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terça-feira, 26 de maio de 2015

Que notícia não circula? Por exemplo, todas estas:

25/05/2015 - Copyleft

Brasil, um país desconhecido pelos brasileiros

Um Brasil desconhecido de grande parte da população é tratado pela FAO como um caso de relevância internacional no combate à fome.


Najar Tubino
Boletim Carta Maior 
Mateus Pereira/Secom
É um fato concreto que a versão veiculada pela mídia sobre o que acontece no país é totalmente desvirtuada e dirigida, segundo seus interesses empresariais e familiares. Em relação às políticas públicas voltadas para o combate à fome e a produção de alimentos pela agricultura familiar, que engloba trabalhadores e trabalhadoras assentadas, quilombolas, ribeirinhos, indígenas e o povo marginalizado há décadas nos nove estados nordestinos e o norte de Minas Gerais, que formam o semiárido. No final do ano passado a FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, lançou pela primeira vez o relatório sobre Segurança Alimentar e Nutricional inteiramente sobre um país, no caso, o Brasil. O documento começou a circular este ano, e têm versões em português, espanhol e inglês. Internamente a notícia veiculada rapidamente dava conta que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome.

A FAO monitora mais de 180 países nos quesitos sobre insegurança alimentar. E o Brasil, desconhecido de grande parte da população, é tratado como um caso de relevância internacional, que passou a ser um exemplo e copiado por muitos outros países por suas políticas adotadas no combate à fome e a produção de alimentos pela agricultura familiar. Como esclareceu o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic:

Prioridade para segurança alimentar é política

“- A conjuntura do Brasil é caracterizada pela consolidação e institucionalização de políticas bem sucedidas de combate à fome e de promoção da segurança alimentar e nutricional (SAN), norteados pelo Direito à Alimentação Adequada, da ONU. O Brasil cumpriu e ultrapassou os Objetivos do Milênio no que diz respeito à redução da pobreza e da fome”.

A questão não é técnica e sim política, como define a própria Lei 11.346/2006, que é a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, onde está definido o significado de tudo isso:

“- É a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis. Não é um conceito técnico, é um conceito político, construído com intensa participação social”, escreve o dirigente da FAO no Brasil.

Brasil referência internacional

Por que o caso brasileiro se destaca?, pergunta Alan Bojanic

Por vários motivos: combate à fome como prioridade de Estado, sistema de governança da SAN [Segurança Alimentar Nacional], perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada, processo participativo e intersetorial, políticas públicas articuladas e programas bem desenhados, monitoramento da SAN e convergência com a discussão internacional.

As ações funcionam em rede, tanto os programas sociais como o Bolsa Família, que em 2013 alcançou R$25 bilhões e atendeu 13,8 milhões de pessoas, mas todas as outras ações de apoio à agricultura familiar, como o PRONAF e os Programas de Aquisição de Alimentos e da Merenda Escolar, que no total somaram R$78 bilhões em 2013. Segue outro trecho do relatório Segurança Alimentar e Nutricional – Um Retrato Multidimensional, da FAO:

“- O Brasil já é hoje uma referência internacional de combate à fome. As experiências exitosas como transferência de renda, compras diretas para aquisição de alimentos, capacitação técnica de pequenos agricultores, entre outras, estão sendo transferidas para outros países. Os gastos sociais aumentaram mais de 128% entre 2000 e 2012 e a parcela no PIB aumentou 31%. O Bolsa Família que atingiu R$25 bilhões em 2013 e atendeu 13,8 milhões de famílias, sendo que o depósito é feito em nome da mãe preferencialmente e exige que as crianças permaneçam na escola e visitem os serviços de saúde.”

Estrutura fundiária concentrada

As famílias em situação de extrema pobreza, que foram o foco do programa Brasil Sem Miséria, lançado em 2011, e tornaram possível que estas famílias recebam um mínimo de renda per capita de US$1,25 por dia, segundo o relatório, retirou desta situação 22 milhões de brasileiros. Os investimentos em políticas que apoiam os agricultores familiares aumentaram 10 vezes em 10 anos, caso do PAA chegou a R$1,3 bi em 2013 e o PNAE atingiu 43 milhões de estudantes, no mesmo ano. Outra política pública ressaltada pela FAO: o acesso à terra, com a distribuição de 50 milhões de hectares a mais de 600 mil famílias nos último 10 anos, contando até 2012. Os números totais hoje em dia chegam a quase um milhão de famílias assentadas e 80 milhões de hectares.

Por fim, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em conjunto com a sociedade civil, está vinculado ao orçamento federal e um sistema bem estruturado de monitoramento multidimensional de segurança alimentar e nutricional. O Brasil é um país mundialmente importante na produção agrícola e diversidade de alimentos. Por outro lado, aspectos como a estrutura fundiária concentrada e a sustentabilidade do sistema adotado e o equilíbrio entre produção de commodities direcionadas para o mercado internacional e de alimentos para o consumo interno têm reflexos importantes na Segurança Alimentar e Nutricional da população e alguns grupos específicos.

Consumo excessivo de agrotóxicos e transição agroecológica

O relatório cita o fato do país ser líder na produção de laranja, cana e café, ocupar a segunda posição em soja, feijão e carne bovina, o terceiro em abacaxi e milho, o quarto na produção de leite de vaca e o quinto em limão e banana.

“- Ao mesmo tempo ainda existe uma parte da população em situação de insegurança alimentar, o que mostra que a quantidade de produção de alimentos de um país não se configura como um fator determinante no combate à fome. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, também entre os maiores produtores de alimentos, onde quase 15% da população estão em situação de insegurança alimentar, sendo 5,7% em situação de insegurança alimentar grave”.

O relatório também registra que apenas metade das terras indígenas no país estão regularizadas e que apenas 10% dos quilombos identificados pela Fundação Palmares possuem título de terra. E faz o alerta para o consumo excessivo de agrotóxicos pela população brasileira.

“- Um terço dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros é contaminado por agroquímicos, sendo que mais de um quarto com substâncias proibidas para consumo no Brasil.”

Os avanços na democratização do acesso à terra em determinadas regiões e os modelos produtivos e de promoção da transição agroecológica, além da importância econômica da agricultura familiar, são questões que o Brasil precisa avançar, ainda conforme o relatório.

Dinheiro do PRONAF continuará o mesmo

Na semana passada a Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CONTAG) e seus quatro mil sindicatos espalhados no território brasileiro realizaram o 21º Grito da Terra com 80 mil pessoas mobilizadas. Os representantes da CONTAG se reuniram com a presidenta Dilma Rousseff e apresentaram uma pauta com 170 itens que foi respondida pelo governo federal. Neste encontro, o presidente da CONTAG, Alberto Broch disse à presidenta:

“- Não tenha medo de mexer no cofre dos grandes empresários, das mineradoras, mas não mexa nas populações rurais. Não mexa na reforma agrária”.

O Plano Safra da Agricultura Familiar será lançado no dia 15 de junho e deverá manter o patamar de R$25 bilhões para custeio e investimentos. O governo federal também se comprometeu a dirigir as compras públicas cada vez mais na direção da agricultura familiar. Também se comprometeu a entregar 10 mil moradias no Programa Minha Casa, Minha Vida Rural no próximo mês, uma das reivindicações da CONTAG.

Sobre a reforma agrária, a secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Maria Fernanda Coelho esteve reunida no sábado, dia 23, em Recife, com os representantes da Federação dos Trabalhadores e trabalhadoras rurais – FETAPE – e anunciou que o governo federal vai assentar 120 mil famílias até 2018 – em condições qualificadas de luz, água, moradia, crédito e assistência técnica.

100 mil mulheres em agosto na capital federal

Em Recife ocorreu uma das maiores manifestações do Grito da Terra com cinco mil participantes. Eles caminharam até a sede do governo estadual, pois desde 2013 existe uma lei no estado que define ações em apoio ao povo do semiárido que até agora não receberam nenhuma resposta ou iniciativa do executivo. Os 179 sindicatos pernambucanos também reivindicam R$30 bilhões para o PRONAF e outros 20 bilhões para outros programas. Nas ruas da capital eles anunciaram o que a população brasileira precisa saber:

“- Quem coloca alimento na mesa da cidade precisa de apoio da sociedade”.

A FAO divulgou ainda nos últimos dias o relatório mundial sobre a fome, 805 milhões de pessoas passam por esse sacrifício todos os dias. No caso da África, um em cada quatro habitantes. Entretanto, mesmo sendo referência internacional, o Brasil segue um desconhecido para os seus habitantes, porque aqui o único problema existente é a corrupção. E mais nada. Também não ficará sabendo que na última semana deste maio de 2015 acontece a Semana dos Alimentos Orgânicos com ações oficiais em 20 estados. Mas certamente vai ficar sabendo que nos dias 11 e 12 de agosto 100 mil mulheres desfilarão pelas ruas de Brasília na 5ª Marcha das Margaridas. Essa vai ficar difícil de esconder.        

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Informação: banco de dados, comunicação dos dados? Do que é feita a opinião pública?

26/jan/2015, 9h09min 
Sul21 

“Informação é a melhor arma para enfrentar o preconceito”, diz Tereza Campello



Marco Weissheimer

“O Brasil Sem Miséria acabou implementando um padrão de inovação nas políticas sociais brasileiras que coloca um ponto de não retorno”. 
 Foto: Roberta Fofonka/Sul21
"O Brasil Sem Miséria acabou implementando um padrão de inovação nas políticas sociais brasileiras que coloca um ponto de não retorno". Por Roberta Fofonka/Sul21Após a disputa eleitoral de 2014, houve um grande crescimento do volume de manifestações preconceituosas contra vários setores da sociedade, em especial negros, pobres e nordestinos. O fenômeno não é novo, mas reapareceu com força no final do ano passado.

“O que piorou muito não está relacionado à media da opinião da população. O problema está entre aqueles setores mais reacionários que nutrem uma coisa racista contra os mais pobres. Essas pessoas passaram a ter coragem de expressar seus preconceitos mais abertamente. Saíram do armário”, diz a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

Em entrevista ao Sul21, Tereza Campello analisa as causas desse tipo de preconceito e defende que a informação é a melhor arma para combatê-lo. “Recentemente tivemos o caso de uma jornalista que disse que os pobres só pensam em procriar. É um negócio inacreditável. Os dados sobre taxa de fecundidade no Brasil, hoje, são completamente conhecidos. A taxa de fecundidade brasileira caiu em todas as classes sociais e caiu muito mais entre os mais pobres, uma queda em torno de 50% acima da média nacional”, exemplifica.

A ministra também fala sobre o atual estágio das políticas sociais no Brasil, aponta as prioridades para o próximo período e nega que programas como o Bolsa Família possam sofrer cortes em função de medidas de ajuste fiscal.

Sul21: Em que ponto estamos hoje no processo de construção de políticas sociais iniciado no primeiro governo Lula e que entra agora em seu quarto governo? Quais são os planos do MDS daqui para frente, qual o olhar para o futuro?

Tereza Campello: Estamos em um ponto parecido ao que estávamos quando a presidenta Dilma assumiu. Naquele momento, quando olhávamos para trás víamos oito anos de muito sucesso que tiveram como carro chefe a agenda social e como resultados a inclusão de milhões de brasileiros, a geração de empregos e muitos investimentos na área social. Parecia que não era possível avançar numa agenda que já tinha avançado tanto e que o trabalho a ser realizado era basicamente de manutenção. Aí a presidenta lançou um mega e ousado plano que foi o Brasil Sem Miséria. Acho que as pessoas não têm muita noção da dimensão desse programa. Nós não fomos tão bem tratados pela mídia tradicional, mas nós também somos ruins de comunicação.

Sul21: Qual é essa dimensão do Brasil Sem Miséria que não ficou bem visível para a sociedade?

Tereza Campello: O Brasil Sem Miséria acabou implementando um padrão de inovação nas políticas sociais brasileiras que coloca um ponto de não retorno. Cada vez que se avança muito, se estabelece um novo degrau. Acho que estabelecemos uma verdadeira laje, que nos dá bagagem para dar um salto muito superior. A presidenta fez algumas inflexões nas políticas sociais que são pouco conhecidas.

Sul21: Que inflexões foram essas?

“Agora chegamos num patamar em que é possível dizer: o Bolsa Família está universalizado”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21
"Agora chegamos num patamar em que é possível dizer: o Bolsa Família está universalizado". Por Roberta Fofonka/Sul21 
Tereza Campello: Em primeiro lugar, estabeleceu a ideia de que precisamos universalizar a rede de proteção social no Brasil. Isso não estava colocado. Agora chegamos num patamar em que é possível dizer: o Bolsa Família está universalizado. Certamente ainda tem gente que está fora, mas é muito residual. No caso de qualquer política em que falta abranger 150 mil famílias em um universo de 50 milhões, você pode dizer que universalizou. Mas isso não aconteceu por acaso. Foi uma determinação da presidenta Dilma. Ela determinou que fizéssemos uma busca ativa. Se há pessoas fora do sistema, é responsabilidade do Estado ir buscá-las. A responsabilidade é do Brasil Sem Miséria. Isso muda a equação. Essas pessoas são tão pobres, estão tão distantes e foram tão excluídas e abandonadas que não chegarão ao Estado brasileiro. Então, o Estado deve ir buscá-las.

A segunda inflexão, que diz respeito a algo que também não existia nas políticas públicas voltadas à população pobre no Brasil, é estabelecer uma linha abaixo da qual o Estado não aceita mais que as pessoas estejam. Uma coisa é ter um conceito de linha de pobreza para medir e poder fazer quantificações. Outra coisa é ter uma linha e estabelecer que, quem estiver abaixo dessa linha, terá uma complementação de renda garantida pelo Estado. Isso não é apenas um ditame, mas vem acompanhado de uma política pública que vai dar conta do problema. Introduziu uma mudança no Bolsa Família, fazendo com que o benefício variasse para completar a renda de quem estivesse abaixo da linha da pobreza. Essa foi uma mudança muito importante não só no que o Estado brasileiro assumiu para ele, como de referência para outros países. Tem gente que olha e não acredita que estamos fazendo isso. De fato, é uma inovação muito grande.

É óbvio que só foi possível fazer essas inflexões porque havia oito anos de governo Lula atrás. Houve ainda uma terceira grande inflexão que consistiu em dizer: não é só renda; nós queremos que os adultos tenham acesso a oportunidades para melhorar a sua renda. Isso envolve, entre outras coisas, capacitação profissional, acesso a bancos, possibilidade de formalização via carteira assinada, micro ou pequena empresa, cooperativa, economia solidária. Nós fizemos uma ação massiva muito forte de inclusão econômica dessa população. Isso não quer dizer que essas pessoas não trabalhassem. Trabalhavam (e trabalham). O que não tinham era qualificação profissional, tecnologia, informação, acesso a crédito, etc.

"Independente da existência de grandes políticas universais em áreas como saúde e educação, se você não tiver um caminho diferenciado a população pobre não acessa os serviços públicos". Foto: Roberta Fofonka/Sul21
“Independente da existência de grandes políticas universais em áreas como saúde e educação, 
se você não tiver um caminho diferenciado a população pobre não acessa os serviços públicos”. 
Foto: Roberta Fofonka/Sul21


A última coisa, falando das inflexões, é que ficou claro para o Estado brasileiro uma coisa que, de certa forma, é óbvia, mas que não estava tão institucionalizado e que o Brasil Sem Miséria transformou em legado. É a noção de que, independente da existência de grandes políticas universais em áreas como saúde e educação, se você não tiver um caminho diferenciado a população pobre não acessa os serviços públicos. Queremos creches para todos, mas se tivermos um caminho tradicional de universalização, os últimos a serem universalizados serão os mais pobres. Queremos a possibilidade de que todos façam tomografia, mas, pelos caminhos tradicionais, os mais pobres serão os últimos a fazer. E assim por diante…

Então, para construir uma agenda de equidade dentro de uma política de universalização é preciso ter um caminho diferente que faça com que os mais pobres sejam incluídos ao mesmo tempo em que os outros, que não sejam os últimos a serem atendidos. É preciso ter um caminho diferenciado para essa faixa da população ter acesso à creche, ao Mais Médicos, a uma escola em tempo integral, ao crédito, etc.

Sul21: E esse caminho diferenciado é também, ele próprio, uma política pública…

Tereza Campello: São várias políticas. O Brasil Sem Miséria construiu esse espaço. Todo mundo sentava à mesa para discutir, por exemplo, como fazer para que a escola em tempo integral chegasse aos mais pobres, como fazer para que as comunidades mais pobres não fossem as últimas a terem acesso a essa escola. A partir daí fomos construídos vários caminhos para atingir esse objetivo.

Sul21: Qual é o universo de pessoas que é objeto da busca ativa hoje? Quantas famílias ainda não tem acesso às políticas públicas do Estado brasileiro?

“O que melhor expressa a nossa ambição é aquela frase da presidenta Dilma na posse: nenhum direito a menos, nenhum passo atrás”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21

"O que melhor expressa a nossa ambição é aquela frase da presidenta Dilma na posse: nenhum direito a menos, nenhum passo atrás".  Foto: Roberta Fofonka/Sul21Tereza Campello: A nossa estimativa é de um universo de 150 mil famílias, algo em torno de 600 mil pessoas. É muita gente ainda. Além disso, temos que fazer um esforço gigantesco para impedir que as pessoas que melhoraram de vida e que foram incluídas voltem à situação anterior de pobreza. Nós não podemos deixar que isso aconteça em hipótese alguma. O que melhor expressa a nossa ambição é aquela frase da presidenta Dilma na posse: nenhum direito a menos, nenhum passo atrás. É uma frase muito forte que afirma que não vamos recuar em direitos.

O Brasil Sem Miséria fechou um ciclo. Não que não existam mais pessoas a serem buscadas, mas cumprimos com todas as metas que havíamos definido para esses últimos quatro anos. Elaboramos um diagnóstico conjunto no governo, organizamos um conjunto de políticas, criamos um sistema de monitoramento, executamos e entregamos tudo, algumas coisas acima das metas fixadas e outras que nem estavam previstas.

Sul21: Como funciona esse processo de busca ativa na prática?

Tereza Campello: Ele ocorre de várias maneiras, pois o Brasil tem regiões e situações muito diferentes. Fizemos, por exemplo, alguns mutirões com barcos em reservas extrativistas na Amazônia, e encontramos pessoas muito pobres que ainda não havíamos localizado e que não tinham nem documentos. Chegamos a encontrar quatro gerações de uma mesma família sem qualquer documento, nem certidão de nascimento. Essa situação melhorou muito, pois o governo fez um esforço gigante, principalmente por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário com a política nacional de documentação de registro civil. Mais de um milhão de documentos foram emitidos com essa política. Nós contratamos a Marinha que acabou fazendo 120 lanchas que foram distribuídas a municípios da região Norte, com o objetivo de localizar essas famílias.

Também realizamos busca ativa em algumas regiões metropolitanas. Em São Paulo, por exemplo, aumentou muito o número de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família. Quando Fernando Haddad assumiu em São Paulo, essa busca passou a ser política da prefeitura. Aqui no Rio Grande do Sul tínhamos uma baixa cobertura também que melhorou bastante nos últimos anos. Houve mutirões aqui também. Em resumo, há diferentes formas de implementar a busca ativa. Foram sendo construídos desenhos adequados às diferentes realidades encontradas no país.

Sul21: Há um debate agora, no início do segundo governo Dilma, sobre os rumos da política econômica. Fala-se da necessidade de ajustes e de alguns cortes no orçamento da União. Esses ajustes e cortes representam, na sua avaliação, alguma ameaça para a continuidade das políticas sociais?

Tereza Campello: Não há risco de cortes de benefícios ou de serviços sociais. O que todo mundo vai ter que fazer é um esforço para diminuir gastos da máquina. Sempre é possível melhorar aí. Nós temos também mecanismos de controle dentro de nossos programas para localizar pessoas que estejam recebendo benefícios de forma indevida. Isso não tem a ver com o ajuste fiscal, mas sim com nosso esforço permanente para ter uma política cada vez mais eficiente, que chegue aqueles que mais precisam. Podem ocorrer algumas coisas que não têm nada a ver com cortes. Nós fizemos, por exemplo, 750 mil cisternas. Praticamente universalizamos as cisternas na região do Semi Árido. Ainda há cisternas a serem feitas, algo em torno de 50 mil por ano. Nós estávamos fazendo 50 mil a cada dois meses. Então se olharmos para o dinheiro disponível para cisternas, veremos que ele é muito menor do que já foi, mas isso se deve ao sucesso que tivemos no cumprimento de nossas metas.

“Hoje temos 14 milhões de famílias dentro de nosso radar. Nós sabemos onde essas famílias estão, criamos uma ferramenta no Brasil que é a nossa tecnologia social mais difundida no mundo”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21
Tereza CampelloSul21: A senhora tem qualificado, em algumas ocasiões, programas como o Bolsa Família como construtores de políticas e instrumentos de reforma do Estado brasileiro. Poderia detalhar um pouco mais essa qualificação?

Tereza Campello: Hoje temos 14 milhões de famílias dentro de nosso radar. Nós sabemos onde essas famílias estão, criamos uma ferramenta no Brasil que é a nossa tecnologia social mais difundida no mundo. Nós exportamos hoje essa ideia do cadastro único. Temos um espaço de registro que não serve apenas para pagar o Bolsa Família. Ele fornece informações sobre essas famílias e é alimentado por outras fontes também. Nós estamos alimentando o cadastro do Bolsa Família, por exemplo, com dados do Banco Central sobre microcrédito. Nos interessa saber se essas famílias têm acesso a crédito, não com o objetivo de fazer algum tipo de fiscalização, mas para poder criar outras ferramentas que possam auxiliá-las. Esse tipo de cruzamento de dados permite também um olhar mais apurado sobre os territórios onde essas famílias vivem e sobre possíveis oportunidades para melhorar a sua qualidade de vida.

Nós fizemos isso com o Mais Médicos. O novo decreto do programa repete esse mesmo desenho que permite, entre outras coisas, apontar onde há mais problemas para os médicos irem. Pegamos o mapa do Bolsa Família e colocamos sobre o território brasileiro, localizando as regiões onde havia posto de saúde e onde havia maior concentração de população pobre. Isso nos ajudou a definir as regiões onde a necessidade de médicos era mais urgente. Esse é um exemplo do que chamo de papel construtor de outras políticas desempenhado pelo Bolsa Família. Nós precisamos avançar agora em controle social.

Sul21: Por onde passa esse avanço?

Tereza Campello: Passa por várias coisas. Estou pensando muito neste tema agora. Considere o Bolsa Família, por exemplo. É um programa pulverizado, onde as famílias recebem o benefício. Há alguns elementos de transparência que nos ajudam com o controle público. Todos os beneficiários estão com o nome no Portal da Transparência. Quem quiser saber se o vizinho recebe Bolsa Família pode descobrir acessando esse portal. Esse é um passo importante que ajuda o controle social. Nós queremos que cada município tenha seu conselho de assistência social. Temos pressionado para que isso aconteça. Não é uma relação simples, pois temos entidades filantrópicas, gestores públicos, usuários e movimentos sociais com assento nesses conselhos. Mas é só assim que se constrói controle social, com as pessoas e entidades envolvidas sentando em volta de uma mesa e estabelecendo um espaço de diálogo. Um exemplo disso é o que vem acontecendo no Conselho Nacional de Assistência Social e no Conselho Nacional de Saúde onde temos, pela primeira vez, representantes da população de rua. São setores muito organizaram que se mobilizaram, criaram a sua institucionalidade e vem participando e cobrando o setor público.

"O nível de preconceito que emergiu na sociedade neste período pós-eleitoral é algo assustador". Foto: Roberta Fofonka/Sul21“O nível de preconceito que emergiu na sociedade neste período pós-eleitoral é algo assustador”. Foto: Roberta Fofonka/Sul21

No Brasil Sem Miséria, nós fizemos seis diálogos com diferentes grupos da sociedade civil. Ouvimos críticas e sugestões antes de concluir o formato final do programa. Nós temos um espaço de diálogo e participação social muito forte, com gente muito qualificada e comprometida com uma agenda de avanço das políticas sociais. Agora, nenhum desses atores representa, de fato, aqueles mais pobres que geralmente não estão sindicalizados ou organizados em torno de alguma entidade. Então, nós temos um desafio colocado para o Estado e para os setores organizados da sociedade que consiste em ouvir a voz dessas pessoas. Hoje, ela começa a aparecer em tudo o que é lugar. Não é mais uma coisa esporádica. Agora, há muitos casos onde as pessoas não têm coragem de falar por conta do preconceito. O nível de preconceito que emergiu na sociedade neste período pós-eleitoral é algo assustador.

Sul21: Qual a sua avaliação sobre a crescente emergência dessas manifestações de preconceito contra setores mais pobres da população, vistas neste período mais recente?

Tereza Campello: Eu acho que piorou. Nós tivemos um período muito ruim do começo do governo Lula até 2005, 2006. Foi algo muito violento. Depois essas manifestações de preconceito diminuíram. Os raivosos pararam de falar e passaram a ficar envergonhados diante dos resultados muito efetivos que obtivemos. Hoje, mesmo com toda a tensão e radicalização verificada na última campanha eleitoral, a maioria da população brasileira é a favor do Bolsa Família. Cerca de 70% da população é favorável ao programa. O que muitas pessoas dizem é que não pode ser só isso, o que nós também achamos. Por isso temos o Pronatec, cursos de formação profissional, programas de crédito. O próprio Bolsa Família é também escola e educação.

O que piorou muito não está relacionado à media da opinião da população. O problema está entre aqueles setores mais reacionários que nutrem uma coisa racista contra os mais pobres. Essas pessoas passaram a ter coragem de expressar seus preconceitos mais abertamente. Saíram do armário. A impressão é que aumentou muito o número dos que são contra programas como o Bolsa Família, quando na verdade o que aumentou foi o número dos que têm coragem de falar esse monte de barbaridade, inclusive coisas que não têm a menor aderência com a realidade.

Recentemente tivemos o caso de uma jornalista que disse que os pobres só pensam em procriar. É um negócio inacreditável. A pessoa parece letrada, embora não deva ter ido muito longe para falar uma coisa dessas. Os dados sobre taxa de fecundidade no Brasil, hoje, são completamente conhecidos. A taxa de fecundidade brasileira caiu em todas as classes sociais e caiu muito mais entre os mais pobres, uma queda em torno de 50% acima da média nacional.

Então, não tem o menor cabimento as pessoas continuarem repetindo esse tipo de coisa. Por que repetem? Fico pensando nisso. Outra barbaridade que segue sendo dita é que a pessoa é pobre porque não trabalha. A pessoa é pobre porque é preguiçosa ou porque é uma perdedora, ou as duas coisas juntas. A verdade é que raríssimas pessoas que não se alimentaram bem na infância, que não tiveram oportunidades de formação e tiveram que começar a trabalhar muito jovens, conseguem posições melhores nas suas áreas. A violência dessas manifestações de preconceito constrange quem é pobre, pois difunde, entre as crianças, essa ideia de que a pessoa é pobre porque não trabalha, porque é preguiçosa.

"Perguntei em um programa de rádio do qual participei recentemente quantas crianças temos na escola hoje no Brasil. Ninguém soube responder. São 17 milhões de crianças". Foto: Roberta Fofonka/Sul21
“Tem gente que acha que, para uma família receber o benefício do Bolsa Família, basta ter as crianças matriculadas na escola. Não é isso. A criança tem que frequentar a escola e conferimos a cada mês se ela tem um mínimo de 80% de frequência.” Foto: Roberta Fofonka/Sul21

Sul21: Isso envolve, entre outras coisas, uma disputa cultural e simbólica. No início dessa entrevista, você se referiu a problemas de comunicação. Em que medida esses problemas contribuem para o problema do agravamento do preconceito? Caberia ao governo algum tipo de política nesta área?

Tereza Campello: Contra o preconceito eu acho que cabe sim. Acredito que a melhor arma contra o preconceito é a informação. Tem um monte de gente que repete essas barbaridades por que não tem informação. Ouve alguém falar, acha engraçadinho e sai repetindo a bobagem, que nem essa história dos “pobres gostam de procriar”. A pessoa que disse isso talvez não seja permeável a nenhum tipo de informação e de cultura. Mas, certamente, muita gente que leu essa bobagem sai repetindo sem saber o que está falando. Então, precisamos melhorar a nossa capacidade de transmitir informação clara e de qualidade para a população.

Tem gente que acha que, para uma família receber o benefício do Bolsa Família, basta ter as crianças matriculadas na escola. Não é isso. A criança tem que frequentar a escola e conferimos a cada mês se ela tem um mínimo de 80% de frequência. O nível de exigência sobre essa família é forte e positivo para o país, pois visa garantir a permanência dessa criança na escola. Por maiores problemas que tenha a escola, nela a criança tem acesso a um ambiente mais organizado, ao convívio com outras pessoas, tem acesso à informação, e está fora da rua e do trabalho infantil.

Perguntei em um programa de rádio do qual participei recentemente quantas crianças temos na escola hoje no Brasil. Ninguém soube responder. São 17 milhões de crianças. Esse número aumentou muito graças também ao Bolsa Família. Esse é o tipo de informação que eu acho que tocaria muita gente. Por mais conservadora que a pessoa seja, se ela souber que o Bolsa Família tem esse impacto sobre a saúde e a educação das crianças, pode mudar sua visão.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Produção e difusão dos textos...

PF identifica empresa de telemarketing do Rio que espalhou boatos do Bolsa Família
24/05/2013 - 19h58 | Fonte : OlharMS


BRASÍLIA - Em menos de uma semana de investigação, a Polícia Federal descobriu indícios de que uma central de telemarketing com sede no Rio de Janeiro foi usada para difundir o boato de que o Bolsa Família, o principal programa social do governo federal, iria acabar. Mensagem de voz distribuída pela central anuncia o fim do programa, conforme dados do inquérito aberto no início da semana a partir de uma determinação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A descoberta reforça a tese de que a ação tenha sido organizada.
A polícia tentará agora descobrir quem contratou os serviços de telemarketing e se, de fato, existe algum grupo com interesse político-eleitoral por trás da tentativa de se assustar os beneficiários do Bolsa Família. A polícia decidiu também interrogar, a partir da próxima semana, as 200 primeiras pessoas a fazer saques logo após o início da disseminação dos boatos sobre o fim dos programas. A polícia quer saber como cada um deles foi informado sobre o fim do programa.
— Está comprovado o uso do telemarketing — disse ao GLOBO uma fonte que está acompanhando de perto as investigações.
Os boatos sobre o falso fim do programa começaram a ser difundidos no sábado passado e provocaram uma corrida em massa à agências da Caixa Econômica Federal, pagadora do benefício. Os primeiros saques foram feitos no Maranhão, Pará e Ceará por volta de 11h do sábado passado, 30 minutos depois do registro de uma das ligações da central de telemarketing sobre o falso fim do programa. No dia seguinte, os terminais da Caixa registravam 900 mil saques no valor total de R$ 152 milhões.
A presidente Dilma Rousseff classificou a ação de criminosa. Cardozo disse que a hipótese mais provável é que se tratava de uma manobra orquestrada. A ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, chegou a insinuar, no twitter que os boatos teriam partido da oposição. Líderes da oposição reagiram e passaram a levantar suspeitas sobre setores do governo que, no fim das contas, acabariam obtendo dividendos políticos com o caso.
Os investigadores do caso tentam se manter longe dos embates políticos, mas não descartam que o episódio tenha alguma conotação eleitoral.
O Bolsa Família tem sido motivo de debate nas principais eleições nos últimos anos. A partir do aprofundamento sobre o uso do telemarketing e de declarações dos beneficiários, a polícia entende que poderá esclarecer o caso.