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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Produção discursiva e direito: interpretações e jurisprudências

Consultor Jurídico 31/01/2012

Mudanças na jurisprudência

Promotores do MP-SP paulista terão "aula de mensalão"


Apesar de o acórdão sobre a condenação dos réus da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal ainda não ter sido publicado, as mudanças na jurisprudência criminal indicadas pelos votos dos ministros já são estudadas pelo Ministério Público. Reportagem de Cristine Prestes publicada nesta quinta-feira (31/1) pelo jornal Valor Econômico informa que a Escola Superior do MP em São Paulo dará uma aula a seus promotores e servidores sobre o julgamento do chamado "mensalão".

De acordo com a reportagem, a aula inaugural intitulada Os reflexos penais da Ação Penal 470 acontecerá no dia 21 de fevereiro. Segundo o diretor da escola, o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo, a grande inovação do julgamento ocorreu no trato com as provas contra os réus. "A maior quebra de paradigma é a interpretação e valoração das provas", afirma. Segundo ele, os tribunais do país tratavam as provas obtidas em investigações criminais de uma maneira muito mais garantista, o que não ocorreu no caso do mensalão. "A expectativa é a de que se utilize essa jurisprudência", diz. "O juiz vai ter um lastro maior, baseado na decisão da maior corte do país."

Ainda segundo o diretor da escola, a avaliação inicial será mais técnica, para que os promotores e a comunidade jurídica possam discutir até que ponto a nova jurisprudência do STF pode se assentar — ou se ela decorre de um julgamento político. Além de Sarrubbo, os palestrantes da aula inaugural serão os professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz.

Leia a reportagem:

Promotores do Ministério Público paulista terão "aula de mensalão"  
Por Cristine Prestes

As mudanças na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) promovidas durante o julgamento do processo do mensalão já começam a se disseminar nos órgãos de combate ao crime do colarinho branco. O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), o maior da América Latina, é o primeiro que se tem notícia a trazer o tema abertamente à pauta de debates. A Escola Superior do MP-SP, destinada a treinar seus promotores e servidores, inicia seu ano letivo com uma "aula de mensalão".

Intitulada "Os reflexos penais da Ação Penal nº 470", a aula inaugural do MP-SP neste ano ocorrerá em 21 de fevereiro e terá como palestrantes os professores da Faculdade

de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz, além do diretor da Escola Superior do MP, o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo. "Estávamos torcendo para que o julgamento terminasse a tempo da aula inaugural", diz Sarrubbo. Segundo o procurador, a abordagem, neste encontro inicial, será mais técnica, para que os promotores e a comunidade jurídica possam discutir até que ponto a nova jurisprudência do STF pode se assentar - ou se ela decorre de um julgamento político. "Será uma primeira análise para um debate mais aprofundado sobre o tema e para ver como será possível aplicar as mudanças", diz.

Entre as inovações produzidas pelo STF durante o julgamento da Ação Penal nº 470 estão o uso da teoria da "cegueira deliberada", doutrina criada pela Suprema Corte americana que, no mensalão, levou a um debate sobre a possibilidade de condenação por lavagem de dinheiro em casos de dolo eventual - ou seja, quando há dúvidas sobre se o acusado sabia da origem ilícita dos valores recebidos; o fim da necessidade de indicação precisa do ato de ofício praticado ou omitido pelo agente público corrompido em troca de vantagem indevida oferecida pelo corruptor para caracterizar o crime de corrupção; e a teoria do domínio do fato, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin na década de 60 para permitir que se atribua responsabilidade penal a quem pertence a um grupo criminoso, mas não praticou diretamente o delito por ocupar posição hierárquica de comando - que, segundo o STF, é o caso do ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, considerado o chefe da quadrilha que teria engendrado o esquema do mensalão.

De acordo com o procurador Alexandre Rocha de Moraes, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP-SP, a maior novidade produzida pelo mensalão é o uso da teoria do domínio do fato para se chegar à condenação de chefes de organizações criminosas. Para ele, a aplicação da teoria para embasar condenações por crimes do colarinho branco Brasil afora dependerá de hábito. "O Supremo abriu uma porta", diz. Mas, de acordo com o procurador Mário Sarrubbo, a grande inovação do julgamento ocorreu no trato com as provas contra os réus. "A maior quebra de paradigma é a interpretação e valoração das provas", afirma. Segundo ele, os tribunais do país tratavam as provas obtidas em investigações criminais de uma maneira muito mais garantista, o que não ocorreu no caso do mensalão. "A expectativa é a de que se utilize essa jurisprudência", diz. "O juiz vai ter um lastro maior, baseado na decisão da maior Corte do país."

Segundo o procurador Alexandre de Moraes, o STF, durante muito tempo, esteve em uma "onda de abrandamento penal" - ele cita como exemplos recentes a limitação a interceptações telefônicas em investigações criminais, a permissão de progressão de regime prisional dos condenados por crimes hediondos e a restrição ao uso de algemas pelas polícias - decisões proferidas pela Corte em casos de grande repercussão. Para o procurador, entendimentos como esses levaram à anulação de investigações

relevantes e geraram indignação na sociedade. "O julgamento do mensalão é um incentivo contra a impunidade", diz. "Foi uma espécie de alento enxergar um novo paradigma de atuação do Supremo. É um estímulo ao juiz da primeira instância."

Moraes afirma que a aula inaugural da Escola do MP-SP é simbólica e pretende sinalizar, para os promotores, como eles devem pensar. "A ideia é mostrar o que aconteceu no processo do mensalão para que os eles possam começar a pôr em prática as novidades" diz. O mensalão também será um dos temas do congresso do MP-SP que acontece no segundo semestre deste ano.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-jan-31/promotores-ministerio-publico-paulista-terao-aula-mensalao 

domingo, 7 de outubro de 2012

Questões de justiça são questões de interpretação? A produção dos sentidos, a circulação dos discursos, a constituição das verdades

TV Justiça: Efeito pedagógico da Ação Penal 470

Fonte: Teoria e Debate

Em artigo na revista Consultor Jurídico, o desembargador Néviton Guedes (TRF-1) expressa preocupações com o “processo de espetacularização dos tribunais brasileiros” e questiona, entre outros pontos, a transmissão direta pela televisão dos julgamentos do STF.

Além de argumentar que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha não permitem a transmissão ao vivo de suas sessões, afirma: “Aqueles que defendem a ampla e irrestrita publicidade – e em tempo real – das sessões do Supremo confundem publicidade com superexposição. Confundem a reflexão, que exige tempo e é essencial quando cuidamos de julgar a vida das pessoas, com transmissão e espetáculos em tempo real, que, por sua própria natureza, prejudica ou mesmo impede a reflexão racional e amadurecida”. Lembra ainda, referindo-se às justificativas para não transmissão nos EUA, que “dez pessoas tomam conhecimento integral do caso, mas, com câmeras no Tribunal, mil pessoas o comentariam sem saber do que falam e o resto da população formaria sua opinião a partir desse fosso de informação” [cf. “Jean Baudrillard e o mensalão em tela total”].

Da mesma forma, a professora Helena Regina Lobo da Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo no Valor Econômico, expressa preocupação com a imagem do STF e afirma: “Se nosso sistema garante maior transparência, acaba, por outro lado, expondo visceralmente os membros dos tribunais – especialmente no Supremo, em razão da transmissão ao vivo. A imagem institucional da corte, como guardiã da Constituição e de suas garantias, dentre elas a da presunção de inocência e do julgamento de acordo com o devido processo legal, é construída, portanto, não somente a partir do conteúdo de suas decisões, senão também da compostura e serenidade do tribunal em suas sessões” [Cf. "O Supremo e a publicidade dos julgamentos"].

Contraponto e efeito pedagógico

Por mais legítimas que sejam essas preocupações, no caso do julgamento da Ação Penal  470, sustento que as transmissões ao vivo têm oferecido a possibilidade (talvez única) de algum contraponto à unanimidade da grande mídia, que, como diz o próprio desembargador Guedes no artigo citado, finge ignorar que “é essencial, imanente mesmo, a qualquer espécie de decisão, notadamente a decisão judicial, a possibilidade de mais de uma escolha. Decidir é tautologicamente escolher. Onde só há uma possibilidade de decisão ou de escolha, em termos lógicos, na verdade, não há decisão a ser tomada, mas inexorável posição e conduta que se impõem a quem decide”.

Além disso, as transmissões da TV Justiça podem ter um amplo e poderoso efeito pedagógico benéfico – difícil de avaliar, certamente – na medida em que, apesar do juridiquês dominante, revelam sem intermediação aspectos inusitados e enormes contradições presentes no julgamento.

Bastariam como exemplo os acontecimentos emblemáticos da 28ª sessão realizada no dia 25 de setembro. Aqueles que estavam acompanhando assistiram a cenas constrangedoras de destempero do ministro relator, Joaquim Barbosa. Em linguagem certamente inapropriada para a mais alta corte de Justiça do país, ele se revelou extremamente irritado e descortês com posições contrárias às suas expostas pelo ministro revisor, Ricardo Lewandowski. Passou, então, a acusá-lo de hipocrisia, falta de transparência e de fazer “vistas grossas” a artigos do Código Penal. As repetidas intervenções do relator provocaram, inclusive, a intervenção indignada de outros ministros em defesa do revisor e na tentativa de permitir que ele completasse seu voto.
  
Situações como essa são reveladoras de quem são os ministros e de como – de facto – funciona a Justiça. Perplexo diante da dificuldade que o ministro relator revela em lidar com o contraditório, o telespectador leigo deve se perguntar como é possível que, analisando os mesmos fatos descritos nos autos e submetidos às mesmas regras, juízes possam chegar a conclusões diametralmente opostas. Justiça é apenas o resultado de uma votação?

O julgamento tem revelado ainda outros aspectos surpreendentes.

O presidente do STF afirmou em uma das sessões que o projeto original da Lei nº 12.232/2010 (que “dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências”) havia sido alterado no Congresso Nacional apenas para proteger réus da Ação Penal 470. Trata-se de acusação gravíssima que, suponho, terá desdobramentos futuros.

Como se sabe, a Lei nº 12.232 regulamenta os famosos BV, ou “bônus-volume”, que muitos consideram uma forma de perpetuar o oligopólio dos grandes grupos de mídia no país. Aliás, os dados sobre investimentos publicitários da União que estão sendo agora revelados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República confirmam que, apesar da descentralização relativa das verbas oficiais promovidas no governo Lula, cerca de 70% delas continuam concentradas em apenas dez veículos, sendo que a TV Globo ficou com cerca de um terço do total (no governo Dilma).

Independentemente do mérito do que está sendo julgado e do julgamento em si e das preocupações manifestadas tanto pelo desembargador Guedes como pela professora Helena, prefiro acreditar no efeito pedagógico benéfico das transmissões ao vivo. Os efeitos do julgamento sobreviverão a ele. O STF e seus ministros serão vistos com outros olhos. E muitas das questões que estão surgindo – aparentemente à margem da Ação Penal 470 – terão de ser enfrentadas.

A ver.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros