quinta-feira, 30 de abril de 2015

Aconteceu no Paraná e não saiu no jornal

Ricardo Pazello: desde Curitiba, um relato em praça de guerra


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Da Assessoria Jurídica Popular
quinta-feira, 30 de abril de 2015

Relato em praça de guerra

Duas e quarenta e cinco. O povo estava na rua, era o soberano – ao menos, assim parecia – do centro político do estado do Paraná, a praça Nossa Senhora de Salete. Sempre que trabalhadores, empunhando seus estandartes, tomam este espaço público, é sinal de que a vitalidade da organização popular não se perdeu e é definitivamente importante parar para ouvir o que reivindicam.Em solidariedade à classe trabalhadora, lá estávamos minha companheira e eu, assim como tantas outras pessoas que se irmanaram pelo mesmo sentimento.

Vozes, rostos, cores, ideologias, coletivos e bandeiras de todos os matizes embonitavam a praça. O Centro Cívico parecia honrar seu próprio nome, superando inclusive o peso conservador que toda menção ao civismo costuma aportar. A beleza do momento não apagava, porém, a tensão instaurada.
Cada entidade sindical, cada movimento social, cada coletivo político, cada grupo estudantil, cada organização popular trazia suas palavras de ordem marcadas por críticas ao governador do Paraná e sua proposta de austeridade previdenciária, aos deputados estaduais que aceitavam votar e aprovar um projeto de lei para desmantelar a previdência social do estado, ao chefe da segurança pública que defendia cegamente a ardilosa estratégia político-militar de seu comandante-geral e aos milhares de policiais que, como jagunços, guardavam o prédio da assim chamada “Casa do Povo”. O conteúdo de todas as conversas não era diferente.

Lembro-me bem de ter visto a marcha de um movimento por moradia que se despedia da concentração dos professores. Estávamos chegando à praça e, enquanto íamos cumprimentando vários amigos e companheiros de organização popular em frente ao portão de entrada da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP), ao fundo, víamos a polícia se perfilando, em especial o batalhão de choque, como se uma guerra fosse iminente.

A movimentação militaresca era imponente e em um dado momento começou a causar espécie. Por que aquelas personagens fardadas, com roupas camufladas, de capacetes e armamento vistoso se movimentavam tanto?

Entre os manifestantes, a polvorosa também iniciou. A batucada e suas marchas-lutas davam passagem a uma pequena teatralização em que cerca de vinte pessoas vestidas de preto e com fitas coladas nos lábios arrancavam olhares de cumplicidade e, por vezes, lágrimas dos presentes. Do caminhão de som, eram emitidas informações e orientações.

Às duas e quarenta e cinco foi anunciado que a sessão do legislativo iniciaria normalmente. Isto queria dizer que todas as tentativas de dissuadir os idólatras do governador foram frustradas. Ato contínuo, o som do caminhão aumentou seu volume e todas as vozes individuais e coletivas falaram mais alto: “Retira, retira, retira”! (secundariamente, uma disputa entre o caminhão e o chão: “retira ou rejeita!” versus“retira ou ocupa!”).

Bomba e fumaça. Era tudo o que os sentidos podiam captar. Não me lembro exatamente, mas de repente, já estava de costas para a Assembléia (e para os policiais), andando apressadamente, na direção oposta à da Casa do Povo. Em poucos segundos, as pessoas com as quais conversava desapareceram. À minha frente, apenas costas em correria, pontas de bandeiras e um cenário embaçado.

Ainda tive presença de espírito – de não muita valia para o momento – e comecei a gritar: “devagar, calma, vamos andar mais devagar!”.

Isto porque o empurra-empurra já havia começado. Eu já levara alguns encontrões e muitas pessoas gritavam e choravam. Cair e ser pisoteado seria muito pior. Até consegui criar uma pequena zona de influência mas logo a realidade veio com argumento mais forte: “Olha a bomba”, me disse alguém.
Eu vi a fumaça específica da bomba, mas continuei caminhando normalmente, para dar o “exemplo” aos primeiros conhecidos que encontrei pelo caminho. Já estava, porém, atrás do Palácio das Araucárias. No fosso do palácio, alguns mais afoitos se lançavam para terem uma folga do gás lacrimogêneo. Olhei para trás e uma senhora, provavelmente uma professora, chorava muito, combinação de tristeza e gás.

Tentei oferecer um copo de água mineral que apanhei pelo caminho. Ela, de olhos fechados, não me viu e eu tentei falar, mas o gás foi meu algoz e agora quem chorava era eu. Despreparado, me escondi em minha própria camiseta e continuei andando até atravessar a rua e chegar a um lugar seguro.
Um estudante repentinamente me ofereceu pano embebido em vinagre – “Professor, quer vinagre?”, aceitei para aliviar minha constrição mas logo percebi que quem precisava era ele mesmo. Devolvi. Solidariedade.

A partir daí, a preocupação foi reencontrar os meus. Depois de algumas tentativas, consegui contato telefônico com minha companheira, a salvo desde o começo, melhor posicionada que estava por ter gravado algumas entrevistas mais afastadas do local do confronto, momentos antes da confusão.
De minha parte, já estava restabelecido, apesar de os olhos arderem e o ar não circular normalmente, mas tinha certeza de que muita gente poderia estar passando por momentos de dificuldades (as pessoas mais velhas ou as muito mais novas que eu tinha visto, para não falar em portadores de necessidades ou ainda nos bravos militantes que assumiam a ponta do enfrentamento com a polícia – até agora não me saem da cabeça aquelas quatro ou cinco bandeiras que não pararam de tremular na frente da manifestação mesmo nos momentos de maior ataque da tropa de choque).

Logo encontrei jovens advogados populares, ex-alunos, que me informavam das prisões de alguns manifestantes. Em tempos de guerra, sempre há os bodes expiatórios para legitimar o ilegitimável. Depois, informações extraoficiais chegaram e já se fala na prisão de pelo menos uma dezena de pessoas. Acusação: “black blocs”, seja lá o que isso signifique…

Ao contornar a praça e voltar para a rua que dá acesso à entrada principal da ALEP encontrei um antigo professor do ensino médio. Rapidamente, me veio à memória uma foto que vi nas redes sociais no dia anterior e que me revelava a presença de três dos meus professores nas manifestações que haviam iniciado segunda e terça. Viria ainda a encontrar outros dois.

Uma verdadeira seleção de educadores, na luta por seus direitos. Troquei breves palavras de indignação com o mestre, joguei água no rosto e me dirigi para onde a concentração de pessoas tinha se deslocado – a rotatória com o tigre esculpido por João Turin, ao lado da prefeitura.

Nunca me pareceu tão grande aquela rotatória. Depois de algumas voltas por ela, começo a reencontrar as pessoas que se perderam. Estudantes, professores, lideranças sindicais, de movimentos populares e partidos políticos, além de trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas áreas, a esta altura convocados para estarem presentes no exato momento em que a história vai se fazendo.
Todos assistindo aflitos ao avanço do tanque de guerra em direção à população, às bombas lançadas não se sabe de onde (para muitos, dos helicópteros policiais que sobrevoavam a praça ou do alto dos prédios de onde se avistavam homens fardados mas também à paisana), às vias de acesso trancadas com velhos ônibus que trouxeram a soldadesca, ao corre-corre de voluntários carregando feridos na batalha e à ambulância presa no engarrafamento de manifestantes e policiais.

À margem de tudo mas no meio da confusa situação, muitos policiais militares, meio atônitos, meio atentos, torcendo para ninguém hostilizá-los nem atear fogo em suas já ultrapassadas viaturas.
Quatro e dez. Durante quase uma hora e quinze minutos, o barulho das bombas explodindo não parava de cessar. Eu estava com uma reunião marcada para as quatro horas, mas não tinha coragem de deixar o campo de batalha. Comuniquei-me para adiar a reunião e continuei por ali.

Agora, o caminhão de som estava em frente ao prédio da prefeitura que, a esta altura, já se tornara refúgio e enfermaria de feridos e atribulados pelo gás. No mesmo local, uma ambulância estacionada servia de posto de saúde de pronto atendimento. Os discursos ecoavam pelo Centro Cívico mas, continuamente, as direções sindicais apresentavam sinais de receio com as circunstâncias. Pediam
que os policiais e os manifestantes recuassem.

Ninguém obedecia. Os policiais, porque têm seu chefe em outro patamar – no da sandice da disciplina militar (aliás, os que se rebelaram, recusando-se a seguir ordens insanas foram presos); os manifestantes, porque não se conformavam com a situação e a cada pedido de recuo do caminhão de som, mãos, bandeiras e vozes acenavam em contrariedade, pedindo para ninguém esmorecer (de longe, era contínuo o tremular de quatro ou cinco bandeiras na linha de frente…).

Avancei com o avanço da maioria. Já estava em frente ao Tribunal de Justiça. Encontrei-me com alguns professores da universidade, estudantes, advogados e sindicalistas. Por entre as flâmulas, o avanço do tanque do batalhão de choque. Alguns olhares preocupados, bombas lançadas cada vez mais próximas. Até que a ponta de uma bala de borracha me acertou em cheio no peito. Minha sorte – e a de tantos que estavam a meu lado – é que eu acabei sendo um alvo bastante distante.

O projétil sequer chegou a machucar, mas que assustou, assustou. Quando fui atingido, percebi que era colorido. Comentei que algo colorido bateu em mim e, segundos após, me entregavam um objeto
amarelo, todo chamuscado, que compreensivelmente guardei como condecoração de guerra. Depois, fiquei sabendo que a mesma bala, pelo trajeto que fez, quase acertou o rosto de um amigo. Na seqüência, tivemos de recuar ainda mais, as bombas de efeito moral (ou melhor, imoral) não nos deixavam em paz.

Ainda houve tempo para algum falatório de autoridades no caminhão de som. Momento apoteótico foi quando um senador da república entrou no meio da concentração com seu carro importado. Os manifestantes correram em direção ao automóvel como que prontos a destruí-lo. Mas ligeiramente desceu o político que foi ovacionado pela maioria dos presentes.

Principal adversário político do governador, o senador caminhou alguns metros, com alguma dificuldade, já que apupado e abordado pelos eleitores, e subiu no caminhão. Seu discurso, eloqüente como de costume, arrancou alguns aplausos e muitas risadas, porque em nada poupou o governador eleito, apelidado de “piá de prédio” e outras coisas mais.
Enquanto todos esses eventos se desenrolavam, incrivelmente a ALEP colocava em votação o projeto de lei que gerou toda a mobilização de professores e funcionários públicos estaduais. A proposta feita pelo governador e apoiada por sua bancada retirava direitos previdenciários de todos, professores, policiais, batalhão de choque, até mesmo deputados e o próprio governador. A noite começava a cair e junto dela uma fina chuva de fim de festa. A dispersão parecia inevitável.

Todo o estresse expulsara a maioria das pessoas para suas casas. Até quando fiquei na praça do Centro Cívico, não pude ter notícia do que se debatia entre os deputados. Cheguei em casa, por volta das seis horas da tarde. Mais ou menos neste mesmo horário, 31 votos a 20 aprovaram a lei contra a qual todas as vozes, rostos, cores, ideologias, coletivos e bandeiras se puseram durante estes três últimos dias, bem como há coisa de dois meses, quando os professores do Paraná ocuparam a Assembléia Legislativa e conseguiram adiar a votação do pacote de medidas de austeridade que incluía o confisco da previdência pública estadual.

Os dias 12 de fevereiro (dia da ocupação da ALEP) e 29 de abril (dia da batalha pela previdência) de 2015 já ficaram marcados na história das lutas populares do Paraná.

Relembram os momentos heróicos do povo paranaense dos últimos trinta anos que também se deram na praça Nossa Senhora de Salete, como o famoso 30 de agosto de 1988, em que o governador de plantão (aliás, do mesmo partido do atual) mandou a cavalaria contra os também professores em greve; como o truculento 27 de novembro de 1999, quando o governador do turno fez uma violenta ação de despejo de oitocentos sem-terra acampados na mesma praça para reivindicarem visibilidade, fim dos assassinatos de seus militantes e, sobretudo, reforma agrária; e como a memorável semana de 14 a 20 de agosto de 2001, em que a Companhia Paranaense de Energia – COPEL foi privatizada por um voto do legislativo estadual, mas com a praça apinhada de pessoas se opondo à ação criminosa da elite paranaense, a ponto de obter tamanha repercussão que a venda foi suspensa.

Em agosto de 2001, quando era estudante secundarista, eu estive na praça do povo engrossando a campanha “A COPEL é nossa”. Agora, em abril de 2015, reencontrei um colega de escola e daquelas jornadas. Ele me disse: “nós tínhamos de nos reencontrar aqui”.
 
Esta é a lição que nós aprendemos naquele tempo; esta é a lição dos professores ainda hoje. Todo apoio à luta dos trabalhadores do estado do Paraná, ontem, hoje e sempre!

*Professor do curso de direito da Universidade Federal do Paraná.

Leia também:
Blog do Esmael: Assessores de Richa celebram a repressão!

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Irrigação de discursos: um caso modelar do uso de aparatos comunicacionais ramificados na disputa pelo espaço público

Quem inspira os jovens liberais que protestam contra Dilma e pedem o impeachment?

abril 29, 2015 09:02 
revista Fórum, a partir de GGN 
Quem inspira os jovens liberais que protestam contra Dilma e pedem o impeachment?

Segundo reportagem publicada pelo Valor, os jovens são inspirados ideologicamente pela Atlas Network, uma empresa sediada em Washington (EUA), defensora do livre mercado e parceira de instituições brasileiras, que recebem dinheiro para promover palestras, divulgar artigos, livros etc.

 

Quem inspira os meninos da ultra-direita brasileira que agitam protestos contra o PT e a presidente Dilma Rousseff? Segundo reportagem publicada ontem, dia 27, no Valor, os jovens são inspirados ideologicamente pela Atlas Network, uma empresa sediada em Washington (EUA), que prega o livre mercado, e que mantém parceria com instituições brasileiras, que recebem dinheiro para promover palestras, divulgar artigos, livros, etc.

“Esses institutos têm servido de fonte de informação e atraído a atenção de adolescentes e jovens na faixa dos 20 anos, muitos deles participantes dos protestos de março e de abril”, escreveu o jornal.
O presidente da Atlas, Alejandro Chafuen, argentino radicado nos Estados Unidos, diz que o organismo não se envolve em “assustos de rua ou política em outros países”. Para ele, foi necessário, inclusive, se afastar de instituições ligadas ao Tea Party, uma ala conservadora do Partido Republicano.

No caso do Brasil, Chafuen enxerga a influência da Atlas sobre o pensamento dos jovens que protestam contra os governos do PT. “Obviamente há certa correlação entre as pessoas que passam por nossos programas e pelos institutos com que trabalhamos e o que está acontecendo aqui”, disse ao Valor.

No Brasil, a Atlas lista como parceiras o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do Rio; Estudantes Pela Liberdade, de Belo Horizonte; o Instituto de Estados Empresariais, de Porto Alegre; o Instituto de Formação de Líderes, também de Belo Horizonte; o Instituto Liberal, do Rio; o Instituto Liberdade, de Porto Alegre; o Instituto Ludwig Von Mises, de São Paulo; o Instituto Milenium, também do Rio e o Ordem Livre, de Petrópolis.

O presidente do Mises Hélio Beltrão disse ao Valor que o foco em São Paulo são jovens universitários liberais que possam disseminar a mensagem do grupo nas instituições que, na visão dele, são doutrinadas pela esquerda.

O cientista político Fábio Ostermann, um dos fundados do Movimento Brasil Livre (MBL) – que marcha de São Paulo a Brasília cobrando o impeachment de Dilma – trabalhou por dois meses e meio para a entidade americana. Ele diz que ainda não houve doações para o MBL pela Atlas.

A Atlas distribuiu no Brasil cerca de 20 mil dólares por ano, segundo Chafuen. O grupo Estudantes pela Liberdade recebeu no ano passado cerca de 10 mil dólares. “O dinheiro que mantém as atividades da Atlas vem, em sua maioria, de fundações e cidadãos dos Estados Unidos. (…) Os doadores têm preferências distintas. Alguns são religiosos conservadores; outros, libertários.”

A Atlas possui hoje cerca de 450 instituições espalhadas pelo mundo, inclusive em países como Venezuela, China, Irã, Nepal.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Para além dos estereótipos midiáticos, a vida! - II

Ocupação Vila Soma: "Queremos ser tratados como seres humanos" 

Publicado em 23 de abr de 2015
CartaCapital foi a Sumaré (interior de São Paulo) e conversou com moradores da ocupação Vila Soma. Próxima ao centro da cidade, a região é ocupada por 2.500 famílias que reivindicam o uso social do terreno, em situação irregular e sem pagar impostos há mais de 20 anos.

 

terça-feira, 21 de abril de 2015

Para além dos estereótipos midiáticos, a vida!

Terceira geração de palestino-israelenses reinventa ativismo antiocupação e por direitos civis em Israel




Filhos de sobreviventes do Nakba, jovens cresceram vendo parentes em Gaza e Cisjordânia sendo oprimidos e hoje lutam por libertação palestina enquanto buscam transformar estado de Israel por mais igualdade para todos os cidadãos
ActiveStills.org / Reprodução Facebook

Mais de 3.000 palestino-israelenses protestam contra a investida de Israel contra Gaza em julho de 2014

Para a maioria dos judeus israelenses, estes ativistas não têm nomes. Na pior das hipóteses, são agitadores e arremessadores de pedras que empunham a bandeira palestina. Na melhor, são uma minoria discriminada.

Seu novo ativismo é, por um lado, resultado de divisões geracionais e novas tecnologias que os conectaram ao restante do mundo árabe, que permaneceu interditado à população palestina desde a criação do Estado de Israel. Por outro lado, é também resultado dos recentes ataques israelenses contra seus parentes na Cisjordânia e em Gaza, da violência policial discriminatória e de um longo histórico de repressão política.

Muitos fatores ajudaram a dar forma a esta nova geração de ativistas palestinos em Israel. Eles usam nomes variados, definem suas identidades de maneira diversa e têm táticas e objetivos políticos também variados. Lutam pela libertação nacional palestina e por direitos civis em Israel, priorizando cada um dos tópicos de acordo com considerações estratégicas e táticas, e têm várias abordagens quanto à macropolítica.

A maioria destes jovens ativistas, quando vai às ruas, levanta a bandeira palestina, algo pouco visto entre as gerações anteriores de palestinos vivendo em Israel. Sua identidade nacional e expressividade, no entanto, foram amplamente influenciadas pela vida no Estado judeu.

"A primeira vez em que meu pai me viu carregando uma bandeira palestina, ele ficou louco", diz Abed Abu Shhadeh, 26 anos, de Jaffa. "Antes de Oslo, era ilegal fazer isso, e os palestinos morriam de medo da bandeira. Hoje, vemos muitas delas".

Esta é a terceira geração de cidadãos palestinos em Israel. A primeira geração experimentou o Nakba, deslocamento e expulsão da maioria dos palestinos da atual região fronteiriça de Israel, em 1948, bem como a destruição de quase todos os seus vilarejos. A segunda geração cresceu com medo: foram criados pelos sobreviventes do Nakba, viveram sob o governo militar de Israel e eram constantemente ameaçados e controlados pelo Estado, explica Rawan Bisharat.

"A terceira geração, especificamente desde a Intifada de 2000, é aquela que está se rebelando hoje. São caracterizados por sua força", continua. Mas frequentemente seus pais tentam impedi-los. Por causa da opressão sofrida pelas gerações anteriores, eles têm medo da expressividade política de seus filhos, bem como de suas consequências. "Eles não querem discutir a identidade nacional palestina com seus filhos, pois têm medo".

Rawan, 32 anos, originalmente de Nazaré, vive em Jaffa há cinco anos, onde é ativa em movimentos políticos e sociais. Ela é a coordenadora palestina do programa juvenil da Sedaka-Reut, uma ONG focada na educação da juventude palestina e judia, para que sejam mais ativos política e socialmente na criação de parcerias binacionais em prol da mudança social. Ela foi voluntária em uma organização chamada "Mulheres contra a Violência", em Nazaré, por mais de uma década, e trabalha com um grupo que prepara estudantes árabes do ensino médio para a educação superior. "Como minoria palestina, a educação é nossa arma", declara.

[Leia também: Militares dissidentes de Israel enfrentam lei e se recusam a ocupar Palestina]

Enquanto todos os ativistas com quem conversei se definiam como árabes, também colocavam grande importância em sua identidade palestina.

"Palestinos em Ramallah podem se dizer palestinos – ninguém questionará. Mas para os palestinos de Israel, é preciso destacar isso", diz Rawan, adicionando que quando conversa com israelenses, "gosto de dizer que sou uma palestina de 48, ou seja, uma palestina com cidadania israelense, para deixar claro que há palestinos aqui [em Israel]. Nunca houve um Estado palestino, mas os palestinos viviam aqui. Minha avó era palestina, portanto sou palestina".

A identidade palestina é o cerne da luta desta geração, explica Hanin Majadli, 25, de Baqa al-Gharbiyye, que constituiu um séquito de fãs judeu-israelenses no Facebook, onde publica lições diárias de árabe. "Nós somos palestinos; somos palestinos a quem se impediu essa autoidentificação. É importante para mim que os israelenses saibam que eu não sou apenas uma 'israelense árabe', mas uma árabe palestina. Esta é uma nacionalidade que estão tentando esconder".

De muitas maneiras, a crescente expressividade da identidade nacional palestina entre cidadãos árabes de Israel é uma reação ao sionismo contemporâneo. Enquanto a política e a sociedade israelenses se voltam para a direita, os cidadãos palestinos se apegam a suas nacionalidade e herança palestinas com mais força.

"As leis malucas aprovadas nos últimos anos afetam as pessoas e a maneira como se identificam. É incrível como um grupo muito pequeno dentro da sociedade israelense conseguiu levar todo mundo para a extrema direita", diz Abed, explicando que, com a expressão "todo mundo", inclui os palestinos.

Mesmo aqueles que, de outra forma, não seriam atraídos pelo nacionalismo palestino, abraçam-no como uma defesa contra a radicalização e a intensificação do nacionalismo sionista, explica Hanin. "Eu sinto a necessidade de me apegar a quem sou. Os palestinos, hoje em dia, sentem uma grande necessidade de salientar que são palestinos".

"Assim como o Hamas, os judeus israelenses de extrema-direita realmente acreditam que esta é uma batalha religiosa, e em um período curto de tempo, conseguiram levar todo mundo para a direita", diz Abed.

[Leia também: Israel cria obstáculos para ensino de gramática árabe nas escolas]

O processo de paz de Oslo da década de 1990 deu às pessoas esperança por um futuro melhor, um futuro de autodeterminação nacional palestina e, para os cidadãos palestinos de Israel, um futuro de direitos iguais e oportunidades.

Mas algo mudou no ano de 2000. No início de outubro daquele ano, coincidindo com o fracasso do processo de paz e o início da Segunda Intifada, a polícia israelense matou 13 cidadãos árabes enquanto continha protestos em Nazaré e na Galileia.

Os assassinatos confirmaram os maiores medos da população palestina: não importa o que fizessem, ou o quanto quisessem se envolver, seriam tratados como cidadãos de segunda categoria, simplesmente por serem árabes.

"A Intifada de 2000 foi quando todo mundo viu uma mudança", diz Rawan. "A consciência política era muito evidente, e estava claro que nós [palestinos] estávamos todos ligados uns aos outros. Por um lado, vimos um crescimento da consciência política, e, por outro lado, perdemos nossas esperanças nas instituições israelenses".

"A cada guerra e a cada intifada, quando as pessoas em Jaffa assistem ao noticiário, elas veem são seus parentes da Cisjordânia e de Gaza", complementa Abed. Estes jovens ativistas se sentem parte inseparável da totalidade do povo palestino, e seus destinos estão entrelaçados.



Shiraz Grinbaum / ActiveStill.org - Reprodução Facebook

Majd Kayyal: "Nossa identidade é definida de acordo com nossa luta. Nós somos árabes palestinos"


O ano de 2000 também é citado como divisor de águas na história dos palestinos israelenses por outro motivo. Tendo estado separados do restante do mundo árabe até então, o progresso tecnológico permitiu que os palestinos de Israel se reconectassem com os árabes da região.

"Com a introdução da televisão por satélite e da internet como novos canais de comunicação, houve um aumento na conscientização, no conhecimento", explica Majd Kayyal. "Isto trouxe maiores oportunidades para o compartilhamento de informações, bem como mais ativismo. Algo começou a mudar desde outubro de 2000. As pessoas se tornaram mais ousadas, no melhor sentido da palavra. Vários movimentos se tornaram menos ociosos, menos amedrontados".

No ano passado, Majd foi preso e mantido incomunicável por cinco dias após retornar de Beirute, onde participou de uma conferência jornalística. Sua visita ao Líbano e sua prisão subsequente foram uma das pautas do movimento pela identidade pan-árabe palestina, defendida por muitos cidadãos palestinos de Israel.

"Nossa identidade é definida de acordo com nossa luta. Nós somos árabes palestinos. Nós queremos ser palestinos livres para que possamos ser árabes. Queremos ser palestinos livres, para que possamos integrar naturalmente o mundo árabe, sem sermos prejudicados de uma maneira ou de outra; para que eu possa ter a oportunidade de deixar minha cidade e ir viver no Cairo, por exemplo, sem dores de cabeça", continua Majd. "A identidade palestina é crucial para isso, assim como a identidade árabe é necessária para confrontarmos o colonialismo. A identidade árabe, se não cumprisse o papel de resistência contra o colonialismo ocidental e europeu, também se tornaria fascista, assim como no regime de Saddam Hussein".

Mas a identidade não é uma ideia simples ou binária, seja no domínio pessoal ou no domínio político. Enquanto estes jovens ativistas se identificam cada vez mais com o movimento nacional palestino, eles também são cidadãos israelenses e lutam por direitos civis dentro do Estado judeu. A ideia e a realidade de não ser judeu no Estado judeu é parte da batalha.

"Nós não somos israelenses", diz Hanin. "Não o somos em um sentido muito elementar: o israelense é judeu, e o judeu é israelense. Em minha opinião, são sinônimos. Israelense é considerado uma nacionalidade aqui, não apenas uma cidadania. Nossa nacionalidade é palestina, e somos parte do povo palestino. Sim, vivo no Estado judeu, mas não sou judeu, e não sou um cidadão normal. Eu sou um cidadão árabe em um Estado ocupante com identidade nacional judia".

 [Leia também: Um circo para as crianças de Gaza]

O que estes jovens palestinos israelenses estão exigindo, exatamente? Estão liderando um movimento por direitos civis ou são parte da luta nacional palestina?

"Eu não separo as duas coisas, nem vejo como podem diferir uma da outra", responde Rawan. "Eu vivo aqui, eu quero ser parte destas instituições e também quero igualdade civil, mas isto não significa que tenha esquecido a causa palestina. Eu quero que os judeus reconheçam os crimes que cometeram contra meu povo. Não há contradição: quero que reconheçam seus erros, assumam responsabilidades por suas ações e façam a coisa certa, e também quero que me concedam a igualdade que mereço".

Hanin elabora: "O objetivo final é a liberação total do sionismo, mas é claro que qualquer passo temporário na melhora de nossos status como cidadãos árabes palestinos de Israel também é bem-vindo. Não devemos nos esquecer de que, a despeito de nosso objetivo de longo prazo, também somos cidadãos deste país, e queremos exigir aquilo que merecemos como cidadãos".

O sionismo é percebido como o principal obstáculo, tanto para a obtenção de direitos civis, quanto para a obtenção de liberdade para os palestinos cujas terras foram ocupadas e se encontram cercados, explica Majd: "Enquanto a atual estrutura política continuar existindo, nós não obteremos nossos direitos civis, nossa independência nacional ou o Estado com as fronteiras de 1967 – nada. Enquanto houver algo chamado 'Estado judeu', construído com base em princípios sionistas e racistas, não haverá perspectiva de qualquer tipo de mudança. Não importa quão 'modestas' sejam suas demandas, você não conseguirá qualquer progresso para os palestinos se não lidarmos com essa questão".

[Leia também: Empresas de Israel e dos EUA se aliam para aplicar tecnologia militar testada em Gaza na fronteira com México]

"Quando as pessoas falam sobre o conflito, é como se estivessem falando sobre um conflito entre duas partes iguais", diz Abed. "Na realidade, uma das partes é significativamente mais forte do que a outra, sem falar na ocupação e no confinamento, que não nos deixam qualquer espaço para manobras políticas". Parte de protestar e tomar as ruas, complementa, tem como objetivo levar os judeus israelenses a "repensar seus pontos de vista sobre os cidadãos palestinos, e começar a compreender que mais poder não os levará a lugar algum".

Enquanto a maioria destes ativistas tem como objetivo mudar completamente o regime, sua luta não apresenta uma visão clara para o futuro. "Nossa ambição é viver em um Estado no qual a cidadania garanta direitos iguais a judeus e árabes, e que não dê preferência a uns sobre outros ou distinga entre um árabe e um judeu. Isso pode soar um pouco louco, mas se o muro de Berlim foi destruído e o Império Otomano caiu após 700 anos, há esperança. Ou não fazemos nada, porque nada vai mudar, ou fazemos algo, e acreditamos que podemos mudar as coisas, ao menos um pouco", diz Hanin.

Rawan chega a sugerir que a separação étnica estrutural é uma possível solução: "Eu acho que nós, como minoria palestina em Israel, precisamos começar a estabelecer nossas próprias organizações e instituições, que sirvam a nossos interesses. Nós ainda não estamos prontos para começar um projeto assim, e talvez não tenhamos as habilidades ou os recursos, mas temos que começar a pelo menos pensar nessa direção".

"Há algo que nós, palestinos, tendemos a esquecer: as lutas nacionais tomam centenas de anos. Não vejo uma solução nos próximos dez anos, mas enquanto houver vontade, haverá uma saída", diz Abed. "Enquanto os refugiados ainda quiserem voltar e lutar, será apenas uma questão de tempo".

Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada na +972 Magazine, produzida por blogueiros, jornalistas e fotógrafos israelenses contra a ocupação cujo foco são matérias e análise sobre eventos em Israel e Palestina.

***

A propósito, uma bela sugestão cinematográfica: "Além da fronteira", de 2012.



Nimer, um estudante palestino, e Roy, um advogado israelense, apaixonam-se desde a primeira vez em que se encontram. À medida que a relação dos dois se desenvolve, Nimer tem que lidar com sua família conservadora e com sua condição de palestino morando em Israel. A situação piora quando um amigo próximo é capturado em Tel Aviv e assassinado na Cisjordânia.

domingo, 19 de abril de 2015

História: o que é? quem faz?

Sobre as Missões, o que se sabe?
O que nos chegou pelos livros, pelas parcas notícias, pelos estereótipos...?

Este documentário, "Terra sem Males" [Yvy marã e'ỹ] , é simples, bonito, esclarecedor.
Sem pretensão de ser documento definitivo, mostra três viajantes de diferentes culturas em uma aventura de volta ao passado: pelas ruínas das Missões, palco de guerra - mas também de muita construção - entre índios e europeus, eles vão descobrindo não só uma certa história, mas também do que se faz a História.

Trailer:




Making off:



Para assistir à versão integral na TV Escola:

http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/videoteca/videoteca/videoteca/videoteca/videoteca/videoteca/video/chamada-terra-sem-males

quarta-feira, 15 de abril de 2015

História, memória, contradições

14/04/2015 às 14:11

Em evento da Globo, manifestante é preso no Congresso depois de gritar que emissora apoiou a ditadura

Escrito por: Redação
Fonte: Viomundo

O militante Pedro Rafael, da Frente Nacional pelo Direito à Comunicação, foi preso hoje cedo no Congresso depois de gritar 'A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura' durante sessão solene em homenagem aos 50 anos da Globo.

O militante Pedro Rafael, da Frente Nacional pelo Direito à Comunicação, foi preso hoje cedo no Congresso depois de gritar “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” durante sessão solene em homenagem aos 50 anos da Globo.
O evento foi convocado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, atendendo a requerimento dos deputados Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e Rômulo Gouveia (PSD-PB).
O FNDC, coordenado pela secretária de comunicação da CUT, Rosane Bertotti, é uma das principais entidades envolvidas na luta pela democratização da mídia.
Em recente evento em Belo Horizonte, cobrou ação do governo Dilma.
Diante das cobranças, o secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Emiliano José, garantiu que o governo irá promover neste ano o debate sobre a regulação da mídia no Brasil. “Todos os setores da sociedade serão chamados a participar dos espaços de discussão e ali poderão responder qual marco regulatório querem para o País”, afirmou. Emiliano fez referência à mídia hegemônica brasileira, também considerando-a como um polo político. “Eu não acredito na auto-regulação da mídia sobre si mesma. O estado democrático é quem deve regular a mídia”, acredita. Em ironia às críticas feitas ao Brasil e a países da América Latina por setores de direita da sociedade, o representante do Ministério das Comunicações fez menção à América do Norte. “Os EUA têm uma legislação muito mais rigorosa do que a nossa no setor e por que, então, não são chamados de bolivarianos ou censuradores?”, questionou.
Durante o evento da Globo, Pedro Rafael tentou estender uma faixa com os mesmos dizeres, mas foi retirado por seguranças do Congresso.
A homenagem de Eduardo Cunha à Globo acontece apesar de um incidente constrangedor envolvendo o deputado e a empresa no passado.
No final dos anos 90,  a esposa do atual presidente da Câmara, Cláudia Cordeiro, era apresentadora do RJTV, no Rio, quando foi demitida. Moveu ação trabalhista e teve vínculo empregatício reconhecido com a emissora, já que era contratada como Pessoa Jurídica. Na época, o site da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) noticiou:
Pejotização Condenada 28/10/2008 | 11:30
Em decisão proferida recentemente, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício da jornalista Claudia Cordeiro Cruz com a TV Globo. Relator do recurso da emissora, que já havia sido condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), o ministro Horácio Senna Pires constatou que havia evidências de fraude nas relações de trabalho no contrato de locação de serviços mantido entre a Globo e a jornalista no período de maio de 1989 a março de 2001.
Num período de mais de 10 anos, Claudia trabalhou para a Globo sem anotação em sua carteira de trabalho. A emissora condicionou a contratação à constituição de Pessoa Jurídica e ela criou a C3 Produções Artísticas e Jornalísticas Ltda.
O Agravo de Instrumento AIRR – 1313 /2001-051-01-40.6 entrou na pauta de votações da Sexta Turma do TST no dia 22 de outubro e teve a decisão divulgada pela assessoria do órgão no dia 24. Nela, o relator registrou que “se tratava de típica fraude ao contrato de trabalho, caracterizada pela imposição feita pela Globo para que a jornalista constituísse pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego”.
A profissional entrou com ação na Justiça do Trabalho após ser informada, em julho de 2000, que seu contrato não seria renovado, e após, segundo ela, ter contraído doença ocupacional. Claudia teve seus pedidos indeferidos pela 51ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, mas recorreu e, após avaliar provas periciais e depoimentos, o TRT da 1ª Região modificou a sentença, que foi confirmada pela Sexta Turma do TST, condenando a Globo à anotação da carteira de trabalho da jornalista, no período de maio de 1989 a março de 2001, com o salário de R$10.250,00.
Detalhe: Cunha é sócio de Claudia na empresa. Se a ação tivesse sido movida sob as regras do PL 4330, recentemente aprovado com esforço extraordinário do presidente da Câmara, tudo indica que o resultado da ação na Justiça teria sido diverso, já que o projeto autoriza a terceirização de atividades-fim das empresas.
Quando presidiu a Telerj, no Rio, Eduardo Cunha foi acusado de favorecer a NEC do Brasil, então controlada pelo dono da Globo, Roberto Marinho, ao assinar um aditivo de R$ 92 milhões num contrato, quando deveria ter promovido uma nova licitação.
Entidades de todo o Brasil organizam manifestações para “descomemorar” o aniversário de 50 anos da Globo no próximo dia 26 de abril.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Homenagem a Galeano, epígrafe fundadora do COMUNICA

Morre, aos 74 anos, o escritor Eduardo Galeano, autor de ‘As Veias Abertas da América Latina’




Galeano nasceu em 3 de setembro de 1940 em Montevidéu, e viveu exilado em dois países; autor morreu em decorrência de câncer


Morreu nesta segunda-feira (13/04), aos 74 anos, o escritor, jornalista e ensaísta uruguaio Eduardo Galeano, autor do livro “As Veias Abertas da América Latina”. Ele estava internado em um hospital de Montevidéu e, segundo o jornal El País, do Uruguai, encontrava-se em estado grave já há vários dias, em decorrência de um câncer.

Galeano nasceu em 3 de setembro de 1940 na capital uruguaia, e viveu exilado primeiro na Argentina e, depois, na Espanha. Foi procurado por várias ditaduras do Cone Sul, em países nos quais teve obras que chegaram a ser censuradas.

Wikimedia Commons

Eduardo Galeano morreu nesta segunda-feira, em Santiago





Além de publicar obras de alcance mundial como “Memórias de Fogo”, “O livro dos abraços” e “História da Ressureição dos Papagaios” e recebeu os prêmios José Maria Arguedas, outorgado pela Casa das Américas de Cuba, e o Stig Dagerman, um reconhecimento sueco aos escritores que se destacam por suas obras literárias.

Galeano era conhecido por suas críticas aos Estados Unidos e, em entrevista ao jornal El País espanhol, em 2010, chegou a defender o então presidente venezuelano Hugo Chávez, que, inclusive, presenteou o presidente norte-americano, Barack Obama, com um exemplar de “As Veias Abertas”.





No ano passado, o autor criticou a obra mais famosa. "Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado", afirmou, durante o Salão do Livro de Brasília.  Segundo Galeano, ele não estava “treinado e preparado” o suficiente para redigir o livro.


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Entrevista completa no "Sangue Latino": 24'38''





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...e um texto carinhoso do Brasil de Fato, para esse momento triste:
"Um gole de Galeano"

sábado, 11 de abril de 2015

Contribuições para uma história da mídia corporativa



Vozes Silenciadas – mídia e protestos: as manifestações de junho de 2013 nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo



vozes silenciadas - capa final
Em junho de 2013, o país foi surpreendido por uma série de protestos replicados em diversas cidades, reunindo multidões e causando a paralisação de grandes centros urbanos. Foram as maiores manifestações desde as “Diretas Já” na década de 1980 e do “Fora Collor” na década de 1990. Os protestos das “Jornadas de Junho”, ou simplesmente as “Manifestações de Junho” nasceram da reivindicação contra o aumento da tarifa do transporte público e se expandiram, na sua fase final, para bandeiras e mais difusas e menos pontuais. 



Para o Coletivo Intervozes, os protestos de junho refletem um momento significativo de mobilização social que deve ser comemorado e também melhor compreendido. Um dos elementos importantes neste processo é a comunicação social. Tanto as os novos meios (mídias sociais, comunicação móvel) quanto os meios tradicionais (mass media, jornalismo formal) desempenharam papeis importantes. Serviram como caixas de ressonância para as vozes dos diversos atores que compuseram este enredo. Porém, se as mídias digitais serviram como ferramenta de mobilização e ampliação dos protestos, de que forma ocorreu a cobertura do mass media? Como os principais jornais brasileiros trataram o tema e seus atores? 

Para responder a estas questões ou pelo menos tentar esclarecê-las surgiu assim esta pesquisa ainda em 2013. Optou-se pela escolha de 3 importantes veículos de jornalismo online como objetos de estudo: Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo e considerou-se que este seria um extrato representativo da mídia brasileira, até porque constituem jornais de grandes conglomerados de mídia atuantes no país. Quanto ao recorte temporal, optou-se pela análise dos 19 primeiros dias de junho por abarcar os momentos principais dos protestos e comportar uma quantidade significativa de matérias. Após a extensa coleta de dados e triagens de informação a análise foi realizada em um conjunto final de 964 matérias analisadas, somando os três veículos.

O estudo foi coordenado e executado pelo professor Sivaldo Pereira da Silva, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Universidade de Brasília (UnB). Envolveu uma equipe de pesquisadores do Centro de Formação e Extensão em Comunicação, Democracia e Direitos Humanos (Coscentro) da Ufal no processo de coleta de dados e dupla checagem de informações.

Esperamos que a pesquisa possa contribuir para o entendimento histórico do que significaram as Manifestações de Junho e também sirva como registro da ação mediadora dos meios de comunicação neste processo. Uma mediação nem sempre pacífica e, como demonstram os dados, nem sempre adequada aos princípios normativos que regem a boa prática jornalística. 



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domingo, 5 de abril de 2015

Uma notícia estrondosa que não faz barulho na mídia corporativa

A mídia e a greve mundial no McDonald's


Altamiro Borges  sábado, 4 de abril de 2015
Está agendada para 15 de abril uma “greve mundial” contra a rede estadunidense de fast-food McDonald’s. A previsão é de que o movimento tenha a adesão de 200 cidades de 35 países. O motivo é a brutal exploração exercida pela multinacional, que paga míseros salários e adota inúmeras práticas lesivas aos direitos trabalhistas. Os trabalhadores brasileiros participarão da jornada. 

Em meados de março, o sindicato da categoria (Sinthoresp) protocolou uma ação no Tribunal de Justiça do Trabalho de São Paulo exigindo o fim do acúmulo de funções e o pagamento do adicional por insalubridade. Houve protesto dos funcionários na Avenida Paulista e a população foi informada sobre a adesão à “greve mundial”. A mídia privada, porém, não deu maior destaque ao movimento. A multinacional é uma das maiores anunciantes do país, o que explica a cumplicidade da imprensa privada e venal!

A mobilização contra os abusos do McDonald’s tem crescido no mundo inteiro. Ela teve início nos EUA em 2012, quando os funcionários desta e de outras redes de fast-food se reuniram em Nova York para exigir aumento salarial e melhores condições de trabalho. Desde então, outras cidades de várias partes do mundo aderiram aos protestos. O movimento conquistou o apoio de vários sindicatos, de estudantes e até de pastores de igrejas de Nova York, Chicago e Detroit.

Arrogante e truculenta, a direção da multinacional tenta minimizar o impacto das mobilizações. “Esses eventos não são 'greves', mas manifestações organizadas para atrair a atenção da mídia”, afirma Heidi Barker, porta-voz do McDonald's nos EUA. A realidade, porém, é bem diferente, conforme aponta Kwanza Brooks, funcionária da empresa na Carolina do Norte. “Quando nós começamos, poucas pessoas queriam participar. Elas estavam assustadas, com medo de perder o emprego. Mas o movimento está realmente crescendo, e pessoas que não sabiam que nós existíamos, agora sabem”.

Os efeitos da mobilização já se fazem sentir em vários terrenos. Em fevereiro, a multinacional confessou uma queda de 4% nas vendas em suas lojas nos EUA e de 1,7% em sua operação global, segundo reportagem do jornal “The New York Times”. Nas últimas semanas, o comando da “campanha global pelos direitos dos funcionários do McDonald’s” também comemorou outras vitórias parciais. Pela primeira vez na história ocorreu uma audiência do Comitê Nacional de Relações de Trabalho dos EUA em que a empresa foi acusada formalmente por práticas lesivas aos direitos dos trabalhadores e pela repressão à ação sindical. Antes, o órgão responsabiliza apenas os franqueadores da rede.

Já na terça-feira (31), a Comissão Europeia Antitruste solicitou, em Luxemburgo, informações sobre o acordo fiscal feito com o McDonald's em decorrência das denúncias de sindicatos de trabalhadores de evasão da ordem de 1 bilhão de euros entre 2009 e 2013. E no Japão, os investidores de fundos de pensão detentores de ações do McDonald's pediram a troca dos integrantes do conselho da empresa motivados pelas quedas nos resultados da companhia desde uma crise envolvendo o uso de matéria-prima estragada. Todos estes fatos, porém, não geram reportagens e denúncias na mídia “imparcial”. A grana da publicidade justifica a postura mafiosa!

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Os jornais e o 1o. de abril de 1964



01/04/2015 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

16 editoriais sobre o golpe militar de 1964

Estadão, Globo, Folha e outros jornais clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas.


Altamiro Borges
Gladstone Barreto / FlickrEste 1º de abril marca os 51 anos do fatídico golpe civil-militar de 1964. 
Na época, o imperialismo estadunidense, os latifundiários e parte da burguesia nativa derrubaram o governo democraticamente eleito de João Goulart. Naquela época, a imprensa teve papel destacado nos preparativos do golpe. Na sequência, muitos jornalões continuaram apoiando a ditadura, as suas torturas e assassinatos. Outros engoliram o seu próprio veneno, sofrendo censura e perseguições.


Nesta triste data da história brasileira, vale a pena recordar os editoriais dos jornais – que clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas. No passado, os militares foram acionados para defender os saqueadores da nação. Hoje, esse papel é desempenhado pela mídia privada, que continua orquestrando golpes contra a democracia. Daí a importância de relembrar sempre os seus editorais da época:



O golpismo do jornal O Globo


1. “Salvos da comunicação que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O Globo, 2 de abril de 1964.


2. “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada..., atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... As Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. O Globo, 2 de abril de 1964.


3. “Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos... Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”. O Globo, 4 de abril de 1964. 


4. “A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. O Globo, 5 de abril de 1964.


Conluio dos jornais golpistas


5. “Minas desta vez está conosco... Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. O Estado de S.Paulo, 1º de abril de 1964.


6. “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964.


7. “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.


8. “Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.


9. “Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la”. Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964.


10. “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. O Estado de Minas, 2 de abril de 1964.


11. “A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”. O Dia, 2 de abril de 1964.


12. “A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”. O Povo, 3 de abril de 1964.


13. “Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. Correio Braziliense, 16 de abril de 1964.


Apoio à ditadura sanguinária


14. “Um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social – realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”. Folha de S.Paulo, 22 de setembro de 1971.


15. “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o país, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. Jornal do Brasil, 31 de março de 1973.


16. “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Editorial de Roberto Marinho, O Globo, 7 de outubro de 1984.