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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Sobre mulheres, sobre sua palavra: duas notícias [bem diferentes!] que indiciam a circulação de um discurso



Mulheres poetas, vibrantes porém ignoradas


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Elizandra Souza, em sarau na zona sul de SP: em legítima defesa

Breve panorama sobre vozes femininas que hoje fazem versos — mas permanecem à sombra por preconceito de editores. Uma realidade em rápida transformação

Por Inês Castilho

No ano 40 do feminismo brasileiro, já não se admitem atitudes que até outro dia, naturalizadas, passavam batido. No mundo das luzes inclusive. Por exemplo, circula por aí manifesto em que intelectuais e artistas se comprometem a não participar de mesas de debates ocupadas apenas por homens – mudando assim o conceito de normalidade. Outro exemplo: questionada na última edição sobre a ausência de homenageadas, a Flip escolheu louvar este ano a escritora Ana Cristina César, segunda em 14 anos de festival – a primeira foi Clarice Lispector, em 2005.

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Ana Cristina César, segunda mulher a ser homenageada na Flip


No mundo editorial, a provocação veio de uma jovem poeta, Ana Rüsche, ao jogar na rede o texto Mulheres escrevem poesia e desaparecem, em que questiona a invisibilidade da “intensa produção de poesia feita por mulheres” no país. Ana cita livros e artigos recentes em que o placar é tremendamente desfavorável às poetas. Volta às publicações da virada do século e constata: a coisa é grave. “O que me espanta é que qualquer análise lúcida e cuidadosa dos dias de hoje iria apontar o evidente protagonismo feminino na poesia!” E então lança o dado avassalador: em todos esses livros e artigos não encontrou uma única poeta negra.



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Conceição Evaristo, prêmio Jabuti 2015


Há nomes consagrados como Cecília Meirelles, Pagu, Hilda Hilst, Olga Savary, Adélia Prado, Alice Ruiz, e mesmo o das malditas Leila Miccolis e Orides Fontela. E ainda de suas antepassadas Auta de Souza, Gilka Machado e Francisca Júlia, entre tantas outras que, à frente do seu tempo, ousaram poetar quando não eram autorizadas sequer a estudar. Falo das excluídas desde as décadas de 70 e 80, quando a produção poética das mulheres se torna mais expressiva, diante da ressurgência da luta feminista e o início da desconstrução social de gênero – tais como Stela do Patrocinio e Conceição Evaristo, esta finalmente vencedora de um Jabuti na categoria contos e crônicas. Ou das inúmeras jovens e nem tão jovens que, de lá para cá, vêm se aventurando na poesia.


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Alice Ruiz: 70 anos de poesia


Mar de poetas
Elas são tantas que nem conseguiria eu conhecê-las, nem seus nomes caberiam neste texto. Basta clicar no blog do poeta paulista Rubens Jardim – integrante da Catequese Poética, movimento que levou a poesia às ruas, logo após o golpe militar de 1964 e que, desde 2011, já publicou 270 poetas e mais de mil poemas de mulheres em seu site. Rubens, para quem “a poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano”, conta que iniciou esse trabalho ao perceber como era relegada a segundo plano a poesia das mulheres.


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Gilka Machado (1893-1980)


“Que o José Veríssimo ou o Sílvio Romero – famosos críticos e historiadores da literatura do século 19 – registrassem poucos nomes femininos, tudo bem. Eram poucas as mulheres ‘atrevidas’ a publicar. Mas, quando fiquei sabendo que um cara batuta como o Prof. Alfredo Bosi, em sua História Concisa da Literatura Brasileira, só menciona quatro nomes: Francisca Júlia, Gilka Machado, Auta de Sousa e Narcisa Amália, fiquei estarrecido. Aí baixou Xangô, santo da justiça, e iniciei o trabalho em favor das mulheres poetas. E as pesquisas foram me mostrando que, nessa garimpagem, eu estava encontrando ouro puro.”


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Alzira Rufino: poeta, feminista, ativista


Diante de tal transbordamento, aviso aos navegantes que os nomes aqui mencionados são fruto quase do acaso, somado a um gosto muito particular. E que entre eles encontram-se os de poetas bem divulgadas, assim como de outras que se publicam principalmente pela internet – essa ferramenta mais que bem-vinda para a difusão de todas as artes.

Pois elas são muitas, e já começam a causar – como no caso recente da censura ao poema da baiana Lívia Natália, “por incitar preconceito e intolerância contra policiais militares”. Vencedora do edital do programa “Poesia nas Ruas” em Ilhéus, na Bahia, a professora do Instituto de Letras da UFBa teve seu poema retirado de um outdoor, em três dias, quando lá deveria estar por dois meses:

Quadrilha
Maria não amava João.
Apenas idolatrava seus pés
escuros.
Quando João morreu,
assassinado pela PM,
Maria guardou todos os seus sapatos.


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Lívia Natalia, poeta baiana censurada


Como Lívia, não faltam mulheres negras, muitas periféricas, produzindo poesia nesta quadra da vida brasileira. Desde Alzira Rufino, feminista e ativista do movimento negro nascida em Santos (SP) em 1949:

Resgate
Sou negra ponto final
Devolvo-me a identidade
Rasgo a minha certidão
Sou negra
Sem reticências
Sem vírgulas
Sem ausências
Sou negra balacobaco
Sou negra noite cansaço
Sou negra
Ponto final.


“Quando leio uma poeta mulher negra, geralmente escuto um grito. Um grito que fala de outros tempos e outras dores que se repetem ainda hoje”, diz Lubi Prates, poeta curitibana que edita a revista literária Parênteses. Também ela versa sobre violência policial, aquela que se abateu contra os professores no Paraná, em
até só restar o depois/ sobre o dia 29 de abril de 2015, em Curitiba
(…)
pudesse,
recordaria o cheiro
antes daquela tarde
quando tudo se confundiu a

gás
pólvora
sangue.
(…)

Os motes exprimem a diversidade das próprias poetas. Amor, tema universal tão a nosso gosto, é tratado com humor sarcástico, bem distante da “delicadeza feminina” com que os críticos gostavam de carimbar essa produção. Como faz a poeta mineira Aden Leonardo:


Coisa de mulher
Tenho meus pés caídos…
– você ainda extorquiu o dedo mínimo
Já não servia de nada, Amor!
Foi só para ferir… ou organizar
sua gaveta de conquistas



Ou força lírica, como a poeta capixaba Fabíola Mazzini Leone:

simplicidade
realejo
quanto mais te amo
mais te vejo.


Igualmente universal, a dor é tematizada com leveza quase zen pela poeta Solange Padilha, paraense radicada no Rio de Janeiro, neste poema sem título:

sinto a dor que morde
bato asas
asas batem ao vento
mordem a dor
sinto o vento bater asas
rumo ao norte
não há mais dor



Ou com humor cirúrgico, como a curitibana radicada em São Paulo Alice Ruiz, em poema musicado por Itamar Assunção:


Milágrimas
Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre
(…)



Profunda, humana dor, retratada pela poeta mineira Líria Porto:

nau frágil
esbarrou na dor
e para não naufragar
deixava pelo caminho
parte da carga

outro baque
partiu-se o casco
o capitão foi a pique
salvou-se o mar.



Tem também a morte, nos versos da poeta paulista Rita Moreira:

Eros e Tânatos
Tão doce a Voz que noite alta
às vezes me chama –
a desses mortos,
que um dia eu amei
na cama.



E a liberdade, cantada pela mineira Adriane Garcia:


Escolher
Há você
Um espaço
Para os passos
E uma porta

Não é por que
É uma porta
Que você tem que
Abri-la
Liberdade pode ser
Antes da porta.



Política é por certo assunto de mulher – como faz Bianca Velloso, gaúcha criada na ilha de Santa Catarina:


resistência
novembro de mil novecentos e setenta e nove
primavera no hemisfério sul
e era medo o que florescia
no jardim lá de casa
(…)



Mas é assunto principalmente das poetas negras, ao tratar de gênero e etnia. Como Alzira Rufino:

Resisto
De onde vem este medo? Sou
sem mistérios existo
Busco gestos de parecer
Atando os feitos que me contam
Grito de onde vem esta vergonha sobre mim?
Eu, mulher negra, resisto.



Ou com a crueza de Elizandra Souza, da periferia Sul de São Paulo:

Em Legítima Defesa
Estou avisando, vai mudar o placar…
Já estou vendo nos varais os testículos dos homens que não sabem se comportar
Lembra da cabeleireira que mataram outro dia,
… E as pilhas de denúncias não atendidas?
Que a notícia virou novela e impunidade
É mulher morta nos quatro cantos da cidade…
(…)



Sem palavras proibidas, e com todas as letras, assegura Viviane Mosé, poeta capixaba que adotou o Rio de Janeiro:

Toda palavra
(…)
Toda palavra deve ser anunciada e ouvida.
Nunca mais o desprezo por coisas mal ditas.
Toda palavra é bem dita e bem vinda
(…)



Ou ainda como, irreverente, faz a gaúcha Angélica Freitas:

Às vezes nos reveses
penso em voltar para a england
dos deuses
mas até as inglesas sangram
todos os meses
e mandam her royal highness
à puta que a pariu.
(…)



Coisas de mulher, recorda outra poeta capixaba radicada no Rio, Elisa Lucinda:

Aviso da lua que mestrua
Moço, cuidado com ela
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua…
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
(…)



Ou como, lembrando a imposição cultural de juventude e beleza às mulheres, dizem os versos da gaúcha Nilcéia Kremer:

Kamikaze
Uma mulher traz areia nas mãos
vento nas veias
e uma ampulheta implacável
tatuada na pele
(…)



Mas é sobre lavrar versos, este ofício mesmo da poesia, que elas falam, pra mim, mais bonito. Como Viviane Mosé:

Receita para lavar palavra suja
Mergulhar a palavra suja em água sanitária.
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza.
Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas,
que são muito encardidas pelo uso,
o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra,
depois enxaguar em água corrente.
(…)



Ou, como diz Ana Estaregui, nascida em Sorocaba (SP), nestes versos sem título:
anotou em seu moleskine a palavra laringe.
 

o poema, em geral, cresce em volta de uma palavra estranha.
às vezes nem tão estranha, mas que provoca uma pequena paralisia.
[e eu adoro ser flagrada por essas palavras]
elas interrompem o meu dia, param tudo mesmo.
de vez em quando, quando posso,
pego elas com as mãos
e aí desenho um espaço pra elas, feito de letras



Ou ainda como, tropicalizando com humor, diz a poeta paranaense Marilia Kubota:

Gaste tempo
(…)
bravo
você tem jeito
pra escrever versos
eu só finjo
minha ikebana
tem flor de banana



Poesia feminina?
Se existe ou não uma escritura feminina é tema de debate – e há controvérsias. “Se existe ignoro, o que percebo são características comuns reflexo das vivências do universo feminino que inevitavelmente se evidenciam em algumas escritas femininas. Mas uma tradição mesmo que se compare ao ‘landay’, por exemplo, que são dísticos de lírica amorosa compostas tradicionalmente por mulheres no Afeganistão, eu não vejo no Brasil”, considera Nilcéia Kremer. “As características variam de poeta pra poeta, claro, a vivência em um gênero traz determinado assunto vivido para a poesia de tal poeta, assim como quaisquer diferenças podem atuar no conteúdo que um poeta elabora, mas isso não é o que define a poesia de alguém”, concorda Adriane Garcia. Já Aden Leonardo tem uma visão diferente: “há uma grande tendência em dizer poesia feminina. Acho justo até. Universo feminino é diferente do masculino. Falar de ciclos, crianças, flores, comportamentos, sofrimentos ditos ‘femininos’ só cabe com tal ‘justeza’ às mulheres. E que mal há nisso? É lindo! Acho que é fácil saber um poema feminino… É um instinto passado a verso.”

Mas afinal, escrever por quê?

“Escrevo porque preciso criar uma voz para mim mesma. Escrevo porque a própria língua é um enigma como a vida. Escrevo para me comunicar. E nesse desejo de transformar palavras em argamassa ou tijolos, faço minha tentativa de construir e habitar um universo”, diz Solange Padilha.
É quase uma questão de vida ou morte, versa a paulista Nydia Bonetti:


existe quando canta
por isso canta
pra existir
e morre
quando cala
[cada vez mais difícil

ressuscitar]

De saúde ou doença, considera Viviane Mosé:

Receita para arrancar poemas presos
A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras
calcificadas,
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado.
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema.
Mas não.
(…)



Intime-se, publique-se. Este o conselho de Ana Rüsche às mulheres para que saiam do armário – ou da gaveta. “Sim, aquela gaveta onde se guardam os originais, onde os contos dormem esquecidos e os poemas ficam silenciados, cheios de rabiscos incertos. A gaveta também pode ser aquela pasta perdida no computador, uns documentos de word com capítulos de um romance sempre por terminar. A gaveta, o inverso do livro, outra forma de espera.” Ana oferece ali um passo-a-passo para a autopublicação.
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Ana Rüsche: e nossas irmãs mais velhas?


E há também as poucas editoras que, antenadas com os novos tempos, vêm publicando a produção feminina. Como a Patuá, cujo editor, Eduardo Lacerda, também poeta, procura equilibrar autores e autoras. A invisibilidade das poetas é histórica, cultural, mas as coisas estão mudando, diz ele, ao lembrar que os prêmios Jabuti de melhor romance e livro do ano foram concedidos, em 2015, a Maria Valéria Rezende, uma freira; que Micheliny Verunschk ganhou, pela Patuá, o Prêmio São Paulo de Literatura de melhor autora estreante acima de 40 anos e o de estreante abaixo de 40 anos foi concedido a Débora Ferraz. “São mulheres, e ainda nordestinas; pela lógica do mercado, isso não aconteceria.” Também o Jabuti de contos foi concedido à jovem carioca radicada em São Paulo Caroline Rodrigues.


“As mulheres estão tendo visibilidade cada vez maior. A questão feminista está hoje muita clara para as jovens, e isso faz com que a coisa vá mudando, às vezes na marra. Um sintoma é a diferença que vejo entre as alunas de Letras da USP de agora e de quando saí da faculdade, há 10 anos. Estão muito engajadas na luta feminista, e isso acaba mudando as coisas também na cultura e nas artes.”
É vasta, diversa e de qualidade a produção poética das mulheres brasileiras na atualidade. E embora cantem como cigarras, as poetas, bem formiguinhas, vêm trabalhando para fazer frente a esse panorama de desigualdade. Por exemplo: um grupo formado por onze delas, de sete estados (entre as quais Ana Rüsche, de São Paulo) está organizando um festival para mostrar a invisibilidade das poetas brasileiras, em três eventos: “Poesia dos anos 1990” (março), “Poesia dos anos 00” (maio) e “Poesia de hoje” (junho). Na programação, debates, leituras e oficinas, em locais que logo serão definidos. Outras Palavras dará a notícia.

***

Para a Playboy, nudez não tem preço

Em carta à imprensa, a revista masculina, que retorna às bancas em abril, justifica seu posicionamento de não pagar cachês por ensaios

04 de Fevereiro de 2016 09:37
Meio&Mensagem


Crédito: Reprodução
Atualizado às 15h48

Sob nova editora no Brasil, a PBB Entertainment, a Playboy não pagará cachês a suas modelos.
Em carta à imprensa, a publicação justifica que “a mulher não será objeto de nudez, terá voz na revista e suas histórias de vida serão valorizadas. Os ensaios não serão mais pagos com cachê porque o corpo da mulher não tem preço. Na nova Playboy, não haverá leilão sobre qual estrela foi mais bem paga, porque nenhuma mulher vale mais que outra”.

A Playboy acredita que seu desafio atual é se manter como a maior revista masculina do País e resgatar prestígio tendo a mulher como parceira. “Não haverá mais obrigatoriedade de exibir nudez frontal. Assim, fica estabelecido que a estrela pode ter acesso a eventuais acordos e contrapartidas não editoriais, sempre articulados pela vice-presidência de Vendas, Marketing e Publicidade”.

A PBB Entertainment divulgou, na tarde desta quinta-feira, 4, que a atriz Luana Piovani vai estampar a primeira edição da revista em nova fase. A Playboy será o primeiro produto editorial da PBB, criada pelo fotógrafo de moda André Sanseverino e os empresários Edson Oliveira e Marcos de Abreu.


“Garantimos convergência da publicação com site, aplicativos, e-commerce e organização de eventos”

De acordo com a PPB, os principais valores editorais da Playboy serão preservados e a equipe da revista será liderada por Sanseverino com uma dupla formada por editor-chefe e pela diretora de criação.

Após 41 anos, a última Playboy publicada pela Editora Abril foi às bancas em dezembro do ano passado. O principal argumento da empresa para o fim dos títulos foi “a revisão do portfólio de produtos e a readequação das ofertas à sua audiência, aos anunciantes e agências”.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Porque as "questões das mulheres" são questões de toda a sociedade

Mulheres abrem mão de carreira por causa de maridos, não de filhos, diz estudo




Pesquisa realizada nos EUA concluiu que elas se sentem pressionadas a assumir filhos e obrigações do lar para que maridos possam se dedicar à profissão
Muitas mulheres deixam suas próprias carreiras em segundo plano não para criar os filhos, mas para priorizar a carreira de seu parceiro. Esta é a conclusão de Pamela Stone, professora de Sociologia da Hunter College, em Nova York (EUA), em entrevista ao jornal espanhol El País nesta terça-feira (10/11).

Ela é uma das autoras do estudo “Life and Leadership after HBS” ("Vida e Liderança após Harvard Business School", em tradução livre). Em sua pesquisa, foram entrevistados 25 mil ex-alunos e ex-alunas da instituição, com idades entre 26 e 47 anos, com o objetivo de analisar as aspirações profissionais de homens e mulheres que foram preparados para posições de liderança no mercado de trabalho.

Segundo Stone, as mulheres sentem-se pressionadas por seus parceiros, pelas instituições onde trabalham e pela sociedade como um todo a assumir a criação dos filhos e as obrigações do lar para que seus companheiros possam se dedicar à carreira.

Agência Efe/Arquivo

Christine Lagarde é diretora do FMI (Fundo Monetário Internacional); ela, que tem dois filhos, não sucumbiu à pressão social
 
Como resultado, as mulheres se mostraram mais insatisfeitas com suas trajetórias profissionais do que os homens. Dados coletados mostraram que 60% dos homens estavam “extremamente satisfeitos” com suas experiências profissionais e oportunidades de promoção contra 40% de mulheres que descreveram sentir o mesmo. Dos homens que participaram da pesquisa, 83% eram casados.
 
Atualmente as mulheres ocupam menos de 20% dos cargos de responsabilidade nas 500 empresas mais importantes do mundo, de acordo com a revista Fortune. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho divulgou, em março, um relatório indicando que não haverá igualdade salarial entre os sexos até 2085.   

Em Madri, 500 mil vão às ruas contra ‘terrorismo machista’ e violência de gênero; veja fotos

No Brasil, homicídios de mulheres negras aumentam 54% em 10 anos, mostra estudo da Flacso

O estudo ainda revelou que 75% dos homens esperava que, no futuro, suas companheiras assumissem a maior parte da responsabilidade de criar os filhos, e 50% das mulheres respondeu que esta seria de fato sua função. Entre os homens entrevistados, 70% considerava que suas carreiras teriam prioridade sobre a de suas esposas e cerca de 40% das mulheres concordaram com esta afirmação.

Para Pamela, a “culpa” é da própria sociedade. Ela acredita que as mulheres devem conversar com seus parceiros para poderem desenvolver suas carreiras e se sentirem mais satisfeitas profissionalmente.

“Os casais jovens que estão pensando em criar um projeto de vida juntos deveriam ter uma conversa sobre quais são as pretenções profissionais e pessoais de cada um. É muito importante escolher uma pessoa que respeite os nossos desejos”, disse. 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

As mídias e o estupro naturalizado

26/10/2015 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

Sobre meninas e lobos

A cultura do estupro, que significa o consenso e a naturalização da violência contra a mulher, domina a publicidade e os meios de comunicação.


Marina Ganzarolli*
 
reprodução
Nesta semana (20) começou o “MasterChef júnior Brasil”, uma competição culinária transmitida pela Rede Band entre 20 crianças, de 9 a 13 anos de idade. Após o primeiro episódio, a repercussão nas redes sociais em relação a uma das participantes, a menina Valentina, gerou revolta na Internet. Mensagens pornográficas e apologia à pedofilia resumem o conteúdo dos tuítes direcionados à garota e dos comentários estampados na página Admiradores da Valentina, criada no Facebook:  “Se tiver consenso é pedofilia?”, dizia uma delas.


Não existe relação sexual consensual com uma criança. Uma menina, assim como toda criança, não tem plena capacidade para fazer pra fazer essa escolha, nem pra se defender, se forçada. Não importa se ela se parece com uma criança ou com uma mulher. Uma mulher no espaço público também não é sinônimo de um corpo à disposição do desejo e do prazer masculinos. Nem as meninas tampouco as mulheres estão fadadas à manutenção do trabalho reprodutivo no espaço privado. A todas deve ser garantido o direito de serem livres, de fazerem suas escolhas, de possuírem autonomia sobre seus corpos e sobre sua sexualidade. Mas na realidade, estamos em constante e precocemente sujeitas às mais diversas formas de controle e violências em uma sociedade essencialmente machista.


Em resposta à violência e ignorância dos tuites e postagens,  no dia 22 o coletivo ThinkOlga, idealizador da campanha Chega de FiuFiu, lançou a hashtag #PrimeiroAssédio no Twitter, concentrando em algumas horas milhares de relatos sobre a primeira vez em que meninas e mulheres sofreram algum tipo de assédio ou violência sexual: “Ônibus cheio, eu sentada no colo da minha mãe (cega). Homem abre o zíper da calça e me mostra o genital. Eu tinha 8 anos”, relatou uma delas. Novamente, a contrarreação aos relatos que inundaram as redes sociais chamam a atenção para a naturalização da violência contra a mulher, gordofobia e culpabilização da vítima: “Só mina gorda e feia nesse #primeiroassédio” disse um deles. O líder da banda Ultraje a Rigor, o ultrarreacionário Roger Moreira e uma espécie de Lobão engraçadinho, fez piada sobre o assunto e ironizou os relatos de violência e abuso que circularam na web: “Acho que eu tinha uns 10 anos. Uma empregada deixou eu pegar nos peitos delas. Foi bom pra cassete”, disse.


Segundo o IPEA, em relação ao total das notificações de estupro ocorridas em 2011, 88,5% das vítimas eram mulheres, mais da metade tinha menos de 13 anos de idade e mais de 70% dos estupros vitimizaram crianças e adolescentes. A violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos (Disque 100).


O Brasil foi o primeiro país a promulgar um marco legal dos direitos humanos de crianças e adolescentes, em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990 só foi possível graças à mudança de paradigma provocada pela Constituição de 1988, quando passamos a falar em proteção integral dos direitos da criança. A visão higienista e correcional dada a “criança-menor” foi substituída pela perspectiva da criança enquanto sujeito de direitos. O enfrentamento da violência sexual – para o qual quase não havia política pública alguma na época – ganhou destaque na Carta Constitucional (parágrafo 4o, art. 227). O ECA prevê que quem aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso a pena de reclusão de 1 a 3 anos mais multa (art. 241-D).    


Assim, desde 1988 muita coisa mudou e hoje dispomos de um Sistema de justiça e de segurança específicos para crianças e adolescentes e de um Comitê, um Conselho misto e um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Apesar de o enfretamento institucional do problema ter avançado, culturalmente, desgraçadamente, parece que não saímos do lugar. Nesta semana (21), Pedro Magalhães Ganem (JusBrasil) relatou um caso no Espírito Santo em que o Juiz determinou que o estuprador registrasse a criança que foi gerada em decorrência do estupro, no caso, o avô do bebê e pai da vítima, uma criança de 13 anos. Ou seja, se temos um arcabouço legal relativamente avançado, os que deveriam aplica-lo nem sempre agem em consonância com o respeito aos direitos humanos e a proteção simbólica e material das vítimas.

A cultura do estupro, que significa o consenso e a naturalização da violência contra a mulher, também domina os meios de comunicação. A recente novela da Globo Verdades Secretas envolvia a trama de uma menina de 16 anos que, em busca do sonho de virar modelo, acaba virando profissional do sexo e se envolve com um homem acima dos 40 anos. Para manter o relacionamento ele se casa com a mãe da garota e, na condição de seu padrasto, controla todos os movimentos da menina. A relação extremamente abusiva, romantizada pela TV, não impediu que a novela obtivesse altos índices de audiência, implicando num sinal de menos para a mulher enquanto sujeito de direitos.

Falar sobre pedofilia não é fácil. A maioria dos comentários expressa nojo e repulsa diante das mensagens criminosas dirigidas à Valentina. Mas como bem explica a própria Carol Patrocinio, a pedofilia tem duas definições: trata-se (i) de uma perversão que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças ou (ii) da prática efetiva de atos sexuais com crianças. Dessa forma, antes de acontecer o crime (ii), temos que enfrentar a doença (i).


Mas esses meninos e homens, melhor intitulados pedófilos e criminosos, não vivem em Marte, não estão apartados da realidade social que os circunda. Pelo contrário. Eles são diariamente bombardeados com imagens de crianças hiperssexualizadas, de corpos de mulheres objetificados como pedaços de carne, de adultas infantilizadas, de padrões inalcançáveis de beleza, magreza e branquitude.


A nova garota-propaganda da gigante da moda Dior, a modelo israelense Sofia Mechetner, tem apenas 14 anos. Sofia abriu o desfile de inverno da marca italiana em julho deste ano e às críticas a sua tenra idade não foram suficientes: a modelo e a coleção são um sucesso.  Em 2008 uma campanha publicitária da marca de roupas infantis Lilica Ripilica em que uma menina de cerca de 4 anos aparecia deitada em uma pose sensual, segurando um doce com os dizeres “Use e se lambuze”, foi retirada de circulação, dado sua conotação erótica. Em mraço deste ano, a marca de roupas Use Huck, do apresentador Luciano Huck, foi notificada pelo PROCON do Rio de Janeiro após estampar camisetas infantis com a frase “Vem ni min que eu tô facin”. Após a repercussão negativa a marca se desculpou e cessou a venda do produto em seu site.


O Instituto Alana, criador do projeto Criança e Consumo, alerta para os impactos negativos do consumismo infantil e para a relação direta entre erotização precoce e exploração sexual de crianças e adolescentes. A identidade da criança está em constante formação e desenvolvimento até que ela alcance a vida adulta. Produtos como maquiagem e sutiã com bojo para crianças, disponíveis no mercado, geram estímulos com os quais as crianças – em processo de formação da autoestima – não sabem lidar.


A noção de pertencimento a um grupo, a identidade da criança, está em constante formação e desenvolvimento até a vida adulta, quando tem plena capacidade não só de tomar decisões, mas de compreender a extensão e as consequências de suas escolhas. Mas numa sociedade capitalista de consumo, o quanto antes as crianças virarem consumidores, melhor. Pouco importa que a publicidade promova a adultização e hipersexualização das crianças e acarrete um encurtamento da infância.


Não adianta achar “nojento” e acreditar que nada disso tem a ver com você e com a sua família. Argumentos como “imagina se fosse com a sua filha” ou “não dá pra generalizar, nem todos os homens são assim” apenas mascaram o que importa: as vítimas e sua dignidade enquanto seres humanos, sujeitos de direitos. Nossa opinião é irrelevante. Fato é que todas as meninas e mulheres estão sujeitas à violência, diariamente. Isso sim pode ser generalizado. É por isso que temos que falar sobre gênero e sexualidade das escolas. É por isso que não avançaremos enquanto estivermos ensinando a nossas meninas a “se comportarem” – não usar saia, falar baixo, não beber, não sair à noite, não descobrir sua sexualidade, basicamente, não viver – e não a nossos meninos a não estuprarem as mulheres. Todas as mulheres estão sujeitas à violência, ao assédio e ao abuso e os “lobos” estão sempre mais próximos do que se imagina. São o pai, o tio, o padrasto, o primo, o vizinho, o colega de trabalho, o amigo da escolar, o moço do bar, o cara da televisão, a propaganda do desenho, uma brincadeira inocente ou aquela piada inofensiva.


* Marina Ganzarolli é advogada, co-fundadora do Coletivo Dandara da Faculdade de Direito da USP, pesquisadora do Núcleo de Direito e Democracia (NDD) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), e foi Conselheira Municipal da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo.