Músicos da USP realizam concertos com musicistas do exterior via internet em tempo real
25/04/2012
Por Elton Alisson
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Experiência
integra projeto de pesquisa sobre música em rede, que possibilita a
interação entre musicistas e intérpretes dispersos em diferentes lugares
no mundo |
Agência FAPESP – Um grupo de músicos da Universidade de São
Paulo (USP) está tendo a oportunidade de criar composições e tocar com
musicistas do exterior sem que tenham que sair do Brasil ou que
estrangeiros precisem vir ao país.
Por meio de redes de internet de alta velocidade, eles vêm
organizando concertos com músicos de países tão longínquos como a
Irlanda do Norte, no Reino Unido, com quem promoveram no final de março,
pela segunda vez, o Net Concert – um concerto via internet, realizado
simultaneamente na capital do país anglo-saxão, Belfast, e em São Paulo.
A experiência integra um
projeto,
realizado por pesquisadores da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (USP) em colaboração com o Instituto de
Matemática e Estatística (IME), com apoio da FAPESP, que tem como
objetivo a utilização e o desenvolvimento de processos interativos no
âmbito da produção musical mediada tecnologicamente.
Um dos temas do projeto é a música em rede (
networked music),
como é definida a nova categoria de música surgida com o advento da
internet que, em função da possibilidade de comunicação imediata,
permitiu novas possibilidades de se pensar e fazer música com músicos e
intérpretes dispersos em diferentes lugares no mundo.
Por meio de um convênio com a Queen University Belfast (QUB) – a
instituição que vem liderando as pesquisas na área na Europa –, os
pesquisadores brasileiros começaram a desbravar nos últimos anos esta
área de estudo na América Latina.
“A música em rede vem sendo estudada há mais de 20 anos na Europa e
nos Estados Unidos, onde está sendo desenvolvida a maior parte das
ferramentas utilizadas hoje nas pesquisas na área. E nós estamos
tentando criar um núcleo de pesquisa sobre
networked music em São Paulo”, disse Julián Jaramillo Arango, um dos pesquisadores envolvidos no projeto, à
Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, que realiza doutorado com Bolsa da
FAPESP, desde 1990 há compositores que vêm pesquisando e desenvolvendo
criações musicais utilizando redes digitais como plataforma de criação.
Um dos principais desafios com os quais eles vêm lidando para
trabalhar com música em redes digitais é sincronizar os eventos, fazendo
com que grupos de músicos e intérpretes dispersos em diferentes lugares
no mundo tenham uma unidade comum e compartilhada de tempo, que é
fundamental na música.
“A rede tem limitações, como um retardo (
delay) no envio e
recebimento de sinal de um lugar para o outro. E nós tentamos incorporar
essas descontinuidades nas obras”, explicou Arango.
Uma das estratégias utilizadas pelos pesquisadores para lidar com
essas defasagens de tempo nas redes digitais é usar duas telas de
projeção de imagens nos dois lugares onde estão os músicos e os
intérpretes participantes do concerto virtual, como o Net Concert.
Na primeira tela, os músicos e intérpretes em São Paulo podem ver
seus colegas em Belfast, por exemplo, e vice-versa. Já a segunda tela é
uma partitura em tempo real das composições, chamada
online core,
com cifras musicais, além de imagens que os músicos e intérpretes só
visualizam no momento exato de execução da peça por meio de comandos
enviados pelo regente simultaneamente para os dois lugares onde estão.
“Essa é uma forma de reger os grupos de músicos e intérpretes em cada
local e fazer com que eles possam se sincronizar, para a qual nós
tivemos de preparar um
software específico para operar em rede”, disse Arango.
Ambiente propício para a improvisação
Segundo o pesquisador, a produção de um concerto em rede é um
processo longo e que envolve, entre outros fatores, conhecer as
diferenças culturais dos músicos e intérpretes de diferentes países
para, a partir disso, tentar criar algo em conjunto.
Para produzir o Net Concert, por exemplo, os pesquisadores
brasileiros começaram a reunir os músicos e intérpretes, selecionar as
composições e realizar os ensaios e testes de conexões de áudio e vídeo
desde o último mês de janeiro.
Além de preparar toda a infraestrutura, os pesquisadores brasileiros
também ajudaram a compor uma das cinco peças apresentadas no concerto,
onde interagiram com músicos em Belfast via internet em tempo real.
Arango é um dos compositores da composição vocal “Ser Voz”, de Michelle
Agnes, que abriu o concerto.
É uma composição para quatro vozes e bocas, sendo duas masculinas, do
Brasil, e outras duas femininas, de cantoras em Belfast. Durante a
performance musical e teatral são capturados os movimentos em close dos
lábios de cada intérprete e projetados lado a lado em um telão.
Já em outra composição, denominada “Cipher Series”, de Pedro Rebelo,
um contrabaixista em São Paulo “duelou” com um pianista em Belfast,
estimulados por partituras gráficas, em uma performance semelhante à de
uma
jam session, como são chamados os momentos de improvisação no
jazz.
“A música em rede permite aos músicos de diferentes lugares no mundo
desenvolver seu conhecimento musical na performance e acaba ressaltando o
improviso”, avalia Arango.
“A interação social é um traço importante da interpretação musical. A
rede acentua a presença remota e isso gera um ambiente propício para a
improvisação, em que a partir do que o outro está tocando um musicista
toma as decisões do que irá tocar, imitando o que o outro está fazendo
ou realizando uma variação, de acordo com sua formação e imaginação
musical”, exemplificou.
De acordo com Arango, a música em rede não está voltada apenas para
uma linguagem musical contemporânea, como a música eletrônica. Apesar de
estar trabalhando atualmente com compositores mais voltados para uma
linguagem contemporânea e com grupos de música de câmara – integrados
por instrumentos musicais convencionais, como piano, contrabaixo,
flauta, saxofone e percussão, além de instrumentos eletrônicos,
sintetizadores e computadores –, a nova categoria de música é aberta a
todos os estilos e tipos de instrumentos musicais.
“A rede não é algo que dará como resultado um tipo de conteúdo
musical particular. Ela é mais uma plataforma para que qualquer tipo de
música, da mais erudita até a mais popular, possa ser pensada e levada
adiante”, afirmou.
Os pesquisadores brasileiros pretendem criar um acervo de composições
para música em rede em parceria com o grupo da Queen University
Belfast. Além disso, também planejam realizar um novo concerto via
internet unindo, além de músicos em São Paulo e em Belfast, também em
uma terceira cidade. “Possivelmente, nós trabalharemos este ano para
fazer isso”, disse Arango.