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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Sobre que notícia? - II

Por que os jornalistas brasileiros não reagem à manipulação da mídia?

 

Fabio Lau*
Correio do Brasil 

O profissional de longa data ainda acrescentou: 'Aqui, se o repórter fizer isso, será discriminado pelos próprios colegas. Obedecer cegamente ao anseio do chefe (lugar-tenente do patrão) é sinônimo de profissionalismo!'

A atitude do jornalista inglês do The Daily Telegraph, Peter Oborne, que pediu demissão por não concordar com a linha editorial do jornal na cobertura do escândalo Swissleaks/HSBC não repercutiu na mídia tradicional brasileira. Nas suas páginas, telas ou ondas de rádio, naturalmente. Mas no meio profissional, nas rodas de conversa, o caso foi debatido – aos sussurros – durante todo o dia.
– Lá é fácil. Lá tem oferta de emprego e os patrões não representam uma oligarquia!
O profissional de longa data ainda acrescentou: “Aqui, se o repórter fizer isso, será discriminado pelos próprios colegas. Obedecer cegamente ao anseio do chefe (lugar-tenente do patrão) é sinônimo de profissionalismo!”
Fechadas as aspas, a gente encontra o tabuleiro que separa as peças deste jogo onde dono de jornal se diz porta-voz da mídia livre, mesmo que seja capaz de atos como o denunciado por Oborne: amenizar as críticas ao acusado (no caso, um dos maiores bancos do mundo) em troca de publicidade. Afinal, ao lado da corrupção profissional, ele apresentará uma justificativa que pode até soar nobre: agiu para garantir a sobrevivência da sua empresa, ao lado do status de empresário bem-sucedido.
Para que um leitor comum entenda, esta concessão escusa está para o jornalista (ou dono da mídia) como estaria a prática da eutanásia para um médico ou a assinatura da pena de morte por um juiz. São atos organicamente contraditórios.
Aos 58 anos, Peter Oborne reagiu de forma definitiva porque entendeu que os leitores do Daily Telegraph estavam sendo lesados no seu direito de serem bem informados.
O jornalista obtinha informações importantes sobre o esquema HSBC, chamado pela mídia internacional de Swissleaks, e o jornal as ignorava. Além disso, Oborne descobriu que naquele ano em que as denúncias começaram a surgir um patrocínio milionário fora oferecido pelo HSBC a uma das empresas do seu patrão. Estava fechado o círculo.
A omissão de conteúdo de informação, ou jornalístico, é o bem mais precioso cambiado pelas empresas de má fé. Negar a informação ao leitor/telespectador/ouvinte é mais lesivo (e lucrativo, se visto na outra ponta) do que deturpar ou favorecer. Omita o delito e ele, como num passe de mágica, deixará de existir. Por isso ele é tão caro – em todos os sentidos.
Não é de se esperar gestos heroicos de jornalistas brasileiros. A falta de pluralidade da mídia de certa forma pode tornar seletiva, também, a maneira de enxergar de muitos profissionais quanto ao contexto político em que se esteja inserido. Portanto, não são aparentemente tantos os casos de dramas de consciência ou frustração.
Outro particular é a escassez cada vez maior de postos de trabalho. Detentoras do mercado profissional, as cinco principais empresas brasileiras de comunicação jogam nas diversas esferas das plataformas de mídia (praticando a chamada propriedade cruzada) e sabotam a possibilidade de pluralizar o mercado. Controlam a verba de publicidade, privada e pública, eliminando assim o mais remoto ensaio de concorrência. Além disso, reféns do modelo e da força manifestos pela mídia corporativa, os governantes, de todos os partidos e matizes, se curvam e evitam o confronto.
Iniciativas heroicas da mídia livre, notadamente instadas na internet, são o único foco de resistência ao modelo que é lesivo aos leitores/ouvintes/telespectadores/internautas e jornalistas. Somente estes pequenos empreendimentos garantem a possibilidade de fazer vazar informações controladas – como o pedido de demissão de um importante jornalista do Daily Telegraph, por razões profissionais e éticas.
Por outro lado, no contexto das redações brasileiras, não raro percebe-se, aqui e ali, uma reportagem que de tão profunda e contestadora, transgressora até do ambiente político tradicional, faz despertar no seu consumidor (de TV, jornal, rádio ou internet) a crítica sobre o universo que o cerca e que a velha mídia tenta colorir com o ponto de vista do dono – do dono da voz.
Estes heróis das redações, muitas vezes anônimos, são de fato os nossos focos de resistência na mídia corporativa. E o consumidor desavisado não faz ideia da oposição que estes jornalistas enfrentam, muitas vezes de seus próprios colegas, por pensarem e tentarem agir de forma diferente, mais livre. Em cada oportunidade, em cada brecha, surgem os jornalistas de verdade. São eles os Peter Oborne das nossas redações.
*Fábio Lau é jornalista, editor-chefe do portal de notícias Conexão Jornalismo.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Que mídia pra quem?

Do impacto didático das bolinhas de papel

publicado em 1 de fevereiro de 2013 às 19:28
por Luiz Carlos Azenha
Fonte: Viomundo

Em novembro de 2011, publicamos o teor de uma palestra feita pelo ex-ministro Franklin Martins em seminário promovido pelo PT, em São Paulo:

“Não se arranha a Constituição, mas não se deixa a Constituição na prateleira. Ninguém pode ferir a Constituição. Ninguém pode engavetar a Constituição. Devemos ter no marco regulatório a Constituição na forma de marco. Na íntegra”.

Na ocasião, Franklin listou os artigos da Constituição que deveriam ser regulamentados.
Todos os que defendemos um novo marco regulatório para a mídia brasileira sabemos que se trata de ter mais, não menos mídia. De combater os monopólios — e, portanto, a propriedade cruzada — e promover o pluralismo de ideias, a diversidade.

Vários países da América Latina avançaram muitos nos últimos anos, como Gilberto Maringoni e Verena Glass deixaram claro, aqui.

Porém, o assunto não interessa à própria mídia, já que ameaça o poder de uma dúzia de famílias de definir a agenda política do Brasil e, portanto, de extrair favores e concessões de governos variados.
Por isso, a decisão deliberada de confundir regulação da mídia com censura ou restrição à liberdade de imprensa.

Pouco importa que a tal regulação não trate, obviamente, dos meios impressos e se concentre nas concessões públicas de rádio e TV.

A confusão deliberada turva o debate e é este exatamente o objetivo: confundir, não esclarecer.
Ora, se todas as empresas concessionárias de bens públicos são regulamentadas, por que não atualizar o marco regulatório das empresas de radiodifusão?

A resposta óbvia é que os concessionários se encontram na confortável posição de exercerem monopólios locais, regionais ou de alcance nacional, como a empresa que concentra mais de 50% de todas as verbas publicitárias do Brasil.

Meu irmão, José Carlos, costuma dizer que ninguém fala mais da Globo que a própria Globo: as rádios promovem os colunistas de jornais, que aparecem na TV, que coloca O Globo na mão de personagens de novelas, que tocam as músicas da gravadora do grupo, que coloca seus contratados no Faustão…  e assim sucessivamente.

Este modelo é reproduzido regionalmente em todo o Brasil.
As chances de mudar são, a curto prazo, reduzidíssimas.

Por quê?

O senador Fernando Collor, que denunciou no Senado os que têm “poder de divulgação”, é ele mesmo concessionário, em Alagoas — como notou o comentarista Paulo Preto — assim como o ex-presidente José Sarney, no Maranhão.

Existem 271 políticos que aparecem como sócios de empresas concessionárias e neste quesito o PMDB de Sarney (com 17,71%) só perde para o DEM (21,4%). O PSDB vem em terceiro, com 15,87%. A estatística, dos Donos da Mídia, não inclui os laranjas.

O que quero dizer é que, embora formalmente aliado ao PT no governo federal, quando se trata da mídia o PMDB está quase que totalmente fechado com a direita na defesa de um modelo concentrador de verbas e poder político.

Podemos dizer sem medo de errar que o nó górdio da nossa jovem democracia está na confluência dos interesses dos que são aos mesmo tempo ou representam os latifundiários-congressistas-empresários de comunicação, não necessariamente nesta ordem.

Hoje, ao assumir o cargo de presidente do Congresso, Renan Calheiros concordou com Dilma Rousseff: quem regulamenta o setor “é o controle remoto”. É o mesmo que dizer que cabe ao consumidor, quando entra na farmácia, regulamentar com suas escolhas o setor farmacêutico.
O discurso de Renan demonstra que, apesar da atualidade deste debate no Reino Unido — a partir do escândalo envolvendo Rupert Murdoch e o relatório Leveson (íntegra aqui) e na Uniao Europeia (veja aqui), no Brasil ele continuará interditado no Parlamento.

(Parênteses para lembrar que, no Reino Unido, debate-se abertamente regulamentação que afetaria diretamente o conteúdo da imprensa escrita — e ninguém gritou censura!)

Para interditar o debate no Brasil contribuem dois outros fatores.

Por motivos eleitorais, o assunto não interessa neste momento à presidente Dilma. Por pragmatismo político, os  mesmos parlamentares do PT que, notou José Dirceu aqui, não se apresentam para defendê-lo ou ao partido na tribuna, por conta do julgamento do mensalão, preferem mendigar espaço na mídia tradicional a promover a verdadeira liberdade de expressão, que contemple os interesses dos trabalhadores e movimentos sociais e não apenas os interesses neoliberais dos donos da mídia.

Há raras exceções, mas fica explícito no comportamento dos pragmáticos que eles estão mais preocupados com a promoção de suas ideias ou interesses pessoais do que com a democratização do espaço público.

Porém, o cenário não é de todo desanimador. Desde que Rodrigo Vianna, ao deixar a TV Globo, expôs os bastidores da cobertura eleitoral de 2006, o que era um segredo de insiders passou a ser compartilhado por um crescente número de leitores. Os blogueiros sujos, com a colaboração de internautas e comentaristas, ajudaram a didatizar a crítica da mídia, hoje exercida cotidianamente por centenas de milhares de pessoas.

Todo período eleitoral — com suas bolinhas de papel e retrospectivas de 18 minutos sobre o mensalão — metaboliza este processo, acrescendo um número considerável de brasileiros ao rol dos que se tornam capazes de identificar de forma cristalina o jogo de omissões, descontextualizações, distorções, exageros e mentiras, como na recente “crise” do setor elétrico.

Uma coalizão entre internautas e militantes de movimentos sociais, frequentemente criminalizados pela mídia, continua sendo a melhor aposta para surpreender os atores do que, por enquanto, é um não-debate sobre mídia e democracia no Parlamento brasileiro. Já deu muito certo antes, como no lançamento do Privataria Tucana, o bestseller que a mídia tentou eliminar pelo silêncio.

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