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domingo, 13 de setembro de 2015

Jornalismo, neutralidade, ética: a rasteira que Petra Lazlo deu em um senhor que carregava uma criança

Refugiados: no meio do caminho havia Petra Laszlo



 

Cinematografista que agrediu refugiados esqueceu que os pés que derrubavam eram pés de barro: frágeis – demasiadamente humanos

O título deste artigo alude ao poema de Drummond, trazendo em si a ironia do nome daquela que aplicou uma rasteira num migrante que tencionava atravessar as fronteiras da Hungria. O prenome da jornalista que fazia a cobertura da migração é Petra – um nome que vem do grego petrós, e quer dizer “pedra” – feminino de Pedro, o mesmo nome daquele discípulo que Cristo havia dito que seria a pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja. Mas aqui a “pedra” de Laszlo é apenas pedra de tropeço, lançada enquanto trabalhava a serviço da imprensa.

Divulgação/Facebook

Imagens da agressão correram o mundo; tamanha foram as críticas que a cinegrafista foi demitida 


A cena, que foi amplamente veiculada, possui pelo menos dois ângulos: um é o de Petra Laszlo, observando o migrante com uma criança no colo, fugindo do policial; o outro é o ângulo de outro jornalista, observando aquela que observava a fuga desesperada de um homem. Nas mãos de Petra estão as lentes que focam a fuga; por outro lado, sobre as mãos do outro jornalista estão as lentes que enquadram, não somente as “mãos” de Petra focando o evento da migração, mas também o gesto sub-reptício de seus “pés” que derrubam. O jornalista que enquadra Petra observa a observação de uma certa imprensa, e com mestria, num só lance, reúne o sentido manifesto e o sentido oculto: mãos que retratam e pés que detratam.

Veja as agressões:



Há quem postule a chamada “neutralidade” da imprensa, e não são poucos. Faltam aos impolutos que ainda habitam o Éden do jornalismo a pureza e a coragem do jornalista que, ao focar a rasteira de Petra Laszlo, aplica uma rasteira na noção de “neutralidade” jornalística e, por conseguinte, em si mesmo, por ser ele partícipe de um corpo jornalístico. Aliás, a atitude de Laszlo é a cristalização da ideia de que o jornalismo é neutro. Explico. Pode parecer que não, uma vez que, sem receios, ela milita politicamente enquanto trabalha no ofício de jornalista. Mas aqui a nossa suspeita é de que o próprio ranço da “neutralidade” forjou a cena “bipolar”, pois seu ângulo de visão não alcançava os próprios pés, de modo que estaria resguardada pela neutralidade oferecida pela tecnologia da câmera filmadora.

 
Um ver jornalístico que se renova
Tecnicamente é possível a “neutralidade”, porém não humanamente. Ao creditar na tecnologia como a garantia da “neutralidade”, a repórter acabou esquecendo que os pés que derrubavam eram pés de barro: frágeis – demasiadamente humanos. A crença na “neutralidade” é o delírio de um salto para fora do fato, como o salto dos deuses para fora da história. O “calo”, a mania, o mau costume de Petra Laszlo, roubou seu espírito jornalístico, impossibilitando-a de ver realmente o dia que acontecia para além de seus caprichos pessoais. O mais desconcertante disso tudo é que aquilo que estamos chamando de cristalização da noção de “neutralidade” cegou seus olhos de repórter para o acontecimento e deu, por outro lado, azo para a liberação de suas idiossincrasias. Tecnicamente, a “neutralidade” é possível. No entanto, mais cedo ou mais tarde a noção de “neutralidade” tomará uma rasteira dessa dimensão humana ineludível.



Diante de uma certa imprensa, que não sabemos se tem espírito ou não, devemos fazer uma pergunta bem nietzschiana: o que quer o jornalista que “quer” isso – ou melhor: o que vê o jornalista que “vê” isso? Nunca vemos a “rasteira” imediatamente e, por isso, a tal pergunta nietzschiana se faz necessária, pois nem sempre teremos o auxílio das lentes de um outro ângulo.

Petra Laszlo talvez esteja agradecida pela “rasteira” que um colega lhe deu, pois agora, após a “queda” do cínico Éden da “neutralidade” jornalística, ela estará na possibilidade de adquirir a acuidade de um ver jornalístico que se renova aplicando, vez ou outra, rasteiras em si mesma.

* Eduardo da Silveira Campos é professor e doutorando em Filosofia
** Texto publicado originalmente pelo Observatório da Imprensa

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Jornalismo: informação, comentário e... liberdade de expressão?

Sindicato dos Jornalistas do Rio repudia "radicalmente" comentário de Rachel Sheherazade sobre menor preso em poste

Escrito por: Redação do clipping FNDC
Fonte: Comunique-se 

"Num país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos 'vingadores' é até compreensível". Com frases como essa, a apresentadora Rachel Sheherazade, do 'SBT Brasil', comentou o caso do jovem que foi preso por um grupo de motoqueiros a um poste no Flamengo, Rio de Janeiro.

As declarações de Rachel a respeito do episódio resultaram em críticas do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Em nota divulgada na noite dessa quarta-feira, 5, a entidade se manifesta "radicalmente" contra a âncora. O posicionamento aconteceu mais de 24 horas depois que o comentário da âncora foi ao ar pelo canal comandado por Silvio Santos e afiliadas.

De acordo com o sindicato, a opinião da apresentadora representou "grave violação de direitos humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros", além de ela ter violado, segundo avaliação da instituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente. A entidade, no entanto, garante que o suposto crime foi cometido durante o 'Jornal do SBT', noticiário que nunca foi comandado por Rachel.

O caso ainda faz o sindicato solicitar investigação por parte da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) para apurar "as responsabilidades neste e em outros casos de violação dos direitos humanos (...) que ocorrem de forma rotineira em programas de radiodifusão no nosso país". A entidade encerra a nota, que não foi assinada, com trecho do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros e com a divulgação do debate a ser realizado no auditório da organização.

Acompanhe a íntegra da nota do sindicato:
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e a Comissão de Ética desta entidade se manifestam radicalmente contra a grave violação de direitos humanos e ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros representada pelas declarações da âncora Rachel Sheherazade durante o Jornal do SBT.

O desrespeito aos direitos humanos tem sido prática recorrente da jornalista, mas destacamos a violência simbólica dos recentes comentários por ela proferidos no programa de 04/02/2014 (http://www.youtube.com/watch?v=nXraKo7hG9Y). Sheherazade violou os direitos humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente e fez apologia à violência quando afirmou achar que "num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível" - Ela se referia ao grupo de rapazes que, em 31/01/2014, prendeu um adolescente acusado de furto e, após acorrentá-lo a um poste, espancou-o, filmou-o e divulgou as imagens na internet.

O Sindicato e a Comissão de Ética do Rio de Janeiro solicitam à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que investigue e identifique as responsabilidades neste e em outros casos de violação dos direitos humanos e do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que ocorrem de forma rotineira em programas de radiodifusão no nosso país. É preciso lembrar que os canais de rádio e TV não são propriedade privada, mas concessões públicas que não podem funcionar à revelia das leis e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Eis os pontos do Código de Ética referentes aos Direitos Humanos:

Art. 6º É dever do jornalista:

I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios
expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos;

XI - defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias
individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos,
negros e minorias;

XIV - combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais,
econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física
ou mental, ou de qualquer outra natureza.

Art. 7º O jornalista não pode:

V - usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime;

Também atuando no sentido pedagógico que acreditamos que deva ser uma das principais intervenções do sindicato e da Comissão de Ética, realizaremos um debate sobre o tema em nosso auditório com o objetivo de refletir sobre o papel do jornalista como defensor dos direitos humanos e da democratização da comunicação.

***

"Para entender o caso

Na última sexta-feira, um jovem suspeito de praticar furtos na zona sul do Rio de Janeiro foi encontrado amarrado nu a um poste na Avenida Rui Barbosa, região do Flamengo. Acorrentado por uma trava de bicicleta, ele foi cruelmente espancado e ferido com uma facada na orelha. Só foi salvo graças à ação de uma moradora indignada da região. O adolescente explicou que foi agredido por um grupo batizado de “Os Justiceiros”. A polícia já prendeu 14 pessoas suspeitas de participarem da agressão. Uma delas confessou que o bando “caça ladrões” na região. Dias depois, na terça-feira, a fascistóide Rachel Sheherazade defendeu o linchamento e a ação deste grupo criminoso." (reproduzido de Blog do Miro: leia artigo completo aqui.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Duas noticinhas pra pensar circulação de discursos

06/12/2013 às 13:05

Facebook começa a cortar alcance dos posts na rede social

Escrito por: Redação do Clipping FNDC  
Fonte: Olhar Digital 

Administradores de páginas no Facebook podem ter percebido nos últimos dias um alcance cada vez menor nos seus posts. Isso não é por acaso. A rede social tem cortado cada vez mais o número de postagens que chegam ao feed de notícias dos usuários de forma orgânica.

Um plano comercial obtido pelo Advertising Age confirma a tendência. O documento aponta que se trata de uma redução gradual e significativa da distribuição orgânica que, em tese, deveria "garantir uma experiência significativa com o site".

A suspeita, no entanto, é de que a rede social estaria cortando o alcance orgânico dos posts para forçar marcas que dependem da audiência e engajamento do Facebook a pagarem para promover seus serviços. A empresa, no entanto, alega que se trata apenas de um filtro para oferecer menos posts para o usuário, de forma a deixar o feed de notícias mais limpo.

“O feed de notícias é cada vez mais concorrido, as pessoas curtem e compartilham a cada dia um número maior de coisas. Como essa distribuição é orientada pelo comportamento social de cada usuário, é natural que não sejam todas as mensagens que apareçam em cada timeline”, esclarece Camila Fusco, gerente de comunicação do Facebook no Brasil, em contato com o Meio e Mensagem. De acordo com ela, o filtro também acontece entre amigos.

Ela rejeita a alegação de que o corte de alcance seja uma forma de incentivar as marcas a pagarem para ter seu conteúdo divulgado. "Se quiserem, as marcas podem adotar os modelos publicitários para ampliar esse alcance, mas é totalmente opcional", completa ela.

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06/12/2013 às 13:17

Boca de Rua: outra peça no quebra-cabeças das mídias livres

Escrito por: Cibelih Hespanhol
Fonte: Outras Palavras

Curta conta trajetória incomum de jornal produzido há doze anos, em Porto Alegre, por moradores das ruas. "Mostramos o que a sociedade não vê", dizem

Desde 2001, é distribuído nas ruas de Porto Alegre o único jornal brasileiro feito exclusivamente por moradores de rua. O projeto Boca de Rua traz em suas matérias o ângulo “do que a sociedade não vê”, como conta uma das integrantes do jornal.

Sustentado inicialmente por apenas três pessoas, hoje o Boca possui quase 30 integrantes (que trabalham na reportagem, fotografia, diagramação e distribuição). E das 150 pessoas que já passaram por suas páginas, cerca de 70 chegaram a sair das ruas. A iniciativa de uma comunicação feita por quem não tem voz partiu das jornalistas Rosina Duarte e Clarinha Glork, que tinham como objetivo desconstruir o estigma que paira sobre os moradores de rua – população que vivem diariamente em condição de invisibilidade social.

Atualmente, a ONG Alice (Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação) apoia o projeto Boca de Rua e o Boquinha – destinado para os filhos dos moradores de rua.

Marcelo Andrighetti conheceu o Boca há dois anos, quando comprou um exemplar por R$1,00. Hoje, é diretor do vídeo de 10 minutos que conta sua história, o Boca de Rua – vozes de uma gente invisível. O curta foi contemplado na categoria web documentário pelo programa Rumos Itaú Cultural 2013. Confira!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ainda sobre "escritas profissionais e processos de edição e circulação": o fato, a notícia, a crônica...

Fonte: Viomundo

Meu encontro com Nem

Ruth de Aquino, em Época , sugerido por Fernando


Era sexta-feira 4 de novembro. Cheguei à Rua 2 às 18 horas. Ali fica, num beco, a casa comprada recentemente por Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, por R$ 115 mil. Apenas dez minutos de carro separam minha casa no asfalto do coração da Rocinha. Por meio de contatos na favela com uma igreja que recupera drogados, traficantes e prostitutas, ficara acertado um encontro com Nem. Aos 35 anos, ele era o chefe do tráfico na favela havia seis anos. Era o dono do morro.


Queria entender o homem por trás do mito do “inimigo número um” da cidade. Nem é tratado de “presidente” por quem convive com ele. Temido e cortejado. Às terças-feiras, recebia a comunidade e analisava pedidos e disputas. Sexta era dia de pagamentos. Me disseram que ele dormia de dia e trabalhava à noite – e que é muito ligado à mãe, com quem sai de braços dados, para conversar e beber cerveja. Comprou várias casas nos últimos tempos e havia boatos fortes de que se entregaria em breve.


Logo que cheguei, soube que tinha passado por ele junto à mesa de pingue-pongue na rua. Todos sabiam que eu era uma pessoa “de fora”, do outro lado do muro invisível, no asfalto. Valas e uma montanha de lixo na esquina mostram o abandono de uma rua que já teve um posto policial, hoje fechado. Uma latinha vazia passa zunindo perto de meu rosto – tinha sido jogada por uma moça de short que passou de moto.


Aguardei por três horas, fui levada a diferentes lugares. Meus intermediários estavam nervosos porque “cabeças rolariam se tivesse um botãozinho na roupa para gravar ou uma câmera escondida”. Cheguei a perguntar: “Não está havendo uma inversão? Não deveria ser eu a estar nervosa e com medo?”. Às 21 horas, na garupa de um mototáxi, sem capacete, subi por vielas esburacadas e escuras, tirando fino dos ônibus e ouvindo o ruído da Rocinha, misto de funk, alto-falantes e televisores nos botequins. Cruzei com a loura Danúbia, atual mulher de Nem, pilo-tando uma moto laranja, com os cabelos longos na cintura. Fui até o alto, na Vila Verde, e tive a primeira surpresa.


Não encontrei Nem numa sala malocada, cercado de homens armados. O cenário não podia ser mais inocente. Era público, bem iluminado e aberto: o novo campo de futebol da Rocinha, com grama sintética. Crianças e adultos jogavam. O céu estava estrelado e a vista mostrava as luzes dos barracos que abrigam 70 mil moradores. Nem se preparava para entrar em campo. Enfaixava com muitos esparadrapos o tornozelo direito. Mal me olhava nesse ritual. Conversava com um pastor sobre um rapaz viciado de 22 anos: “Pegou ele, pastor? Não pode desistir. A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém. Caraca, ele estava limpo, sem droga, tinha encontrado um emprego… me fala depois”, disse Nem. Colocou o meião, a tornozeleira por cima e levantou, me olhando de frente.


Foi a segunda surpresa. Alto, moreno e musculoso, muito diferente da imagem divulgada na mídia, de um rapaz franzino com topete descolorido e riso antipático, como o do Coringa. Nem é pai de sete filhos. “Dois me adotaram; me chamam de pai e me pedem bênção.” O último é um bebê com Danúbia, que montou um salão de beleza, segundo ele “com empréstimo no banco, e está pagando as prestações”. Nem é flamenguista doente. Mas vestia azul e branco, cores de seu time na favela. Camisa da Nike sem manga, boné, chuteiras.


– Em que posição você joga, Nem? – perguntei.


– De teimoso – disse, rindo –, meu tornozelo é bichado e ninguém me respeita mais em campo.


Foi uma conversa de 30 minutos, em pé. Educado, tranquilo, me chamou de senhora, não falou palavrão e não comentou acusações que pesam contra ele. Disse que não daria entrevista. “Para quê? Ninguém vai acreditar em mim, mas não sou o bandido mais perigoso do Rio.” Não quis gravador nem fotos. Meu silêncio foi mantido até sua prisão. A seguir, a reconstituição de um extrato de nossa conversa.


Nem, líder do tráfico


UPP “O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado. A UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”


Beltrame “Um dos caras mais inteligentes que já vi. Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor. Ele fala o que tem de ser dito. UPP não adianta se for só ocupação policial. Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade. Como pode Cuba ter mais medalhas que a gente em Olimpíada? Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade.”


Religião “Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus. Aprendi a rezar criancinha, com meu pai. Mas só de uns sete anos para cá comecei a entender melhor os crentes. Acho que Deus tem algum plano para mim. Ele vai abrir alguma porta.”


Prisão “É muito ruim a vida do crime. Eu e um monte queremos largar. Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos. Porque o pai tem mais autoridade que a mãe. Diz que não, e é não. Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade.”


Drogas “Não uso droga, só bebo com os amigos. Acho que em menos de 20 anos a maconha vai ser liberada no Brasil. Nos Estados Unidos, está quase. Já pensou quanto as empresas iam lucrar? Iam engolir o tráfico. Não negocio crack e proíbo trazer crack para a Rocinha. Porque isso destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira. Conheço gente que usa cocaína há 30 anos e que funciona. Mas com o crack as pessoas assaltam e roubam tudo na frente.”


Recuperação “Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados. Para não cair na vida nem ficar doente com aids, essa meninada precisa ter família e futuro. A UPP, para dar certo, precisa fazer a inclusão social dessas pessoas. É o que diz o Beltrame. E eu digo a todos os meus que estão no tráfico: a hora é agora. Quem quiser se recuperar vai para a igreja e se entrega para pagar o que deve e se salvar.”


Ídolo “Meu ídolo é o Lula. Adoro o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do tráfico para trabalhar nas obras. Sabe quantos voltaram para o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil.”


Policiais “Pago muito por mês a policiais. Mas tenho mais policiais amigos do que policiais a quem eu pago. Eles sabem que eu digo: nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados, vão levar um tiro sem mais nem menos?”


Tráfico “Sei que dizem que entrei no tráfico por causa da minha filha. Ela tinha 10 meses e uma doença raríssima, precisava colocar cateter, um troço caro, e o Lulu (ex-chefe) me emprestou o dinheiro. Mas prefiro dizer que entrei no tráfico porque entrei. E não compensa.”


Nem estava ansioso para jogar futebol. Acabara de sair da academia onde faz musculação. Não me mandou embora, mas percebi que meu tempo tinha acabado. Desci a pé. Demorei a dormir.