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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Por que a não-regulação da mídia é censura: um caso recente

'NOVO JORNAL’

Verdades inconvenientes

Por Ângela Carrato em 03/02/2015 na edição 836
  
Há pouco mais de um ano, no dia 20 de janeiro de 2014, o site de notícias NovoJornal era tirado do ar e seu proprietário, Marco Aurélio Carone, preso. Não era a primeira vez que o site enfrentava problemas com os poderosos em Minas Gerais. Quatro anos antes, 12 integrantes da Polícia Militar, fortemente armados, comandados pelo coronel Praxedes e liderados pela promotora Vanessa Fusco, tendo em mãos um mandado de busca e apreensão, “visitaram” sua redação.

Entraram, vasculharam tudo e levaram todo o equipamento. Coincidentemente, poucas horas depois o site era tirado do ar. Quem o acessasse encontrava apenas um letreiro avisando que a publicação havia sido retirada do ar por ordem da Divisão contra Crimes Cibernéticos da Polícia Civil de Minas Gerais e que ações daquele tipo eram “muito comuns nos Estados Unidos”.

Na redação, a polícia encontrou apenas o jornalista Geraldo Elísio, editorialista e um dos cinco profissionais que atuavam no site. Uma semana após aquele “empastelamento”, o NovoJornal voltava ao ar, postado de um provedor sediado exatamente nos Estados Unidos. Outra adequação providenciada por seu proprietário, além de comprar novos equipamentos, foi alojar o servidor em uma sala com paredes reforçadas.

Já naquela época, o NovoJornal era sucesso de público. Enquanto toda a mídia impressa em Belo Horizonte não atingia 80 mil exemplares/dia, os acessos ao NovoJornal ultrapassavam os 400 mil/dia e não paravam de crescer. Pouco antes de seu “empastelamento” final, a publicação atingia picos recordes impensáveis pela imprensa mineira, chegando a um milhão de acessos/dia. Nesta operação, o site do jornal perdeu o br e passou a usar o pontocom, que significa domínio internacional.


Equipamentos destruídos

O sucesso de público explicava-se. O NovoJornal era o único em Minas a destoar do coro dos contentes. Enquanto em todos os demais se liam apenas matérias elogiosas e exaltando os feitos dos governos tucanos, o site publicava, quase diariamente, denúncias sobre os desmandos que aconteciam no estado. Entre outros assuntos, eram destaque a falta de licitação para contratação de obras por parte do governo mineiro, os privilégios para os “amigos” do então governador Aécio Neves, a prisão do delator do mensalão tucano Nilton Monteiro, documentos inéditos envolvendo o mensalão tucano, a relação completa dos 153 políticos beneficiados pela Lista de Furnas, irregularidades na construção da nova sede do governo mineiro, apelidada de “Aeciolândia”, além de denúncias sobre o contrabando de nióbio e a máfia do tráfico de órgãos, com sede na cidade mineira de Poços de Caldas.
Além destas denúncias, o site inovou ao anexar, ao final de cada reportagem, documentos que comprovavam o que estava sendo publicado. Outra inovação, digna de registro, é que além do espaço para os internautas se manifestarem, o NovoJornal publicava também, no final de cada matéria, que “o espaço estava aberto para a resposta de todo aquele que se sentisse prejudicado”. O espaço foi utilizado uma única vez, pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Entretanto, a emenda ficou pior do que o soneto. A nota da empresa, sem querer, acabou confirmando os fatos denunciados.
Apesar do recorde de público, o NovoJornal – que chegou a ter alguns anunciantes de peso devido à parceria feita com o Google – viu sua receita publicitária minguar. Os atrasos de pagamentos se tornaram frequentes, como igualmente frequentes passaram a ser as “visitas” de emissários de políticos tucanos propondo “acertos” e “negociações” para que Carone “baixasse” o tom das críticas. Cabeça dura, como o próprio Carone se define, ele não cedeu, mesmo ciente dos rumores de que “as coisas poderiam piorar” com a proximidade do ano eleitoral.

O que Carone não poderia imaginar é que ficaria preso nove meses, na maior parte do tempo incomunicável, em uma penitenciária de segurança máxima, em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte. Em geral, as prisões preventivas, como no caso dele, não ultrapassam 90 dias e, se a pessoa apresenta problema de saúde, o cárcere pode ser substituído por prisão domiciliar. Mesmo sendo diabético, hipertenso e tendo sofrido um enfarte, que o levou à cadeira de rodas, permaneceu na prisão. Do lado de fora, seus familiares, em especial sua filha Cristina e seu netinho, sofriam todo tipo de pressão, humilhação e ameaças, com o apartamento em que moram sendo revistado diversas vezes.

No mesmo dia em que Carone foi preso, os equipamentos na sede do NovoJornal foram destruídos e o jornalista Geraldo Elísio, que há sete meses não trabalhava mais lá, teve seu apartamento revistado e seus equipamentos pessoais – notebook, HD externo, pen drive e cadernetas de telefones – igualmente apreendidos.


Ângulo desfavorável

A acusação contra Carone não poderia ser mais absurda. Ele era apontado como “suposto integrante de uma quadrilha” que teria Nilton Monteiro, o denunciante do mensalão tucano, como chefe. Sua parte no esquema seria “forjar e divulgar documentos falsos contra autoridades mineiras”. Já o jornalista Geraldo Elísio foi acusado de ser “braço direito” da organização criminosa. O curioso neste processo é que boa parte dos documentos divulgados por Carone foram os mesmos utilizados pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot para pedir pena de prisão de 22 anos para o ex-governador Eduardo Azeredo, em cuja campanha para a reeleição, em 1998, teve lugar o chamando mensalão tucano. Mais curioso ainda é que, após nove meses de prisão e pouco depois do segundo turno das eleições presidenciais, Carone foi solto por “absoluta falta de provas” que o incriminassem. No mesmo dia, Nilton Monteiro também ganhava a liberdade.

A esmagadora maioria da população mineira desconhece esses fatos. Não ficou sabendo dos “empastelamentos” do NovoJornal e se ouviu falar sobre a prisão de Carone provavelmente o liga a alguém que falsificava documentos. O desconhecimento se justifica. Em momento algum a imprensa mineira publicou uma nota, sequer, sobre a presença da polícia na sede do jornal e sua retirada do ar. Quando da prisão de Carone, ele foi apresentado como um “criminoso comum, que estaria chantageando autoridades”. Muitas das matérias sobre o assunto foram acompanhadas de fotos dele, tiradas de um ângulo que o mostravam com uma fisionomia quase assustadora, por ser uma pessoa alta, gorda, usar barba e estar muito tenso.


Direito de resposta não é praxe

Na época da prisão, Geraldo Elísio, que durante mais de três décadas atuou na imprensa mineira e tem um Prêmio Esso Regional de Jornalismo defendendo os direitos humanos, procurou colegas e dirigentes das publicações locais para solicitar direito de resposta. De uns, ouviu que “direito de resposta não era praxe”. De outros, o colega ficou de redigir o texto e solicitar aprovação da direção, que não aconteceu. No jornal Estado de Minas, onde havia trabalhado por décadas, sequer conseguiu falar com alguém da diretoria ou da redação.

Ao ser acusado de “braço direito” da suposta quadrilha, ele procurou a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e, em audiência pública, encaminhou ao Ministério Público, com as assinaturas do presidente da Comissão, deputado Durval Ângelo (PT) e do vice-líder do governo naquela Casa, Duarte Bechir (PSDB), um oferecimento espontâneo da quebra dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. O que jamais foi feito, embora o jornalista mantenha esta oferta estendendo-a inclusive a qualquer órgão de imprensa do país que se interessar pelo assunto. Detalhe: Geraldo Elísio é aposentado pelo INSS.

Enquanto isso, os jornais mineiros continuavam publicando apenas a versão oficial e várias rádios aproveitavam a oportunidade para aumentar a audiência de seus programas policialescos. Foram sites como Conversa Afiada, CGN, Viomundo [e este Observatório] e as redes sociais os únicos a noticiarem o “empastelamento” final do NovoJornal e denunciarem a prisão de seu proprietário. Foram, sobretudo, as redes sociais que, ao longo de nove meses, cobraram a soltura de Carone e explicações sobre o arbítrio que cercou sua prisão.

Em sua página no Facebook, o jornalista Geraldo Elísio cobrou das autoridades mineiras, diariamente, explicações sobre o episódio, além de indagar as razões pelas quais não aceitavam a quebra de seus sigilos. Eu mesma fui uma das poucas pessoas que, durante este período, em minha página do Facebook, igualmente cobrei explicações das autoridades. Em alguns momentos, recebi de colegas jornalistas comentários estranhando as minhas postagens. “Você tem certeza que isto está acontecendo?”, argumentavam alguns, lembrando que não tinham visto nada daquilo na mídia.


Autoridades devem explicações

Pois é. Não deu na mídia, mas aconteceu! Claro que as autoridades mineiras devem – e muitas – explicações sobre o que fizeram. Se nada foi encontrado que incriminasse Carone e o NovoJornal, a publicação pode voltar ao ar e ele, no mínimo, deve ser indenizado. Não sei quais são os planos futuros deste empresário, pois nem sua saída da cadeia foi noticiada pela mídia. Novamente a notícia circulou apenas através das redes sociais e pude comprovar o fato por intermédio de pessoas próximas a ele. Pessoas que lembram que ele está arrasado.

Para nós, jornalistas e pesquisadores sobre jornalismo e mídia, a questão está longe de ter um ponto final. Ela demanda e continuará demandando uma profunda reflexão sobre o que aconteceu. Reflexão que envolve muito mais do que a denúncia de um ato autoritário, de arbítrio e de censura contra uma publicação e seu proprietário. Há inúmeras perguntas que precisam ser respondidas.

Se a maioria da população realmente não sabia do que aconteceu com o NovoJornal e com seu proprietário, o mesmo não pode ser dito dos jornalistas mineiros e dos veículos locais. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG) foi informado, no mesmo dia, sobre o que havia ocorrido. A então presidente da entidade, Eneida Costa, convocou uma reunião da diretoria para tratar do assunto, mas não conseguiu que fosse aprovada uma posição unânime. Vários integrantes da diretoria alegaram que por Carone ser publicitário e não jornalista, o fato não dizia respeito à entidade! Mais ainda: não faltou quem lembrasse dele apenas como “mau patrão”, pois em algumas oportunidades tinha deixado de pagar jornalistas que com ele trabalharam.

Eneida Costa acabou divulgando, em caráter pessoal, uma nota de repúdio no que diz respeito à busca e apreensão dos equipamentos do jornalista Geraldo Elísio que, aliás, até agora, não foram devolvidos, sem contar que, quando da apreensão, não foram feitos os devidos back up, bit a bit, como determina a lei e, mais, grave, não foi deixado com ele nenhum documento, o que pode dar oportunidade às autoridades policiais alegar não ter existido o problema. Mas, por outro lado, tendo o jornalista denunciado o fato à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e deposto perante um delegado e um juiz de direito da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte, o caso ficou documentado.


Volta aos “anos de chumbo”

Ao contrário do Sindicado dos Jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgou uma dura nota de repúdio ao fato, mantendo sua tradição de não compactuar com nenhum tipo de autoritarismo e arbítrio. Já as seções mineiras da Ordem dos Advogados do Brasil, do Instituto dos Arquitetos do Brasil e da Cúria Metropolitana primaram pelo silêncio, contrariando suas histórias.
A própria Eneida Costa, em entrevista ao blog CGN, confirmou que episódios como o do aeroporto de Cláudio, construído irregularmente e com dinheiro público nas terras de um parente do ex-governador Aécio Neves, eram de conhecimento dos jornalistas mineiros, apesar de a denúncia ter sido publicada, pela primeira vez, pela Folha de S.Paulo, e do assunto não ser mencionado por nenhuma publicação local. A revista CartaCapital, em pelo menos três oportunidades, publicou reportagens na mesma linha das colocadas no ar pelo NovoJornal, envolvendo o mensalão tucano, a Lista de Furnas e tráfico de órgãos. E não consta que seu proprietário ou que os repórteres que as assinaram tenham sofrido quaisquer constrangimentos.

Em outras palavras, não é razoável aceitar que a maioria dos jornalistas mineiros não sabia o que estava acontecendo, envolvendo as denúncias sobre desmandos e irregularidades cometidas pelos tucanos. Isto sem falar sobre a inversão de valores, como o fato de autoridades – que tinham por obrigação apurar as denúncias que estavam sendo publicadas – trataram de prender, a mando dos poderosos de plantão, quem as publicava, atingindo duramente um dos pressupostos da própria democracia: a liberdade de expressão e de imprensa. Em outras palavras, ao agirem assim, fizeram com que Minas Gerais retornasse aos “anos de chumbo”, apesar de o país viver em plena democracia.
A pergunta que fica é: por que quase todos se calaram? Por que Minas Gerais, “cujo outro nome é liberdade”, compactuou com este absurdo? Várias hipóteses podem ser levantadas. O senso crítico se forma através da divulgação feita pela mídia. Se ela silenciou sobre estes assuntos, natural que muitos não tivessem conhecimento. Outra razão: interessados em objetivos escusos obviamente atuaram para que o silêncio permanecesse. Silêncio que só foi quebrado após as eleições e, mesmo assim, sem a participação da mídia e da maior parte dos jornalistas mineiros.


Medo ancestral

E por que isto ocorreu? Por razões inconfessáveis? Por medo? Se foi por medo, qual a origem dele? Para alguns estudiosos, o medo generalizado dos mineiros é enorme e tem razões ancestrais. É possível localizar seu DNA ao tempo do Brasil colônia, quando a região era explorada pelas potências europeias de então. A população assistiu aterrorizada às mortes e perseguições envolvendo os integrantes da sedição de Vila Rica (Felipe dos Santos) e da Inconfidência Mineira (Tiradentes) e esse medo, séculos depois, ainda persistiria. Razão pela qual ao questionarem o receio que dava origem a um silêncio incômodo, ingleses ligados à exploração mineral indagavam aos nativos why (por que em inglês), originando-se daí a expressão “uai”, típica de Minas Gerais, que passou a ser repetida em lugar da resposta.

Todos estes fatores podem estar agrupados e servirem para explicar este silêncio, mas salienta-se a fase de “vacas magras” que vive a imprensa mineira, mal acostumada a se beneficiar dos cofres públicos para manter o seu ritmo de existência. Além disso, as transformações pelas quais passa esta mídia, sem a devida compreensão por parte de sua direção e de muitos funcionários, pode ter levado à rendição no sentido de manter o status quo e postos de trabalho, abrindo-se mão das finalidades precípuas da própria mídia e do jornalismo e, o mais triste, da ética e da honra.

A imprensa mineira, jornais e muitos jornalistas, com este episódio, quase se suicida, morrendo de inanição por falta de divulgar notícias e torcendo para que um dia nada aconteça para que possa publicar apenas notas sociais, pequenos anúncios e avisos fúnebres, sem imaginar que entre estes poderá estar o seu.

***
Ângela Carrato é jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG, mestre e doutora em Comunicação. Este artigo foi publicado no blog Estação Liberdade


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terça-feira, 6 de agosto de 2013

A nova mídia velha: dois casos

Fonte: Diário do Centro do Mundo

A agonia da Abril

Paulo Nogueira, 3 de agosto de 2013

Ao contrário de outras crises da mídia impressa, desta vez o caso é terminal.

A comunidade jornalística está em estado de choque pela carnificina editorial ocorrida na Editora Abril.
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Mas eis uma agonia anunciada.
Revistas – a mídia que fez a grandeza da Abril – estão tecnicamente mortas, assassinadas pela internet.

Os leitores somem em alta velocidade. Quando você vê alguém lendo revistas (ou jornal) num bar ou restaurante, repare na idade.

Jovens estão com seus celulares ou tablets conectados no noticiário em tempo real.
Perdidos os usuários, foi-se também a publicidade. Em países como Inglaterra e Estados Unidos, a mídia digital já deixou a mídia impressa muito para trás em faturamento publicitário.

E no Brasil, ainda que numa velocidade menor, o quadro é exatamente o mesmo. Que anunciante quer vincular sua marca a um produto obsoleto, consumido por pessoas “maduras”.

Apenas para lembrar, no mundo das revistas, nunca, em lugar nenhum, funcionou publicitariamente revista para o público “maduro”.

Sucessivas revistas para mulheres “de meia idade” em diversos países fracassaram à míngua de anúncios. O anunciante quer o jovem no auge do consumo. É um fato.

Crises as editoras de revistas enfrentaram muitas. Mas esta é diferente. Desta vez, o caso é terminal.
Antes, e eu vivi várias crises em meus anos de Abril, você sabia que uma hora a borrasca ia passar.
Agora, você olha para a frente e observa apenas o cemitério.

Sobrarão, no futuro, algumas revistas – mas poucas, e de circulação restrita porque serão um hábito quase tão extravagante quanto se movimentar em carruagem.

Na agonia, o que companhias como a Abril farão é seguir a cartilha clássica: tentar extrair o máximo de leite da vaca destinada a morrer.

Para isso, você enxuga as redações, corta os borderôs, piora o papel, diminui as páginas editoriais e, se possível, aumenta o preço.

É uma lógica que vale mesmo para títulos como Veja e Exame, os mais fortes da Abril. Foi demitido, por exemplo, o correspondente da Veja em Nova York, André Petry.

Grandes revistas da Abril, como a Quatro Rodas, passaram agora a não ter mais diretor de redação.
Em breve deixará de fazer sentido uma empresa que encolhe ficar num prédio como o que a Abril ocupa na Marginal do Pinheiros, cujo aluguel é calculado entre 1 e 2 milhões de reais por mês.

É inevitável, neste processo, que a empresa perca o poder de atrair talentos. Quem quer trabalhar num ramo em extinção?

Os funcionários mais ousados tratarão de sair, em busca de carreiras em setores que florescem.
Ao contrário de crises anteriores para a mídia impressa, esta é, simplesmente, terminal.

Corre o boato de que a empresa será vendida. Mas quem compra uma editora de revistas a esta altura? Recentemente, no Reino Unido, correu o boato de que o proprietário dos títulos Evening Standard e Independent estaria vendendo seus jornais. Numa entrevista, isso lhe foi perguntado por um jornalista. “Mas quem está comprando jornais?”, devolveu ele.

É um cenário desolador – e não só para a Abril como, de um modo geral, para toda a mídia tradicional, incluída a televisão.

A internet é uma mídia que se classifica como disruptora: ela simplesmente mata. O futuro da tevê está muito mais na Netflix ou no Youtube do que na Globo.

As empresas de mídia estão buscando alternativas para sobreviver. A News Corp, de Murdoch, separou recentemente suas divisões de entretenimento e de mídia, para que a segunda não contamine a primeira.

A própria Abril vai saindo das revistas e tentando um lugar ao sol na educação.

Mas escolas – supondo que a Abril supere o problema dramático de imagem da Veja, pois isso vai levar muitos pais a recusar dar a seus filhos uma educação suspeita de contaminação pela Veja – não dão prestígio e nem dinheiro como as revistas deram ao longo de tantos anos.

Isso quer dizer que a Abril luta pela vida. Mas uma vida muito menos influente e glamorosa do que a que teve sob Victor Civita, primeiro, e Roberto Civita, depois.

 

 ***

O iceberg tenta resgatar o Titanic: a compra do Washington Post pelo dono da Amazon

Kiko Nogueira, 6 de agosto de 2013
 
Jeff Bezos pagou US$ 250 milhões (um quarto do que custou o Instagram) pelo jornal que deu o furo de ‘Watergate’.

A notícia da compra do Washington Post pelo empresário Jeff Bezos, dono da Amazon, causou um terremoto na mídia americana. Bezos pagou 250 milhões de dólares de um fundo que usa para explorações científicas chamado Expeditions. A família Graham era dona do Post desde 1946. Katharine Weymouth, a atual publisher, se declarou entusiasmada com o negócio. O WaPo, como é apelidado, é responsável pelas reportagens sobre Watergate, que causaram a queda de Richard Nixon. Weymouth falou da capacidade de Bezos de conduzir a publicação “para um futuro digital”. Ela permanecerá no cargo, por enquanto.
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Bezos
Ferido de morte pela Internet, o Post foi vendido por um quarto do valor desembolsado pelo Tumblr e pelo Instagram (e pelo mesmo que um colecionador pagou por um quadro de Cézanne há dois anos).

Os jornalistas estão atônitos. O iceberg (a Internet) resgatou o Titanic (a velha mídia)? Foram pegos de surpresa (um dia antes do anúncio oficial, o New York Times publicou um perfil de Weymout em que nada disso foi mencionado). Vários colunistas da casa se manifestaram. Um deles, Ezra Klein, finalizou seu artigo resumindo o sentimento geral: “Estou esperançoso”.

Aos 49 anos, Bezos tem uma fortuna pessoal calculada em 22 bilhões de dólares. É um liberal que apoia causas como o casamento gay. Tem fama de controlador e perfeccionista. Testemunhas falam de reuniões que só começam depois de leituras silenciosas de longos memorandos de seis páginas. Na carta aos funcionários, escreveu o seguinte: “Haverá, claro, mudanças no Post nos próximos anos. É essencial e teria acontecido com ou sem um novo proprietário. A Internet está transformando quase todos os elementos do negócio da notícia: encurtando o ciclo delas, erodindo fontes de financiamento antigas e permitindo o surgimento de novos competidores”.

Bezos está sendo encarado com a grande esperança branca. Carl Bernstein, que junto com Bob Woodward produziu as matérias do Watergate, acredita que Bezos vai combinar “as melhores sensibilidades da velha e da nova era”.

Mas a verdade é que Bezos não é uma instituição benemerente e fará o que a família não quer mais fazer: cortar. Ou, em tucanês, promover uma “reestruturação”. Isso significa demitir pessoas, diminuir salários etc.

O Washington Post perdeu relevância e dinheiro de maneira dramática nos últimos anos. O prejuízo em 2012 foi cinco vezes maior que o de 2010. Mudaram de endereço para um prédio menor.

Fecharam escritórios em outras cidades. Mas a sangria não foi desatada. Em seu comunicado oficial, o CEO Donald Graham (tio de Katharine Weymouth) admitiu que os lucros “têm diminuído há sete anos. Nós inovamos, e na minha visão nossas inovações foram bem sucedidas em termos de audiência e qualidade, mas não foram suficientes para deter o declínio do faturamento”.

A negociação é um sinal dos tempos. Um bilionário do Vale do Silício assume um jornal com mais de 100 anos de idade. Não se sabe no que vai dar. Mas Jeff Bezos vai fazer o que tem de ser feito no velho Washington Post — e a família Graham estará assistindo, enquanto o sangue escorre.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

49 anos depois do golpe



Mídia

O Millenium e as lembranças

O Millenium e as lembranças Organização que une empresários, imprensa e oposição ao governo lembra cenário do golpe de 1964. Seu poder de propagar intrigas e más notícias, porém, não tem sido capaz de superar a solidez e os resultados do projeto político em vigor

Por: Lalo Leal 


Publicado em 18/03/2013

Kamel, da Globo, e Serra durante debate eleitoral: mídia conservadora perdeu no campo democrático (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress) 

 
O economista Cristiano Costa foi recebido em fevereiro pelo pessoal do grupo A Tarde, em Salvador. A companhia de comunicação, que tem provedor e portal na internet, agência de notícias, jornal impresso, emissora de FM, gráfica, reuniu seus profissionais para servirem-se de uma palestra da série Millenium nas Redações. Blogueiro e professor de uma universidade capixaba chamada Fucape Business School, Costa é também colaborador cativo do Instituto Millenium, articulador desses eventos destinados a “aprimorar a qualidade da imprensa no Brasil”.

A base de sua explanação são seus artigos reproduzidos no site do instituto, em que critica duramente a política econômica do governo e ataca sem rodeios o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em um deles, cita o programa Minha Casa, Minha Vida como um dos responsáveis por inflacionar o setor imobiliário. Isso num ambiente em que até os preços de imóveis de alto padrão dispararam. As pessoas estão mais seguras no emprego e foram comprar, a queda dos juros levou mais gente a ter acesso a crédito, ou mais gente a tirar dinheiro de aplicações financeiras para investir em imóveis. Há muitos fatores em jogo, mas lá vai o programa federal destinado a famílias de baixa renda pagar o pato da especulação.

Outras redações de jornais e revistas foram brindadas pelo Millenium com palestras sobre assuntos variados, da reforma do Judiciário à assustadora “crise econômica”. O currículo dos palestrantes, colaboradores do instituto, explica o objetivo real das palestras: consolidar no meio jornalístico o papel oposicionista da mídia brasileira.

Há algum tempo os ambientes de redação eram conhecidos por ter profissionais críticos, independentes, e o direcionamento da informação era resultado da sintonia dos editores com os donos dos veículos. Não era incomum a conclusão do jornal ou da revista acabar em atrito entre repórter e superiores. Agora, os donos dos veículos preferem formar “focas” que já cheguem às redações comprometidos com suas crenças.

Essas crenças, recheadas de interesses políticos e econômicos, vêm sendo difundidas de maneira afinada pelos meios de comunicação reunidos no Millenium. Resultado concreto desse trabalho pôde ser visto neste início de ano. Três assuntos, alardeados como ameaças ao país, ocuparam as manchetes dos grandes jornais e foram amplificados pelo rádio e pela TV: apagão, inflação e crise na Petrobras.

Além do noticiário parcial, analistas emitiam previsões catastróficas. Como elas não se confirmavam, o assunto era esquecido e logo substituído por outro. No dia 8 de janeiro, o jornal O Estado de S. Paulo estampou na capa: “Governo já vê risco de racionamento de energia”. Um dia antes a colunista da Folha de S.Paulo Eliane Cantanhêde chamava uma reunião ordinária, agendada desde dezembro, de “reunião de emergência” do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico convocada às pressas por Dilma para tratar do risco de racionamento. Diante da constatação de que a reunião nada tinha de extraordinária, a Folha publicou uma acanhada correção. Como de costume, o tema foi sendo lentamente deixado de lado. O risco do “racionamento” desapareceu.

Pularam para o “descontrole” da política econômica e a ameaça de um novo surto inflacionário. “Especialistas” tentavam, a partir dos índices de janeiro, projetar uma inflação futura capaz de desestabilizar a economia. Aproveitavam para crucificar o ministro Mantega, artífice de uma política que contraria interesses dos rentistas nacionais e internacionais: a redução dos juros bancários está na raiz da gritaria.

Não satisfeitos, colocaram a Petrobras na roda, responsabilizando a “incapacidade administrativa” dos dirigentes da empresa pela redução dos dividendos pagos aos acionistas. Sem considerar que, dentro da estratégia atual de ação da Petrobras, os recursos de parte dos dividendos retidos passaram a contribuir para o desenvolvimento do país na forma de novos investimentos.

Variações de uma nota só

Aparentemente isoladas, essas versões jornalísticas são, na verdade, articuladas a partir de ideias comuns que permeiam as pautas dos principais veículos. No site do Instituto Millenium elas estão organizadas e publicadas de maneira clara. O Millenium diz ter como valores “liberdade individual, propriedade privada, meritocracia, Estado de direito, economia de mercado, democracia representativa, responsabilidade individual, eficiência e transparência”. Faz lembrar a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que chegou a dizer que só o indivíduo existe, a sociedade é ficção.

Fundado em 2005, o Millenium foi oficialmente lançado em abril de 2006 com o apoio de grandes empresas e entidades patronais lideradas pela Editora Abril e pelo grupo Gerdau. Trata-se de uma liderança significativa, pois reúne uma empresa propagadora de ideias e valores e outra produtora de aços, base de grande parte da economia material do país. A elas juntam-se a locadora de veículos Localiza, a petroleira norueguesa Statoil, a companhia de papel Suzano, o Grupo Estado e a RBS, conglomerado de mídia que opera no sul do Brasil. A Rede Globo, como pessoa jurídica, não aparece na lista, mas um dos seus donos, João Roberto Marinho, colabora.

Essa integração entre empresas de mídia e empresários faz do Millenium uma organização capaz de formular e difundir programas de ação política em larga escala, com maior capacidade de convencimento do que muitos partidos políticos. Com a oposição partidária ao governo enfraquecida, ocupa esse espaço com desenvoltura.

Apesar do apego declarado à democracia, alguns dos colaboradores não escondem o desejo de combater o governo de qualquer forma. É o que está explícito na fala de outro de seus colaboradores, o articulista Arnaldo Jabor, quando num dos eventos promovidos pelo instituto disse: “A questão é: como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo?”

Essa articulação faz lembrar a de organismos privados como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), fundado em 1959, e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), nascido em 1961. Ambos uniram empresários e mídia conservadora na formulação e divulgação de ideias que impulsionaram o golpe de 1964.

“Ipes e Ibad não eram apenas instituições que organizaram uma grande conspiração para depor um governo legítimo. Elaboraram um projeto de classe. O golpe foi seguido por uma série de reformas no Estado para favorecer o grande capital”, lembra o pesquisador Damian Bezerra de Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

No cenário atual, de decadência do modelo neoliberal e de consolidação de políticas desenvolvimentistas no Brasil, o Millenium seria um instrumento ideológico para dar combate a esse processo transformador. “Nos anos 1990 ocorreu a disseminação da ideologia do pensamento único, de que o capitalismo triunfou, o socialismo deixou de existir como projeto político”, lembra a historiadora Carla Luciana da Silva, da Universidade do Oeste do Paraná. “Quando surgem experiências concretas que podem desafiar essas ideias, aparece em sua defesa uma organização como o Millenium para manter vivo o ideal do pensamento único.”
castelo branco A difusão dessas ideias não é feita por meio de manifestos ou programas partidários, como observa a pesquisadora. “É muito difícil pegar uma revista como a Veja ou um jornal como a Folha de S.Paulo e conseguir visualizar os sujeitos que estão produzindo as ideias defendidas ali. Cria- se uma imagem do tipo ‘a’ Folha, ‘a’ Veja, como se fossem sujeitos com vida própria. É uma forma de não deixar claro em nome de que projeto falam, como se falassem em nome de todos.”
 
***
Memórias de um golpista: Lincoln Gordon com o general Castelo branco: a Cia patrocinou a ação de 1964

 

 Contra as versões, fatos

Conhecendo as ações do instituto e seus personagens fica mais fácil compreender como certos assuntos tornam-se destaque de uma hora para outra. A presença nos quadros do instituto de jornalistas e “especialistas” com acesso fácil aos grandes meios de comunicação leva suas “notícias” rapidamente ao centro do debate nacional. E fica difícil contra-argumentar com colaboradores do Millenium, não pela qualidade de seus argumentos, mas pela força de persuasão dos veículos pelos quais difundem suas ideias.

Como retrucar, com igual alcance, comentários de Carlos Alberto Sardenberg, na CBN, de Ricardo Amorim, na IstoÉ, na rádio Eldorado e no programa Manhattan Connection, da GloboNews, de José Nêumanne Pinto, no Estadão e no Jornal do SBT, de Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo, entre tantos outros?

Não é mera coincidência a preferência dos integrantes do Millenium pela subordinação do Brasil aos grandes centros financeiros internacionais e sua ojeriza diante das relações harmônicas entre governos latino-americanos. Trata-se de uma tentativa de ressuscitar um projeto político implementado durante a ditadura que só passou a ser confrontado, ainda que parcialmente, a partir de 2003, com a posse do governo Lula.

Mas parece não haver espaço para uma hipótese golpista, apesar do já citado dilema de Jabor. Para a professora Tânia Almeida, da Unisinos de São Leopoldo (RS) e diretora de relações públicas da Secretaria de Comunicação do Rio Grande do Sul, um dos ganhos da crise política de 2005, com a questão do chamado “mensalão”, foi ter forçado análises e estudos em busca de explicações de como o então presidente Lula conseguiu suportar tanta notícia negativa e manter elevados índices de aprovação.

“Não era só carisma. Desde 2003, havia uma gestão de governo em funcionamento. Não existia somente aquilo de que os jornais e revistas tratavam, não era só escândalo. Outra proposta política estava acontecendo”, observa Tânia. Para a professora, os avanços sociais alcançados não permitem crer em crise que leve a uma ruptura institucional. “O Millenium é um agente articulador, social, político, que pode fomentar e aquecer debates, mas não teria potencial para causar uma crise nos moldes de 1964. O poder de influência da mídia ficou relativizado desde 2006 em função dessa política que chega lá na ponta e inclui quem estava fora.” Damian Melo, da UFF, tem visão semelhante, mas com um pé atrás: “O Millenium não possui hoje estratégia golpista. Quer emplacar seu projeto, e isso pode ser pela via eleitoral mesmo. Muito embora nossa experiência nos diga que é melhor ficarmos atentos”.


Colaborou Rodrigo Gomes

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O Ibad como modelo
Por Mauro Santayana


O Ibad foi a mais descarada forma de intervenção norte-americana no processo político brasileiro, mas não a primeira. No governo Dutra (1946-1951), o grande desembarque econômico norte-americano no Brasil, os ianques agiam com desenvoltura na vida brasileira. Nessa fase, denominada pelo historiador Gerald K. Haines como “americanização do Brasil”, editoriais dos grandes matutinos cariocas chegaram a ser redigidos na Embaixada dos Estados Unidos.

O Ibad nasceu da esperteza de um negocista, Ivan Hasslocher. Ele criou a agência de publicidade Incrementadora de Vendas Promotion para servir como operadora do sistema e levantou milhões de dólares da CIA e de empresas norte-americanas, a fim de eleger parlamentares de direita – já no fim do governo Juscelino, em 1959. Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, passou a atuar descaradamente.

Clandestinamente, o instituto financiou, com a cumplicidade do deputado de extrema direita João Mendes, a formação de sua própria bancada de parlamentares comprometidos com sua orientação ideológica. O embaixador norte-americano no Brasil naquele período, Lincoln Gordon, confessou, depois, que a CIA fora a principal fonte pagadora de Hasslocher.

Uma CPI foi instalada em 1963 para investigar o instituto, mas não pôde ir adiante. Seus membros mais ativos – Eloy Dutra, José Aparecido de Oliveira, João Dória, Benedito Cerqueira, Bocaiúva Cunha – foram cassados em 1964. Outro membro ativo, Rubens Paiva, seria assassinado pelo DOI-Codi em 1971.

Jango foi corajoso ao suspender as atividades do Ibad duas vezes, por 90 dias, até que a Justiça mandou fechar a instituição. Mas já era tarde. Hasslocher e seus assalariados continuaram a atuar clandestinamente, em associação com o Ipes. O Ibad tinha também em sua folha de pagamentos a jornalistas, sem falar na adesão “gratuita” dos donos dos grandes jornais – com exceção do Última Hora.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Liberdade de expressão: o que é, como se faz



Carta aberta: A tentativa de sufocar a blogosfera


 12 de setembro de 2012


A tentativa de sufocar a blogosfera

No mais recente atentado contra a liberdade de expressão no Brasil, o prefeito de Curitiba (PR) e candidato à reeleição Luciano Ducci processou o blogueiro Tarso Cabral Violin, apenas porque discordou de duas enquetes publicadas na página mantida pelo blogueiro. A Justiça Eleitoral, num gesto inexplicável, deu ganho de causa ao prefeito-censor e estipulou uma multa de R$ 106 mil, o que inviabiliza a continuidade do blog. No mesmo Paraná, o governador Beto Richa também persegue de forma implacável o blogueiro Esmael Morais, que já foi processado várias vezes e coleciona multas impagáveis.

Em outros cantos do país, a mesma tática, a da judicialização da censura, tem sido aplicada visando intimidar e inviabilizar financeiramente vários blogs. Alguns processos já são mais conhecidos, como os inúmeros que tentam calar os blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif. No fim de 2010 e início de 2011, o diretor de jornalismo da poderosa TV Globo, Ali Kamel, também ingressou na Justiça contra seis blogueiros – o que prova a falsidade dos discursos dos grupos de mídia que se dizem defensores da liberdade expressão. Criticado pelos blogueiros, pelo seu papel manipulador nas eleições de 2006 e 2010, Kamel parece ter escolhido a via judicial para se vingar dos críticos.

Se os juízes de primeira instância parecem pressionados diante de autoridades e empresas de Comunicação tão poderosas, é preciso garantir que os tribunais superiores mantenham-se atentos para garantir que a liberdade de expressão não se transforme num direito disponível apenas para meia dúzia de famílias que controlam jornais, TVs e rádios brasileiras.

Além da judicialização da censura, também está em curso no país uma ação ainda mais violenta contra os blogueiros – com ameaças de morte e até atentados. Em 2011, o blogueiro Ednaldo Filgueira, do município de Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, foi barbaramente assassinado após questionar a prestação de contas da prefeitura. Outro blogueiro também foi morto no Maranhão. Há várias denúncias de tentativas de intimidação com o uso da violência, principalmente em cidades do interior onde a blogosfera é o único contraponto aos poderosos de plantão.

Como se não bastassem os processos e as ameaças físicas, alguns setores retrógrados da sociedade também tentam impedir a viabilização financeira da blogosfera através de anúncios publicitários. Recentemente, o PSDB ingressou com ação na Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) questionando os poucos anúncios do governo federal em blogs e sítios de reconhecida visibilidade. A ação foi rejeitada, o que não significa que não cumpriu seu objetivo político de intimidar os anunciantes. Até o ministro Gilmar Mendes, do STF, tem atacado a publicidade nos blogs.

Diante desses atentados à liberdade de expressão, o Centro de Estudos Barão de Itararé manifesta a sua total solidariedade aos blogueiros perseguidos e censurados. É preciso denunciar amplamente os que tentam silenciar esta nova forma de comunicação. 

É urgente acionar os poderes públicos – governo federal, Congresso Nacional e o próprio Supremo Tribunal Federal – em defesa da blogosfera. É o que faremos, em parceria com as demais entidades da sociedade civil, em especial com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), requisitando audiências junto ao STF, STJ, TSE, Congresso Nacional e Ministério da Justiça.

Pedimos, ainda, a atenção da Secretaria Especial dos Direitos Humanos para o tema. Liberdade de expressão não é monopólio de meia dúzia de empresários. É um patrimônio do povo brasileiro, garantido na Constituição. A comunicação é um direito básico do ser humano, que precisa ser respeitado.

Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Da redação