A geração bit se assenhora da comunicação, mas a revolta está no ar
qui, 22/08/2013 - 14:00
A Geração Bit
A velha mídia está derretendo sob o sol a pino de novas formas de
consumo da informação. Os abalos sofridos por ícones tradicionais do
jornalismo se sucedem. O que sobrará dos velhos modelos?
Uma guerra de titãs se processa no campo da comunicação e da
tecnologia da informação, envolvendo pelo menos três atores essenciais:
os grandes grupos financeiros (bancos e seus financistas), as grandes
corporações do mundo da informação e da comunicação e os governos.
Quem agora puxa o ritmo das transformações na comunicação são o que chamo de
barões digitais, ou
Geração Bit (de
Bill Gates, da Microsoft; do finado Steve Jobs, da Apple; Mark
Zuckerberg, do Facebook; Sergey Brin e Larry Page, do Google, Jeff
Bezos, da Amazon, e tantos outros que não param de surgir), todos de
trajetória meteórica.
Por enquanto, eles agem em conluio com os velhos gigantes das
telecomunicações. O problema é que o principal negócio das telecons está
se transformando. Dentro em breve, será quase exclusivamente o de
entregar os produtos empacotados pelos barões digitais, pura e
simplesmente. A sorte das telecons está, literalmente, por um fio. Se
houver inovações que tornem a interligação física dispensável ou menos
rentável do que o necessário para cobrir os custos de sua
infraestrutura, as telefônicas passarão a ser a bola da vez do
canibalismo dos barões digitais.
Mais cedo ou mais tarde, os velhos capitães das telecons terão que
encarar diretamente os criadores da atual fase da era digital. Ambos os
lados irão reinstalar o teatro que, há um século, se dava em torno de
ferrovias, petróleo, energia elétrica e siderurgia. Na segunda metade do
século XIX, esses barões ladrões se abraçavam e se apunhalavam o tempo
todo. Algo similar deve ocorrer na era digital entre o baronato sem fio e
o com fio, em duelos em que as armas serão telefones (fixos e móveis),
computadores portáteis e televisores. Nenhum deles deve desaparecer. A
grande incógnita não é quem irá vencer, mas sim como e quando os barões
digitais da Geração Bit irão enterrar os telecons, e se alguém dentre as
telefônicas irá mudar de lado a tempo para evitar ficar pequeno, como
aconteceu com a IBM, a Xerox e a Kodak.
O entrechoque vai ditar os novos rumos da comunicação global. Aqueles
que prevalecerem desse confronto irão transformar definitivamente o
mundo das comunicações.
Os Cavalos de Troia
Os governos aparecem como peças chave dessa equação. Eles são
propulsores das estratégias comerciais e industriais dos grupos
econômicos que estão à frente das inovações que reinventam o mundo em
que vivemos. Patrocinam as estratégias desses grupos, compram seus
produtos e os alimentam de informação vendida como notícia.
O complexo militar é normalmente responsável por investir recursos
maciços em tecnologias inovadoras que, posteriormente, ganham versões de
mercado. Hoje se sabe o quanto tais tecnologias continuam sendo
capturadas por objetivos militares e de influência geopolítica.
Celulares, tablets, notebooks e televisores, vendidos em lojas de
varejo e dados aos montes em época de Natal, aniversário e Dia dos
Namorados, são presentes de grego que trazem em suas barrigas soldados
digitais (como era Edward Snowden), recrutados para abrir os portões das
atividades, das preferências e dos pensamentos de cidadãos, empresas e
governos, onde quer que estejam.
A comunidade de informação dos EUA continua se banqueteando de todos
nós, a cada clique, como vermes escondidos. Graças a Snowden,
descobrimos que o grande problema da internet não são os piratas, são os
corsários, ladrões de informações preciosas a serviço dos governos. Ao
invés de empunharem a bandeira de ossos cruzados, vestem uniformes e
hasteiam as bandeiras de seus países.
Em meio a tudo, o outrora grande negócio do jornalismo tornou-se
apenas um detalhe. Neste instante, completa-se uma longa trajetória que
começou, no século XIX, com o jornalismo, enquanto profissão -
“profissão liberal”, como se dizia no passado daqueles que trabalhavam
por conta própria e recebiam o quanto lhes era pago diretamente por seus
clientes. No século XX, o jornalismo abriu um grande mercado – o da
comunicação de massa. Suas corporações carregavam o portentoso título de
“a grande mídia”. Eram titãs nos velhos tempos. Alguns ainda são. Em
pouco tempo dirão, como a personagem do filme “Crepúsculo dos deuses”:
“eu sou grande! O mundo é que ficou pequeno”.
A trajetória hoje se completa com o jornalismo e a informação sendo
transformados simplesmente em um produto. Um produto cada vez menor,
rasteiro e descartável. Em uma visão dialética, se percebe que esse já
era o destino para o qual os grandes veículos estavam transformando o
caráter da notícia. Hoje, provam sua amarga colheita e se sentem
envenenados.
Entre tantos sinais do derretimento colossal, o mais recente e
apoteótico foi a compra do Washington Post pelo fundador e chefão da
Amazon.com, Jeff Bezos. O Post custou o preço de um quadro de Paul
Cézanne.
Pior destino tiveram muitos outros jornais. Eles se dividem entre os
que desapareceram, os que permanecem em estado vegetativo e os que
entraram em autofagia. A maioria resiste fazendo dos jornalistas suas
principais vítimas, com demissões em massa e enxugamento das redações e
editorias.
O titã tornou-se, ao fim, um Titanic. Foi essa a metáfora mais
emblemática da venda do Washington Post a Bezos. O jornal encontrou seu
iceberg, e é sobre ele que o negócio do jornalismo, prostrado, lança
suas esperanças de abrigar-se. É sobre sua plataforma gigantesca e
reluzente que se busca refúgio e alívio contra um destino pior: afundar.
O mesmo Bezos já havia vaticinado: "A internet está transformando quase todos os elementos do negócio
das notícias: reduziu os ciclos noticiosos, erodiu as fontes confiáveis
de receita e abriu espaço a novas formas de competição, entre as quais
as que têm pouco ou nenhum custo para a produção de notícias". (“Jeff
Bezos, el multimillonario que compró el alicaído Washington Post”,
BBC, 6/8/2013).
A notícia como mercadoria
O grande negócio do jornalismo, ao transformar a notícia em
mercadoria, hipotecou sua independência. O “jornalismo independente”
significava, no princípio, que o jornalismo era um negócio próprio,
autônomo. Sua principal fonte de receita era a venda em bancas e as
assinaturas. É esse modelo que está em crise.
Cada vez mais, os velhos jornalões estão sendo comprados ou por
grandes financistas (como John W. Henry e Warren Buffett) ou por grupos
de telecomunicações e novas mídias digitais (como Carlos Slim e, agora,
Bezos). Bezos é o primeiro da Geração Bit a entrar pela porta da frente
do mundo jornalístico. Antes dele, e pela porta dos fundos, o Google
ameaçou fazer um estrago no jornalismo tradicional similar ao provocado
pelo Youtube na indústria do entretenimento. Rodando resumos de notícias
extraídas diretamente dos jornais, em tempo real, em seu motor de
busca, ele provocou uma diminuição na propensão dos leitores de gastarem
um clique a mais para visitar as páginas dos jornais, definhando a
estatística que alimenta sua publicidade.
O jornalismo de grande escala é cada vez menos um negócio em si e
cada vez mais uma parte de outros negócios. É um item a mais na grande
lista de produtos das grandes corporações digitais de entretenimento.
Porém, a dialética da nova comunicação digital, se em escala global
levou à sua transformação completa em mercadoria, em escala local
produziu uma nova versão do jornalismo enquanto atividade militante,
dedicada ao desmascaramento das relações ocultas entre o público e o
privado. Também tem se revelado fundamental à proclamação da identidade
de novos atores, com novas agendas na relação entre Estado e sociedade.
De fato, esse jornalismo militante estava presente na origem do
jornalismo contemporâneo. Desde os tempos longínquos de Marat
(1743-1793) e seu jornal “O Amigo do Povo”, fagulha essencial para a
Revolução Francesa. Também no jornalismo operário do século XIX e na
imprensa revolucionária dos partidos proscritos pelos governos
aristocráticos da velha Europa. Estava igualmente visível na primeira
imprensa dos Estados Unidos, que Alexis de Tocqueville (1805-1859)
registrou como uma das bases essenciais “Da Democracia na América”
(título de seu livro de 1835). Naquela república que, segundo ele,
trazia um padrão de governança que se espalharia por todo o mundo, havia
um cidadão com uma característica peculiar: o gosto por ler jornais.
Não à toa, ali se conformaria uma ética e uma estética do jornalismo
que se tornariam um padrão internacional, pelas mãos do célebre
Joseph Pulitzer
(1847–1911). Pulitzer, celebrizado pelo prêmio que funciona como um
Nobel para os profissionais da área, reproduziu seu modelo de
“independência”, zelo pela precisão das informações e rigor na apuração.
Consolidou também a preferêcia por jornais de títulos grandes e
chamativos, imagens fartas, frases curtas, objetivas, diretas.
É importante lembrar o contexto de Pulitzer, de combate intenso do
jornalismo contra os barões ladrões e crítica à política corrupta,
capturada pelo interesse dos cartéis. Pulitzer fez parte de um processo
importante de formação da consciência nacional que contribuiu para a
luta contra a cartelização econômica, o que forçou os partidos
Republicano e Democrata a um realinhamento de suas plataformas e de suas
relações com a sociedade.
Nos tempos de Pulitzer, o leitor era a fonte essencial da sustentação
dos veículos. Para vender, os jornais, em alguma medida precisavam
expressar o ímpeto por mudanças. Paulatinamente, esse modelo foi
superado. O jornalismo baseado no interesse do leitor foi transformado
em jornalismo comercial, no qual a publicidade passou a ocupar um espaço
fundamental. Ele já não podia, francamente, se reivindicar
independente. Ele não podia revelar suas relações íntimas com os grandes
grupos econômicos e seus governos liberais. Como alternativa, sua
pregação iconoclasta, sua simulação de independência e sua indignação se
voltariam contra movimentos sociais, permanentemente estigmatizados, e
contra governos progressistas, quase sempre nivelados por baixo e
carimbados de corruptos.
A situação chegou ao paroxismo no Brasil, onde, como lembra o professor
Mário Schapiro,
a corrupção e as práticas ilícitas “parecem corresponder a um mercado
de ficção: o mercado em que só há a demanda, mas não há a oferta"
(SCHAPIRO, Cartel no Metrô e as Respostas do Direito. Blog do Estadão,
2/8/2013). Há corruptos por todo o Estado, mas o mercado de corruptores é
apenas negócio.
O novo mundo da comunicação se encaminha para o que Manuel Castells
(Communication, Power and Counter-power in the Network Society.
International Journal of Communication, vol. 1, 2007, págs. 238-266)
denominou “autocomunicação de massa”. Uma comunicação que não é mais
absolutamente unívoca e depois massificada, e sim proveniente de uma
profusão de atores e autores. Por meio da troca multimodal, algumas
mensagens geradas por muitos e endereçadas a muitos ganham uma
notoriedade viral.
Essa comunicação, dificílima de ser engarrafada pelos meios de
comunicação tradicionais, é revolucionária por criar e recriar, o tempo
todo, novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras. Ao mesmo
tempo, é uma comunicação descartável, que se desmancha no ar. Tende a
gerar um Walter Cronkite por dia (Cronkite, 1916-2009, foi o respeitado
âncora da CBS entre os anos 1960 e 1980, e é o exemplo paradigmático do
“formador de opinião”), descartando-o no dia seguinte. É essa lógica do
efêmero, movida pelo “on-line” e pela inovação de formatos e narrativas,
que torna constante o descarte de profissionais, a repaginação dos
lay-outs e a migração para novas plataformas eletrônicas. Estamos diante
de um processo acelerado de destruição da atividade jornalística
tradicional. O jornalismo não está morrendo. Está se reinventando. O que
está morrendo é uma forma específica e datada de jornalismo.
A revolta da comunicação das ruas
Frente a um novo contexto e muitas dificuldades, a velha mídia do
Brasil pisou distraída nas jornadas de junho - como foram apelidadas as
manifestações ocorridas neste ano. Diante de novos padrões comunicativos
e narrativas inovadoras, produzidas por atores multifacetados, os
veículos de maior audiência resolveram brincar com fogo.
Os maiores veículos não estavam seriamente interessados em saber o
que estava acontecendo, e sim em direcionar o alvo do desgaste. Os
especialistas de plantão eram os de sempre, inaptos a dar opiniões que
realmente fizessem algum sentido em relação às pautas das manifestações.
Em pouco tempo, uma imprensa desacostumada a uma pluralidade de
atores, sobre os quais praticou a delicada censura do silêncio,
tornou-se ela própria um alvo evidente dos protestos. As grandes
multidões eram compostas de inúmeras e diversas “multidinhas”. Em comum
elas tinham, no mínimo, uma desconfiança em relação à velha mídia, mas
alguns grupos demonstraram uma franca aversão e até ódio aos veículos
mais tradicionais.
A tentativa da velha mídia de dublar as opiniões das multidões, com
uma tradução enviesada por seus próprios interesses, gerou revolta e foi
rechaçada de forma agressiva pelos manifestantes, que hostilizaram e
expulsaram todos os jornalistas que se apresentaram na multidão com o
símbolo dos grandes grupos de comunicação. Mesmo alguns de nossos
melhores jornalistas, críticos e acostumados a mostrar o outro lado,
foram nivelados por baixo. Algo que não se justifica, mas se explica.
De positivo, houve a eclosão de uma infinidade de comunicadores
populares, com uma ideia na cabeça e um smartphone ou uma pequena câmera
na mão. No Brasil, um desses grupos ganhou identidade em torno da Mídia
Ninja. Mas há uma centena de pessoas e de grupos populares de
comunicação espalhados pelo Brasil, surgidos em torno da vontade de
mostrar o que ninguém vê. Se somarmos a isso a comunicação popular
comunitária, a conta passa dos milhares. A única diferença para os
Ninjas é que eles não surgiram das manifestações de ontem, e sim há um
bom tempo, e ainda não escreveram seu manifesto.
Ao pôr em ação um novo padrão comunicativo, colocam em xeque o padrão
tradicional de comunicação jornalística, publicitária, de eventos (como
a Copa), e mesmo da comunicação digital. O jornalismo impresso era
responsável por apresentar, diariamente, “uma condensação totalizante de
determinada visão de mundo”, como lembra Maringoni (
Jornal, o fim de uma concepção).
A comunicação alternativa e popular ganha sentido com uma visão
horizontal, crítica da sobredeterminação do mercado sobre as políticas
públicas do Estado. Longe do mito da isenção e da imparcialidade, sua
objetividade é garantida justamente pela possibilidade de estar próximo à
ação popular ou de ser parte dessa própria ação.
Também essa visão engajada estava presente na origem do jornalismo.
No entanto, o novo padrão comunicativo não é mais o velho engajamento
dos publicistas, como o de
Émile Zola (1840 - 1902) em seu “J’accuse”, ou o jornalismo de
Samuel Weiner (1912-1980), que tomava partido pró-
Getúlio Vargas
(1930-1945). O velho publicismo e o jornalismo partidário faziam um
apelo à consciência nacional. A comunicação popular e alternativa, de
forma diversa, é parte do próprio alinhamento de setores da sociedade
que ganham expressão comunicativa. Em meio a uma feroz disputa política,
os velhos publicistas eram heróis da consciência nacional adormecida.
Hoje, os que fazem a comunicação de movimentos sociais e de atos de
revolta buscam sobretudo registrar e potencializar, e não orientar tais
iniciativas.
O engajamento hoje se dá na relação com movimentos populares, dos
quais sua comunicação brota e depende. Se (ou quando) tais movimentos se
recolhem, essa comunicação tende ou a murchar ou a ganhar maturidade e
permanência, como foi no caso da experiência da
TV dos Trabalhadores. Quando não, hibernam junto com um outono das mobilizações, até que ressurjam com força, ou ganham nova forma e novo sentido.
O jornalismo mambembe diante dos governos que se comportam como empresas
Infelizmente, as formas de comunicação plurais, de pequena escala,
que interessam ao cidadão que vê o mundo de sua janela, estão fora do
radar da comunicação governamental. Os governos, que deveriam ser os
principais interessados em comunicar para a cidadania, agem no mercado
publicitário sem qualquer diferença em relação ao que fazem as fábricas
de cerveja, as lojas de varejo e as montadoras de automóvel.
Há preocupações extremadas com a possibilidade, por exemplo, de
financiar mídias que cobrem protestos - possivelmente, mais pelo fato de
que as manifestações criticam todos os governos, como é próprio da luta
pela cidadania. A luta por direitos sempre foi antecipada por revoltas,
algumas violentas. Do ludismo dos ingleses e das sabotagens dos
franceses, que jogavam seus “sabots” (tamancos) dentro das máquinas,
contra a Revolução Industrial; dos protestos violentos de 1º. de maio de
1886 pela redução da jornada de trabalho; das passeatas pelo voto das
mulheres (as sufragistas); das greves operárias de 1978 e 1980 que
confrontaram a ditadura no Brasil; dos
Occupy, nos EUA; dos indignados, na Espanha, aos revoltosos da Primavera Árabe.
Os movimentos que historicamente se tornaram vitoriosos foram aqueles
que transformaram a revolta e a destruição em politização das pautas e
em partidarização de bandeiras que foram sendo progressivamente
institucionalizadas, ou seja, se tornaram regras. Uma dessas bandeiras
ainda à espera de quem as empunhe com mais firmeza é a da democratização
da comunicação.
Dizem que não se pode financiar mídias que, entre outras coisas,
podem verbalizar protestos, mas não se tem pudor algum em anunciar em
programas cujos apresentadores defendem que bandido bom é bandido morto,
ou programas humorísticos em que as principais piadas são contra
negros, mulheres, nordestinos e homossexuais. Se os índices de audiência
justificam o gasto, não importa o gosto; não importa, nem mesmo, a
mensagemanticidadã que pronunciem. Financiar o conservadorismo é normal.
Financiar a mudança é um perigo.
Os governos chamam de “mídia técnica” aquela que é medida pelo Ibope e
pelo Índice de Veiculação de Circulação de jornais e revistas (o IVC).
Mas esquecem de dizer que o Ibope e IVCs dessas mídias é diariamente
alimentado por um mercado de informações privilegiadas e das entrevistas
exclusivas concedidas apenas para “os grandes”.
A informação produzida pelo Estado é um bem imaterial, mas que custa
dinheiro público para ser produzida. Pois ela é rotineiramente dada
privadamente de bom grado, conforme relações de amizade e interesses de
evidência, ou jogada pela janela da cizânia de autoridades maiores e
menores dos próprios governos. Sem licitação, sem transparência, sem
critérios republicanos. Muitas vezes em segredo, o que é algo proibido
pela lei que rege o serviço público (salvo raras exceções), mas é
afrontosamente tolerado sob o charmoso apelido de “off”.
A “mídia técnica” gasta absurdamente mais recursos em TV do que em
rádio, embora o consumo de informação dos brasileiros pelo rádio esteja
praticamente no mesmo patamar do da TV. Gasta-se injustificadamente mais
do que se deveria em jornais e revistas do que em internet. Gasta-se
muito com poucas empresas de comunicação, e pouco com os profissionais
que fazem a comunicação. Afinal, a esmagadora maioria dos profissionais
da comunicação está fora do pequeno circuito da velha mídia.
Esse é um debate essencial e que precisa mudar de patamar. É preciso
olhar ao redor o que acontece no mundo da nova comunicação digital e no
que ocorreu bem debaixo de nosso nariz, após os protestos. A comunicação
alternativa e popular não pode ser tratada como um jornalismo mambembe,
que sobrevive de centavos jogados pelos transeuntes sobre um chapéu
virado.
Sua principal virtude é tratada como um defeito pela visão oficial,
dado o viés meramente comercial. A comunicação popular e a alternativa
não são estritamente jornalismo, são comunicação em sentido amplo. Sua
principal atividade não é apenas relatar e opinar (isso também), e sim
dar voz, documentar ações e personagens muitas vezes invisíveis, contar
histórias de quem é silenciado pelos meios tradicionais. Sua vocação não
é a da massificação, mas a de públicos segmentados – melhor seria
dizer, públicos especiais. Ela caminha pelo que Castells chama de
“pequenos meandros”, as redes de relacionamento social que precederam as
ferramentas eletrônicas criadas para facilitar a produção e entrega de
suas mensagens.
Essa comunicação não se dedica ao mercado, e sim à cidadania. Talvez
por isso a maioria das áreas de publicidade dos governos, colonizada
pela visão marqueteira e focada nos índices de popularidade, não sabe
exatamente o que fazer com ela.
Deveria ser acolhida de forma pública e transparente nas estratégias
de financiamento das políticas públicas que interessam ao fortalecimento
da pluralidade, da democracia, da radicalização dos direitos de
cidadania. É claro que essa possibilidade inovadora só poderia existir
em governos que também não encarassem a notícia como mercadoria. É
difícil encontrá-los.
Assim que Jeff Bezzos comprou o Washington Post, surgiram várias
especulações sobre o que ele afinal pretende. Se Bezos estiver pensando
grande, pode criar um novo modelo de negócio para o jornalismo, fazendo
desaparecer muitos jornais, assim como, com o Kindle, seu leitor de
livros digitais, ajudou a fechar várias livrarias por todo o país.
Outra hipótese é a de que, se estiver pensando pequeno, Bezos usará o
Post apenas como instrumento para aumentar sua influência em Washington -
convenhamos, Bezos não precisa do Post para isso, basta seu dinheiro.
Alguns ainda disseram que ele quer, além da marca do Post, se aproveitar
de uma parcela preciosa da inteligência nacional, aquela formada pelo
excelente time de profissionais da notícia que vive sob o manto e o mito
do jornal que derrubou Nixon. Provavelmente, Bezos está pensando não em
uma, mas em todas as opções anteriores.
A que me parece mais instigante é justamente a da inteligência
nacional. No Brasil, ela está sendo demitida dos jornais e partindo para
voos solo, em blogs ou em novas organizações coletivas, micro, pequenas
e médias; comunitárias ou cooperativas. Isso deveria interessar aos
governos que pretendam uma política ousada e republicana de comunicação,
capaz de relacioná-la mais aos direitos de cidadania do que ao Ibope.
Uma política que se aproveitasse mais da extraordinária capacidade e
inteligência dos jornalistas do que das marcas dos veículos que as
transmitem. Afinal, tais marcas são efêmeras e decadentes. É melhor
investir em quadros de Paul Cézzane. No futuro, eles valerão bem mais.
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