passam por adversários da ditadura, mas colaboraram com ela e não tiveram papel relevante para o fim do regime



Desde fins da da década de 1990, parte da historiografia brasileira sublinha que o (equivocado) processo de Anistia cunhou a (errônea) visão de que vivemos envoltos em uma tradição de valores democráticos. A partir das lutas pela Anistia, como sublinha Daniel Aarão Reis, “libera-se” a sociedade brasileira de “repudiar a ditadura, reincorporando sua margem esquerda e reconfortando-se na ideia de que suas opções pela democracia tinham fundas e autênticas raízes históricas”. Nesse momento, plasmou-se a imagem de que a sociedade brasileira viveu a ditadura como um hiato, um instante a ser expurgado. Confrontando-nos à tal memória inventada, há no período republicano longos momentos de exceção – como nos referimos aos regimes ditatoriais.

Se tais premissas correspondessem aos fatos, restaria explicar: por que houve apenas restritos episódios de resistência vinculados igualmente a pequenos grupos? Por que se permitiu aprovar uma Anistia recíproca, que mesmo nestes 50 anos após o golpe civil-militar, ainda é tema espinhoso de revisão?

A luta contra o arbítrio, de forma armada ou não, definitivamente não caiu nas graças do povo deste berço esplêndido. E, certamente, os meios de comunicação de massa – a grande imprensa e posteriormente, a TV – têm um papel preponderante nas escolhas sociais implantadas.
São clássicos os editoriais do Correio da Manhã nas vésperas do 1º de Abril de 1964, clamando por “Basta” e “Fora” a Jango. Igualmente, é emblemática a noção de que este jornal, ao realizar um “mea-culpa” e se colocar em oposição ao novo regime, foi punido com perseguições que levaram a sua falência. Esquecem-se, contudo, os amplos problemas de gerenciamento vividos por Niomar Moniz Sodré.

Ícones de resistência são lembrados, afirmados, expostos e sublinhados maciçamente para ratificar a tradição democrática brasileira, como: a meteorologia para o 14/12/1968, no Jornal do Brasil; as receitas de bolo do Jornal da Tarde; os poemas de Camões no Estadão; os inúmeros jornalistas perseguidos, demitidos, torturados e mortos; etc., que definiriam a grande imprensa brasileira como resistente ao golpe e, posteriormente, ao arbítrio. Mesmo com todo este esforço, o processo ditatorial perdurou por mais de duas décadas.

Meio século depois e com inúmeros textos publicados sobre a mais recente ditadura brasileira, poder-se-ia ressaltar que nunca a grande imprensa brasileira estampou na primeira página dos periódicos um aviso claro afirmando: “Este jornal está sob censura”. As estratégias acima apontadas e outras, que frequentemente voltam à tona para reforçar a ação resistente, contavam com a capacidade do público leitor em decifrar pistas.

O jornalista Oliveiros Ferreira, que por décadas trabalhou no Estadão, narrou as ligações recebidas pela redação indagando que a receita de bolo na primeira página do Jornal da Tarde estava errada. O bolo solava. Ou, como definiu Coriolano de Loyola Cabral Fagundes, censor desde 1961 e que atuou no Estadão, os poemas de Camões foram ali uma concessão. Certamente a censura federal apostava que o leitor não entenderia o seu porquê, ou se tranquilizaria na (efêmera) ilusão que mesmo no arbítrio lhe eram permitidos lampejos de resistência, os quais, efetivamente nada alteravam. Algo semelhante, contudo, não foi autorizado à (antiga) Veja, que, durante a “distensão” do governo Geisel, substitui as matérias censuradas por imagens de diabinhos, já que não se podiam publicar espaços em branco. Advertida, teve que parar, pois certamente o leitor de Veja à época entenderia o recado. Certamente como compreendeu a mensagem da revista quando da morte de Vlado, numa nota pequena de desculpas por não poder nada mais expressar.

Os inúmeros jornalistas perseguidos, demitidos, torturados e mortos sofreram estas horríveis barbáries enquanto atuavam como militantes das esquerdas, em ações armadas ou como simpatizantes, como demonstram os processos que arrolam os seus nomes. Da mesma forma, existiram imposições governamentais de expurgos nas redações. Tais limpezas ocorreram logo depois do golpe e perduraram até e inclusive no governo Geisel, que impunha a bandeira do fim da censura. Muitos jornalistas/militantes poderiam ser citados como vítimas destas ações, já que, como pontuava lúcida e ferinamente Cláudio Abramo, “nas redações não há lugar para lideranças. Os donos dos jornais não sabem lidar com jornalistas influentes que, muitas vezes, se chocam com as diretrizes do comando. O jornalista tem ali uma função, mas ‘ficou forte, eles eliminam’.”

Os meios de comunicação são empresas que buscam o lucro, vendendo a visão particular sobre um fato e, como Abramo por vezes demarcou, um “equívoco que a esquerda geralmente comete é o de que, no Brasil, o Estado desempenha papel de controlador maior das informações. Mas não é só o Estado, é uma conjunção de fatores. O Estado não é capaz de exercer o controle, e sim a classe dominante, os donos. O Estado influi pouco, porque é fraco. Até no caso da censura, ela é dos donos e não do Estado. Não é o governo que manda censurar um artigo, e sim o próprio dono do jornal. Como havia censura prévia durante o regime militar, para muitos jornalistas ingênuos ficou a impressão de que eles e o patrão tinham o mesmo interesse em combater a censura”.

Existiram pouco mais de 220 censores federais, muitos deles com o diploma de jornalista – sendo que o primeiro concurso público para o cargo ocorreu em 1974, quando Geisel prometia o fim da censura. Estas duas centenas de pessoas atuavam reprimindo: cinema, TV, rádio, teatro, jornais, revistas, etc., entre 1964 e 1988, em todo o território nacional. Para que as expectativas governamentais dessem certo, os donos das empresas de comunicação tinham de colaborar – e não resistir.

Inúmeros arquétipos podem corroborar tal ideia, até porque a autocensura não é desconhecida das redações, e não se iniciou no pós-1964 no Brasil. No Jornal do Brasil, por exemplo, editou-se, em 29/12/1969, como me cedeu o seu exemplar o secretário de Redação, José Silveira, uma circular interna de cinco páginas, elaborada pelo diretor do jornal, José Sette Câmara, para o editor chefe, Alberto Dines, denominada “Instruções para o controle de qualidade e problemas políticos”, criada com o objetivo de “instituir na equipe um (...) Controle de Qualidade (...) sob o ponto de vista político”.

Estabelecida dias antes do Decreto-Lei 1.077, de 26/01/1970, que legalizou a censura prévia, e um ano após o AI-5, a diretriz de Sette Câmara pontuava que “não se trata de autocensura, de vez que não há normas governamentais que limitem o exercício da liberdade de expressão, ou que tornem proibitiva a publicação de determinados assuntos. Em teoria há plena liberdade de expressão. Mas na prática o exercício dessa liberdade tem que ser pautado pelo bom senso e pela prudência”, já que “a posição do JB ao proferir que este não é a favor nem contra, (...) não é jornal de situação, nem de oposição. O JB luta pela restauração da plenitude do regime democrático no Brasil, pelo retorno do estado de direito. (...) Enquanto estiver em vigor o regime de exceção, temos que usar todos os nossos recursos de inteligência para defender a linha democrática sem correr os riscos inúteis do desafio quixotesco ao Governo. (…) O JB teve uma parte importante na Revolução de 1964 e continua fiel ao ideário que então pregou. Se alguém mudou foram os líderes da Revolução. [Nesse sentido, o JB deverá] sempre optar pela suspensão de qualquer notícia que possa representar um risco para o jornal. Para bem cumprirmos o nosso maior dever, que é retratar a verdade, é preciso, antes de mais nada, sobreviver”. Sette Câmara termina decretando que, “na dúvida, a decisão deve ser pelo lápis vermelho”.

Em meados da década de 1970, foi a vez da Rede Globo – uma concessão pública – formalmente instituir o “Padrão Globo de Qualidade”, ao contratar José Leite Ottati – ex-funcionário do Departamento de Polícia Federal – para realizar a censura interna e evitar prejuízos advindos da proibição de telenovelas. Segundo Walter Clark, a primeira interdição da censura na Globo ocorreu em 1976, na novela Despedida de casado. Para blindar a emissora, o “Padrão Globo de Qualidade” receberia o auxílio de pesquisas de opinião feitas por Homero Icaza Sanchez – o “Bruxo” –, encarregado de identificar as motivações da audiência.

Definindo toda essa tática, Clark explicou que, “(...) enquanto a Censura agia para subjugar e controlar a arte e a cultura do país, perseguindo a inteligência, nós continuávamos trabalhando na Globo para fazer uma televisão com a melhor qualidade possível.” Organizada a autocensura, o “Padrão Globo de Qualidade” teve acrescidos outros ingredientes para o seu sucesso. Em sintonia com a imagem, divulgada pelo governo autoritário, de um “Brasil Grande”, formulou-se também uma “assessoria militar” ou uma “assessoria especial” composta por Edgardo Manoel Ericsen e pelo coronel Paiva Chaves. Segundo Clark, “ambos foram contratados com a função de fazer a ponte entre a emissora e o regime. Tinham boas relações e podiam quebrar os galhos, quando surgissem problemas na área de segurança”.

Esquema semelhante a este foi adotado pela Editora Abril, exposto em uma correspondência de Waldemar de Souza – funcionário da Abril e conhecido como “professor” –, a Edgardo de Silvio Faria – advogado do grupo e genro do sócio minoritário Gordino Rossi –, na qual comunicava o contato tanto com o chefe do Serviço de Censura em São Paulo – o censor de carreira e jornalista José Vieira Madeira –, como com o diretor do Departamento de Censura de Diversões Públicas – Rogério Nunes – para facilitar a aprovação das revistas e a chegada às bancas sem cortes.

Estes vínculos do “professor” com membros do governo são anteriores a esse período e justificam seu potencial de negociação. Desde novembro de 1971 o relações-públicas do DPF, João Madeira – irmão de José Vieira Madeira –, expediu uma carta ao diretor-geral da Editora Abril na qual ratificava o convite do general Nilo Caneppa, na época diretor do DPF, a Waldemar de Souza para que fosse a Brasília ministrar um curso especial aos censores. Em maio de 1972, o próprio general Caneppa enviou a Vitor Civita, diretor-geral da Abril, uma correspondência de agradecimento pelas palestras sobre censura de filmes, que Waldemar de Souza proferiu na Academia Nacional de Polícia. Para continuar colaborando, no ano seguinte, Souza formulou uma brochura intitulada “Segurança Nacional: o que os cineastas franceses esquerdistas já realizaram em países da América do Sul e pretendem repetir aqui no Brasil”. E, em 1974, com o general Antonio Bandeira no comando do DPF, Waldemar de Souza, em caráter confidencial, expôs o porquê de censurar Kung Fu e sua mensagem que “infiltra a revolta na juventude”.

Por fim, mas não menos importante, há a atuação do Grupo Folha da Manhã, proprietário da Folha de S. Paulo e da Folha da Tarde, entre outros, no período. Em dezessete anos, entre 19/10/1967 e 7/5/1984, o país foi dos “anos de chumbo” ao processo das Diretas Já, e a Folha da Tarde vivenciou uma redação tanto de esquerda engajada – até o assassinato de Marighella –, como, a partir daí, de partidários e colaboradores do autoritarismo.

Durante uma década e meia sob o comando de policiais, o jornal adquiriu um apelido: o de “maior tiragem”, já que muitos dos jornalistas que ali trabalharam eram igualmente “tiras” e exerciam cargos na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A partir deste perfil de funcionários, a Folha da Tarde carrega a acusação de “legalizar” mortes decorrentes de tortura, se tornando conhecido como o Diário Oficial da Oban.

Isto explica o porquê de os carros do Grupo Folha da Manhã serem incendiados por militantes de esquerda, nos dias 21/9/1971 e 25/10/1971. A ação era uma represália, já que o grupo era acusado de ceder automóveis ao Doi-Codi que, com esse disfarce, montava emboscadas, prendendo ativistas.
Nesse momento de ponderações sobre os 50 anos do golpe, recordo-me que, quando dos 30 anos do AI-5, o jornalista Jânio de Freitas publicou na Folha de S. Paulo uma advertência não cumprida por seus pares, inclusive agora, nas reflexões dos periódicos aos 50 anos do golpe civil-militar de 1964.

Corroborando com tudo o que foi exposto aqui, Freitas lembrava em 1998 que “a imprensa, embora uma ou outra discordância eventual, mais do que aceitou o regime: foi uma arma essencial da ditadura. Naqueles tempos, e desde 64, o Jornal do Brasil [...] foi o grande propagandista das políticas do regime, das figuras marcantes do regime, dos êxitos verdadeiros ou falsos do regime.  (...) Os arquivos guardam coisas hoje inacreditáveis, pelo teor e pela autoria, já que se tornar herói antiditadura tem dependido só de se passar por tal”.

O jornalista ao finalizar, adverte, e peço-lhe licença para me utilizar aqui, de suas conclusões. Trocarei 30 por 50 anos, AI-5 por golpe civil-militar de 1964, e o que estiver entre colchetes é de minha autoria. Assim: precisamos aproveitar os 50 anos do golpe civil-militar de 1964 para mostrar mais como foi o regime que [se instaurou a partir dali], eis uma boa iniciativa. Mas não precisava [como fizeram muitas narrativas recentes] reproduzir também os hábitos de deformação costumeiros naqueles tempos.


* Beatriz Kushnir é historiadora, doutora em História pela Unicamp, autora, entre outros de, Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Boitempo, 2012)