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sábado, 24 de janeiro de 2015

Democratização da informação, regulação econômica da mídia, liberdade de expressão

Regulamentação da mídia volta à cena em 2015

Escrito por: Reportagem: Emanuelle Brasil/Edição: Daniella Cronemberger
Fonte: Agência Câmara de Notícias
 

Prioridade do novo ministro das Comunicações, tema é controverso no Legislativo

A retomada do debate sobre a regulamentação econômica da mídia é uma das promessas feitas por Ricardo Berzoini ao assumir o Ministério das Comunicações. Discutido pela sociedade civil há muitos anos – sobretudo a partir da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em 2009 – o assunto divide a opinião de deputados.

"É um absurdo essa proposta. Certamente foi encomendada para censurar a imprensa e as práticas democráticas. O PSDB, tanto na Câmara quanto no Senado, vai confrontar essa matéria, que não corresponde aos sentimentos nacionais”, afirmou o líder do PSDB, deputado Antonio Imbassahy (BA).

Já a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) afirma ser uma “falácia” o argumento de que a regulamentação dos meios de comunicação ameaçaria o direito de livre expressão. “Os defensores da democratização da mídia são, justamente, aqueles que estão à margem do ‘direito de antena’ – o direito de emitir e de receber imagens e sons por meio da radiodifusão”, diz. “Os setores dominantes da sociedade não têm nenhum interesse em mudar a dinâmica de poder da mídia”.

Segundo o governo, a ideia é incentivar a regulamentação econômica da mídia eletrônica e impressa, sem tocar no conteúdo. Atualmente, a principal referência legal para a mídia é o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, atualizado pela Lei Geral de Telecomunicações, em 1997.

No entanto, a maioria das normas constitucionais sobre comunicações até hoje não foi regulamentada pelo Congresso. Um exemplo são os princípios para a produção e a programação do serviço de radiodifusão, que deveriam servir de critério para outorga e renovação de concessões.

























Outra lacuna é o direito de resposta, que ficou sem regra específica desde que o STF julgou a Lei de Imprensa inconstitucional, em 2009. O Projeto de Lei 6446/13, que tramita apensado a outras propostas sobre direito de resposta e imprensa, foi incluído várias vezes na pauta do Plenário, no ano passado, mas não houve consenso para votá-lo.

Os princípios constitucionais que preveem a regionalização da programação e o estímulo ao conteúdo independente na televisão também não foram regulamentados por lei. Sobre isso, tramita no Congresso o PL 256/91, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que garante a produção regional independente na TV aberta. Apresentado há 24 anos, o texto foi aprovado pela Câmara, mas encontra-se parado no Senado.

Interesses

A secretária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, atribui o atraso no debate sobre a regulamentação ao interesse contrário de alguns parlamentares. “Um obstáculo grave para essa discussão é o fato de termos tantos parlamentares como concessionários de rádio e televisão no Congresso, em razão do processo da década de 1980 e início da década de 1990 para conceder outorgas como moedas de troca em votação de projetos. A gente tem o que se chama de coronelismo eletrônico", afirma.

O artigo 54 da Constituição proíbe os parlamentares de manter contrato ou exercer cargos, função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público.

Para Antônio Imbassahy, no entanto, esse tipo de crítica tem o objetivo de constranger os parlamentares. “Se essas concessões irregulares acontecem, é preciso que sejam corrigidas”, afirma. “Uma coisa é censurar a imprensa brasileira, outra coisa é corrigir eventuais irregularidades.”

Fiscalização

A deputada Luiza Erundina acredita ser preciso fiscalizar as concessões de radiodifusão (válidas por 10 anos para a rádio e 15 para a TV) para democratizar o controle dos meios de comunicação. “Quem detinha uma concessão há 30 ou 40 anos, hoje tem um poder muito maior, calibrado pela tecnologia digital”.

Ela afirma que nem os governos mais progressistas tiveram a coragem de desafiar o poder dos “caciques políticos” e dos grandes conglomerados de imprensas, por meio de regras mais transparentes que coíbam a propriedade cruzada – quando o mesmo grupo de comunicação controla diversos tipos de veículos (TV, rádios e jornais).

Na opinião de Renata Mielli, o monopólio de meios de comunicação inviabiliza a regionalização do conteúdo, previsto na Constituição. De acordo com o FNDC, seis famílias controlam 70% da informação produzida no Brasil. “A afiliadas das emissoras que detêm outorga nacional, como a Rede Globo, são obrigadas a reproduzir o conteúdo nacional da cabeça de rede, que responde por 80 ou 90% da grade”, ressaltou.

O FNDC é uma das entidades que recolhem assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular, com o objetivo de regular a mídia brasileira. Chamado de Projeto de Lei de Mídia Democrática, o texto precisa de 1 milhão e 300 mil assinaturas para que possa ser analisado pelos parlamentares.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Regulação da mídia não é censura à imprensa

Decálogo sobre censura e regulação

Apresentamos 10 pontos para acabar de uma vez por todas com a confusão entre regulação dos meios de comunicação e censura à imprensa. 

 Marcos Dantas

Boletim Carta Maior


 Mídia Ninja / Flickr
1. Uma coisa é imprensa ou jornalismo. Outra coisa é mídia em geral: barbarismo anglicista que engloba o conjunto de atividades e tecnologias relacionadas à produção e, principalmente, reprodução e distribuição de espetáculos audiovisuais dos mais variados, a exemplo de programas de auditório ou de entrevistas, coberturas esportivas, shows musicais, novelas e séries dramatúrgicas de televisão, documentários produzidos ou não diretamente para a televisão, filmes produzidos ou não diretamente para distribuição via TV, reality shows, pregações religiosas, inclusive também boa parte do que hoje é gerado e distribuído via internet, sem ignorar, nisso tudo, a publicidade que sustenta a economia da mídia.

2. Imprensa ou jornalismo ainda são, em boa parte, produzidos para veiculação e distribuição por meios impressos em papel (jornais e revistas). Não há dúvida de que no Brasil como em todo o mundo, alguns desses veículos possuem grande e decisiva influência política e cultural. São formadores de opinião. Não é de hoje, porém, que jornalismo também é produzido para veiculação e distribuição por meios eletrônicos como o rádio, a televisão e, mais recentemente, a internet.

3. A "mídia" em geral é função da invenção, desenvolvimento e expansão (econômica e social) dos meios eletrônicos de comunicação: rádio e televisão, além do cinema e do disco musical. É verdade que os meios impressos também veiculam e distribuem informações do mundo do espetáculo, mas o espetáculo, por sua própria natureza, está umbilicalmente relacionado aos meios eletrônicos e não poderia se desenvolver, nas suas dimensões atuais, sem essa estreita relação. Basta observar o futebol: hoje em dia, um espetáculo muito mais para a televisão do que para os estádios (ou "arenas").

4. Desde que surgiram, nas primeiras décadas do século XX, os meios eletrônicos de comunicação, a exemplo da telefonia ou da radiodifusão, são controlados e regulados pelo Estado. Nos Estados Unidos, sua primeira Lei do Rádio data de 1927. Na maioria dos demais países, inclusive os democratas liberais como o Reino Unido, a França ou a Suécia, a telefonia e a radiodifusão tornaram-se monopólios do Estado, mais ou menos na mesma época. Ou seja, ao contrário da imprensa (escrita), a exploração dos meios eletrônicos sempre foi entendida como um serviço público, similar, por exemplo, à educação ou saúde. Logo, o espetáculo veiculado por esses meios sempre esteve, em todo o mundo, condicionado às demandas ou objetivos sociais, representados pelo Estado, em suas diferentes épocas ou lugares. É verdade que, na última década do século XX, em todos os principais países, a regulação dos meios (ou "mídia") passou por ampla revisão e reformulação. Muita coisa mudou, menos uma: continuaram regulados pelo Estado, inclusive com importante interferência pública na veiculação de conteúdos ofensivos aos direitos de minorias, da infância, de outros segmentos fragilizados.

5. A Constituição brasileira reconhece e reafirma essa construção histórica ao abrigar, entre outros pontos, todo um capítulo específico sobre Comunicação Social (Título VII, Seção III, Cap. V), além do disposto também em seus artigos 5 e 21. No artigo 5º, a Constituição diz que é livre a manifestação do pensamento, proibido o anonimato; é assegurado o direito de resposta; é inviolável a intimidade, a honra e a imagem das pessoas. Perceba-se que, só por aí, a livre manifestação do pensamento já não é um direito absoluto. No Cap. V, "Da Comunicação Social", artigo 220, é, mais uma vez, assegurada a livre manifestação do pensamento, "observado o disposto nesta Constituição". A Constituição veda toda censura de natureza política, ideológica ou artística (art. 220, § 2º), mas determina que haja lei federal para "regular as diversões e espetáculos públicos" inclusive sobre faixas etárias para as quais, ou sobre locais onde sejam, ou não, recomendáveis (isto é, "classificação indicativa"). Aliás, parece que, neste específico ponto, a Constituição está em vias de vir a ser derrocada, não por uma PEC, mas pelo próprio Tribunal Superior que deveria ser o primeiro a zelar por ela...

6. A Constituição também estabelece outras limitações à absoluta liberdade de expressão: ela determina que haja lei federal para garantir às pessoas ou famílias "meios legais" para "se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas ou serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (art. 220, § 3º-II). Nos termos deste mesmo inciso, as propagandas de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e medicamentos devem sofrer "restrições legais".

7. O artigo 221 deixa clara a distinção que deve existir entre imprensa ou "informação jornalística", de um lado, e "produção e programação das emissoras de rádio e televisão", do outro lado – isto é, "mídia" em geral. Rádio e televisão devem obedecer aos seguintes princípios: a) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais, informativas; b) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente que objetiva sua divulgação; c) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Ou seja, se mesmo para a imprensa e para os espetáculos em geral, a Constituição já estabelece limites à absoluta liberdade de expressão do pensamento; para o rádio e a televisão, a Constituição determina expressamente, um conjunto de princípios normativos a serem obedecidos.

8. O artigo 220, § 6º, diz que a "publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade". Já o artigo 21, em seu  item XII, estabelece que "compete à União [...] explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:... [a] os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens". Ou seja, a Constituição consagra aquilo que é mundialmente reconhecido desde quando se desenvolveram as tecnologias de rádio e televisão: uma coisa é a imprensa escrita ou jornalismo, para a qual está assegurada ampla liberdade de expressão do pensamento e difusão de informação, embora, vimos, não absoluta. Outra coisa, são os serviços de rádio e televisão, definidos como atividades da competência da União, logo serviços públicos, cabendo à União decidir se quer exercê-las diretamente ou mediante delegação para agentes privados. De qualquer modo, estes terão que se comprometer com normas de serviços públicos, conforme claramente expressas no artigo 221.

9. Numa das reformas constitucionais realizadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a Constituição ganhou nova redação para o seu artigo 222, nele sendo inserido o seguinte parágrafo terceiro: "Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais". Ou seja, o artigo 221 não trata apenas de rádio e televisão abertos, veiculados pelas frequências atmosféricas; seus princípios se estendem também à televisão fechada, veiculada por cabo ou satélite, bem como a toda comunicação de natureza pública veiculada pela internet.

10. Todos os artigos constitucionais acima citados se referem, de um modo ou de outro, a alguma lei que deverá melhor especificar ou esclarecer os princípios neles contidos: o direito de resposta, por exemplo; o que seja "preferência a finalidades educativas" ou "respeito a valores éticos ou sociais da pessoa", inclusive a garantia à pessoa para se defender do que sejam possíveis abusos; os percentuais de regionalização ou o estímulo à produção independente; etc. É vedada a censura de natureza política, ideológica ou artística, bem como criar embaraços à plena liberdade de informação jornalística. É vedada também a censura, além da classificação indicativa e do respeito devido à intimidade e à honra das pessoas, a espetáculos em geral nas salas de teatro ou cinema, nos estádios ou "arenas". Mas quando se trata de meios de comunicação social eletrônica, ou "mídia", a Constituição impõe regras um pouco mais restritivas, ou melhor, define-lhes finalidades, em nome da União, logo em nome da sociedade. É da regulação destes meios que estamos tratando, não da imprensa. Conforme aliás determina a própria Constituição Cidadã.
 
 
Marcos Dantas é Professor Titular da Escola de Comunicação da UFRJ