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sexta-feira, 27 de março de 2015

Para além da superfície imaginária, uma reflexão sobre os descaminhos do rumor público

Homo ignorans

Pessoas inteligentes e informadas conseguem ignorar o gigantesco desvio de recursos através dos bancos, e culpam o eterno bode expiatório que é o governo.



Ladislau Dowbor
 
401(K) 2012 / Flickr
O homo sapiens todos conhecemos. Inclusive a maior parte da teoria econômica e das teorias das transformações sociais se baseia numa compreensão otimista de que o homem absorve conhecimentos, confronta-os com os seus objetivos racionalmente entendidos, e procede de acordo. Quando erra, analisa os erros e corrige a sua visão para não repeti-los.

Naturalmente, é agradável pensarmos que somos, conforme aprendi na escola, animais racionais, racionalidade que nos separaria confortavelmente dos animais. As minhas dúvidas aumentam proporcionalmente à minha idade, o que significa que são elevadas. Pensar que somos mais do que somos é uma atitude muito difundida. A bíblia já abre com o tom adequado: Deus nos criou à sua imagem e semelhança, o que implica por virtude dos espelhos que somos semelhantes nada mais nada menos que a Ele. O tamanho desta pretensão, e o fato de passar tão desapercebida e natural, já mostra a que ponto a nossa racionalidade pode ser adaptada ao que é agradável, mas não necessariamente ao que é verdadeiro.

Pensar na dimensão irracional da nossa inteligência, ou nas raízes interessadas e ideologicamente deformadas do que nos parece racionalmente verdadeiro, é muito interessante. Fazemos uma construção racional em cima de fundamentos profundamente enterrados na confusão de paixões, medos, ódios e sentimentos contraditórios. Quanto maior o preconceito – no sentido literal, raiz emocional que assume a postura antes do entendimento - maior parece ser a busca do sentimento de superioridade moral.

Devemos lembrar como foram denunciados e massacrados ou ridicularizados os que lutaram pelo fim da escravidão, pelo fim da discriminação racial, pelos direitos de organização dos trabalhadores, pelo voto universal, pelos direitos das mulheres? A imensa batalha que foi chegar ao intelecto dos dominantes que um povo colonizar outro não dá certo? Hoje é a mesma luta pela redução das desigualdades, pelo fim da destruição do planeta, pela democratização de uma sociedade asfixiada por interesses econômicos. Aqui precisamos de muito bom senso e generosidade. Ou seja, emoções e indignações sim, mas apoiadas na inteligência do que acontece no mundo e visando o interesse maior de todos, e não o interesse particular de defesa dos privilégios.

Aqui realmente é preciso de muita ignorância, ou seja, desconhecimento (voluntário ou não), para não se dar conta dos desafios reais. O aquecimento global é uma ameaça real, mas a direita tende a negar, como se o termômetro e os gazes de efeito de estufa fossem de esquerda. O desmatamento generalizado do planeta está levando a perdas de solo fértil em grande escala, quando iremos precisar de mais área de plantio. A vida nos mares está sendo esgotada pela sobrepesca e em 40 anos, segundo o WWF, perdemos 52% da vida vertebrada no planeta. É um desastre planetário espantoso, mas não aparece na mídia comercial. Os dados sobre a inviabilização ambiental do planeta são hoje amplamente comprovados. Há controvérsias, nos dizem. Mas é questão de opinião ou de conhecimento dos dados?

No plano social é mais impressionante ainda: até o Fórum Econômico em Davos escuta e divulga as pesquisas da Oxfam, do Banco Mundial e das Nações Unidas, dos inúmeros institutos de pesquisa estatística em todos os países sobre a desigualdade crescente da renda. Pior, temos agora os dados da desigualdade do patrimônio acumulado das famílias – 85 famílias são donas de mais riqueza acumulada do que 3,5 bilhões de pessoas na base da pirâmide social – gerando tensões insustentáveis. Mas em Wall Street enchem a boca e declaram “greed is good”. Sobre esta desigualdade de patrimônio uma das principais fontes é o Crédit Suisse, que tem boas razões para entender tudo de fortunas familiares. Nem os dados da própria direita parecem convencer a direita, se não confirmam os seus preconceitos.

Vamos tampar os olhos e fazer de conta que acreditamos que é possível manter a paz política e social num planeta onde 1,3 bilhões não têm acesso à luz elétrica, 2 bilhões não têm acesso a fontes decentes de água, e 850 milhões passam fome? Tem sentido acreditar no bom pobre¸ que se resigna e aceita, quando hoje até no último degrau da pobreza há uma consciência do direito a ter uma escola decente para o filho, saúde básica para a família? Aqui já não são apenas os olhos e os ouvidos que estão tapados, e sim a própria inteligência. O homo ignorans raciocina com o fígado.

E por que toda esta riqueza acumulada no topo não serve para as reconversões tecnológicas que nos permitam salvar o planeta, e para financiar as políticas sociais e inclusão produtiva capaz de reduzir as desigualdades? Basicamente porque está situada em paraísos fiscais, aplicada em sistemas de especulação financeira, sequer orientada para investimentos produtivos tradicionais. Os 737 grupos que controlam 80% das atividades corporativas do planeta são essencialmente grupos financeiros. Fonte? O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica. São recursos que não só se aplicam em especulação financeira em vez de financiar investimentos produtivos, como migram para paraísos fiscais onde não pagam impostos. O Economist estima que sejam 20 trilhões de dólares, um pouco menos de um terço do PIB mundial.

O Brasil tem cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, da ordem de 25% do PIB. O HSBC que o diga. Mas no Brasil a grande vitória é a eliminação da CPMF que cobrava ridículos 0,38% sobre movimentações financeiras. No Brasil pessoas inteligentes e informadas conseguem ignorar o gigantesco desvio de recursos através dos grandes intermediários financeiros, e culpam o eterno bode expiatório que é o governo. Em particular quando comete o pecado de melhorar a condição dos pobres. Ainda bem que temos a corrupção para canalizar a atenção e os ódios. O uso produtivo dos recursos não seria mais inteligente?

Não há nenhuma confusão sobre as dimensões propositivas: se estamos destruindo o planeta em proveito de uma minoria que pouco produz e muito especula, trata-se de tributar a riqueza improdutiva para financiar as políticas tecnológicas, ambientais e sociais indispensáveis aos equilíbrios do planeta. Com Ignacy Sachs e Carlos Lopes apontamos rumos básicos no documento Crises e Oportunidades em Tempos de Mudança, não são ideias que faltam: falta muita gente que tampa o sol com a peneira dos seus interesses se dar conta dos desafios reais que enfrentamos. Aliás, o norte é bem simples: toda política que reduz as desigualdades, protege o meio ambiente, e tributa capitais improdutivos contribui não para salvar um governo, mas para nos salvar a todos. E um país do tamanho do Brasil tem como trunfo fundamental, nesta época de turbulências planetárias, a possibilidade de ampliar a base econômica interna através da inclusão produtiva.

Confesso que ando preocupado. Parece que quanto maior a bobagem declarada, maior o sentimento de superioridade moral. E o ódio, esta eterna ferramenta dos preconceituosos, é um sentimento agradável quando se consegue encobrir o interesse com um véu de ética. Nesta nossa guerra permanente entre o frágil homo sapiens e o poderoso e arrogante homo ignorans, a olhar pelo mundo afora, e pelos gritos histéricos de extremistas por toda parte – sempre em nome de elevados sentimentos morais e com  amplas justificações racionais – o direito ao ódio parece superar todos os outros. Pobre Deus, nosso semelhante.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Como se faz o rumor público... Quem faz?

As eleições e a mídia

Escrito por: Marcos Coimbra 
Carta Capital 

A influência dos meios de comunicação vai além da produção de noticiário. Eles contratam as pesquisas e organizam os debates

Na próxima terça 19 [19/08/2014], com o início da propaganda eleitoral na televisão e no rádio, entraremos na etapa final da mais longa eleição de nossa história. Começou em 2011 e nossa vida política gira em torno dela desde então.

A batalha da sucessão de Dilma Rousseff foi iniciada quando cessou o curto período de lua de mel com as oposições, no primeiro ano de governo. Talvez em razão do vexame protagonizado por José Serra na campanha, o antipetismo andava em baixa.

Durou pouco. Na entrada de 2012, o clima político deteriorou-se. As oposições perceberam que, se não fizessem nada, marchariam para nova derrota na eleição deste ano. Ao analisar as pesquisas de avaliação do governo e notar que Dilma batia recordes de popularidade a cada mês, notaram ser elevadas as possibilidades de o PT chegar aos 16 anos no poder. E particularmente odiosa. Serem derrotadas outra vez por Dilma doía mais do que perder para Lula.

Ela era "apenas" uma gestora petista, sem a aura mitológica do ex-presidente. Sua primeira eleição podia ser creditada, quase integralmente, à força do mito. Mas a segunda, se viesse, seria a vitória de uma candidatura "normal". Quantas outras poderiam se seguir?

A perspectiva era inaceitável para os adversários do PT. Na sociedade, no sistema político e no empresariado, seus expoentes arregaçaram as mangas para evitá-la. A ponta de lança da reação foi a mídia hegemônica, em especial a Rede Globo.

Recordar é viver. Muitos se esqueceram, outros nem souberam, mas a realidade é que a "grande imprensa" formulou com clareza um projeto de intervenção na vida política nacional.

Não é teoria conspiratória. Quem disse que os "meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada", foi a Associação Nacional de Jornais, por meio de sua presidenta, uma das principais executivas do Grupo Folha. Enunciada em 2010, a frase nunca foi tão verdadeira quanto de 2012 para cá.

Como resultado da atuação da vanguarda midiática oposicionista, estamos há três anos imersos na eleição de 2014. A derrota de Dilma é buscada de todas as formas. O "mensalão"? Joaquim Barbosa? A "festa cívica" do "povo nas ruas"? O "vexame" da Copa do Mundo? A "compra da refinaria"? O "fim do Plano Real"? A "volta da inflação"? O "apagão" na energia? A "crise na economia"? A "desindustrialização"? O "desemprego"?

Nada disso nunca teve verdadeira importância. Tudo foi e continua a ser parte do esforço para diminuir a chance de reeleição da presidenta.

Ou alguém acha que os analistas e comentaristas dessa mídia acreditam, de fato, na cantilena que apregoam quando se vestem de verde-amarelo e se dizem preocupados com a moral pública, os empregos dos trabalhadores ou a renda dos pobres? Ou que queiram fazer "bom jornalismo"?

Temos agora uma ferramenta para elucidar o papel da mídia na eleição. Por iniciativa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, está no ar o manchetômetro, um site que acompanha a cobertura diária da eleição na "grande imprensa": os jornais Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, além do Jornal Nacional da Globo (como se percebe, os organizadores do projeto julgaram desnecessário analisar o "jornalismo" do Grupo Abril).

Lá, vê-se que os três principais candidatos a presidente foram objeto, nesses veículos, de 275 reportagens de capa desde o início de 2014. Aécio Neves, de 38, com 19 favoráveis e 19 desfavoráveis. Tamanha neutralidade equidistante cessa com Dilma: ela foi tratada em 210 textos de capa. Do total, 15 são favoráveis e 195 desfavoráveis. Em outras palavras: 93% de abordagens negativas.

É assim que a população brasileira tem sido servida de informações desde quando começou o ano eleitoral. É isso que faz a mídia para exercer o papel autoassumido de ser a "oposição de fato".

O pior é que a influência dessas empresas ultrapassa o noticiário. Elas contratam as pesquisas eleitorais que desejam e as divulgam quando e como querem. E organizam os debates entre candidatos.

Está mais que na hora de discutir a interferência dessa mídia no processo eleitoral e, por extensão, na democracia brasileira.

domingo, 26 de janeiro de 2014

O perigo da desinformação e o rumor público de máscara "crítica"

Pra pensar - a sério - sobre o funcionamento discursivo.

Profetas do pânico: os grupos que patrocinam a campanha anticopa

Antonio Lassance

Existe uma campanha orquestrada contra a Copa do Mundo no Brasil. A torcida para que as coisas deem errado é pequena, mas é barulhenta e até agora tem sido muito bem sucedida em queimar o filme do evento.

Tiveram, para isso, uma mãozinha de alguns governos, como o do estado do Paraná e da prefeitura de Curitiba, que deram o pior de todos exemplos ao abandonarem seus compromissos com as obras da Arena da Baixada, praticamente comprometida como sede.

A arrogância e o elitismo dos cartolas da Fifa também ajudaram. Aliás, a velha palavra “cartola” permanece a mais perfeita designação da arrogância e do elitismo de muitos dirigentes de futebol do mundo inteiro.

Mas a campanha anticopa não seria nada sem o bombardeio de informação podre patrocinado pelos profetas do pânico.

O objetivo desses falsos profetas não é prever nada, mas incendiar a opinião pública contra tudo e contra todos, inclusive contra o bom senso.

Afinal, nada melhor do que o pânico para se assassinar o bom senso.

 
Como conseguiram azedar o clima da Copa do Mundo no Brasil

O grande problema é quando os profetas do pânico levam consigo muita gente que não é nem virulenta, nem violenta, mas que acaba entrando no clima de replicar desinformações, disseminar raiva e ódio e incutir, em si mesmas, a descrença sobre a capacidade do Brasil de dar conta do recado.

Isso azedou o clima. Pela primeira vez em todas as copas, a principal preocupação do brasileiro não é se a nossa seleção irá ganhar ou perder a competição.

A campanha anticopa foi tão forte e, reconheçamos, tão eficiente que provocou algo estranho. Um clima esquisito se alastrou e, justo quando a Copa é no Brasil, até agora não apareceu aquela sensação que, por aqui, sempre foi equivalente à do Carnaval.

Se depender desses Panicopas (os profetas do pânico na Copa), essa será a mais triste de todas as copas.

 
“Hello!”: já fizemos uma copa antes

Até hoje, os países que recebem uma Copa tornam-se, por um ano, os maiores entusiastas do evento. Foi assim, inclusive, no Brasil, em 1950. Sediamos o mundial com muito menos condições do que temos agora.

Aquela Copa nos deixou três grandes legados. O primeiro foi o Maracanã, o maior estádio do mundo – que só ficou pronto faltando poucos dias para o início dos jogos.

O segundo, graças à derrota para o Uruguai (“El Maracanazo”), foi o eterno medo que muitos brasileiros têm de que as coisas saiam errado no final e de o Brasil dar vexame diante do mundo - o que Nélson Rodrigues apelidou de “complexo de vira-latas”,  a ideia de que o brasileiro nasceu para perder, para errar, para sofrer.

O terceiro legado, inestimável, foi a associação cada vez mais profunda entre o futebol e a imagem do país. O futebol continua sendo o principal cartão de visitas do Brasil – imbatível nesse aspecto.

O cartunista Henfil, quando foi à China, em 1977, foi recebido com sorrisos no rosto e com a única palavra que os chineses sabiam do Português: “Pelé” (está no livro “Henfil na China”, de 1978).

O valor dessa imagem para o Brasil, se for calculada em campanhas publicitárias para se gerar o mesmo efeito, vale uma centena de Maracanãs.

 
Desinformação #1: o dinheiro da Copa vai ser gasto em estádios e em jogos de futebol, e isso não é importante

O pior sobre a Copa é a desinformação. É da desinformação que se alimenta o festival de besteiras que são ditas contra a Copa.

Não conheço uma única pessoa que fale dos gastos da Copa e saiba dizer quanto isso custará para o Brasil. Ou, pelo menos, quanto custarão só os estádios. Ou que tenha visto uma planilha de gastos da copa.

A “Copa” vai consumir quase 26 bilhões de reais.

A construção de estádios (8 bi) é cerca de 30% desse valor.

Cerca de 70% dos gastos da Copa não são em estádios, mas em infraestrutura, serviços e formação de mão de obra.

Os gastos com mobilidade urbana praticamente empatam com o dos estádios.

O gastos em aeroportos (6,7 bi), somados ao que será investido pela iniciativa privada (2,8 bi até 2014) é maior que o gasto com estádios.

O ministério que teve o maior crescimento do volume de recursos, de 2012 para 2013, não foi o dos Esportes (que cuida da Copa), mas sim a Secretaria da Aviação Civil (que cuida de aeroportos).

Quase 2 bi serão gastos em segurança pública, formação de mão de obra e outros serviços.

Ou seja, o maior gasto da Copa não é em estádios. Quem acha o contrário está desinformado e, provavelmente, desinformando outras pessoas.

Desinformação #2: se deu mais atenção à Copa do que a questões mais importantes

Os atrasos nas obras pelo menos serviram para mostrar que a organização do evento não está isenta de problemas que afetam também outras áreas. De todo modo, não dá para se dizer que a organização da Copa teve mais colher de chá que outras áreas.

Certamente, os recursos a serem gastos em estádios seriam úteis a outras áreas. Mas se os problemas do Brasil pudessem ser resolvidos com 8 bi, já teriam sido.

Em 2013, os recursos destinados à educação e à saúde cresceram. Em 2014, vão crescer de novo.

Portanto, o Brasil não irá gastar menos com saúde e educação por causa da Copa. Ao contrário, vai gastar mais. Não por causa da Copa, mas independentemente dela.

No que se refere à segurança pública, também haverá mais recursos para a área. Aqui, uma das razões é, sim, a Copa.

Dados como esses estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso (nas referências ao final está indicado onde encontrar mais detalhes). 

Se alguém quiser ajudar de verdade a melhorar a saúde e a educação do país, ao invés de protestar contra a Copa, o alvo certo é lutar pela aprovação do Plano Nacional de Educação, pelo cumprimento do piso salarial nacional dos professores, pela fixação de percentuais mais elevados e progressivos de financiamento público para a saúde e pela regulação mais firme sobre os planos de saúde.

Se quiserem lutar contra a corrupção, sugiro protestos em frente às instâncias do Poder Judiciário, que andam deixando prescrever crimes sem o devido julgamento, e rolezinhos diante das sedes do Ministério Público em alguns estados, que andam com as gavetas cheias de processos, sem dar a eles qualquer andamento.

Marchar em frente aos estádios, quebrar orelhões públicos e pichar veículos em concessionárias não tem nada a ver com lutar pela saúde e pela educação.

Os estádios, que foram malhados como Judas e tratados como ícones do desperdício, geraram, até a Copa das Confederações, 24,5 mil empregos diretos. Alto lá quando alguém falar que isso não é importante.

Será que o raciocínio contra os estádios vale para a também para a Praça da Apoteose e para todos os monumentos de Niemeyer? Vale para a estátua do Cristo Redentor? Vale para as igrejas de Ouro Preto e Mariana?

Havia coisas mais importantes a serem feitas no Brasil, antes desses monumentos extraordinários. Mas o que não foi feito de importante deixou de ser feito porque construíram o bondinho do Pão-de-Açúcar?

Até mesmo para o futebol, o jogo e o estádio são, para dizer a verdade, um detalhe menos importante. No fundo, estádios e jogos são apenas formas para se juntar as pessoas. Isso sim é muito importante. Mais do que alguns imaginam.

Desinformação #3: O Brasil não está preparado para sediar o mundial e vai passar vexame

Se o Brasil deu conta da Copa do Mundo em 1950, por que não daria conta agora?

Se realizou a Copa das Confederações no ano passado, por que não daria conta da Copa do Mundo?

Se recebeu muito mais gente na Jornada Mundial da Juventude, em uma só cidade, porque teria dificuldades para receber um evento com menos turistas, e espalhados em mais de uma cidade?

O Brasil não vai dar vexame, quando o assunto for segurança, nem diante da Alemanha, que se viu rendida quando dos atentados terroristas em Munique, nos Jogos Olímpicos de Verão de 1972; nem diante dos Estados Unidos, que sofreu atentados na Maratona Internacional de Boston, no ano passado.

O Brasil não vai dar vexame diante da Itália, quando o assunto for a maneira como tratamos estrangeiros, sejam eles europeus, americanos ou africanos.

O Brasil não vai dar vexame diante da Inglaterra e da França, quando o assunto for racismo no futebol. Ninguém vai jogar bananas para nenhum jogador, a não ser que haja um Panicopa no meio da torcida.

O Brasil não vai dar vexame diante da Rússia, quando o assunto for respeito à diversidade e combate à homofobia.

O Brasil não vai dar vexame diante de ninguém quando o assunto for manifestações populares, desde que os governadores de cada estado convençam seus comandantes da PM a usarem a inteligência antes do spray de pimenta e a evitar a farra das balas de borracha.

Podem ocorrer problemas? Podem. Certamente ocorrerão. Eles ocorrem todos os dias. Por que na Copa seria diferente? A grande questão não é se haverá problemas. É de que forma nós, brasileiros, iremos lidar com tais problemas.

Desinformação #4: os turistas estrangeiros estão com medo de vir ao Brasil

De tanto medo do Brasil, o turismo para o Brasil cresceu 5,6% em 2013, acima da média mundial. Foi um recorde histórico (a última maior marca havia sido em 2005).

Recebemos mais de 6 milhões de estrangeiros. Em 2014, só a Copa deve trazer meio milhão de pessoas.

De quebra, o Brasil ainda foi colocado em primeiro lugar entre os melhores países para se visitar em 2014, conforme o prestigiado guia turístico Lonely Planet (“Best in Travel 2014”, citado nas referências ao final).

Adivinhe qual uma das principais razões para a sugestão? Pois é, a Copa.


Desinformação #5: a Copa é uma forma de enganar o povo e desviá-lo de seus reais problemas

O Brasil tem de problemas que não foram causados e nem serão resolvidos pela Copa.

O Brasil tem futebol sem precisar, para isso, fazer uma copa do mundo. E a maioria assiste aos jogos da seleção sem ir a estádios.

Quem quiser torcer contra o Brasil que torça. Há quem não goste de futebol, é um direito a ser respeitado. Mas daí querer dar ares de “visão crítica” é piada.

Desinformação #6: muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, o que é um grave problema

É verdade, muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, mas isso não é um grave problema. Tem até um nome: chama-se “legado”.

Mas, além do legado em infraestrutura para o país, a Copa provocou um outro, imaterial, mas que pode fazer uma boa diferença.

Trata-se da medida provisória enviada por Dilma e aprovada pelo Congresso (entrará em vigor em abril deste ano), que limita o tempo de mandato de dirigentes esportivos.

A lei ainda obrigará as entidades (não apenas de futebol) a fazer o que nunca fizeram: prestar contas, em meios eletrônicos, sobre dados econômicos e financeiros, contratos, patrocínios, direitos de imagem e outros aspectos de gestão. Os atletas também terão direito a voto e participação na direção. Seria bom se o aclamado Barcelona, de Neymar, fizesse o mesmo.

Estresse de 2013 virou o jogo contra a Copa

Foi o estresse de 2013 que virou o jogo contra a Copa. Principalmente quando aos protestos se misturaram os críticos mascarados e os descarados.

Os mascarados acompanharam os protestos de perto e neles pegaram carona, quebrando e botando fogo. Os descarados ficaram bem de longe, noticiando o que não viam e nem ouviam; dando cartaz ao que não tinha cartaz; fingindo dublar a “voz das ruas”, enquanto as ruas hostilizavam as emissoras, os jornalões, as revistinhas e até as coitadas das bancas.

O fato é que um sentimento estranho tomou conta dos brasileiros. Diferentemente de outras copas, o que mais as pessoas querem hoje saber não é a data dos jogos, nem os grupos, nem a escalação dos times de cada seleção. 

A maioria quer saber se o país irá funcionar bem e se terá paz durante a competição. Estranho.

É quase um termômetro, ou um teste do grau de envenenamento a que uma pessoa está acometida. Pergunte a alguém sobre a Copa e ouça se ela fala dos jogos ou de algo que tenha a ver com medo. Assim se descobre se ela está empolgada ou se sentou em uma flecha envenenada deixada por um profeta do apocalipse.

Todo mundo em pânico: esse filme de comédia a gente já viu

Funciona assim: os profetas do pânico rogam uma praga e marcam a data para a tragédia acontecer. E esperam para ver o que acontece. Se algo “previsto” não acontece, não tem problema. A intenção era só disseminar o pânico e o baixo astral mesmo.

O que diziam os profetas do pânico sobre o Brasil em 2013?  Entre outras coisas:

Que estávamos à beira de um sério apagão elétrico.

Que o Brasil não conseguiria cumprir sua meta de inflação e nem de superávit primário.

Que o preço dos alimentos estava fora de controle.

Que não se conseguiria aprontar todos os estádios para a Copa das Confederações.

O apagão não veio e as termelétricas foram desligadas antes do previsto. A inflação ficou dentro da meta. A inflação de alimentos retrocedeu. Todos os estádios previstos para a Copa das Confederações foram entregues.

Essas foram as profecias de 2013. Todas furadas.

Cada ano tem suas previsões malditas mais badaladas. Em 2007 e 2008, a mesma turma do pânico dizia que o Brasil estava tendo uma grande epidemia de febre amarela. Acabou morrendo mais gente de overdose de vacina do que de febre amarela, graças aos profetas do pânico.

Em 2009 e 2010, os agourentos diziam que o Brasil não estava preparado para enfrentar a gripe aviária e nem a gripe “suína”, o H1N1. Segundo esses especialistas em catástrofes, os brasileiros não tinham competência nem estrutura para lidar com um problema daquele tamanho. Soa parecido com o discurso anticopa, não?

O cataclismo do H1N1 seria gravíssimo. Os videntes falavam aos quatro cantos que não se poderia pegar ônibus, metrô ou trem, tal o contágio. Não se poderia ir à escola, ao trabalho, ao supermercado. Resultado? Não houve epidemia de coisa alguma.

Mas os profetas do pânico não se dão por vencidos. Eles são insistentes (e chatos também). Quando uma de suas profecias furadas não acontece, eles simplesmente adiam a data do juízo final, ou trocam de praga.

Agora, atenção todos, o próximo fim do mundo é a Copa. “Imagina na Copa” é o slogan. E há muita gente boa que não só reproduz tal slogan como perde seu tempo e sua paciência acreditando nisso, pela enésima vez.

Para enfrentar o pessoal que é ruim da cabeça ou doente do pé

O pânico é a bomba criada pelos covardes e pulhas para abater os incautos, os ingênuos e os desinformados.

Só existe um antídoto para se enfrentar os profetas do pânico. É combater a desinformação com dados, argumentos e, sobretudo, bom senso, a principal vítima da campanha contra a Copa.

Informação é para ser usada. É para se fazer o enfrentamento do debate. Na escola, no trabalho, na família, na mesa de bar.

É preciso que cada um seja mais veemente, mais incisivo e mais altivo que os profetas do pânico. Eles gostam de falar grosso? Vamos ver como se comportam se forem jogados contra a parede, desmascarados por uma informação que desmonta sua desinformação.

As pessoas precisam tomar consciência de que deixar uma informação errada e uma opinião maldosa se disseminar é como jogar lixo na rua.

Deixar envenenar o ambiente não é um bom caminho para melhorar o país.

A essa altura do campeonato, faltando poucos meses para a abertura do evento, já não se trata mais de Fifa. É do Brasil que estamos falando.

É claro que as informações deste texto só fazem sentido para aqueles para quem as palavras “Brasil” e “brasileiros” significam alguma coisa.

Há quem por aqui nasceu, mas não nutre qualquer sentimento nacional, qualquer brasilidade; sequer acreditam que isso existe. Paciência. São os que pensam diferente que têm que mostrar que isso existe sim.

Ter orgulho do país e torcer para que as coisas deem certo não deve ser confundido com compactuar com as mazelas que persistem e precisam ser superadas. É simplesmente tentar colocar cada coisa em seu lugar.

Uma das maneiras de se colocar as coisas no lugar é desmascarar oportunistas que querem usar da pregação anticopa para atingir objetivos que nunca foram o de melhorar o país.

O pior dessa campanha fúnebre não é a tentativa de se desmoralizar governos, mas a tentativa de desmoralizar o Brasil.

É preciso enfrentar, confrontar e vencer esse debate. É preciso mostrar que esse pessoal que é profeta do pânico é ruim da cabeça ou doente do pé.

(*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política e torcedor da Seleção Brasileira de Futebol desde sempre.

Mais sobre o assunto:

A Controladoria Geral da União atualiza a planilha com todos os gastos previstos para a Copa, os já realizados e os por realizar, em seu portal:


Os dados do orçamento da União estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso. 

O “Best in Travel 2014”, da Lonely Planet, pode ser conferido aqui.

Sobre copa e anticopa, vale a pena ler o texto do Flávio Aguiar, “Copa e anti-copa”, aqui na Carta Maior:

Sobre o catastrofismo, também do Flávio Aguiar: “Reveses e contrariedades para a direita”, na Carta Maior.

Sobre os protestos de junho e a estratégia da mídia, leiam o texto do prof. Emir Sader, "Primeiras reflexões".