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sexta-feira, 4 de abril de 2014

A comunicação entre nações: memória que propicia discursivizações supranacionais

Mercosul ganha Museu para construir memória e combater esquecimento

Pensar o Mercosul como uma coordenação de políticas de Direitos Humanos é resposta ao que foi a coordenação de políticas de terrorismo de Estado, da Condor



Marco Aurélio Weissheimer Alina Souza/Palácio Piratini

Porto Alegre - Quando era Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo Luis Duhalde propôs a criação da Operação Paloma para a integração regional através dos direitos humanos. Seria uma resposta dos governos democráticos da região às políticas de terrorismo de Estado implantadas pelas ditaduras que infestaram o Cone Sul. A ideia de Duhalde ganhou materialidade, terça-feira (1), com a inauguração, em Porto Alegre, do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul (MDHM), que funcionará no prédio do Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega. Ao inaugurar o museu, o governador Tarso Genro destacou que o projeto representa o trabalho de uma geração inteira sobre a democracia. “Nem todas são obras diretamente políticas, mas são trabalhos e documentos que se relacionam com um determinado período da histórica que nós temos que fixar na memória do povo e da cidadania”, afirmou.

A exposição inaugural do MDHM, “Deus e Sua Obra no Sul da América: a Experiência dos Direitos Humanos Através dos Sentidos”, reúne obras de 145 artistas do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Equador, e marca o início da Semana da Democracia, um conjunto de atividades e debates promovidos pelo governo gaúcho para assinalar a passagem dos 50 anos do golpe civil-militar de 1964. Instaladas no primeiro andar do museu, em uma área de aproximadamente mil metros quadrados, as obras incluem fotos, vídeos, pinturas, esculturas, instalações, cartazes, cartuns, charges e documentos, com contribuições dos países do Cone Sul, cujas democracias foram golpeadas por ditaduras nos anos 60 e 70 principalmente.


Além de um acervo permanente, o museu terá exposições e mostras focadas em outros temas, com a contribuição também do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). Para abrigar o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, o prédio histórico da antiga agência dos Correios e Telégrafos, na Praça da Alfândega, recebeu uma reforma, que ainda não foi concluída, com recursos do Estado e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no valor de R$ 1,5 milhão. Com uma nova verba do PAC das Cidades Históricas, no valor de R$ 4 milhões, o prédio será totalmente climatizado até 2016. O museu funcionará de terças a sextas-feiras, das 10h às 19h, e aos sábados das 12h às 18h.

Segundo o diretor do Memorial e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Márcio Tavares dos Santos,  o novo espaço terá a missão de ser um elo entre as instituições de memória que existem no Mercosul. “É um museu transnacional, uma experiência única no continente e talvez no mundo, cuja função principal será trabalhar pela integração, pela paz e pelos direitos humanos. O secretário estadual da Cultura do Rio Grande do Sul, Luiz Antônio de Assis Brasil, leu um trecho da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, para resumir a importância da iniciativa:

“Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres (...)”

Travar um combate sem tréguas contra a ignorância, o esquecimento e o desprezo pelos direitos humanos: essa é a missão do novo museu. “Passaram-se 225 anos desta Declaração e, no entanto, quantas transgressões e desrespeitos a esses direitos a humanidade viveu neste período. Não podemos dar oportunidade ao acaso. Sempre há forças prontas a recuperar seus poderes. E uma das nossas maiores armas contra isso é a lembrança”, disse Assis Brasil, lembrando o fogo de chão, na Fazenda Boqueirão, município de São Sepé (RS), que é mantido aceso desde o início do século XIX, há mais de 200 anos.

 Victor Abramovich, Secretário-Executivo do Instituto de Políticas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH-Mercosul), destacou o desafio imenso de construir uma memória regional. “Os países do Cone Sul compartilham um passado comum de lutas populares de enfrentamento às ditaduras. Esse passado comum é fundamental para a construção da nossa memória que é, por sua vez, essencial para aprofundar o processo de integração entre nossos países”, assinalou. “Não trabalhamos a memória”, acrescentou, “simplesmente para olhar para o passado, mas para pensar o futuro que queremos construir. Pensar o Mercosul como uma coordenação de políticas de Direitos Humanos é a melhor resposta que podemos dar à coordenação de políticas de terrorismo de Estado que foi a operação Condor”.


Uma das principais articuladoras da proposta do Museu, a ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, comemorou a inauguração do Museu, lembrando a inspiração que foi a ideia da Operação Paloma, de Eduardo Duhalde. No dia em que deixou a Secretaria de Direitos Humanos para reassumir sua cadeira na Câmara dos Deputados, Maria do Rosário anunciou que pretende, no Congresso, se dedicar à luta pela revisão da Lei da Anistia que, até hoje, garante a impunidade dos torturadores. “Não é razoável que a mais alta Corte do país siga dizendo que diante da tortura seguirá prevalecendo a impunidade”.

A nova titular da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvati, também participou da inauguração e destacou a importância de não se baixar a guardar em relação aos inimigos da democracia. “Os germes do autoritarismo e da prepotência seguem latentes, como vimos há poucos dias no país, com pessoas dispostas a sair às ruas para defender a volta da ditadura. Embora as marchas convocadas tenham sido um fracasso, a mera disposição em convocá-las mostra que não podemos descansar, achando que esse perigo está eliminado”.