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domingo, 25 de maio de 2014

O rumor público é feito de quê?

A brincadeira da mídia com a opinião pública

Fonte: Jornal GGN

É inacreditável o nível de autossuficiência atingido pelos grupos de mídia, na fase mais crítica da sua história. 

Por Luis Nassif*

Meses e meses batendo nos gastos da Copa, ajudando a criar essa barafunda informacional, de misturar investimentos em estádios com gastos orçamentários, criticando os "elefantes brancos", anotando cada detalhe incompleto de obras que ainda não estavam prontas, ignorando o enorme investimento na imagem do país.

De repente, como num passe de mágica, fazem uma pausa e, em conjunto, passam a enxergar as virtudes da Copa - maior evento publicitário do ano para eles.

O Estadão solta enorme matéria sobre "a Copa das Copas", lembra o óbvio - vai ser o evento de maior visibilidade para o Brasil, em sua história. 14 mil jornalistas levando a imagem do país para todos os cantos, o maior público de televisão para um evento.

A Folha dá o óbvio incompleto: a informação de que os gastos com a Copa representam um naco dos gastos com educação. Não ousou explicar que são recursos diferentes, que financiamentos não podem ser confundidos com gastos orçamentários, que gastos com obras são permanentes. Mas vá lá!

O que é impressionante é supor que se pode brincar dessa maneira com a opinião de seus leitores, levá-las para onde quiser, ao sabor da manchete do momento, da estratégia de ocasião. Será que não há uma cabeça estratégica para explicar que essa desconsideração para com o leitor é veneno na veia da credibilidade?

Dia desses o Ministro Aldo Rabello ao que parece assimilou as críticas contra sua ausência dos debates da Copa e deu uma boa entrevista a TV Brasil, com números e argumentos sólidos.

A explicação para a anomia do governo com o tema foi chocante. O marqueteiro do Palácio desaconselhou qualquer campanha de esclarecimento porque, segundo ele, as pessoas não estavam associando Copa com governo e a campanha poderia estabelecer essa associação.

*Luis Nassif é jornalista econômico e editor do site www.advivo.com.br/luisnassif

***

A fumaça do noticiário

Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa 

Pesquisas de intenção de voto são um grande incentivo para a criatividade nas redações: com base em dados parciais, e muitas vezes sem considerar elementos conjunturais que influenciam as respostas dos consultados, os editores tascam suas versões com a mesma convicção de um apostador diante do guichê do Jóquei Clube.

Para quem duvida que há um viés homogêneo na mídia tradicional do país, basta comparar a interpretação apresentada nas edições de sexta-feira (23/5) pelos três principais jornais de circulação nacional à última pesquisa eleitoral do Ibope.

Os números indicam uma reversão na tendência apresentada nas duas consultas anteriores, que mostravam uma queda acentuada na preferência dada à reeleição da atual presidente da República.
No entanto, agora os jornais se prendem apenas aos indicadores mais recentes, esquecendo o que disseram na consulta anterior, feita entre os dias 10 e 14 de abril: se o leitor for reler as edições do dia 15 do mês passado, vai encontrar uma profusão de opiniões falando em “tendência de queda” da presidente.

Por que razão, quando a candidata reverte o quadro e volta aos índices de preferência registrados em março, quando tinha 40% das intenções de voto, o critério passa a ser outro?

São poucos os fatos capazes de mudar a convicção de um grande número de indivíduos ao mesmo tempo. Entre março e abril, segundo a imprensa, a queda nas chances de reeleição de Dilma Rousseff foi provocada pela inflação – a bem da verdade, de um bombardeio de más notícias, destacadas pelos jornais, sobre oscilações de preços de alguns produtos.

Se o catastrofismo da imprensa influenciou os eleitores no mês passado, o que teria feito com que a tendência fosse revertida, devolvendo à presidente os mesmos 40% de março?

Os analistas selecionados pelos jornais dizem que a mudança foi causada por um anúncio do partido situacionista, acenando com o risco de retrocesso caso a oposição ganhe a eleição presidencial. Isso equivale a considerar que basta uma boa equipe de marqueteiros e qualquer um pode mudar a opinião de uma enorme massa de eleitores? Claro que não: os jornalistas sabem que a opinião é influenciada por uma enorme complexidade de fatores, e que um filme de dez minutos na TV não seria capaz de reverter a tendência do eleitorado.

Uma paçoca e uma tubaína
O único texto que faz alguma justiça ao leitor mais crítico foi publicado pelo Globo, e tem como título a melhor interpretação que se pode fazer do atual momento político: “Um enigma eleitoral”. Ali se observa que Dilma Rousseff se mantém na liderança da disputa, e que nove em cada dez eleitores se dizem “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com a vida que levam, porém dois terços querem mudanças no próximo governo e 67% querem uma mudança sem Dilma.

Para completar a análise, seria interessante refletir sobre a origem desse desejo de mudança em um contexto de ampla satisfação. Ganha uma paçoca quem especular que a satisfação de “nove entre dez” brasileiros é produzida pela percepção racional de que sua vida melhorou nos últimos anos. Ganha uma tubaína quem acrescentar que o desejo de mudança nasce do aumento da consciência do cidadão sobre a permanência de problemas estruturais na política e nas instituições públicas. Ganha a paçoca e a tubaína quem somar as duas coisas e observar que a imprensa esconde a parte boa da realidade e exacerba a parte ruim.

Portanto, não é completamente correta nenhuma análise sobre pesquisas de intenção de voto que não levar em conta a influência do noticiário no estado de espírito dos eleitores. Ao bombardear a sociedade com um noticiário negativo e sem tréguas, a imprensa produz um pessimismo que se personifica na figura da chefe do Executivo. No entanto, a realidade acaba se impondo, e produz a contradição vista pelo articulista do Globo.

Como se vê, é um enigma de fácil solução.
A leitura do conjunto de jornais mostra que a imprensa não consegue admitir que, apesar de sua campanha catastrofista, a sociedade vai discernindo a realidade em meio à fumaça do noticiário. A leitura dos indicadores da pesquisa induz à conclusão de que o eleitor está menos suscetível à influência da mídia.

Pelos números do Ibope, todos os candidatos ganharam alguns pontos. Só a imprensa perdeu.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Comunicação social e ditadura militar

A grande imprensa apoiou o golpe e a ditadura

Escrito por: Beatriz Kushnir
Fonte: Carta Capital

Os grandes veículos se passam por adversários da ditadura, mas colaboraram com ela e não tiveram papel relevante para o fim do regime



Desde fins da da década de 1990, parte da historiografia brasileira sublinha que o (equivocado) processo de Anistia cunhou a (errônea) visão de que vivemos envoltos em uma tradição de valores democráticos. A partir das lutas pela Anistia, como sublinha Daniel Aarão Reis, “libera-se” a sociedade brasileira de “repudiar a ditadura, reincorporando sua margem esquerda e reconfortando-se na ideia de que suas opções pela democracia tinham fundas e autênticas raízes históricas”. Nesse momento, plasmou-se a imagem de que a sociedade brasileira viveu a ditadura como um hiato, um instante a ser expurgado. Confrontando-nos à tal memória inventada, há no período republicano longos momentos de exceção – como nos referimos aos regimes ditatoriais.

Se tais premissas correspondessem aos fatos, restaria explicar: por que houve apenas restritos episódios de resistência vinculados igualmente a pequenos grupos? Por que se permitiu aprovar uma Anistia recíproca, que mesmo nestes 50 anos após o golpe civil-militar, ainda é tema espinhoso de revisão?

A luta contra o arbítrio, de forma armada ou não, definitivamente não caiu nas graças do povo deste berço esplêndido. E, certamente, os meios de comunicação de massa – a grande imprensa e posteriormente, a TV – têm um papel preponderante nas escolhas sociais implantadas.
São clássicos os editoriais do Correio da Manhã nas vésperas do 1º de Abril de 1964, clamando por “Basta” e “Fora” a Jango. Igualmente, é emblemática a noção de que este jornal, ao realizar um “mea-culpa” e se colocar em oposição ao novo regime, foi punido com perseguições que levaram a sua falência. Esquecem-se, contudo, os amplos problemas de gerenciamento vividos por Niomar Moniz Sodré.

Ícones de resistência são lembrados, afirmados, expostos e sublinhados maciçamente para ratificar a tradição democrática brasileira, como: a meteorologia para o 14/12/1968, no Jornal do Brasil; as receitas de bolo do Jornal da Tarde; os poemas de Camões no Estadão; os inúmeros jornalistas perseguidos, demitidos, torturados e mortos; etc., que definiriam a grande imprensa brasileira como resistente ao golpe e, posteriormente, ao arbítrio. Mesmo com todo este esforço, o processo ditatorial perdurou por mais de duas décadas.

Meio século depois e com inúmeros textos publicados sobre a mais recente ditadura brasileira, poder-se-ia ressaltar que nunca a grande imprensa brasileira estampou na primeira página dos periódicos um aviso claro afirmando: “Este jornal está sob censura”. As estratégias acima apontadas e outras, que frequentemente voltam à tona para reforçar a ação resistente, contavam com a capacidade do público leitor em decifrar pistas.

O jornalista Oliveiros Ferreira, que por décadas trabalhou no Estadão, narrou as ligações recebidas pela redação indagando que a receita de bolo na primeira página do Jornal da Tarde estava errada. O bolo solava. Ou, como definiu Coriolano de Loyola Cabral Fagundes, censor desde 1961 e que atuou no Estadão, os poemas de Camões foram ali uma concessão. Certamente a censura federal apostava que o leitor não entenderia o seu porquê, ou se tranquilizaria na (efêmera) ilusão que mesmo no arbítrio lhe eram permitidos lampejos de resistência, os quais, efetivamente nada alteravam. Algo semelhante, contudo, não foi autorizado à (antiga) Veja, que, durante a “distensão” do governo Geisel, substitui as matérias censuradas por imagens de diabinhos, já que não se podiam publicar espaços em branco. Advertida, teve que parar, pois certamente o leitor de Veja à época entenderia o recado. Certamente como compreendeu a mensagem da revista quando da morte de Vlado, numa nota pequena de desculpas por não poder nada mais expressar.

Os inúmeros jornalistas perseguidos, demitidos, torturados e mortos sofreram estas horríveis barbáries enquanto atuavam como militantes das esquerdas, em ações armadas ou como simpatizantes, como demonstram os processos que arrolam os seus nomes. Da mesma forma, existiram imposições governamentais de expurgos nas redações. Tais limpezas ocorreram logo depois do golpe e perduraram até e inclusive no governo Geisel, que impunha a bandeira do fim da censura. Muitos jornalistas/militantes poderiam ser citados como vítimas destas ações, já que, como pontuava lúcida e ferinamente Cláudio Abramo, “nas redações não há lugar para lideranças. Os donos dos jornais não sabem lidar com jornalistas influentes que, muitas vezes, se chocam com as diretrizes do comando. O jornalista tem ali uma função, mas ‘ficou forte, eles eliminam’.”

Os meios de comunicação são empresas que buscam o lucro, vendendo a visão particular sobre um fato e, como Abramo por vezes demarcou, um “equívoco que a esquerda geralmente comete é o de que, no Brasil, o Estado desempenha papel de controlador maior das informações. Mas não é só o Estado, é uma conjunção de fatores. O Estado não é capaz de exercer o controle, e sim a classe dominante, os donos. O Estado influi pouco, porque é fraco. Até no caso da censura, ela é dos donos e não do Estado. Não é o governo que manda censurar um artigo, e sim o próprio dono do jornal. Como havia censura prévia durante o regime militar, para muitos jornalistas ingênuos ficou a impressão de que eles e o patrão tinham o mesmo interesse em combater a censura”.

Existiram pouco mais de 220 censores federais, muitos deles com o diploma de jornalista – sendo que o primeiro concurso público para o cargo ocorreu em 1974, quando Geisel prometia o fim da censura. Estas duas centenas de pessoas atuavam reprimindo: cinema, TV, rádio, teatro, jornais, revistas, etc., entre 1964 e 1988, em todo o território nacional. Para que as expectativas governamentais dessem certo, os donos das empresas de comunicação tinham de colaborar – e não resistir.

Inúmeros arquétipos podem corroborar tal ideia, até porque a autocensura não é desconhecida das redações, e não se iniciou no pós-1964 no Brasil. No Jornal do Brasil, por exemplo, editou-se, em 29/12/1969, como me cedeu o seu exemplar o secretário de Redação, José Silveira, uma circular interna de cinco páginas, elaborada pelo diretor do jornal, José Sette Câmara, para o editor chefe, Alberto Dines, denominada “Instruções para o controle de qualidade e problemas políticos”, criada com o objetivo de “instituir na equipe um (...) Controle de Qualidade (...) sob o ponto de vista político”.

Estabelecida dias antes do Decreto-Lei 1.077, de 26/01/1970, que legalizou a censura prévia, e um ano após o AI-5, a diretriz de Sette Câmara pontuava que “não se trata de autocensura, de vez que não há normas governamentais que limitem o exercício da liberdade de expressão, ou que tornem proibitiva a publicação de determinados assuntos. Em teoria há plena liberdade de expressão. Mas na prática o exercício dessa liberdade tem que ser pautado pelo bom senso e pela prudência”, já que “a posição do JB ao proferir que este não é a favor nem contra, (...) não é jornal de situação, nem de oposição. O JB luta pela restauração da plenitude do regime democrático no Brasil, pelo retorno do estado de direito. (...) Enquanto estiver em vigor o regime de exceção, temos que usar todos os nossos recursos de inteligência para defender a linha democrática sem correr os riscos inúteis do desafio quixotesco ao Governo. (…) O JB teve uma parte importante na Revolução de 1964 e continua fiel ao ideário que então pregou. Se alguém mudou foram os líderes da Revolução. [Nesse sentido, o JB deverá] sempre optar pela suspensão de qualquer notícia que possa representar um risco para o jornal. Para bem cumprirmos o nosso maior dever, que é retratar a verdade, é preciso, antes de mais nada, sobreviver”. Sette Câmara termina decretando que, “na dúvida, a decisão deve ser pelo lápis vermelho”.

Em meados da década de 1970, foi a vez da Rede Globo – uma concessão pública – formalmente instituir o “Padrão Globo de Qualidade”, ao contratar José Leite Ottati – ex-funcionário do Departamento de Polícia Federal – para realizar a censura interna e evitar prejuízos advindos da proibição de telenovelas. Segundo Walter Clark, a primeira interdição da censura na Globo ocorreu em 1976, na novela Despedida de casado. Para blindar a emissora, o “Padrão Globo de Qualidade” receberia o auxílio de pesquisas de opinião feitas por Homero Icaza Sanchez – o “Bruxo” –, encarregado de identificar as motivações da audiência.

Definindo toda essa tática, Clark explicou que, “(...) enquanto a Censura agia para subjugar e controlar a arte e a cultura do país, perseguindo a inteligência, nós continuávamos trabalhando na Globo para fazer uma televisão com a melhor qualidade possível.” Organizada a autocensura, o “Padrão Globo de Qualidade” teve acrescidos outros ingredientes para o seu sucesso. Em sintonia com a imagem, divulgada pelo governo autoritário, de um “Brasil Grande”, formulou-se também uma “assessoria militar” ou uma “assessoria especial” composta por Edgardo Manoel Ericsen e pelo coronel Paiva Chaves. Segundo Clark, “ambos foram contratados com a função de fazer a ponte entre a emissora e o regime. Tinham boas relações e podiam quebrar os galhos, quando surgissem problemas na área de segurança”.

Esquema semelhante a este foi adotado pela Editora Abril, exposto em uma correspondência de Waldemar de Souza – funcionário da Abril e conhecido como “professor” –, a Edgardo de Silvio Faria – advogado do grupo e genro do sócio minoritário Gordino Rossi –, na qual comunicava o contato tanto com o chefe do Serviço de Censura em São Paulo – o censor de carreira e jornalista José Vieira Madeira –, como com o diretor do Departamento de Censura de Diversões Públicas – Rogério Nunes – para facilitar a aprovação das revistas e a chegada às bancas sem cortes.

Estes vínculos do “professor” com membros do governo são anteriores a esse período e justificam seu potencial de negociação. Desde novembro de 1971 o relações-públicas do DPF, João Madeira – irmão de José Vieira Madeira –, expediu uma carta ao diretor-geral da Editora Abril na qual ratificava o convite do general Nilo Caneppa, na época diretor do DPF, a Waldemar de Souza para que fosse a Brasília ministrar um curso especial aos censores. Em maio de 1972, o próprio general Caneppa enviou a Vitor Civita, diretor-geral da Abril, uma correspondência de agradecimento pelas palestras sobre censura de filmes, que Waldemar de Souza proferiu na Academia Nacional de Polícia. Para continuar colaborando, no ano seguinte, Souza formulou uma brochura intitulada “Segurança Nacional: o que os cineastas franceses esquerdistas já realizaram em países da América do Sul e pretendem repetir aqui no Brasil”. E, em 1974, com o general Antonio Bandeira no comando do DPF, Waldemar de Souza, em caráter confidencial, expôs o porquê de censurar Kung Fu e sua mensagem que “infiltra a revolta na juventude”.

Por fim, mas não menos importante, há a atuação do Grupo Folha da Manhã, proprietário da Folha de S. Paulo e da Folha da Tarde, entre outros, no período. Em dezessete anos, entre 19/10/1967 e 7/5/1984, o país foi dos “anos de chumbo” ao processo das Diretas Já, e a Folha da Tarde vivenciou uma redação tanto de esquerda engajada – até o assassinato de Marighella –, como, a partir daí, de partidários e colaboradores do autoritarismo.

Durante uma década e meia sob o comando de policiais, o jornal adquiriu um apelido: o de “maior tiragem”, já que muitos dos jornalistas que ali trabalharam eram igualmente “tiras” e exerciam cargos na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A partir deste perfil de funcionários, a Folha da Tarde carrega a acusação de “legalizar” mortes decorrentes de tortura, se tornando conhecido como o Diário Oficial da Oban.

Isto explica o porquê de os carros do Grupo Folha da Manhã serem incendiados por militantes de esquerda, nos dias 21/9/1971 e 25/10/1971. A ação era uma represália, já que o grupo era acusado de ceder automóveis ao Doi-Codi que, com esse disfarce, montava emboscadas, prendendo ativistas.
Nesse momento de ponderações sobre os 50 anos do golpe, recordo-me que, quando dos 30 anos do AI-5, o jornalista Jânio de Freitas publicou na Folha de S. Paulo uma advertência não cumprida por seus pares, inclusive agora, nas reflexões dos periódicos aos 50 anos do golpe civil-militar de 1964.

Corroborando com tudo o que foi exposto aqui, Freitas lembrava em 1998 que “a imprensa, embora uma ou outra discordância eventual, mais do que aceitou o regime: foi uma arma essencial da ditadura. Naqueles tempos, e desde 64, o Jornal do Brasil [...] foi o grande propagandista das políticas do regime, das figuras marcantes do regime, dos êxitos verdadeiros ou falsos do regime.  (...) Os arquivos guardam coisas hoje inacreditáveis, pelo teor e pela autoria, já que se tornar herói antiditadura tem dependido só de se passar por tal”.

O jornalista ao finalizar, adverte, e peço-lhe licença para me utilizar aqui, de suas conclusões. Trocarei 30 por 50 anos, AI-5 por golpe civil-militar de 1964, e o que estiver entre colchetes é de minha autoria. Assim: precisamos aproveitar os 50 anos do golpe civil-militar de 1964 para mostrar mais como foi o regime que [se instaurou a partir dali], eis uma boa iniciativa. Mas não precisava [como fizeram muitas narrativas recentes] reproduzir também os hábitos de deformação costumeiros naqueles tempos.


* Beatriz Kushnir é historiadora, doutora em História pela Unicamp, autora, entre outros de, Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Boitempo, 2012)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A nova mídia velha: dois casos

Fonte: Diário do Centro do Mundo

A agonia da Abril

Paulo Nogueira, 3 de agosto de 2013

Ao contrário de outras crises da mídia impressa, desta vez o caso é terminal.

A comunidade jornalística está em estado de choque pela carnificina editorial ocorrida na Editora Abril.
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Mas eis uma agonia anunciada.
Revistas – a mídia que fez a grandeza da Abril – estão tecnicamente mortas, assassinadas pela internet.

Os leitores somem em alta velocidade. Quando você vê alguém lendo revistas (ou jornal) num bar ou restaurante, repare na idade.

Jovens estão com seus celulares ou tablets conectados no noticiário em tempo real.
Perdidos os usuários, foi-se também a publicidade. Em países como Inglaterra e Estados Unidos, a mídia digital já deixou a mídia impressa muito para trás em faturamento publicitário.

E no Brasil, ainda que numa velocidade menor, o quadro é exatamente o mesmo. Que anunciante quer vincular sua marca a um produto obsoleto, consumido por pessoas “maduras”.

Apenas para lembrar, no mundo das revistas, nunca, em lugar nenhum, funcionou publicitariamente revista para o público “maduro”.

Sucessivas revistas para mulheres “de meia idade” em diversos países fracassaram à míngua de anúncios. O anunciante quer o jovem no auge do consumo. É um fato.

Crises as editoras de revistas enfrentaram muitas. Mas esta é diferente. Desta vez, o caso é terminal.
Antes, e eu vivi várias crises em meus anos de Abril, você sabia que uma hora a borrasca ia passar.
Agora, você olha para a frente e observa apenas o cemitério.

Sobrarão, no futuro, algumas revistas – mas poucas, e de circulação restrita porque serão um hábito quase tão extravagante quanto se movimentar em carruagem.

Na agonia, o que companhias como a Abril farão é seguir a cartilha clássica: tentar extrair o máximo de leite da vaca destinada a morrer.

Para isso, você enxuga as redações, corta os borderôs, piora o papel, diminui as páginas editoriais e, se possível, aumenta o preço.

É uma lógica que vale mesmo para títulos como Veja e Exame, os mais fortes da Abril. Foi demitido, por exemplo, o correspondente da Veja em Nova York, André Petry.

Grandes revistas da Abril, como a Quatro Rodas, passaram agora a não ter mais diretor de redação.
Em breve deixará de fazer sentido uma empresa que encolhe ficar num prédio como o que a Abril ocupa na Marginal do Pinheiros, cujo aluguel é calculado entre 1 e 2 milhões de reais por mês.

É inevitável, neste processo, que a empresa perca o poder de atrair talentos. Quem quer trabalhar num ramo em extinção?

Os funcionários mais ousados tratarão de sair, em busca de carreiras em setores que florescem.
Ao contrário de crises anteriores para a mídia impressa, esta é, simplesmente, terminal.

Corre o boato de que a empresa será vendida. Mas quem compra uma editora de revistas a esta altura? Recentemente, no Reino Unido, correu o boato de que o proprietário dos títulos Evening Standard e Independent estaria vendendo seus jornais. Numa entrevista, isso lhe foi perguntado por um jornalista. “Mas quem está comprando jornais?”, devolveu ele.

É um cenário desolador – e não só para a Abril como, de um modo geral, para toda a mídia tradicional, incluída a televisão.

A internet é uma mídia que se classifica como disruptora: ela simplesmente mata. O futuro da tevê está muito mais na Netflix ou no Youtube do que na Globo.

As empresas de mídia estão buscando alternativas para sobreviver. A News Corp, de Murdoch, separou recentemente suas divisões de entretenimento e de mídia, para que a segunda não contamine a primeira.

A própria Abril vai saindo das revistas e tentando um lugar ao sol na educação.

Mas escolas – supondo que a Abril supere o problema dramático de imagem da Veja, pois isso vai levar muitos pais a recusar dar a seus filhos uma educação suspeita de contaminação pela Veja – não dão prestígio e nem dinheiro como as revistas deram ao longo de tantos anos.

Isso quer dizer que a Abril luta pela vida. Mas uma vida muito menos influente e glamorosa do que a que teve sob Victor Civita, primeiro, e Roberto Civita, depois.

 

 ***

O iceberg tenta resgatar o Titanic: a compra do Washington Post pelo dono da Amazon

Kiko Nogueira, 6 de agosto de 2013
 
Jeff Bezos pagou US$ 250 milhões (um quarto do que custou o Instagram) pelo jornal que deu o furo de ‘Watergate’.

A notícia da compra do Washington Post pelo empresário Jeff Bezos, dono da Amazon, causou um terremoto na mídia americana. Bezos pagou 250 milhões de dólares de um fundo que usa para explorações científicas chamado Expeditions. A família Graham era dona do Post desde 1946. Katharine Weymouth, a atual publisher, se declarou entusiasmada com o negócio. O WaPo, como é apelidado, é responsável pelas reportagens sobre Watergate, que causaram a queda de Richard Nixon. Weymouth falou da capacidade de Bezos de conduzir a publicação “para um futuro digital”. Ela permanecerá no cargo, por enquanto.
jeff
Bezos
Ferido de morte pela Internet, o Post foi vendido por um quarto do valor desembolsado pelo Tumblr e pelo Instagram (e pelo mesmo que um colecionador pagou por um quadro de Cézanne há dois anos).

Os jornalistas estão atônitos. O iceberg (a Internet) resgatou o Titanic (a velha mídia)? Foram pegos de surpresa (um dia antes do anúncio oficial, o New York Times publicou um perfil de Weymout em que nada disso foi mencionado). Vários colunistas da casa se manifestaram. Um deles, Ezra Klein, finalizou seu artigo resumindo o sentimento geral: “Estou esperançoso”.

Aos 49 anos, Bezos tem uma fortuna pessoal calculada em 22 bilhões de dólares. É um liberal que apoia causas como o casamento gay. Tem fama de controlador e perfeccionista. Testemunhas falam de reuniões que só começam depois de leituras silenciosas de longos memorandos de seis páginas. Na carta aos funcionários, escreveu o seguinte: “Haverá, claro, mudanças no Post nos próximos anos. É essencial e teria acontecido com ou sem um novo proprietário. A Internet está transformando quase todos os elementos do negócio da notícia: encurtando o ciclo delas, erodindo fontes de financiamento antigas e permitindo o surgimento de novos competidores”.

Bezos está sendo encarado com a grande esperança branca. Carl Bernstein, que junto com Bob Woodward produziu as matérias do Watergate, acredita que Bezos vai combinar “as melhores sensibilidades da velha e da nova era”.

Mas a verdade é que Bezos não é uma instituição benemerente e fará o que a família não quer mais fazer: cortar. Ou, em tucanês, promover uma “reestruturação”. Isso significa demitir pessoas, diminuir salários etc.

O Washington Post perdeu relevância e dinheiro de maneira dramática nos últimos anos. O prejuízo em 2012 foi cinco vezes maior que o de 2010. Mudaram de endereço para um prédio menor.

Fecharam escritórios em outras cidades. Mas a sangria não foi desatada. Em seu comunicado oficial, o CEO Donald Graham (tio de Katharine Weymouth) admitiu que os lucros “têm diminuído há sete anos. Nós inovamos, e na minha visão nossas inovações foram bem sucedidas em termos de audiência e qualidade, mas não foram suficientes para deter o declínio do faturamento”.

A negociação é um sinal dos tempos. Um bilionário do Vale do Silício assume um jornal com mais de 100 anos de idade. Não se sabe no que vai dar. Mas Jeff Bezos vai fazer o que tem de ser feito no velho Washington Post — e a família Graham estará assistindo, enquanto o sangue escorre.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Mídia impressa, mídia eletrônica...

Internacional| 09/01/2013 | Copyleft

Mídias que morrem e o futuro da imprensa

No final de 2012, ocorreram dois fatos de extraordinária significação, ainda não analisados em profundidade, sobre o mundo dos meios de comunicação. Uma das mais famosas revistas estadunidenses, Newsweek, que estava a ponto de completar 80 anos, deixou de circular depois de perdas anuais estimadas em 30 milhões de dólares. O segundo foi a desaparição do The Daily menos de dois anos depois de seu lançamento como o primeiro grande jornal desenhado exclusivamente para iPad. Os dois fatos lançam novas dúvidas sobre o futuro da imprensa escrita. O artigo é de Eleazar Días Rangel.




Caracas - No final de 2012, ocorreram dois fatos de extraordinária significação, ainda não analisados em profundidade, sobre o mundo dos meios de comunicação. Uma das mais famosas revistas estadunidenses, Newsweek, que estava a ponto de completar 80 anos, deixou de circular depois de perdas anuais estimadas em 30 milhões de dólares, e uma queda na tiragem que nos anos 80 era de quatro milhões e chegou a 1,4 milhões há dois anos.

Esse fechamento é outra expressão da crise midiática nos EUA, onde em cinco anos 145 jornais diários fecharam e só 14 passaram a existir na internet. A Comissão Federal de Comunicação (FCC) revelou que 35 mil postos de trabalho deixaram de existir, 18 milhões de leitores abandonaram a imprensa e, entre 2005 e 2010, as perdas ultrapassaram a casa dos 23 bilhões de dólares.

Os editores da Newsweek começaram a buscar soluções quando perceberam a crise que se avizinhava, mudaram sua linha editorial para torná-la mais acessível ao chamado grande público, “com capas e conteúdos cada vez mais apelativos e superficiais”, o que afetou sua qualidade sem ganhar leitores. Agora, em janeiro, poderão ler Newsweek Global on line, mediante pagamento pelo serviço, com pessoal reduzido e sem colocar em risco a qualidade do jornalismo, asseguram seus editores.

“Alguns jornalistas e especialistas em mídias e comunicação são céticos quanto ao futuro dessa marca e de muitas outras empresas de comunicação, apanhadas em uma combinação letal de um modelo de negócios que não se sustenta e outro que não mostra ainda um caminho claro para a sobrevivência”, segundo resume uma investigação de Antonio Caño, correspondente do El País, em Washington.

O fim desta revista confirma a hipótese de um estudo de uma universidade dos EUA – creio que da Pensilvânia -, segundo a qual em um dia de outubro de 2040 circulará o último exemplar de um diário impresso neste país?

Crescem as informações sobre as sérias dificuldades da imprensa em um número cada vez maior de países, e não necessariamente vinculados à grave situação da economia europeia. Milhares de jornalistas ficaram desempregados, As crises do El País e do El Mundo, da Espanha, são um bom exemplo do que ocorreu em muitos outros meios de comunicação. No entanto, Walter Buffet, terceiro na lista dos multimilionários do mundo, com mais de 50 bilhões de dólares, está comprando publicações como se soubesse que algo bom está por acontecer, mas ninguém sabe a verdade dessas compras, se é que não são uma maneira de colocar dinheiro em um saco furado.

A outra morte
Vejamos o outro fato significativo. A notícia foi divulgada pela Agência EFE, desde Nova York: a desaparição do jornal The Daily “menos de dois anos depois de seu lançamento como o primeiro grande jornal desenhado exclusivamente para iPad coloca novas dúvidas sobre o futuro da imprensa escrita”.

O mesmo despacho explica que o fracasso dessa experiência “é simplesmente uma lembrança de que no mundo digital pós-impresso, o poder passou dos editores aos consumidores”. Segundo o editor chefe do portal especializado Mashable, Lance Ulanoff, os leitores de notícias na internet criam seus próprios jornais com base em leituras de diferentes diários em múltiplas plataformas, razão pela qual o pecado original deste periódico foi precisamente estar disponível somente para o iPad durante seu primeiro ano de vida, e mesmo tendo ampliado depois esse espectro, não teve audiência suficiente para converter-se em um negócio sustentável no longo prazo, reconheceu Rupert Murdoch, quando anunciou seu fechamento. The Daily alcançou 100 mil assinantes, mas precisava do dobro para estabilizar-se.

A nota da agência EFE conclui: “Seja qual for a razão da rápida desaparição do The Dialy, ela evidencia as dificuldades que enfrentam os meios de comunicação para encontrar novas vias para se tornarem rentáveis e complica o nascimento de outras iniciativas que busquem delinear o caminho para o qual deve se dirigir a imprensa escrita”.

No caso da Venezuela, Últimas Notícias conserva sua alta circulação e credibilidade, enquanto vários jornais da América Latina desapareceram (o último foi La Nación, do Chile), e a maioria viu sua circulação diminuir, como é o caso de El Tiempo, de Bogotá, e Clarín, de Buenos Aires, que passou de 400 mil exemplares em 2007 para menos de 300 mil em 2011, e sua edição dominical passou de 800 mil para 600 mil, segundo o Instituto de Verificação de Circulação (IVC).

Não obstante essa circunstância que o converte no jornal mais lido na Venezuela, os proprietários da Cadeia Capriles instalaram em suas novas edificações uma redação unificada com as três marcas, o portal, suas redes sociais, com as mais altsa tecnologias, que revelam como olham o futuro sem abandonar o presente dos meios impressos. O vice-presidente da cadeia, Ricardo Castellanos, diz que “foi colocado aos diretores e a toda a equipe de jornalistas desta redação única o enorme desafio da transformação para que em poucos anos ela seja uma empresa de multimeios e multiplataforma capaz de enfrentar com êxito e viabilidade econômica a mudança de paradigmas que hoje vive a indústria”.

Em última instância, serão os leitores e anunciantes os fatores fundamentais de seu crescimento e do futuro das mudanças que surgem no horizonte.

(*) Jornalista venezuelano. Atualmente dirige o jornal Últimas Notícias, da Venezuela, que possui a maior circulação nacional.

Tradução: Katarina Peixoto (do Boletim Carta Maior)