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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ciberespaço, cibertempo, cibermundo

19/11/2013 - Copyleft
Boletim Carta Maio

Como o FBI usou hackers em sua guerra secreta contra o Brasil

Até a agência de espionagem canadense coletava informações sobre o Ministério das Minas e Energia do Brasil. Reportagem de Shobhan Saxena.


Shobhan Saxena (*)
deathandtaxesmag.com
Primeiro,  a notícia que fez manchetes em todo o mundo na sexta-feira, 15 de novembro. Jeremy Hammond, membro do grupo de hackers LulzSec, foi condenado a 10 anos de prisão em Nova Iorque por uma juíza americana, por ter acessado ilegalmente os servidores da empresa de inteligência privada Strategic Forecasting (Stratfor), em dezembro de 2011. Nessa operação, ele alegadamente roubou milhões de e-mails, milhares de números de cartões de crédito, e destruiu as informações da empresa no processo. 

A mídia norte-americana noticiou em detalhes a condenação de Hammond. Mas o que foi ignorado pela mídia foi a declaração de Hammond no Tribunal de Manhattan de que ele seguia as “instruções de um informante do FBI [Federal Bureau of Investigation] para invadir os websites oficiais de vários governos em todo o mundo”.

Em uma revelação chocante, Hammond disse ao tribunal que um colega hacker, conhecido como “Sabu”, deu a ele as listas de websites que eram vulneráveis a ataques, incluindo aqueles de muitos países estrangeiros. Em sua declaração, Hammond mencionou especificamente o Brasil, o Irã e a Turquia antes de a juíza Loretta Preska determinar que ele parasse de falar. A juíza havia avisado que nomes dos países envolvidos deveriam ser removidos para ficar em segredo.

“Eu invadi vários sites e entreguei várias senhas que permitiram Sabu – e por extensão seus contatos do FBI – controlar esses alvos”, disse Hammond ao tribunal. Sabu era um dos líderes do grupo de hackers LulzSec, afiliado ao grupo Anonymous, mas acabou sendo captado pelo FBI para ser um dos seus mais importantes informantes do mundo hacker depois de sua prisão em 2011.

Hammon fez uma grande revelação no Tribunal. Ele disse ao mundo que foi usado pelo FBI – através de Sabu - como parte de uma espécie de exército privado que atacou websites vulneráveis de governos estrangeiros. “O governo celebra a minha condenação e a minha prisão, com a esperança de que isso vá encerrar o caso. Eu assumi a responsabilidade sobre as minha ações, e aceitei que sou culpado, mas quando o governo vai responder por seus crimes?”, questionou Hammond no tribunal, antes de a juíza determinar que se calasse.

A juíza americana não queria que os nomes dos países-alvos da operação de hackers fossem revelados no tribunal. Mas Jacob Appelbaum, um conhecido pesquisador de segurança cibernética que vive em Berlin, divulgou a lista de websites-alvos e da informação disponibilizada no servidor do FBI por Sabu. “Essas intrusões ocorreram em janeiro e fevereiro de 2012 e afetaram mais de dois mil domínios, incluindo numerosos websites de governos estrangeiros no Brasil, na Turquia, na Síria, em Porto Rico, na Colômbia, na Nigéria, no Irã, na Eslovênia, na Grécia, no Paquistão, e outros...”, diz a declaração de Hammond,  segundo Appelbaum em uma série de tuítes na sexta-feira, 15 de novembro.

Isso significa que o FBI tinha como alvo todos esses países, incluindo o Brasil, através de um grupo de hackers. É interessante notar que o FBI prendeu Sabu em 7 de Junho de 2011, e no dia seguinte, o hacker concordou em tornar-se informante da agência americana. Duas semanas depois, houve um maciço ataque a websites governamentais brasileiros.

Em uma notícia de Mathew Lynley no VentureBeat, um website tecnológico, em 22 de Junho de 2011, há a informação de que um integrante brasileiro do grupo de hackers LulzSec invadiu vários websites governamentais brasileiros como parte de uma campanha maciça de ataque de hackers liderada pelo LulzSec. A notícia, intitulada “LulzSec recruta hackers brasileiros e invade dois websites do governo”, diz que tanto o portal da Presidência da República do Brasil quanto o Portal Brasil, do governo, estavam fora do ar quando a VentureBeat tentou acessá-los. “Ambos os websites foram atacados pelo LulzSecBrazil, um sub-grupo do grupo de hackers que fez manchetes recentemente por vários ataques a alvos importantes”, diz a notícia.

Com Sabu dentro de uma prisão americana e trabalhando para o FBI como informante e usando hackers como Hammond para atacar websites de governos estrangeiros, fica claro que invadir websites do governo brasileiro era uma missão da agência americana.

Isso não é uma surpresa, após as revelações recentes sobre a Agência Nacional de Segurança (NSA)  mostrarem que os americanos transformaram em alvo a comunicação pessoal da presidente Dilma Roussef. Mais chocante foi a revelação de que a agência de espionagem canadense coletava informações sobre o Ministério das Minas e Energia do Brasil.  Antes havia sido noticiado – graças aos documentos revelados por Edward Snowden  - que os americanos espionaram a Petrobrás também.

Tudo isso  – as notícias sobre as espionagens da NSA e as revelações de Hammond no Tribunal - revela um cenário perigoso: já há uma guerra cibernética acontecendo no mundo. A guerra foi deslanchada pelos EUA e seus parceiros mais próximos com dois objetivos: o primeiro é roubar o máximo possível de informações sobre governos, cidadãos e empresas de outros países; e segundo, atacar websites de redes de outros governos. Enquanto o primeiro objetivo é conquistado sob a fachada de “luta contra o terror”, o FBI atira usando como apoio os ombros dos grupos de hackers para obter o segundo objetivo.

A Guerra cibernética não declarada é a última – e mais potente – arma da geopolítica nesses dias. Como as revelações de Edward Snowden mostraram, países de língua inglesa – EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia - participaram conjuntamente de um grupo de espionagem, uma rede chamada “Cinco Olhos”. Seus maiores alvos eram países emergentes, como Brasil, Índia, Turquia e México, ou aquelas nações que seguem uma política externa independente.   

O principal objetivo de toda essa espionagem feita em nome da “luta contra o terrorismo” é o desejo dos países “Cinco Olhos” de manter o seu controle e domínio sobre os recursos minerais e energéticos para continuar com as rédeas da economia global. Isso explica o fato de os EUA terem dividido a missão de inteligência sobre a América do Sul com os outros países “Cinco Olhos”.

Não é nenhum segredo que as empresas de petróleo britânicas e americanas planejam lucrar bilhões de dólares em seus campos de petróleo em torno das Ilhas Malvinas. O Brasil apóia a reivindicação argentina sobre essas ilhas, desenvolvendo sua própria tecnologia nas plataformas de petróleo no mar. Os “Cinco Olhos” querem saber tudo sobre a cooperação entre os dois países sul-americanos. Foi por essa razão que o Canadá - que encara o Brasil como uma ameaça nos campos de mineração - espionou o Ministério das Minas e Energia brasileiro.

O mesmo padrão de invasão cibernética, roubo e espionagem, foi repetido pelos “Cinco Olhos” em todo o mundo – da Índia ao Irã, passando pela Venezuela e China. Tudo isso com o objetivo de assegurar seus interesses financeiros. Mas os ataques do FBI a websites de vários governos são uma completa violação à sua soberania. Os americanos gostam de culpar os chineses por hackear redes de outros países, mas agora – graças a Hammond - sabe-se que o FBI dirige uma guerra secreta e suja contra outros países, especialmente aqueles que ousam seguir uma política externa e econômica independente.

Nenhum país pode parar esse ataque combinado da NSA, CIA e FBI e seus parceiros “Cinco Olhos”. Mas um esforço conjunto dos países emergentes pode pelo menos expor esse novo estilo de guerra suja.


 Shobhan Saxena é correspondente do jornal indiano The Hindu na América do Sul



Créditos da foto: deathandtaxesmag.com

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Comunicação no período técnico-cientifico informacional: informática e liberdades


Internacional| 31/07/2013 | Copyleft

Caso Snowden está mudando o mundo digital

O caso Edward Snowden nos levou a mudar de mundo, a modificar nossos hábitos no mundo digital e a exigir dos poderes públicos uma intervenção mais decisiva nesta área. É isso o que disse à 'Carta Maior' Isabelle Falque-Pierrotin, a presidenta da Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL), organismo francês encarregado de cuidar da proteção dos dados pessoais. Por Eduardo Febbro, de Paris

Paris – A história de Edward Snowden marca uma fronteira definitiva entre as ilusões e a confiança na tecnologia e a crua realidade de nosso comportamento inocente: ninguém mais poderá dizer que “não sabia”. Agora sabemos todos, não só que estamos sendo constantemente espionados, mas sim e, sobretudo, que essa espionagem é realizada com a cumplicidade dos operadores privados em quem havíamos depositado nossa confiança: Google, Skype, Microsoft, Apple e seus demais aliados na empresa planetária da vigilância e da violação da intimidade. A era digital, do seu modo, era a idade da inocência: éramos perfeitamente capazes de fechar as portas com chave, de fechar as janelas, de colocar grades na varanda ou na janela, de ficar atentos ao andar em bairros perigosos em certas horas da noite. Mas, ao mesmo tempo em que existia essa consciência do perigo do meio ambiente físico, deixamos entrar em casa um espião, um espoliador de dados, um bandido teleguiado desde os escritórios de inteligência do grande império.

Na América do Sul conhecemos bem os resultados dessa prática: o Plano Condor montado pelas ditaduras de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai funcionou com base em um sistema de comunicações, de armazenamento e tratamento de dados chamado Condortel e cujo eixo foram computadores da IBM que processavam as informações sobre os suspeitos. Hoje, o programa espião Prisma permite elaborar um “perfil” planetário de suspeitos. Um exemplo basta para compreender um dos numerosos alcances dessa produção de perfis em massa: se alguém viaja pela primeira vez para os Estados Unidos em classe executiva ou primeira classe pode ser tratado com atenção especial pelos serviços de segurança. Como os assentos da classe executiva e da primeira classe estão perto da cabine dos pilotos, os passageiros sem histórico nesse tipo de viagem serão, sem dúvida alguma, vigiados com atenção.

Para além da curiosa trama do caso, Edward Snowden nos levou a mudar de mundo, a modificar nossos hábitos e a exigir dos poderes públicos uma intervenção mais decisiva. É exatamente isso o que pensa Isabelle Falque-Pierrotin, a presidenta da Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL). Este organismo do Estado francês é encarregado de cuidar da proteção dos dados pessoais, Criada em 1978, a Comissão nacional de informática e Liberdades tem hoje uma missão mais essencial do que nunca: a construção de uma ética digital, a capacitação para fazer frente aos desafios e excessos dos operadores e dos Estados e, acima de tudo, a proteção da privacidade dos indivíduos.

O caso Snowden tem muitas leituras, desde a policial até a informática. Para você, o que significam as revelações que ele fez ao mundo?
O caso Snowden quer dizer que entramos em uma nova era, quer dizer que a era digital é uma era na qual há dados pessoais por todas as partes, por todos os usos. Quer dizer também que, a partir disso, devemos permanecer atentos a nossa vida individual. Não podemos nos apoiar unicamente nos demais, devemos nos responsabilizar com nosso comportamento e com nossa utilização da internet. Não se trata de montar uma censura individual, isso seria contra- produtivo. Hoje estamos todos concernidos pelo mesmo problema. A partir da agora é preciso adaptar os comportamentos. O caso Snowden mostra igualmente que a transparência entrou em uma nova fase e que, talvez, seja necessário aportar respostas mais institucionais que a resposta de Snowden. Devemos construir controles democráticos, tanto dos poderes públicos como das empresas, que são extremamente poderosas.

Tivemos um grande choque com o que ocorreu com Snowden. O que esse caso mostra é que existe uma aliança objetiva entre os grandes grupos da internet e os poderes públicos estrangeiros para colocar os indivíduos sob vigilância. De fato, a vigilância dos poderes públicos existe há muito tempo. Mas essa vigilância era feita, digamos, em relação a pessoas más. Agora, em troca, estamos potencialmente em um sistema onde somos potencialmente vigiados em nosso uso cotidiano e banal da internet. Isso dá medo aos indivíduos, ao mesmo tempo em que acentua a necessidade de construir garantias jurídicas importantes e reais frente aos grandes grupos.

O que se pode exigir concretamente de gigantes como Google, Facebook, Microsoft, Skype e outros?
É preciso exigir que abram suas caixas-pretas e digam o que fazem com nossos dados pessoais, como os utilizam e a quem permitem o acesso dos mesmos. O período atual é decisivo porque a Europa está elaborando seu novo marco jurídico e é evidente que o caso Snowden nos obriga a cerrar fileiras e a avançar em grupo para dizer aos atores internacionais e aos Estados estrangeiros: “aqui vocês devem atuar desta forma”.

E que estratégia deve se adotar frente ao grande público. Já sabemos que a questão da espionagem não é uma fantasia, ou uma paranoia dos adeptos das teorias da conspiração, mas sim uma realidade universal.
Não creio que manejar esse tema mediante o medo seja algo bom. O caso Snowden reforça a inquietude dos cidadãos e a vontade de transparência. Nós queremos fazer circular a ideia de que o universo digital é extraordinário porque todas essas ferramentas nos oferecem uma potencialidade de ação considerável. O problema está em que, no fundo, não compreendemos bem essas ferramentas. Por isso esse caso nos incita a desenvolver a educação digital. Isso é o que estamos fazendo agora na França: lançamos a educação digital como uma causa nacional. Essa é, creio, a resposta positiva ao caso Snowden. Mais amplamente, creio que na França e na Europa não se tomou plena consciência da magnitude do fenômeno digital. Snowden é, a sua maneira, o ponto culminante de uma evolução que se constata há um ano.

O mundo digital entrou na vida das pessoas com suas preocupações, a vigilância, por exemplo, mas também pelos aspectos positivos de sua utilização. Há, ao mesmo tempo, muito apetite por esses instrumentos e, também, um medo latente que só espera a circunstância certa para se cristalizar em um ou outro ponto. Hoje é Snowden, amanhã será outra coisa. A resposta deve ser a pedagogia e a responsabilização dos atores econômicos pedindo-lhes oficialmente garantias de parâmetros obrigatórios, transparência e a permissão para que os clientes escolham realmente, o que não é o caso hoje.

Como funciona a Comissão e quais são suas atribuições?
A CNIL é uma autoridade administrativa independente cujo trabalho consiste em proteger os dados pessoais dos indivíduos, ou seja, todos os dados que circulam no mundo digital e que dizem respeito à vida das pessoas. O trabalho da CNIL consiste também de uma tarefa pedagógica, que é acompanhar o uso dos instrumentos, controlar as empresas e os responsáveis públicos para proteger os dados pessoais dos indivíduos. Trata-se, em resumo, de garantir a vida privada e as liberdades digitais neste universo. É uma tarefa ambiciosa. A Comissão é um instrumento muito potente: temos um orçamento substancial e há 148 pessoais trabalhando aqui. Nosso trabalho permite às empresas a construção de um modelo econômico mais legítimo.

Quanto aos atores públicos, nós fixamos limites e marcas para eles. No universo atual isso é muito útil. Somos uma instância que é consultada sobre os textos de lei e os decretos cada vez que o tema da proteção dos dados pessoais está em jogo. Temos também outros poderes como, por exemplo, a aprovação da utilização da biometria. Temos igualmente um poder de controle e sanção sobre tudo que possa violar a proteção dos dados pessoais.

Contamos com todo o arsenal necessário para um regulador. Se o responsável pelo tratamento de dados não está em conformidade com nossa lei podemos aplicar sanções. Atualmente estamos nesse processo de sanção com Google. A empresa tem três meses para cumprir o que exigimos. Se não o fizer, temos a possibilidade de discutir sanções financeiras.

Tradução: Katarina Peixoto