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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Jornalismo, posicionamento e informação: que pauta? quem pauta?

O manchetômetro e a imprensa partidária

Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa 

A Folha de S. Paulo acaba de descobrir que o racionamento de água que ocorre em São Paulo é racionamento mesmo, e não efeito colateral de obras de manutenção da rede. Essa constatação faz a manchete do jornal nesta sexta-feira (1/8): “Ação de SP na crise da água equivale a racionamento”.

No texto que se segue, o leitor fica sabendo que o racionamento que sofre na prática há um mês também é racionamento na teoria. O diário paulista só percebeu que o racionamento de fato é também um racionamento em termos técnicos quando alguns bares da Vila Madalena, região da boemia frequentada por jornalistas, tiveram que fechar por falta de água.

A nova interpretação da Folha para a crise de abastecimento chama atenção porque acontece ao mesmo tempo em que o jornal anuncia uma campanha para esclarecer aos leitores seu posicionamento diante de alguns temas tidos como importantes: casamento gay, pena de morte, cotas raciais, política econômica, aborto e legalização de drogas. A direção do jornal quer mostrar que, embora tenha posições claras sobre os assuntos, abre espaço para opiniões divergentes.

Essa mudança responde em parte a especulações feitas por protagonistas das redes sociais sobre a persistência da Folha de S. Paulo em pressionar o senador Aécio Neves (PSDB), candidato a presidente da República, a dar uma explicação para o caso do aeroporto privado feito em Minas Gerais com dinheiro público quando ele era governador do Estado.

Foi a Folha que revelou essa história, obrigando os outros jornais a seguirem a pauta, e o veículo que mais mantém o assunto em evidência. Com a insistência do jornal paulista, Aécio Neves finalmente admitiu que usou o aeroporto “algumas vezes” e, nesta quarta-feira, acusa a Agência Nacional de Aviação Civil de atrasar a homologação do campo de pouso, o que pode ter feito com que ele, “inadvertidamente”, usasse as instalações irregulares.

No mesmo dia, em editorial, a Folha exige mais explicações, acusa o ex-governador de haver privilegiado a cidade onde sua família possui terras, observa que a obra “no mínimo, é conveniente para ele e seus parentes” e conclui que a questão “não está mais que esclarecida”, como quis Aécio.

O Brasil da imprensa vai mal
Alguns leitores escrevem comentários dizendo que o jornal paulista se descola de seus concorrentes, que poupam quanto podem o candidato tucano. No entanto, é mais fácil explicar a aparente guinada da Folha em dois aspectos: o jornal sempre foi muito próximo do ex-governador José Serra, que, embora correligionário, não tem qualquer entusiasmo pela candidatura de Aécio Neves; a Folha, como os outros diários de circulação nacional, segue demonstrando seu partidarismo em favor do PSDB em outros aspectos, principalmente no que se refere aos problemas de São Paulo.

Se não fosse pela simples observação crítica que o leitor mais atento costuma fazer, o partidarismo dos principais diários do País vem sendo registrado por um grupo de pesquisadores da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Suas análises da valência das informações destacadas pela imprensa mostram uma dicotomia presente nas escolhas editoriais, que reforçam aspectos negativos ou positivos dos acontecimentos conforme os protagonistas.

O Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da UERJ demonstra, com seu “manchetômetro” (ver aqui), como os jornais blindaram Fernando Henrique Cardoso e expuseram Lula da Silva no passado recente, como tratam desigualmente o governo federal e o governo paulista, como as notícias sobre Aécio Neves são mais equilibradas do que o material referente à presidente Dilma Rousseff, bombardeada na proporção de 182 informes negativos para apenas 15 positivos, por exemplo, e como esse bombardeio se intensifica no período eleitoral.

Além disso, o noticiário econômico apresenta um resultado consolidado de mais de 90% de notícias negativas, numa linguagem dicotômica e com poucas nuances, “interpretando os fatos e dados econômicos como sinais de uma crise, ou em andamento, ou prestes a acontecer”.

Os gráficos da cobertura agregada dos três jornais, por exemplo, mostram que a economia teve em julho 97,6% de notícias negativas contra apenas 2,4% de notícias positivas.
Se o Brasil fosse o que mostra a imprensa, estaríamos todos mortos de fome.

Essa é uma das evidências de que a imprensa hegemônica rompeu com o jornalismo.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O paradoxo em que se assentou a velha [grande?] mídia

A mensagem insidiosa do catastrofismo

14/05/2014
Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa 

Na quarta-feira (14/5), a menos de um mês do início da Copa do Mundo, a imprensa oscila entre dois pontos contraditórios: num deles, parece apostar no recrudescimento de conflitos que poderiam colocar em risco o sucesso da festa internacional do futebol; no outro, precisa que a sociedade vista a camiseta da seleção nacional, para manter vivo o mito heroico do esporte e continuar faturando com a publicidade.

Exemplos desse movimento ambíguo podem ser vistos em fragmentos do noticiário econômico, na política e até mesmo no jornalismo cultural ou de entretenimento. Selecionamos, por exemplo, uma reportagem do Estado de S. Paulo, na qual se lê que a média dos salários nos doze meses até março subiu 8,2%, acima da inflação do período, que foi de 6%.

Trata-se de um paradoxo para a imprensa, mas de um resultado lógico para quem enxerga a política econômica com olhos curiosos, sem os antolhos do dogmatismo liberal. O desemprego segue abaixo da linha histórica, os salários nominais ganham da inflação, e isso compõe basicamente o atual modelo brasileiro, explicando por que a maioria do eleitorado teme uma mudança radical desse cenário.

Também no Estado, o leitor encontra nova atualização do indicador IED, de Investimento Estrangeiro Direto, onde se lê que, nos primeiros quatro meses do ano, foram realizadas 235 grandes fusões e aquisições no Brasil, média 21% superior à do mesmo período no ano passado. Não se trata de especulação, mas de dinheiro investido diretamente em produção. Por que será que o apetite de investidores estrangeiros por negócios no Brasil segue alto?

Na Folha de S. Paulo, destacamos uma entrevista com o economista francês Thomas Pikerty, autor do livro O Capital no século 21, a ser lançado até o final do ano em português. Sua obra, na versão em inglês, há quase dois meses entre os cem livros mais vendidos da Amazon, está em segundo lugar entre os best-sellers, atrás apenas de um romance para adolescentes. Suas ideias estão mudando a maneira de pensar a economia e a sociedade, e o núcleo de seus estudos coincide em grande parte com os preceitos da política econômica adotada pelo Brasil na última década.

O rock errou

Agora, imagine o leitor ou leitora dotados de senso crítico, como fica a cabeça do cidadão que toma as manchetes da imprensa como retrato fiel da situação do Brasil.

Não erra quem afirmar que o público típico da mídia tradicional acredita que o país está afundando, embora a realidade mostre que a circunstância atual é melhor para a maioria, aqueles que vivem do seu trabalho, embora ainda restem muitos problemas estruturais a serem resolvidos.

Como disse a empresária Luiza Helena Trajano, dona do Magazine Luiza, há cerca de dois meses, durante debate num programa de televisão, não se trata apenas de olhar o copo “meio vazio” ou “meio cheio”: trata-se apenas de enxergar ou não enxergar aquilo que está diante do nariz.

Com todas as turbulências a que estão submetidas as economias nacionais no contexto global dos negócios, a situação do Brasil não pode ser descrita como catastrófica, como fazem supor as manchetes. A realidade está bem escondida em reportagens que nunca vão para a primeira página, como as que citamos há pouco.

E por que razão os jornais demonstram diariamente essa opção preferencial pelo catastrofismo, se, afinal, um estado de espírito derrotista prejudica até mesmo os negócios das empresas de mídia? Porque os editores sabem que os fundamentos da economia são apenas parcialmente afetados pelo noticiário: os grandes investidores não costumam tomar decisões por notícia de jornal.

O interesse do noticiário negativo é o de influenciar o cidadão comum, o eleitor, e fazer com que ele manifeste nas urnas um desejo de mudança que foi insuflado diariamente pela imprensa. Simples assim.

Nesse jogo, entra até mesmo a produção cultural e de entretenimento. Veja-se, por exemplo, a extensa reportagem do Globo sobre a volta à cena da banda de rock Titãs, com chamada na primeira página sob o título “Um retrato pesado do Brasil”. Na entrevista do lançamento de um novo disco, o guitarrista e compositor Tony Bellotto repete o refrão e afirma (com o perdão pela expressão): “É uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”.

Ora, o Brasil de hoje é muito melhor do que há 30 anos, mas na sua ignorância ruidosa, o roqueiro faz coro ao discurso da imprensa, que procura incutir no brasileiro um sentimento de automenosprezo.
Funciona assim.