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quinta-feira, 29 de maio de 2014

O rumor público é feito de quê? II

O verdadeiro discurso do medo

No Chile, o primeiro ato da derrubada de Salvador Allende desenrolou-se com uma paralisação de transportes seguida de um lock-out do comércio de alimentos.


Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Boletim Carta Maior 
Arquivo

Também seguimos inseguros, os empenhados existencialmente nesse fluxo histórico de espetacular transformação da comunidade brasileira. Também seguem meio desorientados os que apostaram na capacidade de um punhado de políticos de boa cepa ensinar ao país que é possível perseguir uma sociedade justa, não obstante os entulhos de um passado oligarca e suas reencarnações tatibitati. Mas incomoda vê-los hesitar diante das vociferações dos antidemocratas de todas as cores. A imagem de meia dúzia de desatinados, entre os quais índios sem teto ou sem oca, expostos a selfies na marquise do Congresso não prenuncia nada engraçado. Muito menos folclóricos ainda são os gigantescos engarrafamentos castigando a população que retorna do trabalho, à conta da intimidação promovida por uns poucos buldogues ameaçadores, fora da linha sindical. São movimentos de carregação aproveitados, bandeiras à vista, por legendas partidárias sem expressão e sem voto, desafio da força bruta ocasional à tolerância democrática.

A democracia é, por certo, um sistema político que garante voz a quem deseja acabar com ela, mas não é um arranjo institucional de espinhela caída a permitir ações que constrangem a maioria da população. O conhecido e histórico oportunismo de certos grupos sociais – trabalhadores em transportes, especialmente de massas, e empregados em saúde pública – e de rótulos partidários sem energia própria podem, parasitando a inércia das instituições legítimas e com divulgação garantida, persuadir a maioria não organizada dos cidadãos que são eles os minoritários. Imprensados entre a balbúrdia com proteção jornalística e o silêncio governamental, ficam os trabalhadores em dúvida sobre se a melhoria em suas condições de vida não constitui imerecida exceção num país aparentemente em ruínas.

Quem conhece o todo e não compartilha informação com os beneficiados comete grave erro de propaganda política. Faz parte da obrigação governamental não apenas fazer, mas fazer saber. Em 27 de maio último, por exemplo, o Senado aprovou proposta tornando legal a expropriação de empresas que explorem trabalho escravo. Não há em nenhum lugar do mundo legislação semelhante. Tal como o programa bolsa-família, essa legislação será em breve copiada por outros países, pois o trabalho escravo não é monopólio de países pobres. Contudo, notícia de tal importância foi relegada a páginas remotas dos diários ou nem mesmo registrada. Do mesmo modo, o imenso planejamento das benfeitorias que serão deixadas pela Copa de futebol, muitas das quais já operando, foi até aqui esmagado por uma das mais estúpidas campanhas jamais patrocinada pelo conservadorismo oposicionista e uisquerdóides de todos os tempos. Pois vai ter Copa, sim, assegurada pela maioria real do país e apesar do paralisante acidente vascular do governo.

Minorias têm direitos, mas não podem ter o poder de subjugar a maioria. Tratá-la como maioria é traição institucional e política. A população trabalhadora tem direito a exigir transportes suficientes e em boas condições, mas previamente tem o direito constitucional de ir e vir. Conta-se que, na China pré-conquista do poder, o Partido Comunista organizava greve de bondes fazendo os transportes rodarem gratuitamente. Não li que jamais os incendiasse e obrigasse os trabalhadores seguirem a pé para suas casas. Já no Chile, o primeiro ato da derrubada de Salvador Allende desenrolou-se com uma paralisação de transportes seguida de um lock-out do comércio de alimentos. Não conheço tratado de política em que tais movimentos prenunciem avanços democráticos. Conheço histórias em que os desfechos foram tiranias longevas.

Há razão para a ansiedade de parte da população e para o desejo de mudança. Já não é tão claro, apesar de destemidos intérpretes e fora os itens costumeiros de melhor transporte, saúde, educação e segurança, o que deseja a significativa maioria da população. Pelo que costuma responder sobre a difusão da violência, o anarquismo sem rumo dos blaquiblocs e aparentados, esplendidamente repelidos, o que a maioria deseja é mudar a sociedade. É importante que as autoridades meditem sobre isso, não se entreguem às interpretações velhacas e tragam segurança jurídica e existencial à maioria. São pagas para isso.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Da produção dos sentidos no período técnico-científico informacional

Política| 19/06/2013 | Copyleft
Boletim Carta Maior

As redes, as ruas e os riscos da incerteza


Há o imenso risco do movimento virar as costas para o fato de que o "gigante" não acordou somente agora e que esse país já foi palco de muitas lutas antes da internet. Afinal, foi gente muito desperta que lutou para construir nossa imperfeita democracia. Não saber distinguir verdadeiros adversários e ignorar que a longa luta por justiça, liberdade e democracia não começa agora, poderá levar os atuais movimentos a uma profunda derrota. Por Vinicius Wu.

 
 
Não resta dúvida de que a grande novidade das manifestações dos últimos dias é seu caráter descentralizado, atomizado, sua organização em rede e sua disseminação horizontal. E não se deve criar falsos fantasmas: não houve partidos e nem grupos "subversivos" na origem do movimento. A ultraesquerda e a oposição neoliberal podem até tentar, mas estão longe de "dirigir" as mobilizações, muito embora haja, sim, uma disputa aberta sobre o significado, o sentido e os eventuais desdobramentos políticos dos protestos.

A direita neoliberal do país pretende instrumentalizar os manifestantes. Querem canalizar as mobilizações de acordo com seus interesses, desgastar o campo progressista e reverter as conquistas populares dos últimos anos. A esquerda brasileira, por sua vez, precisa se convencer de que a prática da ação em rede chegou ao país e compreender esse processo será decisivo para a luta política no próximo período.

Já ouvi muita gente desdenhar da capacidade de mobilização através das redes sociais no Brasil. Muitos diziam, categoricamente, que convocações pela Web jamais se tornariam ação concreta nas ruas e que, por aqui, dificilmente haveria algo semelhante ao ocorrido em Madri, Londres e outras tantas cidades em 2011. Talvez seja o momento de revisarmos algumas certezas e buscarmos uma leitura mais precisa do que se passa no mundo.

As ações em curso não se enquadram nas categorias tradicionais de análise dos movimentos sociais e a novidade é, de fato, a palavra que melhor caracteriza os meios de difusão dos protestos em rede. Em São Paulo e no Rio, milhares de jovens advogados se mobilizaram pela internet dispondo-se a providenciar pedidos de habeas corpus aos manifestantes que, eventualmente, fossem presos. Estudantes de enfermagem e medicina de universidades paulistas se propuseram a organizar postos voluntários de cuidados médicos para atender os feridos dos próximos atos.

Em Dublin, na Irlanda, cerca de 2.000 pessoas foram a um dos principais pontos turísticos da cidade – o Spire, situado na região central da cidade – para um ato em apoio aos manifestantes brasileiros, causando perplexidade nas forças policiais locais. Atos semelhantes foram convocados para cidades como Paris, Valencia, Madri, Londres, Berlim, Vancouver, Buenos Aires e dezenas de outras pelo mundo.

Mas isso não é tudo. Hackers atuam de diversas partes do planeta postando mensagens de apoio ao movimento na rede e, inclusive, derrubando a segurança de diversos portais de noticias. Vídeos se proliferam na rede denunciando a violência policial e já há até um guia transnacional orientando "cinegrafistas amadores" a agirem com segurança e eficiência. Um outro vídeo, com centenas de milhares de acessos, convocava as manifestações da última segunda. Aos atos realizados seguem-se um mar de postagens com fotos, vídeos, comentários e chamados a novas mobilizações.

Do ponto de vista da forma e da metodologia de mobilização há uma identidade inquestionável com os eventos ocorridos no norte da África e na Europa ocidental desde 2011. Trata-se de um movimento global relacionado à crise do paradigma neoliberal. E claro, há questões locais, objetivas, que têm a ver com as virtudes e os limites do processo de redução das desigualdades sociais experimentado pelo país nos últimos anos. Cartazes - muitos dos quais feitos à mão - apresentam demandas sociais represadas e anseios por novas conquistas. Estamos diante de um certo "mal estar" da revolução democrática, responsável pela massiva, porém incompleta, inclusão social em curso no Brasil e devemos reconhecer que a esquerda que governa o país há dez anos ainda não foi capaz de renovar sua agenda política para enfrentar os próximos dez.

E não há como negar que estamos diante da superação de uma letargia política através da qual o pensamento conservador avançou enormemente no país. Assistimos, muito recentemente, a inúmeras movimentações de caráter conservador, que pareciam promover a aniquilação de toda e qualquer pretensão progressista na sociedade brasileira.

Mobilizações pela criminalização absoluta do aborto e em favor da redução da maioridade penal reforçaram a onda conservadora em curso desde as eleições de 2010. A escolha de Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, as agressões e insultos permanentes de supostos humoristas e formadores de opinião às mulheres e aos homossexuais em pleno horário nobre da TV aberta, sendo recebidas com uma naturalidade perturbadora, são apenas alguns dos indícios de que algo não ia bem na cabeça e na cultura política dos brasileiros. Em parcela expressiva dos jovens mobilizados há um certo grito de revolta contra essa situação.

Mas é preciso também atentar para os limites e os impasses que podem retirar a legitimidade dos protestos e distorcê-los profundamente. A ausência de direção política e de objetivos claros afirmam positivamente sua autonomia, porém, os tornam sujeitos a todo tipo de manipulação - e setores da velha mídia e a direita neoliberal o têm buscado insistentemente. A ação de setores, que beiram a marginalidade em suas ações, também é um risco capaz de distanciar o movimento de amplas parcelas da sociedade.

Também há o imenso risco do movimento virar as costas para o fato de que o "gigante" não acordou somente agora e que esse país já foi palco de muitas lutas antes da internet. Afinal, foi gente muito desperta - e atenta - que lutou bravamente para construir nossa imperfeita democracia. Não saber distinguir verdadeiros adversários e ignorar que a longa luta por justiça, liberdade e democracia não começa agora, poderá levar os atuais movimentos a uma profunda derrota política, além de transmitirem involuntariamente um atestado de veracidade à falaciosa tese das elites sobre a suposta passividade do povo brasileiro.

Pode ser que o movimento ganhe vitalidade ou se esvazie nas próximas semanas. Talvez tudo seja relativizado com o passar dos dias e que não haja nenhuma consequência mais drástica sobre o atual sistema político brasileiro. Ou não. Mas o que ocorre atualmente com os jovens do país nos estimula a pensar. E mais importante do que especular sobre o que virá é compreender o que se passou nos últimos dias. Estamos diante de um novo tipo de ativismo político, característico da sociedade em rede do século XXI. Novos sujeitos políticos e sociais - incluindo a chamada "nova classe média" - irromperam repentinamente na cena politica nacional. E o Brasil já não é mais o mesmo.

(*) Secretário-geral do governo do Estado do Rio Grande do Sul e coordenador do Gabinete Digital