Consultor Jurídico 31/01/2012
Mudanças na jurisprudência
Promotores do MP-SP paulista terão "aula de mensalão"
Apesar
de o acórdão sobre a condenação dos réus da Ação Penal 470 pelo Supremo
Tribunal Federal ainda não ter sido publicado, as mudanças na
jurisprudência criminal indicadas pelos votos dos ministros já são
estudadas pelo Ministério Público. Reportagem de Cristine Prestes
publicada nesta quinta-feira (31/1) pelo jornal Valor Econômico informa
que a Escola Superior do MP em São Paulo dará uma aula a seus promotores
e servidores sobre o julgamento do chamado "mensalão".
De acordo
com a reportagem, a aula inaugural intitulada Os reflexos penais da
Ação Penal 470 acontecerá no dia 21 de fevereiro. Segundo o diretor da
escola, o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo, a grande inovação
do julgamento ocorreu no trato com as provas contra os réus. "A maior
quebra de paradigma é a interpretação e valoração das provas", afirma.
Segundo ele, os tribunais do país tratavam as provas obtidas em
investigações criminais de uma maneira muito mais garantista, o que não
ocorreu no caso do mensalão. "A expectativa é a de que se utilize essa
jurisprudência", diz. "O juiz vai ter um lastro maior, baseado na
decisão da maior corte do país."
Ainda segundo o diretor da
escola, a avaliação inicial será mais técnica, para que os promotores e a
comunidade jurídica possam discutir até que ponto a nova jurisprudência
do STF pode se assentar — ou se ela decorre de um julgamento político.
Além de Sarrubbo, os palestrantes da aula inaugural serão os professores
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Renato de
Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz.
Leia a reportagem:
Promotores do Ministério Público paulista terão "aula de mensalão"
Por Cristine Prestes
As
mudanças na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) promovidas
durante o julgamento do processo do mensalão já começam a se disseminar
nos órgãos de combate ao crime do colarinho branco. O Ministério
Público do Estado de São Paulo (MP-SP), o maior da América Latina, é o
primeiro que se tem notícia a trazer o tema abertamente à pauta de
debates. A Escola Superior do MP-SP, destinada a treinar seus promotores
e servidores, inicia seu ano letivo com uma "aula de mensalão".
Intitulada
"Os reflexos penais da Ação Penal nº 470", a aula inaugural do MP-SP
neste ano ocorrerá em 21 de fevereiro e terá como palestrantes os
professores da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo
(USP) Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz, além do
diretor da Escola Superior do MP, o procurador de Justiça Mário Luiz
Sarrubbo. "Estávamos torcendo para que o julgamento terminasse a tempo
da aula inaugural", diz Sarrubbo. Segundo o procurador, a abordagem,
neste encontro inicial, será mais técnica, para que os promotores e a
comunidade jurídica possam discutir até que ponto a nova jurisprudência
do STF pode se assentar - ou se ela decorre de um julgamento político.
"Será uma primeira análise para um debate mais aprofundado sobre o tema e
para ver como será possível aplicar as mudanças", diz.
Entre as
inovações produzidas pelo STF durante o julgamento da Ação Penal nº 470
estão o uso da teoria da "cegueira deliberada", doutrina criada pela
Suprema Corte americana que, no mensalão, levou a um debate sobre a
possibilidade de condenação por lavagem de dinheiro em casos de dolo
eventual - ou seja, quando há dúvidas sobre se o acusado sabia da origem
ilícita dos valores recebidos; o fim da necessidade de indicação
precisa do ato de ofício praticado ou omitido pelo agente público
corrompido em troca de vantagem indevida oferecida pelo corruptor para
caracterizar o crime de corrupção; e a teoria do domínio do fato,
desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin na década de 60 para
permitir que se atribua responsabilidade penal a quem pertence a um
grupo criminoso, mas não praticou diretamente o delito por ocupar
posição hierárquica de comando - que, segundo o STF, é o caso do
ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, considerado o chefe
da quadrilha que teria engendrado o esquema do mensalão.
De
acordo com o procurador Alexandre Rocha de Moraes, coordenador do Centro
de Apoio Operacional Criminal do MP-SP, a maior novidade produzida pelo
mensalão é o uso da teoria do domínio do fato para se chegar à
condenação de chefes de organizações criminosas. Para ele, a aplicação
da teoria para embasar condenações por crimes do colarinho branco Brasil
afora dependerá de hábito. "O Supremo abriu uma porta", diz. Mas, de
acordo com o procurador Mário Sarrubbo, a grande inovação do julgamento
ocorreu no trato com as provas contra os réus. "A maior quebra de
paradigma é a interpretação e valoração das provas", afirma. Segundo
ele, os tribunais do país tratavam as provas obtidas em investigações
criminais de uma maneira muito mais garantista, o que não ocorreu no
caso do mensalão. "A expectativa é a de que se utilize essa
jurisprudência", diz. "O juiz vai ter um lastro maior, baseado na
decisão da maior Corte do país."
Segundo o procurador Alexandre
de Moraes, o STF, durante muito tempo, esteve em uma "onda de
abrandamento penal" - ele cita como exemplos recentes a limitação a
interceptações telefônicas em investigações criminais, a permissão de
progressão de regime prisional dos condenados por crimes hediondos e a
restrição ao uso de algemas pelas polícias - decisões proferidas pela
Corte em casos de grande repercussão. Para o procurador, entendimentos
como esses levaram à anulação de investigações
relevantes e
geraram indignação na sociedade. "O julgamento do mensalão é um
incentivo contra a impunidade", diz. "Foi uma espécie de alento enxergar
um novo paradigma de atuação do Supremo. É um estímulo ao juiz da
primeira instância."
Moraes afirma que a aula inaugural da Escola
do MP-SP é simbólica e pretende sinalizar, para os promotores, como
eles devem pensar. "A ideia é mostrar o que aconteceu no processo do
mensalão para que os eles possam começar a pôr em prática as novidades"
diz. O mensalão também será um dos temas do congresso do MP-SP que
acontece no segundo semestre deste ano.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-jan-31/promotores-ministerio-publico-paulista-terao-aula-mensalao
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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
Produção discursiva e direito: interpretações e jurisprudências
domingo, 7 de outubro de 2012
Questões de justiça são questões de interpretação? A produção dos sentidos, a circulação dos discursos, a constituição das verdades
TV Justiça: Efeito pedagógico da Ação Penal 470
Fonte: Teoria e Debate
Em artigo na revista Consultor Jurídico, o desembargador Néviton Guedes (TRF-1) expressa preocupações com o “processo de espetacularização dos tribunais brasileiros” e questiona, entre outros pontos, a transmissão direta pela televisão dos julgamentos do STF.
Além de argumentar que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha não permitem a transmissão ao vivo de suas sessões, afirma: “Aqueles que defendem a ampla e irrestrita publicidade – e em tempo real – das sessões do Supremo confundem publicidade com superexposição. Confundem a reflexão, que exige tempo e é essencial quando cuidamos de julgar a vida das pessoas, com transmissão e espetáculos em tempo real, que, por sua própria natureza, prejudica ou mesmo impede a reflexão racional e amadurecida”. Lembra ainda, referindo-se às justificativas para não transmissão nos EUA, que “dez pessoas tomam conhecimento integral do caso, mas, com câmeras no Tribunal, mil pessoas o comentariam sem saber do que falam e o resto da população formaria sua opinião a partir desse fosso de informação” [cf. “Jean Baudrillard e o mensalão em tela total”].
Da mesma forma, a professora Helena Regina Lobo da Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo no Valor Econômico, expressa preocupação com a imagem do STF e afirma: “Se nosso sistema garante maior transparência, acaba, por outro lado, expondo visceralmente os membros dos tribunais – especialmente no Supremo, em razão da transmissão ao vivo. A imagem institucional da corte, como guardiã da Constituição e de suas garantias, dentre elas a da presunção de inocência e do julgamento de acordo com o devido processo legal, é construída, portanto, não somente a partir do conteúdo de suas decisões, senão também da compostura e serenidade do tribunal em suas sessões” [Cf. "O Supremo e a publicidade dos julgamentos"].
Contraponto e efeito pedagógico
Por mais legítimas que sejam essas preocupações, no caso do julgamento da Ação Penal 470, sustento que as transmissões ao vivo têm oferecido a possibilidade (talvez única) de algum contraponto à unanimidade da grande mídia, que, como diz o próprio desembargador Guedes no artigo citado, finge ignorar que “é essencial, imanente mesmo, a qualquer espécie de decisão, notadamente a decisão judicial, a possibilidade de mais de uma escolha. Decidir é tautologicamente escolher. Onde só há uma possibilidade de decisão ou de escolha, em termos lógicos, na verdade, não há decisão a ser tomada, mas inexorável posição e conduta que se impõem a quem decide”.
Além disso, as transmissões da TV Justiça podem ter um amplo e poderoso efeito pedagógico benéfico – difícil de avaliar, certamente – na medida em que, apesar do juridiquês dominante, revelam sem intermediação aspectos inusitados e enormes contradições presentes no julgamento.
Bastariam como exemplo os acontecimentos emblemáticos da 28ª sessão realizada no dia 25 de setembro. Aqueles que estavam acompanhando assistiram a cenas constrangedoras de destempero do ministro relator, Joaquim Barbosa. Em linguagem certamente inapropriada para a mais alta corte de Justiça do país, ele se revelou extremamente irritado e descortês com posições contrárias às suas expostas pelo ministro revisor, Ricardo Lewandowski. Passou, então, a acusá-lo de hipocrisia, falta de transparência e de fazer “vistas grossas” a artigos do Código Penal. As repetidas intervenções do relator provocaram, inclusive, a intervenção indignada de outros ministros em defesa do revisor e na tentativa de permitir que ele completasse seu voto.
Situações como essa são reveladoras de quem são os ministros e de como – de facto – funciona a Justiça. Perplexo diante da dificuldade que o ministro relator revela em lidar com o contraditório, o telespectador leigo deve se perguntar como é possível que, analisando os mesmos fatos descritos nos autos e submetidos às mesmas regras, juízes possam chegar a conclusões diametralmente opostas. Justiça é apenas o resultado de uma votação?
O julgamento tem revelado ainda outros aspectos surpreendentes.
O presidente do STF afirmou em uma das sessões que o projeto original da Lei nº 12.232/2010 (que “dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências”) havia sido alterado no Congresso Nacional apenas para proteger réus da Ação Penal 470. Trata-se de acusação gravíssima que, suponho, terá desdobramentos futuros.
Como se sabe, a Lei nº 12.232 regulamenta os famosos BV, ou “bônus-volume”, que muitos consideram uma forma de perpetuar o oligopólio dos grandes grupos de mídia no país. Aliás, os dados sobre investimentos publicitários da União que estão sendo agora revelados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República confirmam que, apesar da descentralização relativa das verbas oficiais promovidas no governo Lula, cerca de 70% delas continuam concentradas em apenas dez veículos, sendo que a TV Globo ficou com cerca de um terço do total (no governo Dilma).
Independentemente do mérito do que está sendo julgado e do julgamento em si e das preocupações manifestadas tanto pelo desembargador Guedes como pela professora Helena, prefiro acreditar no efeito pedagógico benéfico das transmissões ao vivo. Os efeitos do julgamento sobreviverão a ele. O STF e seus ministros serão vistos com outros olhos. E muitas das questões que estão surgindo – aparentemente à margem da Ação Penal 470 – terão de ser enfrentadas.
A ver.
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros
Em artigo na revista Consultor Jurídico, o desembargador Néviton Guedes (TRF-1) expressa preocupações com o “processo de espetacularização dos tribunais brasileiros” e questiona, entre outros pontos, a transmissão direta pela televisão dos julgamentos do STF.
Além de argumentar que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha não permitem a transmissão ao vivo de suas sessões, afirma: “Aqueles que defendem a ampla e irrestrita publicidade – e em tempo real – das sessões do Supremo confundem publicidade com superexposição. Confundem a reflexão, que exige tempo e é essencial quando cuidamos de julgar a vida das pessoas, com transmissão e espetáculos em tempo real, que, por sua própria natureza, prejudica ou mesmo impede a reflexão racional e amadurecida”. Lembra ainda, referindo-se às justificativas para não transmissão nos EUA, que “dez pessoas tomam conhecimento integral do caso, mas, com câmeras no Tribunal, mil pessoas o comentariam sem saber do que falam e o resto da população formaria sua opinião a partir desse fosso de informação” [cf. “Jean Baudrillard e o mensalão em tela total”].
Da mesma forma, a professora Helena Regina Lobo da Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo no Valor Econômico, expressa preocupação com a imagem do STF e afirma: “Se nosso sistema garante maior transparência, acaba, por outro lado, expondo visceralmente os membros dos tribunais – especialmente no Supremo, em razão da transmissão ao vivo. A imagem institucional da corte, como guardiã da Constituição e de suas garantias, dentre elas a da presunção de inocência e do julgamento de acordo com o devido processo legal, é construída, portanto, não somente a partir do conteúdo de suas decisões, senão também da compostura e serenidade do tribunal em suas sessões” [Cf. "O Supremo e a publicidade dos julgamentos"].
Contraponto e efeito pedagógico
Por mais legítimas que sejam essas preocupações, no caso do julgamento da Ação Penal 470, sustento que as transmissões ao vivo têm oferecido a possibilidade (talvez única) de algum contraponto à unanimidade da grande mídia, que, como diz o próprio desembargador Guedes no artigo citado, finge ignorar que “é essencial, imanente mesmo, a qualquer espécie de decisão, notadamente a decisão judicial, a possibilidade de mais de uma escolha. Decidir é tautologicamente escolher. Onde só há uma possibilidade de decisão ou de escolha, em termos lógicos, na verdade, não há decisão a ser tomada, mas inexorável posição e conduta que se impõem a quem decide”.
Além disso, as transmissões da TV Justiça podem ter um amplo e poderoso efeito pedagógico benéfico – difícil de avaliar, certamente – na medida em que, apesar do juridiquês dominante, revelam sem intermediação aspectos inusitados e enormes contradições presentes no julgamento.
Bastariam como exemplo os acontecimentos emblemáticos da 28ª sessão realizada no dia 25 de setembro. Aqueles que estavam acompanhando assistiram a cenas constrangedoras de destempero do ministro relator, Joaquim Barbosa. Em linguagem certamente inapropriada para a mais alta corte de Justiça do país, ele se revelou extremamente irritado e descortês com posições contrárias às suas expostas pelo ministro revisor, Ricardo Lewandowski. Passou, então, a acusá-lo de hipocrisia, falta de transparência e de fazer “vistas grossas” a artigos do Código Penal. As repetidas intervenções do relator provocaram, inclusive, a intervenção indignada de outros ministros em defesa do revisor e na tentativa de permitir que ele completasse seu voto.
Situações como essa são reveladoras de quem são os ministros e de como – de facto – funciona a Justiça. Perplexo diante da dificuldade que o ministro relator revela em lidar com o contraditório, o telespectador leigo deve se perguntar como é possível que, analisando os mesmos fatos descritos nos autos e submetidos às mesmas regras, juízes possam chegar a conclusões diametralmente opostas. Justiça é apenas o resultado de uma votação?
O julgamento tem revelado ainda outros aspectos surpreendentes.
O presidente do STF afirmou em uma das sessões que o projeto original da Lei nº 12.232/2010 (que “dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências”) havia sido alterado no Congresso Nacional apenas para proteger réus da Ação Penal 470. Trata-se de acusação gravíssima que, suponho, terá desdobramentos futuros.
Como se sabe, a Lei nº 12.232 regulamenta os famosos BV, ou “bônus-volume”, que muitos consideram uma forma de perpetuar o oligopólio dos grandes grupos de mídia no país. Aliás, os dados sobre investimentos publicitários da União que estão sendo agora revelados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República confirmam que, apesar da descentralização relativa das verbas oficiais promovidas no governo Lula, cerca de 70% delas continuam concentradas em apenas dez veículos, sendo que a TV Globo ficou com cerca de um terço do total (no governo Dilma).
Independentemente do mérito do que está sendo julgado e do julgamento em si e das preocupações manifestadas tanto pelo desembargador Guedes como pela professora Helena, prefiro acreditar no efeito pedagógico benéfico das transmissões ao vivo. Os efeitos do julgamento sobreviverão a ele. O STF e seus ministros serão vistos com outros olhos. E muitas das questões que estão surgindo – aparentemente à margem da Ação Penal 470 – terão de ser enfrentadas.
A ver.
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros
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