quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As práticas, as leis e o bem intelectual

SOPA – a nova ameaça à liberdade da rede

Por Bia Martins, do blog Autoria em Rede


Tenho escrito aqui no blog sobre as transformações nos modos de produção e circulação dos bens intelectuais na atualidade. Padrões anteriormente bem definidos de controle, tanto em relação à autoria de uma obra quanto a sua distribuição e monetarização, vêm sendo desestabilizados por práticas sociais de compartilhamento que estão impondo modelos abertos de criação e acesso a esses bens. Esta mudança vem ocorrendo, de fato, apesar da resistência das grandes empresas de mídia que, por seu lado, têm desenvolvido todo um instrumental tecnológico e jurídico na tentativa de impedir esse fluxo.

Pois uma das mais fortes reações à mudança está se dando agora, com a apresentação de um projeto de lei que está para ser votado pelo Congresso dos EUA. Se for aprovado, o projeto conhecido pelo acrônimo SOPA (Stop Online Piracy Act) permitirá que se processem sites acusados de permitir ou facilitar o descumprimento dos direitos autorais e de propriedade intelectual, podendo determinar a sua exclusão em resultados de mecanismos de busca, o corte de anunciantes e até mesmo o bloqueio do acesso a eles. Para isso, basta que o site em questão tenha links para outro site que tenha conteúdo tido como não autorizado. Por conta disso, grandes sites, como Facebook ou WordPress, por exemplo, e também os provedores poderão optar pela censura prévia a conteúdos, pelo medo da punição. E o pior é que a lei terá repercussão mundial porque vai legislar sobre todos os servidores web localizados nos EUA, por onde passa grande parte do tráfego da internet.

Essa iniciativa de restrição à liberdade na rede atende aos interesses das grandes corporações de mídia, como indústria fonográfica e estúdios de cinema, que querem controlar o fluxo de arquivos de som e vídeo especialmente. E, por outro lado, conta com o repúdio de novas grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que baseiam seus negócios na livre circulação de dados. A boa notícia é que a Apple e a Microsoft, as duas principais companhias que fazem parte do Business Software Alliance (BSA), retiraram nos últimos dias o apoio ao projeto.

Confira o infográfico, em inglês, que resume a questão.

Nesse embate de gigantes, o que está em jogo é o modelo de circulação de bens intelectuais na sociedade. Como já argumentei em outros posts, do meu ponto de vista, essa é uma mudança sem volta que está relacionada com o novo modelo de produção capitalista, de caráter cognitivo, no qual o conhecimento está no cerne da produção: é o conhecimento que produz mais conhecimento. Nesse contexto, a informação precisa circular livremente para que possa gerar cada vez mais valor. Não é à toa que, apesar de todas as medidas restritivas, as práticas de compartilhamento de dados, como os downloads de música e vídeo, não parem de crescer.

No entanto, estamos ainda no momento de disputa entre o antigo e o novo modelo, e deveremos assistir ainda a muitos rounds pela definição dos parâmetros sobre as formas de circulação desses bens. Não há dúvida de que haverá a necessidade de chegar a novos marcos regulatórios, mas eles deverão levar em conta o contexto econômico e cultural da atualidade, que tem no compartilhamento da produção intelectual e na cooperação produtiva o seu modus operandi.

Quem tiver interesse em ler mais sobre esse embate, acaba de ser publicado meu artigo Autoria, propriedade e compartilhamento de bens imateriais no capitalismo cognitivo, na Liinc em Revista

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Memória num mundo ultrahiperrápido

"É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut"

Ronaldo Lemos*

 

Fonte: Trip

 

 Se a nossa Biblioteca Nacional tiver um mínimo de visão e conexão com o presente, deveria começar a agir já. É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut, Criar um espelho público do site que registrou boa parte do que aconteceu nessa incrível década passada


O jornalista Elio Gaspari é dos poucos que chamam a atenção para a destruição de processos judiciais antigos no Brasil. Nos milhões de arquivos queimados, desaparece boa parte da história do “andar de baixo” da sociedade. Gaspari lembra que até mesmo o processo de indenização do acidente de trabalho em que Lula perdeu o dedo foi destruído. Afinal, que interesse haveria em guardar tanta papelada?

Nos últimos anos, a história do “andar de baixo” está sendo registrada não apenas em processos judiciais, mas também online. Com o fenômeno das lan houses e a crescente apropriação da rede pelas periferias brasileiras, a internet tornou-se um espelho poderoso do que acontece na base da pirâmide social do país. Quem navega com atenção no Orkut (e YouTube, Twitter e Facebook) percebe a relevância da diversidade demográfica. Esses sites (Orkut em especial) refletem não só o presente, mas a memória detalhada das mais diversas e fascinantes relações sociais.

Nas infindáveis comunidades do Orkut é possível acompanhar dramas pessoais, pessoas lutando contra doenças, reclamações contra empresas e políticos, brigas, paqueras, discriminação sexual e racial, todo o coquetel de benesses e mazelas que acontecem em toda parte, mas que nem sequer se sonhava ter registro. É um material riquíssimo para pesquisar qualquer assunto, dos movimentos políticos às mudanças do uso do português nos últimos anos.

Pensando exatamente nisso a biblioteca do Congresso nos EUA começou a arquivar todo o conteúdo do Twitter. Estão sendo preservados os mais de 55 milhões de tuítes enviados todos os dias. O conteúdo atingiu 167 terabytes, espaço equivalente a 21 milhões de livros. Apesar dos números astronômicos, o custo é relativamente baixo, já que o armazenamento digital fica cada vez mais barato. Nas palavras de um dos responsáveis pelo projeto: “Esse é um acréscimo novo para o registro histórico da biblioteca, que permite gravar a história segundo a segundo das pessoas comuns”.

Alô, Biblioteca Nacional!
Aqui, a preocupação é urgente. Aparecem sinais de que o Orkut vai fraquejar. Começou a perder para o Facebook e, para complicar, o Google lançou sua rede, o Google+, fazendo com que a rede social preferida de muitos brasileiros vá se tornando uma heroica jangada à deriva. 

Se a nossa Biblioteca Nacional tiver um mínimo de visão e conexão com o presente, deveria começar a agir já. É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut. Criar um espelho público do site que registrou boa parte do que aconteceu nessa incrível década passada. Década em que muitos brasileiros isolados na geografia ou socialmente puderam conviver no mesmo espaço, trazendo suas esperanças e conflitos. A Biblioteca Nacional não deve perder um segundo a mais. Precisa criar uma linha de preservação da memória digital do país, a começar pelo Orkut. São capítulos importantes da história do “andar de baixo” que podem acabar como milhões de processos que vêm sendo destruídos: a fogueira, nesse caso, virtual.

*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Nós, a informação, o conhecimento, a história

Dia histórico e tarefas gigantes

18nov11
 
Dezoito de novembro de 2011.
Essa data entra para a história da jovem Democracia brasileira. Nesta data ganham proteção jurídica o acesso a informações públicas e a busca pela verdade dos crimes ocorridos durante a Ditadura (lei que cria a Comissão da Verdade).

A Lei de Acesso à Informação Pública, que garante o acesso de qualquer interessado a dados e documentos detidos pelos governos (e por organizações que recebem dinheiro público), é um enorme passo na consolidação democrática do Brasil.

Entretanto, a abertura garantida pela nova lei tem que funcionar na prática.

E, para isso, há tarefas gigantescas para cumprirmos. Tanto do lado da Administração Pública quanto do lado da Sociedade Civil. Até porque essa lei serve para melhorar a relação entre Estado e Sociedade; portanto, os dois lados têm que trabalhar.

Tarefas da Administração Pública:
  • Montar um sistema de acesso a informações, com especificações sobre quem deve receber o pedido de informação e quem deve decidir se a informação será entregue (no Executivo federal, a CGU disse estar cuidando disso, com o SIC; oremos; e esperemos que estados e municípios, Legislativo e Judiciário também façam algo a respeito).
  • Melhorar o gerenciamento de informações: é preciso registrar as informações e organizá-las. Para que saibamos quem detém as informações. Enorme desafio, principalmente para estados e municípios.
  • Eliminar a cultura do segredo. A melhor forma de fazer isso é aplicar a lei, com as sanções devidas aos servidores públicos que se negarem a entregar informações solicitadas.
Tarefas da Sociedade Civil
  • Monitorar o cumprimento da lei, realizando estudos e pesqusias para medir a quantidade de respostas e não-respostas a pedidos de informação.
  • Conscientizar a respeito da lei e de sua importância. Fazer campanhas, contar histórias de sucesso.
  • Ajudar os governos a montar os melhores sistemas de acesso. Tanto no que diz respeito à transparência passiva (sistemas para receber solicitações) como a transparência ativa (publicação de dados e informações)
E, claro, precisamos nos apropriar das informações. Chegar a elas é um grande passo. Mas precisamos remixar, cruzar, juntar. Enfim, dar sentido às informações.  Para produzir conhecimentos que possam garantir um debate político mais rico e um Estado mais eficaz. Para garantir um Estado que pomova os Direitos Humanos e que seja livre de corrupção.

Trabalho para uma geração. Mas à obra.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ainda sobre "escritas profissionais e processos de edição e circulação": o fato, a notícia, a crônica...

Fonte: Viomundo

Meu encontro com Nem

Ruth de Aquino, em Época , sugerido por Fernando


Era sexta-feira 4 de novembro. Cheguei à Rua 2 às 18 horas. Ali fica, num beco, a casa comprada recentemente por Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, por R$ 115 mil. Apenas dez minutos de carro separam minha casa no asfalto do coração da Rocinha. Por meio de contatos na favela com uma igreja que recupera drogados, traficantes e prostitutas, ficara acertado um encontro com Nem. Aos 35 anos, ele era o chefe do tráfico na favela havia seis anos. Era o dono do morro.


Queria entender o homem por trás do mito do “inimigo número um” da cidade. Nem é tratado de “presidente” por quem convive com ele. Temido e cortejado. Às terças-feiras, recebia a comunidade e analisava pedidos e disputas. Sexta era dia de pagamentos. Me disseram que ele dormia de dia e trabalhava à noite – e que é muito ligado à mãe, com quem sai de braços dados, para conversar e beber cerveja. Comprou várias casas nos últimos tempos e havia boatos fortes de que se entregaria em breve.


Logo que cheguei, soube que tinha passado por ele junto à mesa de pingue-pongue na rua. Todos sabiam que eu era uma pessoa “de fora”, do outro lado do muro invisível, no asfalto. Valas e uma montanha de lixo na esquina mostram o abandono de uma rua que já teve um posto policial, hoje fechado. Uma latinha vazia passa zunindo perto de meu rosto – tinha sido jogada por uma moça de short que passou de moto.


Aguardei por três horas, fui levada a diferentes lugares. Meus intermediários estavam nervosos porque “cabeças rolariam se tivesse um botãozinho na roupa para gravar ou uma câmera escondida”. Cheguei a perguntar: “Não está havendo uma inversão? Não deveria ser eu a estar nervosa e com medo?”. Às 21 horas, na garupa de um mototáxi, sem capacete, subi por vielas esburacadas e escuras, tirando fino dos ônibus e ouvindo o ruído da Rocinha, misto de funk, alto-falantes e televisores nos botequins. Cruzei com a loura Danúbia, atual mulher de Nem, pilo-tando uma moto laranja, com os cabelos longos na cintura. Fui até o alto, na Vila Verde, e tive a primeira surpresa.


Não encontrei Nem numa sala malocada, cercado de homens armados. O cenário não podia ser mais inocente. Era público, bem iluminado e aberto: o novo campo de futebol da Rocinha, com grama sintética. Crianças e adultos jogavam. O céu estava estrelado e a vista mostrava as luzes dos barracos que abrigam 70 mil moradores. Nem se preparava para entrar em campo. Enfaixava com muitos esparadrapos o tornozelo direito. Mal me olhava nesse ritual. Conversava com um pastor sobre um rapaz viciado de 22 anos: “Pegou ele, pastor? Não pode desistir. A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém. Caraca, ele estava limpo, sem droga, tinha encontrado um emprego… me fala depois”, disse Nem. Colocou o meião, a tornozeleira por cima e levantou, me olhando de frente.


Foi a segunda surpresa. Alto, moreno e musculoso, muito diferente da imagem divulgada na mídia, de um rapaz franzino com topete descolorido e riso antipático, como o do Coringa. Nem é pai de sete filhos. “Dois me adotaram; me chamam de pai e me pedem bênção.” O último é um bebê com Danúbia, que montou um salão de beleza, segundo ele “com empréstimo no banco, e está pagando as prestações”. Nem é flamenguista doente. Mas vestia azul e branco, cores de seu time na favela. Camisa da Nike sem manga, boné, chuteiras.


– Em que posição você joga, Nem? – perguntei.


– De teimoso – disse, rindo –, meu tornozelo é bichado e ninguém me respeita mais em campo.


Foi uma conversa de 30 minutos, em pé. Educado, tranquilo, me chamou de senhora, não falou palavrão e não comentou acusações que pesam contra ele. Disse que não daria entrevista. “Para quê? Ninguém vai acreditar em mim, mas não sou o bandido mais perigoso do Rio.” Não quis gravador nem fotos. Meu silêncio foi mantido até sua prisão. A seguir, a reconstituição de um extrato de nossa conversa.


Nem, líder do tráfico


UPP “O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado. A UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”


Beltrame “Um dos caras mais inteligentes que já vi. Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor. Ele fala o que tem de ser dito. UPP não adianta se for só ocupação policial. Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade. Como pode Cuba ter mais medalhas que a gente em Olimpíada? Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade.”


Religião “Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus. Aprendi a rezar criancinha, com meu pai. Mas só de uns sete anos para cá comecei a entender melhor os crentes. Acho que Deus tem algum plano para mim. Ele vai abrir alguma porta.”


Prisão “É muito ruim a vida do crime. Eu e um monte queremos largar. Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos. Porque o pai tem mais autoridade que a mãe. Diz que não, e é não. Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade.”


Drogas “Não uso droga, só bebo com os amigos. Acho que em menos de 20 anos a maconha vai ser liberada no Brasil. Nos Estados Unidos, está quase. Já pensou quanto as empresas iam lucrar? Iam engolir o tráfico. Não negocio crack e proíbo trazer crack para a Rocinha. Porque isso destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira. Conheço gente que usa cocaína há 30 anos e que funciona. Mas com o crack as pessoas assaltam e roubam tudo na frente.”


Recuperação “Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados. Para não cair na vida nem ficar doente com aids, essa meninada precisa ter família e futuro. A UPP, para dar certo, precisa fazer a inclusão social dessas pessoas. É o que diz o Beltrame. E eu digo a todos os meus que estão no tráfico: a hora é agora. Quem quiser se recuperar vai para a igreja e se entrega para pagar o que deve e se salvar.”


Ídolo “Meu ídolo é o Lula. Adoro o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do tráfico para trabalhar nas obras. Sabe quantos voltaram para o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil.”


Policiais “Pago muito por mês a policiais. Mas tenho mais policiais amigos do que policiais a quem eu pago. Eles sabem que eu digo: nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados, vão levar um tiro sem mais nem menos?”


Tráfico “Sei que dizem que entrei no tráfico por causa da minha filha. Ela tinha 10 meses e uma doença raríssima, precisava colocar cateter, um troço caro, e o Lulu (ex-chefe) me emprestou o dinheiro. Mas prefiro dizer que entrei no tráfico porque entrei. E não compensa.”


Nem estava ansioso para jogar futebol. Acabara de sair da academia onde faz musculação. Não me mandou embora, mas percebi que meu tempo tinha acabado. Desci a pé. Demorei a dormir.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O que se diz na tevê e o que se diz fora dela?

Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP

Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram. Além de mim, estavam na mesa  o professor Alexandre Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da Reitoria.

Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia da carreira acadêmica.

Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.

Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística.

Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que PM é essa?

Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Notícias do NPC 
1º Encontro Mundial de blogueiros: ativismo na rede precisa do “mundo real” para se concretizar
Publicado em 31.10.11 - por Opera Mundi
As batalhas travadas nas novas mídias devem ser apropriadas pelos movimentos sociais e populares, pois as grandes transformações são realizadas por meio da pressão nas ruas. Esse foi o consenso entre os debatedores dos painéis que abordaram experiências na América Latina durante o 1º Encontro Internacional de Blogueiros Progressistas em Foz do Iguaçu, Paraná.
 
Apesar de reconhecerem o papel das redes sociais e da blogosfera, os debatedores foram unânimes na opinião que “as revoluções devem ultrapassar as barreiras da rede mundial de computadores”.
 
“Só teremos democratização da informação com a luta dos movimentos sociais, com a atuação do movimento dos direitos humanos”, afirmou o equatoriano Osvaldo Leon, editor da Agência Latinoamericana de Informação (Alai).
 
Para ele, é importante os ciberativistas trazerem os movimentos sociais para o debate sobre a comunicação, usando como exemplo o que vem acontecendo em seu país com os povos camponeses e indígenas. “Estamos trabalhando para que essas organizações assumam em suas lutas programáticas a pauta da comunicação”, disse.
 
Um dos benefícios registrados é a incidência de rádios comunitárias no Equador. “No Equador e a Bolívia temos rádios espalhadas por várias comunidades”, destacou. Outra bandeira aderida pelos movimentos populares equatorianos, segundo Leon, é da expansão da conectividade da internet para todo o conjunto da população.
 
Web não é garantia
 
O cubano Iroel Sánchez, blogueiro da página La Pupila Insomne e do site CubaDebate engrossou o coro de que as batalhas na blogosfera devem ganhar às ruas. “A web por si só, não é a garantia da democracia”, apontou. Ele usou como exemplo o bloqueio econômico imposto por Cuba para exemplificar essa necessidade de organização: “os 50 anos seguidos de agressão nos obrigaram a nos organizarmos.”
 
Esse cenário na ilha, segundo Sánchez, vem acontecendo no campo da internet e das redes sociais por meio das redes de socialização de tecnologia. “Os cubanos entendem que a internet e a blogosfera não são redes de consumo, mas sim de conhecimento”, lembrando que os blogs exercem a função de construir uma agenda aos silenciados dos movimentos sociais.
 
O professor universitário argentino Martin Becerra também fez restrições ao fato da blogosfera ainda não ser um movimento de massa. “A blogosfera ainda não é uma rede massiva, diferente dos grandes meios que atingem a comunicação de massa”.  E completa. “A democratização das informações passa pelas lutas no campo popular”. 
 
Na mesma linha segue seu compatriota Martin Granovsky, editor do jornal Página 12. “As conquistas de liberdades individuais são conquistas dos povos”, citando como exemplo a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, a chamada ‘Ley dos Medios’.
 
“A Lei dos Meios faz parte de um projeto de universalidade da informação, obtido com o clamor dos movimentos organizados diante do cenário de monopolização da comunicação”. Para o jornalista, a blogosfera precisa “despertar as inquietações e revoltas democratizantes, aos moldes do acontecido na região da Primavera Árabe”. 
 
"Zumbis"
 
Pela primeira vez na América do Sul, o canadense Jesse Freeston – ativista dos direitos humanos que participou de redes de solidariedade em Honduras – também apontou para a necessidade da aproximação dos ciberativistas com os movimentos do campo popular, citando a luta dos povos indígenas e dos povos pelo direito à terra.
 
O ativista fez uma analogia com o movimento Ocuppy iniciado nas redes sociais. “Ocupação não é feita por meio de Ipad, Ipods ou notebooks, as transformações não são feitas na internet, mas sim nas ruas”. Ele alerta para o caminho alienante proporcionado pelo advento das mídias sociais. “As pessoas estão parecendo ‘homos-cibernéticos’, vivendo como espécies de zumbis digitais e com isso estão deixando de socializar”.
 
Carta de Foz
 
O I Encontro Mundial de Blogueiros Progressistas foi encerrado com a aprovação da ‘Carta de Foz’, com expectativas de políticas públicas e ações para a blogosfera para os próximos meses.
 
O documento amplo aponta prioridades como a democratização da comunicação, liberdade ao direito humano da informação, luta contra qualquer tipo de censura de poderes públicos, condenação a judicialização da censura à internet, novo marco regulatório da comunicação, bandeira do software livre, acesso universal a banda larga de qualidade, entre outros pontos.
 
Os participantes também aprovaram a realização do II Encontro Mundial de Blogueiros, em novembro de 2012, na cidade de Foz do Iguaçu. Segundo os organizadores, o evento contou com 654 inscritos, de 17 estados brasileiros e 23 países.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Cadeia criativa e cadeia produtiva do audiovisual: o que é? quem faz? pra quê?

O Plano Nacional de Educação e a expansão do audiovisual no Brasil

O Plano Nacional de Educação quer garantir a conexão à internet de todas as escolas públicas por meio de banda larga até 2016. Este processo será simultâneo à ampliação do tempo escolar que pode chegar a 7 horas diárias em metade das escolas públicas de educação básica do país em 10 anos. A ampliação do acesso abre uma grande oportunidade para a cadeia produtiva do audiovisual brasileiro que atua com foco em materiais pedagógicos para os públicos infantil e juvenil. O artigo é de Glauber Piva.


O Plano Nacional de Educação - PNE - é um grande programa de expansão educacional que foi apresentado pelo Ministério da Educação e está em debate no Congresso Nacional. Uma de suas metas é de garantir a conexão à Internet de todas as escolas públicas do país por meio de Banda Larga até 2016. Este acesso, além de ser um oportuno instrumento pedagógico, também vai ampliar a integração de crianças e jovens ao mundo digital e o primeiro e principal impacto será nas regiões de interior do norte, nordeste e centro-oeste. Vale lembrar que este processo será simultâneo à ampliação do tempo escolar que pode chegar a 7 horas diárias em metade das escolas públicas de educação básica do país em 10 anos. A expansão das Universidades Públicas e dos Institutos Federais de Educação Tecnológica de Ensino Médio também aponta nesta mesma tendência.

Observando mais especificamente a proposta de conexão rápida à internet nestas instituições educacionais, vemos que ela ampliará a circulação de conteúdos audiovisuais e será um gigantesco espaço para as obras brasileiras. O consumo prioritário será o de obras educacionais em todas as suas dimensões, como portais especializados, games educativos e materiais didáticos das mais diferentes temáticas e metodologias, mas o acesso regular ao audiovisual nas instituições escolares também estimulará a demanda por todos os tipos de conteúdo.

A rede digital que integrará toda a infância e juventude do país também será um espaço privilegiado de fruição cultural, permitindo o acesso à cinematografia, fotografia, artes visuais, dramaturgia, música e literatura, constituindo-se, também, num importante e necessário instrumento de formação e exercício de cidadania cultural.

Em 2016, a dimensão estimada da população escolar entre 4 e 24 anos em instituições públicas será de mais de 43 milhões, sendo que mais de 4 milhões terão entre 4 e 5 anos, 23 milhões entre 6 e 14 anos, 9 milhões entre 15 e 17 anos e 6 milhões entre 18 e 24 anos. E, destes, mais de 18 milhões dos que terão menos de 17 anos estudarão em escolas com computadores e em tempo integral.

A ampliação do acesso abre uma grande oportunidade para toda cadeia produtiva do audiovisual brasileiro que atua com foco em materiais pedagógicos para os públicos infantil e juvenil. Ao mesmo tempo em que é uma oportunidade para as empresas brasileiras de produção independente, pela perspectiva econômica óbvia e, também, pela possibilidade de formação de platéia e o que isso representará a médio e longo prazos, é também uma contingência estratégica, já que o consumo audiovisual nestes segmentos afetará diretamente a afirmação de nossas identidades.

O poder público, em particular o Ministério das Comunicações, o MEC, o MINC e a Ancine, mas também governos estaduais e prefeituras, deve fomentar programas de estímulo a pesquisas e desenvolvimento, produção e circulação de obras audiovisuais na internet para crianças e adolescentes, principalmente nos segmentos educacionais, possibilitando oferta de obras de interesse nacional, brasileiras e de produção independente.

É urgente que se ofereça aos professores, de maneira continuada, a oportunidade de domínio da linguagem audiovisual e formação de um repertório de referências estéticas. O acesso qualificado aos conteúdos audiovisuais será ampliado na medida em que os professores os conhecerem e os utilizarem. Por outro lado, os milhões de estudantes também serão autores/produtores de seus próprios conteúdos audiovisuais e estarão disponibilizando textos, vídeos, ilustrações e fotografias de todos os tipos.

Esta é uma situação ímpar. Precisamos agir rápido para ocupar um espaço necessário e que é estratégico para os interesses nacionais. Mas é possível ir além.

Devemos estimular o debate sobre a regulamentação do artigo 27 da MP 2.228-1/2001. Este artigo prevê a disponibilização gratuita para fins educacionais, em canais educativos mantidos com recursos públicos nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e nos estabelecimentos públicos de ensino, das obras financiadas com recursos públicos, desde que respeitados os contratos existentes. A regulamentação deste artigo é importante, pois, numa perspectiva crítica, é no encontro da educação com a cultura que a democracia se sedimenta e a cidadania cultural se torna vetor de transformação.

A consolidação e visibilidade de nossa diversidade cultural se darão na medida em que o audiovisual que produzimos transite como linguagem, como oportunidade e experiência estética e social entre nossas crianças e jovens. Além disso, esta perspectiva também alimentará novas economias e novos ambientes de negócio. Assim, diversidade cultural e oportunidade econômica dialogarão habilmente com a consolidação do modelo democrático e de cidadania cultural que estamos construindo no Brasil.

(*) Glauber Piva, sociólogo, é Diretor da Ancine – Agência Nacional do Cinema.