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domingo, 14 de junho de 2015

Comunidades discursivas - II

Por que as conquistas históricas do futebol feminino não saem na mídia?

Todas as respostas possíveis levam ao machismo: no dito 'país do futebol', a mídia comercial ainda acredita que lugar de mulher é fora do campo. 

2/06/2015 - Copyleft 


Najla Passos
Boletim Carta Maior 


Reprodução/torcedores.com

Noite de terça-feira (9), Montreal, Canadá. Abertura da Copa do Mundo de Futebol Feminino.  A seleção brasileira estreia com vitória de 2 x 0 sobre a Coreia do Sul. Mais do que isso, registra dois feitos históricos. No início do 2º tempo, Marta, cinco vezes eleita a melhor jogadora do mundo, balança a rede em cobrança de pênalti, atinge a marca 15 gols em mundiais e se torna a maior artilheira da história campeonato. Antes disso, ainda no 1º tempo, Formiga, 37 anos, 20 de seleção brasileira, abre o placar e se transforma na jogadora mais velha a marcar gol em mundiais.

Pouquíssimos brasileiros, porém, comemoraram a tripla conquista da noite de estreia. Os feitos nem chegaram a ser assunto nas rodas de conversas da semana. A maioria das pessoas sequer ficou sabendo. As marcas das maiores jogadoras do dito "país do futebol" obtiveram pouco espaço na imprensa comercial, inclusive na especializada. Por que Ronaldo, o fenômeno, que também ostenta a marca de 15 gols em mundiais, tem muito mais visibilidade? Por que o menino Neymar, qualitativamente distante de marcas como estas, é quem frequenta as primeiras páginas dos jornais?

Professora do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Maíra Kubik afirma que a mídia tende a reproduzir estereótipos e, por isso, nela, a mulher ocupa apenas seus papeis mais tradicionais, como o de dona de casa ou de mãe. "Pesquisas demonstram que, por exemplo, em matérias de economia, a mulher é entrevistada no supermercado para falar sobre o aumento dos preços, enquanto os homens são os economistas, que comentam tecnicamente", exemplifica.

No caso específico do futebol, ela aponta que a mulher é tratada muito mais como "musa" do que como "atleta". "No Brasil do machismo, o lugar da mulher não é no futebol, que ainda é tido como um nicho masculino. E, por isso, mesmo conquistas valorosas como a de Marta e Formiga não ganham visibilidade", esclarece.

A professora destaca que estudos críticos da imagem demonstram que o machismo na cobertura esportiva é tão grande que, mesmo quando as mulheres conseguem algum espaço, são retratadas em ângulos que visam destacar partes especificadas dos seus corpos, de forma a retratá-las muito mais como objeto sexual do que elas como atletas.

Machismo à espreita
A militante feminista Isa Penna acrescenta que, independente do aspecto que você analisar na cobertura da mídia esportiva brasileira, irá encontrar o machismo à espreita. De acordo com ela, até mesmo no jornalismo esportivo o papel da mulher é diferente. Os homens são os comentaristas. Elas, as apresentadoras. "As mulheres funcionam quase como enfeites. Quem dá a linha editorial da cobertura são os homens", denuncia.

Isa observa que o machismo também está estampado nos salários pagos. Enquanto os jogadores chegam a negociar cifras milionárias, as mulheres ganham entre R$ 320 e R$ 2 mil. Há apenas dois anos, em 2013, os salários delas, embora baixos, variavam de R$ 800 a R$ 5 mil. "Isso mostra que, neste momento de crise econômica, os patrocínios para o futebol feminino são os primeiros a serem cortados", afirma.

Ela acrescenta que, atualmente, há 800 times de futebol masculino inscritos nos campeonatos regionais. Já os femininos são apenas 175. "Em São Paulo, os principais clubes não têm seleções femininas. O Santos, que tinha, fechou recentemente, com a velha desculpa de que falta patrocínio", relata.

O jornalista esportivo José Roberto Torero avalia que o futebol feminino ainda é muito desconsiderado não só no Brasil, mas em vários outros países com tradição no esporte. De acordo com o jornalista, o futebol feminino só se destaca mesmo nos países em que o masculino não é forte, como na Suécia, na Noruega e nos Estados Unidos. "Parece que as mulheres ainda não têm licença para jogar futebol", afirma.

Dentre os fatores, ele também cita o machismo, que faz com que o público encare os esportes mais brutos, de maior contato, como genuinamente masculinos. “Vôlei, que não tem contato, mulher pode jogar. Basquete, fica o meio termo. Mas futebol, não”, esclarece.  O jornalista esportivo lembra também que as mulheres vêm conquistando espaço em práticas como a natação e o atletismo, mas, mesmo no país do futebol, não rompe a barreira dos espaços exclusivos dos homens.

Torero afirma que, mesmo na cobertura do jornalismo esportivo, o papel da mulher ainda é escasso. "Jogadoras como a Marta e a Formiga teriam muito a contribuir como comentaristas, mas não são sequer convidadas para falarem sobre partidas masculinas. O máximo de espaço que as mulheres ocupam é para comentar partidas das próprias mulheres", observa ele.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Para além dos estereótipos midiáticos, a vida!

Terceira geração de palestino-israelenses reinventa ativismo antiocupação e por direitos civis em Israel




Filhos de sobreviventes do Nakba, jovens cresceram vendo parentes em Gaza e Cisjordânia sendo oprimidos e hoje lutam por libertação palestina enquanto buscam transformar estado de Israel por mais igualdade para todos os cidadãos
ActiveStills.org / Reprodução Facebook

Mais de 3.000 palestino-israelenses protestam contra a investida de Israel contra Gaza em julho de 2014

Para a maioria dos judeus israelenses, estes ativistas não têm nomes. Na pior das hipóteses, são agitadores e arremessadores de pedras que empunham a bandeira palestina. Na melhor, são uma minoria discriminada.

Seu novo ativismo é, por um lado, resultado de divisões geracionais e novas tecnologias que os conectaram ao restante do mundo árabe, que permaneceu interditado à população palestina desde a criação do Estado de Israel. Por outro lado, é também resultado dos recentes ataques israelenses contra seus parentes na Cisjordânia e em Gaza, da violência policial discriminatória e de um longo histórico de repressão política.

Muitos fatores ajudaram a dar forma a esta nova geração de ativistas palestinos em Israel. Eles usam nomes variados, definem suas identidades de maneira diversa e têm táticas e objetivos políticos também variados. Lutam pela libertação nacional palestina e por direitos civis em Israel, priorizando cada um dos tópicos de acordo com considerações estratégicas e táticas, e têm várias abordagens quanto à macropolítica.

A maioria destes jovens ativistas, quando vai às ruas, levanta a bandeira palestina, algo pouco visto entre as gerações anteriores de palestinos vivendo em Israel. Sua identidade nacional e expressividade, no entanto, foram amplamente influenciadas pela vida no Estado judeu.

"A primeira vez em que meu pai me viu carregando uma bandeira palestina, ele ficou louco", diz Abed Abu Shhadeh, 26 anos, de Jaffa. "Antes de Oslo, era ilegal fazer isso, e os palestinos morriam de medo da bandeira. Hoje, vemos muitas delas".

Esta é a terceira geração de cidadãos palestinos em Israel. A primeira geração experimentou o Nakba, deslocamento e expulsão da maioria dos palestinos da atual região fronteiriça de Israel, em 1948, bem como a destruição de quase todos os seus vilarejos. A segunda geração cresceu com medo: foram criados pelos sobreviventes do Nakba, viveram sob o governo militar de Israel e eram constantemente ameaçados e controlados pelo Estado, explica Rawan Bisharat.

"A terceira geração, especificamente desde a Intifada de 2000, é aquela que está se rebelando hoje. São caracterizados por sua força", continua. Mas frequentemente seus pais tentam impedi-los. Por causa da opressão sofrida pelas gerações anteriores, eles têm medo da expressividade política de seus filhos, bem como de suas consequências. "Eles não querem discutir a identidade nacional palestina com seus filhos, pois têm medo".

Rawan, 32 anos, originalmente de Nazaré, vive em Jaffa há cinco anos, onde é ativa em movimentos políticos e sociais. Ela é a coordenadora palestina do programa juvenil da Sedaka-Reut, uma ONG focada na educação da juventude palestina e judia, para que sejam mais ativos política e socialmente na criação de parcerias binacionais em prol da mudança social. Ela foi voluntária em uma organização chamada "Mulheres contra a Violência", em Nazaré, por mais de uma década, e trabalha com um grupo que prepara estudantes árabes do ensino médio para a educação superior. "Como minoria palestina, a educação é nossa arma", declara.

[Leia também: Militares dissidentes de Israel enfrentam lei e se recusam a ocupar Palestina]

Enquanto todos os ativistas com quem conversei se definiam como árabes, também colocavam grande importância em sua identidade palestina.

"Palestinos em Ramallah podem se dizer palestinos – ninguém questionará. Mas para os palestinos de Israel, é preciso destacar isso", diz Rawan, adicionando que quando conversa com israelenses, "gosto de dizer que sou uma palestina de 48, ou seja, uma palestina com cidadania israelense, para deixar claro que há palestinos aqui [em Israel]. Nunca houve um Estado palestino, mas os palestinos viviam aqui. Minha avó era palestina, portanto sou palestina".

A identidade palestina é o cerne da luta desta geração, explica Hanin Majadli, 25, de Baqa al-Gharbiyye, que constituiu um séquito de fãs judeu-israelenses no Facebook, onde publica lições diárias de árabe. "Nós somos palestinos; somos palestinos a quem se impediu essa autoidentificação. É importante para mim que os israelenses saibam que eu não sou apenas uma 'israelense árabe', mas uma árabe palestina. Esta é uma nacionalidade que estão tentando esconder".

De muitas maneiras, a crescente expressividade da identidade nacional palestina entre cidadãos árabes de Israel é uma reação ao sionismo contemporâneo. Enquanto a política e a sociedade israelenses se voltam para a direita, os cidadãos palestinos se apegam a suas nacionalidade e herança palestinas com mais força.

"As leis malucas aprovadas nos últimos anos afetam as pessoas e a maneira como se identificam. É incrível como um grupo muito pequeno dentro da sociedade israelense conseguiu levar todo mundo para a extrema direita", diz Abed, explicando que, com a expressão "todo mundo", inclui os palestinos.

Mesmo aqueles que, de outra forma, não seriam atraídos pelo nacionalismo palestino, abraçam-no como uma defesa contra a radicalização e a intensificação do nacionalismo sionista, explica Hanin. "Eu sinto a necessidade de me apegar a quem sou. Os palestinos, hoje em dia, sentem uma grande necessidade de salientar que são palestinos".

"Assim como o Hamas, os judeus israelenses de extrema-direita realmente acreditam que esta é uma batalha religiosa, e em um período curto de tempo, conseguiram levar todo mundo para a direita", diz Abed.

[Leia também: Israel cria obstáculos para ensino de gramática árabe nas escolas]

O processo de paz de Oslo da década de 1990 deu às pessoas esperança por um futuro melhor, um futuro de autodeterminação nacional palestina e, para os cidadãos palestinos de Israel, um futuro de direitos iguais e oportunidades.

Mas algo mudou no ano de 2000. No início de outubro daquele ano, coincidindo com o fracasso do processo de paz e o início da Segunda Intifada, a polícia israelense matou 13 cidadãos árabes enquanto continha protestos em Nazaré e na Galileia.

Os assassinatos confirmaram os maiores medos da população palestina: não importa o que fizessem, ou o quanto quisessem se envolver, seriam tratados como cidadãos de segunda categoria, simplesmente por serem árabes.

"A Intifada de 2000 foi quando todo mundo viu uma mudança", diz Rawan. "A consciência política era muito evidente, e estava claro que nós [palestinos] estávamos todos ligados uns aos outros. Por um lado, vimos um crescimento da consciência política, e, por outro lado, perdemos nossas esperanças nas instituições israelenses".

"A cada guerra e a cada intifada, quando as pessoas em Jaffa assistem ao noticiário, elas veem são seus parentes da Cisjordânia e de Gaza", complementa Abed. Estes jovens ativistas se sentem parte inseparável da totalidade do povo palestino, e seus destinos estão entrelaçados.



Shiraz Grinbaum / ActiveStill.org - Reprodução Facebook

Majd Kayyal: "Nossa identidade é definida de acordo com nossa luta. Nós somos árabes palestinos"


O ano de 2000 também é citado como divisor de águas na história dos palestinos israelenses por outro motivo. Tendo estado separados do restante do mundo árabe até então, o progresso tecnológico permitiu que os palestinos de Israel se reconectassem com os árabes da região.

"Com a introdução da televisão por satélite e da internet como novos canais de comunicação, houve um aumento na conscientização, no conhecimento", explica Majd Kayyal. "Isto trouxe maiores oportunidades para o compartilhamento de informações, bem como mais ativismo. Algo começou a mudar desde outubro de 2000. As pessoas se tornaram mais ousadas, no melhor sentido da palavra. Vários movimentos se tornaram menos ociosos, menos amedrontados".

No ano passado, Majd foi preso e mantido incomunicável por cinco dias após retornar de Beirute, onde participou de uma conferência jornalística. Sua visita ao Líbano e sua prisão subsequente foram uma das pautas do movimento pela identidade pan-árabe palestina, defendida por muitos cidadãos palestinos de Israel.

"Nossa identidade é definida de acordo com nossa luta. Nós somos árabes palestinos. Nós queremos ser palestinos livres para que possamos ser árabes. Queremos ser palestinos livres, para que possamos integrar naturalmente o mundo árabe, sem sermos prejudicados de uma maneira ou de outra; para que eu possa ter a oportunidade de deixar minha cidade e ir viver no Cairo, por exemplo, sem dores de cabeça", continua Majd. "A identidade palestina é crucial para isso, assim como a identidade árabe é necessária para confrontarmos o colonialismo. A identidade árabe, se não cumprisse o papel de resistência contra o colonialismo ocidental e europeu, também se tornaria fascista, assim como no regime de Saddam Hussein".

Mas a identidade não é uma ideia simples ou binária, seja no domínio pessoal ou no domínio político. Enquanto estes jovens ativistas se identificam cada vez mais com o movimento nacional palestino, eles também são cidadãos israelenses e lutam por direitos civis dentro do Estado judeu. A ideia e a realidade de não ser judeu no Estado judeu é parte da batalha.

"Nós não somos israelenses", diz Hanin. "Não o somos em um sentido muito elementar: o israelense é judeu, e o judeu é israelense. Em minha opinião, são sinônimos. Israelense é considerado uma nacionalidade aqui, não apenas uma cidadania. Nossa nacionalidade é palestina, e somos parte do povo palestino. Sim, vivo no Estado judeu, mas não sou judeu, e não sou um cidadão normal. Eu sou um cidadão árabe em um Estado ocupante com identidade nacional judia".

 [Leia também: Um circo para as crianças de Gaza]

O que estes jovens palestinos israelenses estão exigindo, exatamente? Estão liderando um movimento por direitos civis ou são parte da luta nacional palestina?

"Eu não separo as duas coisas, nem vejo como podem diferir uma da outra", responde Rawan. "Eu vivo aqui, eu quero ser parte destas instituições e também quero igualdade civil, mas isto não significa que tenha esquecido a causa palestina. Eu quero que os judeus reconheçam os crimes que cometeram contra meu povo. Não há contradição: quero que reconheçam seus erros, assumam responsabilidades por suas ações e façam a coisa certa, e também quero que me concedam a igualdade que mereço".

Hanin elabora: "O objetivo final é a liberação total do sionismo, mas é claro que qualquer passo temporário na melhora de nossos status como cidadãos árabes palestinos de Israel também é bem-vindo. Não devemos nos esquecer de que, a despeito de nosso objetivo de longo prazo, também somos cidadãos deste país, e queremos exigir aquilo que merecemos como cidadãos".

O sionismo é percebido como o principal obstáculo, tanto para a obtenção de direitos civis, quanto para a obtenção de liberdade para os palestinos cujas terras foram ocupadas e se encontram cercados, explica Majd: "Enquanto a atual estrutura política continuar existindo, nós não obteremos nossos direitos civis, nossa independência nacional ou o Estado com as fronteiras de 1967 – nada. Enquanto houver algo chamado 'Estado judeu', construído com base em princípios sionistas e racistas, não haverá perspectiva de qualquer tipo de mudança. Não importa quão 'modestas' sejam suas demandas, você não conseguirá qualquer progresso para os palestinos se não lidarmos com essa questão".

[Leia também: Empresas de Israel e dos EUA se aliam para aplicar tecnologia militar testada em Gaza na fronteira com México]

"Quando as pessoas falam sobre o conflito, é como se estivessem falando sobre um conflito entre duas partes iguais", diz Abed. "Na realidade, uma das partes é significativamente mais forte do que a outra, sem falar na ocupação e no confinamento, que não nos deixam qualquer espaço para manobras políticas". Parte de protestar e tomar as ruas, complementa, tem como objetivo levar os judeus israelenses a "repensar seus pontos de vista sobre os cidadãos palestinos, e começar a compreender que mais poder não os levará a lugar algum".

Enquanto a maioria destes ativistas tem como objetivo mudar completamente o regime, sua luta não apresenta uma visão clara para o futuro. "Nossa ambição é viver em um Estado no qual a cidadania garanta direitos iguais a judeus e árabes, e que não dê preferência a uns sobre outros ou distinga entre um árabe e um judeu. Isso pode soar um pouco louco, mas se o muro de Berlim foi destruído e o Império Otomano caiu após 700 anos, há esperança. Ou não fazemos nada, porque nada vai mudar, ou fazemos algo, e acreditamos que podemos mudar as coisas, ao menos um pouco", diz Hanin.

Rawan chega a sugerir que a separação étnica estrutural é uma possível solução: "Eu acho que nós, como minoria palestina em Israel, precisamos começar a estabelecer nossas próprias organizações e instituições, que sirvam a nossos interesses. Nós ainda não estamos prontos para começar um projeto assim, e talvez não tenhamos as habilidades ou os recursos, mas temos que começar a pelo menos pensar nessa direção".

"Há algo que nós, palestinos, tendemos a esquecer: as lutas nacionais tomam centenas de anos. Não vejo uma solução nos próximos dez anos, mas enquanto houver vontade, haverá uma saída", diz Abed. "Enquanto os refugiados ainda quiserem voltar e lutar, será apenas uma questão de tempo".

Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada na +972 Magazine, produzida por blogueiros, jornalistas e fotógrafos israelenses contra a ocupação cujo foco são matérias e análise sobre eventos em Israel e Palestina.

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A propósito, uma bela sugestão cinematográfica: "Além da fronteira", de 2012.



Nimer, um estudante palestino, e Roy, um advogado israelense, apaixonam-se desde a primeira vez em que se encontram. À medida que a relação dos dois se desenvolve, Nimer tem que lidar com sua família conservadora e com sua condição de palestino morando em Israel. A situação piora quando um amigo próximo é capturado em Tel Aviv e assassinado na Cisjordânia.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Discursos sobre machismo, proibições, humor... ou outra coisa?

Observatório da Imprensa - 15 Anos Apoio: Fundação Ford

CASO GISELE BÜNDCHEN

O governo, a mídia e a calcinha

Por Ligia Martins de Almeida em 04/10/2011 na edição 662
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A imprensa e os comentários na internet fizeram mais pela lingerie da Hope do que o anúncio com a super model Gisele Bündchen conseguiria com divulgação no horário nobre de todos os canais abertos do país. O que era para ser – na defesa da empresa – uma peça de humor, virou assunto de governo e do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que vai decidir se mantém o anúncio no ar.

Dizer que o anúncio “promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido e ignora os grandes avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas” – segundo a nota da Secretaria de Políticas para as Mulheres – talvez seja exagero. Em primeiro lugar, porque as espectadoras, e potenciais compradoras da lingerie em questão, sabem que nem usando a peça mais sensual do mundo (o que não é o caso das peças do anúncio) vão ficar com o corpo da Gisele Bündchen – o que, de cara, invalida a mensagem. Em segundo lugar, porque as mulheres que têm dinheiro para gastar com lingeries da marca Hope (o sutiã mais barato à venda na web custa 50 reais) certamente têm cartão de crédito próprio e dinheiro para pagar a própria conta.
Como disse Inês de Castro em seu comentário da Band News (29/9/2011), foi-se o tempo em que as mulheres dependiam dos maridos para ter e comprar carro e manter um cartão de crédito. Em seu comentário, Inês fez uma ressalva importantíssima: a de que o fato do anúncio ser sexista não pode servir de desculpa para proibições governamentais.

Só prestam atenção quando há celebridades envolvidas?

Esse anúncio, assim como o da cerveja Devassa – que também criou polêmica –, não pode servir de desculpa para o governo sugerir proibições. Se mau gosto fosse desculpa, haveria muito mais coisa a ser tirada do ar.

Pior do que ofender mulheres com peças de humor duvidoso é vender ilusões de eterna juventude, corpo perfeito sem sofrimento etc., etc. E anúncios desse tipo passam todo dia na televisão sem que ninguém discuta seus efeitos e suas promessas enganosas.

Assim como o espectador tem liberdade de escolher o que quer ver na televisão, a consumidora tem pleno direito de comprar os produtos de que gosta ou rejeitar se achar que o anúncio é ofensivo. Não é proibindo anúncios que a Secretaria da Mulher vai conseguir mudar a mentalidade dos brasileiros – homens e mulheres.

A imprensa, em vez de se limitar a relatar a polêmica, deveria ir além do simples noticiário e perguntar às leitoras se elas se sentiram ofendidas com o anúncio e, principalmente, se levam a sério conselhos de uma celebridade que – não por acaso – também é dona de uma marca de lingerie.

Uma pergunta que a imprensa também deveria fazer é a seguinte: se o anúncio tivesse sido feito por outra modelo – que não a super famosa e super endeusada Gisele – estaria dando tamanha repercussão? Ou as autoridades do governo só prestam atenção em anúncios e notícias quando há celebridades envolvidas?

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]