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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Produzir conhecimento e difundir conhecimento: o que, afinal, damos a conhecer?


'Barreiras psicológicas' impedem que mais pessoas atuem contra mudanças climáticas, diz pesquisador

Para psicólogo Per Espen Stoknes, medo e culpa ajudam a criar impedimentos emocionais à ação contra fenômeno; é preciso mudar narrativa: 'mudanças climáticas são oportunidade para cooperação global e para criar sociedade mais justa'
Akuppa John Wigham / Flickr CC

Como fazer as pessoas se preocuparem com as mudanças climáticas?


Per Espen Stoknes, um psicólogo e economista norueguês, tem pensado muito sobre uma questão que tem inquietado climatologistas há anos: por que até agora os humanos têm falhado em lidar com a ameaça iminente das mudanças climáticas?

Esta pergunta é o foco de seu mais novo livro, What We Think About When We Try Not To Think About Global Warming [“O que pensamos quando tentamos não pensar sobre o aquecimento global”, em tradução livre], no qual ele analisa o que chama de cinco barreiras psicológicas que têm tornado difícil lidar realisticamente com a crise climática. Entre elas estão: a característica distante do problema (é longe no tempo e muitas vezes em outras partes do globo); os cenários apocalípticos e pessimistas sobre os impactos da mudança climática, o que faz com que as pessoas se sintam impotentes para fazer qualquer coisa; e as defesas psicológicas que as pessoas criam para evitar seu sentimento de culpa sobre sua própria contribuição às emissões de combustíveis fósseis.

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Na entrevista a seguir, Stoknes, que é cofundador de três empresas de energia limpa e ajuda a liderar o BI Centro de Estratégias do Clima da escola de comércio Norwegian Business School, falou sobre essas barreiras e sobre como a discussão sobre as mudanças climáticas precisa ser reformulada. "Precisamos de novos tipos de histórias", diz. "Histórias que nos contem como a natureza é resiliente e pode se recuperar e voltar a um estado mais saudável se lhe dermos uma chance para isso."
Leia a íntegra da entrevista a seguir.

Cientistas e jornalistas têm nos alertado há anos sobre as mudanças climáticas. Mas você diz que a mensagem não está sendo recebida. Por que não?
Meu livro começa com o que chamo de paradoxo psicológico sobre o clima. Pesquisas de longa duração mostram que as pessoas estavam mais preocupadas com as mudanças climáticas nas democracias saudáveis há 25 anos do que estão hoje. Então, quanto mais ciência, quanto mais avaliações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) temos, quanto mais as evidências se acumulem, menos preocupado o público está. Para uma mente racional, isso é um completo mistério.
 
Você está sugerindo que, na verdade, o impacto inicial das notícias sobre as mudanças climáticas mexeram um pouco o medidor, mas depois do alerta inicial esse medidor voltou à posição inicial, e as pessoas voltaram a não se preocupar?
Com certeza. No fim da década de 1980, isso era um novo temor, não tínhamos ouvido muito sobre isso antes. [O cientista] Jim Hansen realmente deu um furo no noticiário internacional em 1988... Naquele ponto, houve uma onda de conscientização ambiental. A Terra começou a parecer frágil de uma nova forma. Mas com as notícias divulgadas por mais tempo, começamos a nos habituar a elas. E quando começou a ficar claro que o nosso próprio estilo de vida era responsável por essas novas ameaças, então diversas barreiras psicológicas começaram a surgir e a criar um ciclo de negação.
 
Por que você escreveu esse livro? 
Aos poucos, tornou-se claro que chegou a hora em que precisamos mudar nosso discurso sobre o sistema climático para falar sobre a resposta das pessoas às ciências climáticas.  Como é possível que nos comportemos de maneira tão autodestrutiva que, de forma aparentemente inevitável, estamos levando o planeta para além do limite de 2 graus [Celsius] que os cientistas propuseram [para evitar mudanças climáticas perigosas]?

Os climatologistas têm tentado nos educar sobre isso por tanto tempo que estão frustrados e exaustos. Alguns se tornaram cínicos, dizendo que parece que os humanos estão fadados à autodestruição, que talvez nossos genes não sejam bem equipados para lidar com problemas de longo prazo. Parece que preferimos comer o bolo inteiro hoje sem nos importar com as próximas décadas.
 
Há alguma forma de contornar essa inabilidade em pensar em longo prazo?
A pergunta que me impulsiona e que alimenta a minha pesquisa é: será que a humanidade está à altura da tarefa, ou somos inevitavelmente seres que pensam em curto prazo? Ou, para dizer de forma mais construtiva, quais são as condições sob as quais os humanos começarão a pensar e agir levando em consideração o longo prazo em relação ao clima? É possível identificar os mecanismos ou as funções da psique humana que nos permitiria agir em longo prazo? E, se sim, quais são esses e como eles podem ser fortalecidos?
 
A rejeição às ciências climáticas é um fenômeno global?
Precisamos esclarecer que isso é um fenômeno cultural. Porque em países como Tailândia e Filipinas, ou na América Latina e em países do sul da Europa, a preocupação sobre as mudanças climáticas é bem grande. Portanto, é uma questão que envolve, em particular, pessoas de democracias ricas. É muito mais difícil para alguém em Bangladesh, que é fortemente vulnerável, que vive numa região costeira, dizer que a elevação do nível do mar não está acontecendo, porque estão realmente vivendo isso. Se uma seca destrói as plantações de um fazendeiro ou uma monção falha, significa miséria. Mas aqui [nos Estados Unidos e na Europa Ocidental], sempre podemos ir a uma loja e comprar coisas produzidas em algum outro lugar, pois temos o dinheiro para distanciar-nos do impacto imediato das rupturas climáticas.
É muito mais difícil permitir que a psicologia cultural interfira quando você está face a face com uma monção que não veio ou com uma seca e toda a sua lavoura foi perdida.
 
Por que é tão difícil para as pessoas no mundo desenvolvido aceitarem as mudanças climáticas?
Há cinco barreiras psicológicas principais: distância, cenário apocalíptico, dissonância, negação e identidade. O livro é sobre isso. E o motivo pelo qual a comunicação das ciências climáticas é tão complicada é que ela desencadeia essas barreiras uma após a outra.

A primeira barreira é a distância. Se você olhar nos relatórios do IPPC ou de outros grupos, eles estão usando gráficos que mapeiam variáveis diferentes que tipicamente terminam no ano 2100. Então você posiciona os fatos de forma a criar uma distância psicológica, é tão longe no tempo futuro que parece menos importante, e o senso de urgência diminui. Ou seja, quando foi a última vez que você tomou uma decisão para o próximo século?

As pessoas acham que isso é bem longe: não é aqui e agora, também é lá em cima no Ártico ou na Antártida, afeta outras pessoas, não a mim, eu estarei velho antes disso acontecer de verdade, outras pessoas são responsáveis, não eu. Distanciamo-nos disso de tantas formas que os fatos puros não são suficientes para gerar uma sensação de risco corroborada.

Outro fator que desencoraja as pessoas a lidar com as mudanças climáticas é o fato que muitas vezes ela é apresentada como um cenário pessimista e apocalíptico. Estudos mostram que mais de 80% das reportagens relacionadas aos relatórios de avaliação do IPPC abordam inicialmente o retrato catastrófico. Apenas 2% usaram o que chamo de perspectiva de oportunidade.

O que sabemos a partir de estudos na psicologia é que se você usar excessivamente imagens que induzem ao medo, você provocará nas pessoas medo e culpa, e isso faz com que elas se tornem mais passivas, o que contraria o engajamento. Isto também inclui a criatividade. Se você dá às pessoas uma mensagem que induz medo ou culpa e então pede que resolvam um problema que requer pensamento criativo, há uma redução estatisticamente significante na quantidade de criatividade que as pessoas conseguem apresentar para formular as soluções.

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Takver / Flickr CC

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Outra barreira que você cita é a dissonância. O que você quer dizer com isso? 
A dissonância é aquele desconforto interno quando me sinto um hipócrita, quando o meu conhecimento sobre a mudança climática não combina com as minhas ações para parar isso. Sabemos que o nosso uso de combustíveis fósseis contribui para o aquecimento global, ainda assim continuamos dirigindo, voando, comendo carne ou usando aquecimento a partir de combustíveis fósseis; então, configura-se dissonância.

Psicólogos descobriram que as pessoas são bem criativas no que se refere a encontrar formas de aliviar essa tensão entre pensamentos e atos. Uma estratégia para lidar com isso pode ser dizer: "Bom, eu não emito muito carbono pessoalmente, são os chineses, as corporações, ou outra pessoa. É o meu vizinho com seu carrão, ou meu amigo que voa mais do que eu". Outra estratégia é duvidar. Então dizemos que realmente não é certo que o dióxido de carbono cause aquecimento global. Ou alguns físicos dizem que é a atividade solar.

Podemos entender porque a indústria dos combustíveis fósseis pode ter um interesse econômico em espalhar essas ideias, mas por que as pessoas querem acreditar nessa informação falsa? Se eu puder acreditar naqueles que duvidam, então minha dissonância some. Eu não preciso me sentir mal comigo mesmo.
 
É aí que entra a negação? 
Sim. O próximo nível é a negação completa, quando negamos, ignoramos ou evitamos conhecer os fatos inquietantes sobre as mudanças climáticas. A palavra "negação" talvez tenha sido usada demasiadamente de forma pejorativa contra o outro lado que é [retratado como] imoral, ou ignorante, ou o inimigo. Mas a negação psicológica é um processo que todos temos e usamos. É uma maneira de nos defender.

Aqueles que rejeitam as mudanças climáticas estão se vingando daqueles que criticam seu estilo de vida e querem dizer como outras pessoas devem viver. Quando [os políticos norte-americanos] Ted Cruz ou Marco Rubio falam sobre mudanças climáticas, eles não são necessariamente estúpidos ou ignorantes ou imorais, mas estão reforçando um contrato social que diz que isso é um problema que não devemos levar a sério.

Isso está conectado ao nosso senso de identidade. Cada pessoa tem um senso de identidade baseado em certos valores: um lado profissional, um político, um nacional. Nós naturalmente procuramos informações que confirmem nossos valores e noções já existentes, e filtramos tudo o que as desafiam.
Psicólogos sabem que se você critica uma pessoa para tentar mudá-la, provavelmente apenas reforçará sua resistência. Isso foi empiricamente demonstrado pelo professor de Direito e Psicologia Dan Kahan em Yale, que descobriu que, quanto mais os ideólogos conservadores conhecem sobre ciência, mais são capazes de errar sobre mudança climática. Usam tudo o que sabem sobre ciência para criticar as ciências climáticas e defender seus valores.

Quais são então as suas recomendações em termos de como reformular a discussão sobre mudanças climáticas para que ela alcance mais pessoas?
Precisamos de novos tipos de histórias, histórias que nos contem como a natureza é resiliente e pode se recuperar e voltar a um estado mais saudável se lhe dermos uma chance para isso. Precisamos de histórias que nos contam que podemos colaborar com a natureza, que podemos, como o Papa Francisco tem incitado, nos tornar guardiões e parceiros do mundo natural ao invés de dominadores dele. Precisamos de histórias sobre um novo tipo de felicidade que não seja baseada no consumo material.

Como temos uma compreensão muito boa dessas barreiras, esse é um bom lugar para começar. Precisamos derrubar as barreiras para que elas se tornem estratégias bem sucedidas. Em vez de algo distante, os comunicadores precisam fazer com que as mudanças climáticas sejam sentidas como algo perto, pessoal e urgente. Em vez do apocalipse inevitável, precisamos enfatizar as oportunidades que a crise nos oferece.

As mudanças climáticas são uma oportunidade para o desenvolvimento econômico; um sistema energético inteiro precisa ser redesenhado a partir do desperdício do século anterior para um modo muito mais inteligente de fazer as coisas. É uma grande oportunidade para melhorar a colaboração global e o compartilhamento de conhecimento e criar uma sociedade mais justa. Portanto, as mudanças climáticas são uma oportunidade fantástica para encorajar o surgimento da nossa humanidade global. Precisamos falar sobre isso.

Tradução: Jessica Grant
Entrevista original publicada no site Yale Environment 360.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Conteúdos, acesso, personalização...

O fim da televisão como a conhecemos

A TV virará apenas uma tela de conforto, simples extensão das grandes empresas americanas da web, que detêm cada vez mais informações sobre seus usuários.

 lollopins / Flickr

 


Ignacio Ramonet*
Publicado no Boletim Carta Maior
 


A televisão continua mudando rapidamente. Essencialmente, pelas novas práticas de acesso aos conteúdos audiovisuais que observamos sobretudo entre as gerações jovens. Todos os estudos realizados sobre as novas práticas de uso da televisão nos EUA e na Europa indicam uma mudança acelerada. Os jovens telespectadores passam do consumo “linear” da TV para um consumo de programas gravados e “à la carte” em uma “segunda tela” (computador, tablet, smartphone). De receptores passivos, os cidadãos estão passando a ser, mediante o uso massivo das redes sociais, “produtores-difusores”, ou produtores-consumidores (prosumers).
lollopins / Flickr
Nos primeiros anos da televisão, o comportamento tradicional do telespectador era olhar os programas diretamente na tela de seu televisor da sala, mantendo-se frequentemente fiel a um mesmo (e quase único) canal. Com o tempo, tudo isso mudou. E chegou a era digital. Na televisão analógica, já não cabiam mais canais e não existia a possibilidade física para acrescentar novos, pois um bloco de frequência de seis mega-hertz equivale a um só sinal, um só canal. Mas, com a digitalização, o espectro radioelétrico se fraciona e se otimiza. A cada frequência de 6 MHz, em vez de um só canal, podem-se transmitir até seis ou oito canais, e dessa forma se multiplica a quantidade de canais. Onde antes havia sete, oito ou dez canais agora existem cinquenta, sessenta, setenta ou centenas de canais digitais...

Essa explosão do número de canais disponíveis, particularmente por cabo e satélite, tornou obsoleta a fidelidade do telespectador a um canal de preferência e suprimiu a linearidade. Como consequência, abandonou-se a fórmula do menu único para consumir pratos à la carte, simplesmente zapeando com o controle remoto entre a multiplicidade de canais.

A invenção da web – há 25 anos – favoreceu o desenvolvimento da internet e o surgimento do que chamamos de “sociedade conectada” mediante todo tipo de links, desde o correio eletrônico até as diferentes redes sociais (Facebook, Twitter, etc.) e mensagens de texto e imagem (WhatsApp, Instagram etc.). A multiplicação das novas telas, agora nômades (computadores portáteis, tablets, smartphones) mudou totalmente as regras do jogo.

A televisão está deixando de ser progressivamente uma ferramenta de massas para se transformar em um meio de comunicação consumido individualmente através de diversas plataformas, de forma posterior e personalizada.

Essa forma de ver programas gravados se alimenta em particular dos sites de replay dos próprios canais de televisão, que permitem, via internet, um acesso não linear aos programas. Estamos presenciando o surgimento de um público que conhece os programas e as emissões, mas não conhece obrigatoriamente a grade de programação e nem sequer o canal de difusão ao qual esses programas originalmente pertencem.

A essa oferta, já muito abundante, se somam agora os canais online da Galáxia da Internet. Por exemplo, as dezenas de canais difundidos pelo YouTube, ou os sites de vídeos alugados sob demanda. Até o ponto de já não sabermos sequer  o que significa a palavra “televisão”. Reed Hastings, diretor da Netflix, o gigante norte-americano de vídeos online (com mais de 50 milhões de assinantes), declarou recentemente que “a televisão linear terá desaparecido em vinte anos porque todos os programas estarão disponíveis na internet”. É possível, mas não é certo.

Os próprios televisores também estão desaparecendo. Nos aviões da companhia aérea American Airlines, por exemplo, os passageiros da classe executiva já não dispõem de telas de televisão, nem individuais nem coletivas. Agora, cada passageiro recebe um tablet para que ele mesmo faça seu próprio programa e se instale com o dispositivo da forma como achar melhor (encostado, por exemplo). Na Norvegian Air Shuttle, se vai ainda mais longe. Não existem telas de televisão no avião, nem tampouco entregam tablets, mas o avião tem internet wifi e a empresa parte do princípio que cada passageiro leva uma tela (um computador portátil, ou tablet, ou smartphone) e que basta com que se conecte ao site da Norvegian para ver filmes, séries, programas de TV ou ler jornais (que já não são mais partilhados...).

Jeffrey Cole, professor norte-americano da UCLA, especialista em internet e redes sociais, confirma que a televisão será vista cada vez mais pela Rede. “Na sociedade conectada, a televisão sobreviverá, mas diminuirá seu protagonismo social, ao passo que as indústrias cinematográfica e musical poderiam se desvanecer”, diz.

No entanto, Jeffrey Cole é muito mais otimista do que o diretor da Netflix pois afirma que, nos próximos anos, a média de tempo dedicada à televisão passará de entre 16 a 18 horas semanais atualmente para até 60 horas, dado que a televisão, segundo Cole, “vai saindo das casas” e poderá ser vista “a todo momento” graças a qualquer dispositivo com tela, apenas se conectando à internet ou mediante a nova telefonia 5G.

Também é preciso contar com a competência das redes sociais. Segundo o último relatório do Facebook, quase 30% dos adultos norte-americanos se informam por meio do Facebook e 20% do tráfego das notícias provêm dessa rede social. Mark Zuckerberg afirmou há alguns dias que o futuro do Facebook será em vídeo: “Há cinco anos, a maior parte do conteúdo do Facebook era texto. Agora, evolui para o vídeo porque é cada vez mais fácil gravar e compartilhar”.

Por sua vez, o Twitter também está mudando de estratégia: está passando do texto ao vídeo. Em um recente encontro com os analistas de Wall Street, Dick Costolo, conselheiro do Twitter, revelou os planos do futuro próximo dessa rede social: “2015 será o ano do vídeo no Twitter”. Para os usuários mais antigos, isso tem o sabor de traição. Mas, segundo Costolo, o texto, sua essência, os célebres 140 caracteres iniciais, está perdendo importância. E o Twitter quer ser o ganhador na guerra do vídeo dos telefones portáteis.

Segundo os planos da direção do Twitter, podem-se subir vídeos do smartphone para a rede social a partir de agora, início de 2015. Passará dos escassos seis segundos atuais (possibilitados pelo aplicativo Vine) até acrescentar um vídeo tão logo quanto possível diretamente na mensagem.

O Google também quer agora difundir conteúdos visuais destinados a sua gigantesca clientela de mais de 1,3 bilhões de usuários que consomem cerca de seis bilhões de horas de vídeo por mês... Por isso, comprou o YouTube. Com mais de 130 milhões de visitantes únicos por mês nos Estados Unidos, o YouTube tem uma audiência superior à do Yahoo!. Nos EUA, os 25 principais canais online do YouTube têm mais de um milhão de visitantes únicos por semana. O YouTube capta mais jovens entre 18 e 34 anos do que qualquer outro canal norte-americano de televisão a cabo.

A aposta do Google é que o vídeo na internet vai pouco a pouco acabar com a televisão. John Farrell, diretor do YouTube na América do Sul, prevê que 75% dos conteúdos audiovisuais serão consumidos via internet em 2020.

No Canadá, por exemplo, o vídeo na internet já está a ponto de substituir a televisão como meio de consumo massivo. Segundo um estudo do instituto de pesquisa Ipsos Reid and M Consulting, “80% dos canadenses reconhecem que, cada vez mais, veem mais vídeos online na rede”, o que significa que, com tal massa crítica (80%!), aproxima-se o momento em que os canadenses verão mais vídeos e programas online do que na televisão.

Todas essas mudanças são percebidas claramente não apenas nos países ricos e desenvolvidos. Também são vistas na América Latina. Por exemplo, os resultados de um estudo realizado pela pesquisadora mexicana Ana Cristina Covarrubias (diretora da empresa Pulso Mercadológico) confirmam que a rede e o ciberespaço estão mudando aceleradamente os modelos de uso dos meios de comunicação no México – em particular, da televisão. A pesquisa trata exclusivamente dos habitantes do Distrito Federal do México e abrange grupos precisos da população: 1) jovens de 15 a 19 anos; 2) a geração anterior, pais de família entre 35 e 55 anos de idade com filhos de 15 a 19 anos. Os resultados revelam as seguintes tendências: 1) tanto no grupo dos jovens como na geração anterior, as novas tecnologias penetraram em grandes proporções: 77% possuem telefone móvel, 74% possuem computador e 21%, tablet, e 80% têm acesso à internet. 2) O uso da televisão aberta e gratuita está caindo e se situa apenas em 69%, ao passo que o da televisão paga está subindo e já alcança os 50%. 3) Por outro lado, aproximadamente a metade dos jovens que assistem televisão (29%) usam o televisor como tela para ver filmes que não estão na programação de TV: assistem DVD/Blu-ray ou Internet/Netflix. 4) O tempo de uso diário do telefone móvel é o mais alto de todos os aparelhos digitais de comunicação. O celular registra 3 horas e 45 minutos. O computador tem um tempo de uso diário de 2 horas e 16 minutos, e o tablet de 1 hora e 25 minutos; e a televisão de apenas 2 horas e 17 minutos. 5) O tempo de visita a redes sociais é de 138 minutos diários para Facebook e 137 para WhatsApp; para a televisão, é de apenas 133 minutos. Se somarmos todos os tempos de visitas a redes sociais, o tempo de exposição diária à internet é de 480 minutos, o equivalente a 8 horas diárias, ao passo que o da televisão é de apenas 133 minutos, equivalentes a 2 horas e 13 minutos. A tendência indica claramente que o tempo dedicado à televisão foi rebaixado amplamente pelo tempo dedicado às redes sociais.

A era digital e a sociedade conectada já são, portanto, realidades para vários grupos sociais na Cidade do México. E uma de suas principais consequências é o declínio da atração pela televisão, especialmente a de sinal aberto, como resultados do acesso aos novos formatos de comunicação e aos conteúdos oferecidos pelos meios digitais. O grande monopólio do entretenimento que era a televisão aberta está deixando de sê-lo para ceder espaço aos meios digitais. Quando antes um cantor popular poderia ser visto por vários milhões de telespectadores (cerca de 20 milhões na Espanha) em um programa de sábado à noite, por exemplo, agora esse mesmo cantor precisa passar por 20 canais diferentes para ser visto por cerca de 1 milhão de telespectadores.

De agora em diante, o televisor estará cada vez mais conectado à internet (é o caso da França, para 47% dos jovens entre 15 e 24 anos). O televisor se reduz a uma mera tela grande de conforto, simples extensão da web que procura os programas no ciberespaço e na Cloud (“Nuvem”). Os únicos momentos massivos de audiência ao vivo, de “sincronização social” que continuam reunindo milhões de telespectadores, serão então os noticiários em caso de atualidade nacional ou internacional de caráter espetacular (eleições, catástrofes, atentados etc.), os grandes eventos esportivos ou as finais de jogos do tipo reality show.

Tudo isso não é apenas uma mudança tecnológica. Não é só uma técnica, a digital, que substitui a outra, a analógica, ou a internet que substitui a televisão. Isso tem implicações de muitas ordens. Algumas positivas: as redes sociais, por exemplo, favorecem o intercâmbio rápido de informação, ajudam a organização dos movimentos sociais, permitem a verificação da informação, como é o caso do WikiLeaks... não restam dúvidas de que os aspectos positivos são numerosos e importantes.

Mas também é preciso considerar que o fato de a internet estar tomando o poder nas comunicações de massas significa que as grandes empresas da Galáxia da Internet – ou seja, Google, Facebook, Facebook, YouTube, Twitter, Yahoo!, Apple, Amazon etc.–, todas elas norte-americanas (o que já constitui um problema em si mesmo...), estão dominando a informação planetária. Marshall McLuhan dizia que “o meio é a mensagem”, e a questão que se coloca agora é: qual é o meio? Quando vejo um programa de TV na web, qual é o meio? A televisão ou a internet? E, em função disso, qual é a mensagem?

Sobretudo, conforme revelou Edward Snowden e como afirma Julian Assange em seu novo livro “Quando Google encontrou o WikiLeaks”, todas essas megaempresas acumulam informações sobre cada um de nós a cada vez que utilizamos a rede. Informações que são comercializadas, vendidas a outras empresas. Ou também cedidas às agências de inteligência dos EUA, em particular a Agência Nacional de Segurança, a temida NSA. Não nos esqueçamos de que uma sociedade conectada é uma sociedade vigiada, e uma sociedade vigiada é uma sociedade controlada.

*jornalista espanhol. Presidente do Conselho de Administração e diretor de redação do “Le Monde Diplomatique” em espanhol. Editorial Nº: 231. Janeiro de 2015.
Tradução de Daniella Cambauva

Créditos da foto: lollopins / Flickr

sábado, 16 de junho de 2012

Quem é quem na luta pelo direito sobre cópias

Compartilhar livro é direito

Pablo Ortellado
Do GPopai

15/06/2012 - O fechamento do site Livros de Humanas, que indexava versões digitais de livros de humanidades para compartilhamento entre usuários, tem causado surpresa, indignação e controvérsia. Criado e mantido por estudantes universitários que não tinham meios econômicos para comprar livros, o site foi fechado após a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (que representa várias grandes editoras) ajuizar uma ação demandando a retirada dos livros e o pagamento de multa por supostos danos. Disputa judicial à parte, surpreendi-me com o fato de muitos colegas da comunidade acadêmica não estarem suficientemente esclarecidos sobre a profunda injustiça desta ação e não terem ainda notado a admirável coragem do jovem mantenedor do site em defender o seu projeto sob o risco de um grande ônus econômico.

Por isso, gostaria de listar, muito brevemente alguns fatos relevantes para se entender em toda a sua complexidade os conflitos entre o direito público de acesso às obras e o direito patrimonial de editoras e autores. Esses fatos foram levantados em diversos estudos realizados nos últimos anos pelo grupo de pesquisa que coordeno, o GPoPAI – Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação:

* Os estudantes não têm meios econômicos para comprar os livros. A afirmação é trivial e de fácil comprovação empírica. Qualquer estudante pode somar os preços de livros de leitura obrigatória das bibliografias de curso de todas as disciplinas no decorrer de um ano. Em pesquisa mais sistemática que realizamos em 2008, o custo em 10 diferentes cursos da minha unidade na USP variava entre R$ 3.344,75 e R$ 5.810,46. Para mais de 70% dos estudantes, esse valor era superior à renda mensal de toda a família.

* As bibliotecas não têm os meios econômicos para comprar os livros. Como os estudantes não têm nem remotamente os meios para comprar os livros necessários, poder-se-ia esperar que as bibliotecas o fizessem. Tomemos o exemplo acima, da minha unidade, apenas para fins de argumentação. Para simplificar o cálculo, podemos estimar um custo médio de aquisição anual de livros por aluno de 5 mil reais no varejo, ou de cerca de 3 mil reais no atacado (já que estamos falando de compras de grande escala). Supondo que os alunos pudessem comprar 30% dos livros, a aquisição dos 70% restante custaria à unidade 8,4 milhões de reais. Como nosso orçamento anual para a compra de livros é de cerca de 300 mil reais, a aquisição apenas dos livros de leitura obrigatória da graduação tomaria 28 longos anos de orçamento inteiramente dedicado – sem qualquer compra de livros de literatura complementar, de pesquisa ou de pós-graduação. Não preciso dizer que muito antes do final dos 28 anos, a literatura estaria completamente obsoleta.

* Um terço da base bibliográfica está esgotada. Levantamento em 36 instituições e 6 diferentes áreas do conhecimento que fizemos na pesquisa de 2008, assim como levantamentos posteriores que realizamos em diferentes bibliotecas da USP mostram recorrente e homogeneamente, em todas as áreas do conhecimento, que de 25 a 35% dos livros requeridos pelas disciplinas estão esgotados – e, portanto, não podem ser adquiridos no mercado. Como não podem ser comprados, esses livros só podem ser utilizados se fazemos deles cópias reprográficas ou digitais.

* A educação é um direito. O capítulo sobre limitações da nossa lei de direito autoral (9.610/1998) já prevê casos nos quais é permitido o uso de obras sem autorização e sem o pagamento de royalties para fins de interesse público. Os casos ali citados (art. 46) podem ser estendidos por analogia a outros, já que uma decisão recente do STJ considerou-os apenas exemplificativos. Além disso, o direito à educação (e os livros são meios essenciais para a educação) é um direito constitucional (art. 6).

* A repressão às fotocópias e ao compartilhamento é predominantemente extrajudicial. Como um estudo recente coordenado pela Universidade de Columbia mostrou, o combate à pirataria nas “economias emergentes” é predominantemente extrajudicial. Esse combate consiste no fechamento das inciativas “piratas” e no confisco de materiais sem que o mérito das acusações de violação de direito autoral seja julgado no judiciário. Como há enorme desproporção de recursos entre a indústria do direito autoral e os acusados, toda a questão é resolvida com a atividade repressiva e/ou com a ameaça de judicialização (que os pequenos não conseguem enfrentar). Isso permite que os detentores de direito imponham sua visão sobre o direito autoral, frequentemente de maneira abusiva, sem que o público ou os supostos “piratas” tenham condições de defesa. É exatamente essa situação assimétrica que o mantenedor do site está corajosa e pioneiramente enfrentando.