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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Hoje é dia de celebrar Zumbi dos Palmares



Mas a Cultura não é uma TV Pública?


Jovens da periferia são excluídos das gravações do programa Manos e Minas da TV Cultura

Por Douglas Belchior


tvculturaEm 2012 e 2013 lecionei Sociologia na E.E. Nanci Cristina do Espírito Santo, uma escola pública da rede estadual de São Paulo na cidade de Poá, divisa com outros três municípios: Ferraz de Vasconcelos, Itaquaquecetuba e o bairro do Itaim Paulista (São Paulo). Foram dois anos mágicos. Dar aula para jovens da minha própria comunidade, muitos deles filhos de amigos, vizinhos, parentes, adolescentes que vi crescer. Foi uma maneira de me enraizar ainda mais no território. Muitos desses alunos consegui levar para o Cursinho Comunitário da Uneafro. Alguns já estão na faculdade, outros seguem não só como estudantes do cursinho, mas já atuam como ativistas do movimento.

 Acredito que o maior desafio para nós, professores comprometidos com a mudança radical da sociedade, com a mudança de paradigmas e dos valores do consumo desenfreado, do individualismo, da violência, do racismo, do machismo, da homofobia e de todas as formas de preconceitos, é a da disputa da mentalidade da juventude. E a escola é, sem dúvida, o principal ambiente dessa disputa. Nesse exercício cotidiano, uma das ferramentas que sempre utilizei foi a da cultura e das artes – em especial o rap e agora o funk.
  
São ferramentas fundamentais no diálogo com a juventude das periferias. Nesse sentido, posso dizer que um dos mais importantes momentos que vivi com meus alunos foram as três vezes em que organizei sua participação nas gravações do Programa Manos e Minas, da TV Cultura de SP, hoje apresentado pelo talentosíssimo Rapper Max B.O. O Manos e Minas é um dos poucos programas da TV aberta brasileira que traz como centro, a temática periférica, racial e cultural própria das periferias das grandes cidades.

A música e a arte negra, representada pela Cultura Hip-Hop e a presença de uma plateia composta por jovens, manos e minas, das periferias de São Paulo, sempre foram a alma do programa. E é exatamente isso que a direção da TV Cultura parece não valorizar.

Ao que parece, a participação da juventude periférica nas gravações do Manos e Minas já não serão permitidas. Falta de recursos? É o que dizem. Mas, a meu ver, muito mais falta de sensibilidade e de percepção da importância que esse espaço representa para os os jovens das periferias e para os que lutam por justiça.

A notícia do Noticiário Periférico, que replico abaixo, traz mais detalhes da lamentável notícia.

Mas a Cultura não é uma TV Pública?


De Noticiário Periférico

Eis que fomos surpreendidos novamente, e o tapete foi puxado justamente de onde se menos esperava! Quem diria, uma rede de televisão renomada, de tradição, com uma história de tantos anos como a TV Cultura, derrubar novamente um dos únicos programas de cultura periférica, o Manos e Minas, mas dessa vez aos pedaços.

O programa Manos e Minas, que é exibido pela TV Cultura desde 2008 (aos trancos e barrancos), já chegou a ser cancelado em 2010, quando o então novo presidente João Sayad resolveu abolir o programa de sua grade, junto com alguns outros. Hoje passamos por uma situação parecida.

O programa Manos e Minas, conhecido em quebradas de ponta a ponta por ser o que mais abre as portas para a nossa cultura de periferia dentro da televisão brasileira, seja aberta ou não, contava com uma plateia que não era só pessoas pagas para sentar, rir ou pegar aviõezinhos de dinheiro. Era composta de pessoas que realmente se importam, se interessam e seguem a cultura de gueto como meio e estilo de vida, e hoje não fazem mais parte do espetáculo, foram simplesmente retirados. O programa deixará de ser de auditório e passará a ter somente apresentador e convidados. Eles (a plateia) eram a imagem dos verdadeiros manos e minas, aqueles que tão na quebrada, fazendo o seu, dentro da TV, a possibilidade de apoio à difusão de um estilo que não pensa só em rebolar até o chão e que mostra a realidade, a visão e a profundidade do pensamento do periférico de hoje em dia.


Logo a TV Cultura, cria da Fundação Padre Anchieta, que justamente tem como meta, segundo eles mesmos, “dar prioridade a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promovendo a cultura nacional e regional e estimulando a cultura independente”, demonstra que, para quem interessa, o dinheiro sempre fala mais alto.

Depois de um texto gigantesco desse, só me resta dizer uma coisa: Lamentável.

Manos e Minas, sem manos e sem minas.

Deixe a sua mensagem:
http://www2.tvcultura.com.br/faleconosco/

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Estereotipar os jovens já não é boa estratégia. Ainda bem!

Quem são as “bestas selvagens” inglesas? 

Fonte: Boletim Carta Maior

Com mais 2.300 prisões e mais de 1.200 processados por roubo ou violência, o desfile pelos tribunais não mostrou nenhuma “besta selvagem”. Ao invés disso, o perfil dos acusados surpreendeu os britânicos que tiveram que enterrar a primeira caracterização simplista – negros, afrocaribenhos, pobres e excluídos. Designers gráficos, estudantes universitários, professores, adolescentes, púberes, desempregados, marginais, um aspirante a entrar no exército, uma modelo: a variedade desafia qualquer estereótipo. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.

“Indignados” não são. Nenhum discurso articula o protesto, não existe uma lista mínima de demandas como ocorreu com as manifestações dos estudantes ingleses contra a triplicação do valor das matrículas universitárias no ano passado. Os distúrbios em Londres e outras cidades inglesas se parecem mais com os de Paris em 2005, ou os de Los Angeles em 1992. O primeiro ministro David Cameron e a poderosa imprensa conservadora não querem entrar em complexas reflexões sociológicas. “O que ocorreu é extremamente simples. Trata-se de pura delinquência”, disse Cameron no debate parlamentar convocado em caráter de emergência. O autor de vários livros de história militar, entre eles “A batalha das Malvinas”, Max Hastings, foi mais longe: “São bestas selvagens.

Comportam-se como tais. Não têm a disciplina que se necessita para ter um emprego, nem a consciência moral para distinguir entre o bem e o mal”, escreveu no Daily Mail.

Com mais 2.300 prisões e mais de 1.200 processados por roubo ou violência, o desfile pelas cortes não permitiu ver nenhuma “besta selvagem”. Ao invés disso, o perfil dos acusados surpreendeu os britânicos que tiveram que enterrar a primeira caracterização simplista – negros, afrocaribenhos, pobres e excluídos – para começar a entender um fenômeno complexo. Designers gráficos, estudantes universitários, professores, adolescentes, púberes, desempregados, marginais, um aspirante a entrar no exército, uma modelo: a variedade era de um tamanho suficiente para desafiar qualquer estereótipo. 
Cerca de 80% dos que desfilaram pelos tribunais têm menos de 25 anos. A metade dos processados são menores de 18: muito poucos superam os 30 anos.

O apelido de “besta selvagem” tem uma arrogância de classe que não deveria ocultar seu principal objetivo: despojar os distúrbios de qualquer significado. A milhões de anos luz desta perspectiva, Martins Luther King dizia que “os distúrbios são a linguagem dos que não têm voz”. Na Inglaterra, o problema é que esta linguagem foi, em vários momentos, um balbucio ininteligível.

Macbeth na encruzilhada
O conflito começou com os protestos pela morte de Mark Duggan, no bairro de Tottenham, baleado pela polícia que, aparentemente, foi rápida demais no gatilho. Em um primeiro momento era um protesto político local marcado pela tensão étnica em um bairro pobre: o primeiro objeto de ataque foram dois carros de patrulha da polícia queimados pelos manifestantes. Este pontapé inicial converteu-se rapidamente em quatro noites de saques de grandes lojas, roubo indiscriminado de comércios de bairro e indivíduos e enfrentamentos com a polícia em bairros pobres de Londres e da maioria das grandes cidades da Inglaterra.

Mas além de expressar uma exuberância dionisíaca, destrutiva e raivosa, que sentido pode ter o incêndio de uma pequena loja familiar de móveis no sul de Londres que havia sobrevivido a duas guerras mundiais? Como explicar que dois tipos com aspecto de hooligans simularam ajudar um jovem ferido para roubar-lhe o que ainda não tinham lhe roubado, como ocorreu com o estudante malaio Ashrag Haziq? Os distúrbios foram então “um relato contato por um idiota cheio de som e fúria que não significa nada”, como na famosa definição que Shakespeare faz da vida em Macbeth?

Nos distúrbios houve de tudo. A presença de bandos de jovens e o roubo meramente oportunista estiveram tão na ordem do dia como o uso de torpedos via celular para coordenar os ataques em lojas e bairros. Em uma sociedade onde o dinheiro se converteu em valor absoluto, a identidade parece definir-se, para muita gente, pela posse de tênis de marca ou do modelo de celular mais recente, ao qual essas pessoas não tem acesso porque vivem mergulhados na pobreza. Se a oportunidade aparece, por que não? Isso é o que fazem os banqueiros, os políticos, as grandes fortunas.

O atual ministro da Educação, Michael Gove, disparou indignado contra “uma cultura da cobiça, da gratificação instantânea, do hedonismo e da violência amoral”. O mesmo Gove gastou em 2006, 10 mil dólares para sua casa e passou a conta para a Câmara dos Comuns como parte de sua “dieta” parlamentar. Entre os objetos adquiridos, havia uma mesa que custou mais de 1.000 dólares, um móvel Manchu por 700 dólares e um abajur de 250 dólares.

Pobreza e gangues
Um dos casos que contribuíram para romper o estereótipo foi o de Alexis Bailey, um professor de escola primária de 31 anos, muito respeitado em seu trabalho, preso em uma loja da Hi-fi em Croydon, sul de Londres. Bailey ganha 1.000 libras em mês (cerca de 1.600 dólares) e paga de aluguel mais da metade disso: 550 libras (uns 900 dólares). No caso de Bailey, como no de Trisha, graduada em Psicologia Infantil que acaba de perder seu trabalho, percebe-se o núcleo de uma narrativa distinta da “mera delinquência” de “bestas selvagens”. “Ainda estou pagando o empréstimo que recebi para estudar. Cameron não faz nada. Não tem ideia do que é ser jovem. Dizem que nos aproveitamos dos benefícios. Mas queremos trabalho”, disse Trisha ao The Guardian.

Estes germens de discurso apareceram várias vezes. Na voz de uma mãe em um supermercado (“não tem nada, o que vão fazer?”), na de um jovem desempregado (“é preciso se rebelar”). As gangues juvenis são a expressão final e niilista deste fenômeno de não pertencimento social e de falta de perspectiva de vida. “As gangues oferecem uma relação de pertencimento a uma estrutura, uma disciplina, um respeito que os jovens não encontram em nenhum outro lado”, escreve Ann Sieghart no The Independent.

Esta semana, em um primeiro distanciamento de sua própria caracterização dos distúrbios, David Cameron lançou uma revisão de toda a política governamental para “recompor uma sociedade exausta”, evitar uma “lenta desintegração moral” e “solucionar problemas sociais que cresceram durante muito tempo”. É um começo. O que está claro é que as prisões, que em sua maioria já estão superpovoadas, não resolvem o problema de fundo: em alguns meses os mesmos jovens sairão para as ruas. A grande questão é se uma coalizão como a conservadora-liberal democrata, que fez do ajuste fiscal uma religião, pode levar adiante uma política mínima que comece a lidar com um fenômeno que tem complexas raízes econômicas sociais e culturais.

Tradução: Katarina Peixoto