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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Como coletar dados sobre intenção de voto?

Pesquisa: faça você mesmo

Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa 

Os dois candidatos à Presidência da República interrompem a temporada de agressões e dão uma folga à imprensa. O problema é que o jornalismo precisa de intensidade e, sem o bate-boca que marcou as duas últimas semanas, o noticiário fica meio sem graça.

Viciada na dependência de factoides sob encomenda, a mídia tradicional descobre que já não tem a mesma criatividade de outros tempos. O resultado é esse tédio mortal no noticiário.

Curiosamente, um recurso fartamente utilizado para alimentar os debates nas semanas anteriores parece esquecido pelos editores: o rastreamento (que os marqueteiros chamam de tracking) das pesquisas de intenção de voto desapareceu da cobertura. A última informação de que se tem notícia dava conta de certo “empate técnico” entre as duas candidaturas, em pesquisas feitas por dois diferentes institutos em datas diversas e sob condições que induziriam a esperar alguma mudança no quadro eleitoral.

Na segunda-feira (20), um colunista do Estado de S. Paulo que não deixa dúvida quanto a seu alinhamento partidário costura um texto cauteloso para explicar os desvios das pesquisas: as causas seriam, talvez, erros no enunciado das perguntas, a ordem das questões, pesquisadores mal treinados, em período de aumento da demanda e escassez de tempo e de profissionais qualificados. Também sobra culpa para os eleitores, porque têm o péssimo hábito de mudar de opinião. Mas o mais interessante é que o articulista admite a possibilidade de que parte significativa dos questionários venha sendo preenchida pelos próprios pesquisadores.

A ser confirmada – ou melhor – a menos que seja desmentida liminarmente pelos institutos, essa acusação pode colocar por terra a credibilidade de todos os gráficos que a imprensa costuma despejar sobre a sociedade nos períodos eleitorais. Como se sabe, as pesquisas não apenas alimentam o noticiário – elas são instrumento fundamental para as táticas de campanha e podem influenciar parcelas importantes do eleitorado.

A suspeita de que os institutos não conferem nem 20% dos questionários, se foram mesmo submetidos a eleitores ou preenchidos pelos próprios pesquisadores, representa a desmoralização total.

Saudades do império
Em meio à falta de notícias, talvez o melhor da política esteja no outro lado da mídia, o lado do entretenimento. No capítulo 78 da novela Império, da TV Globo, que foi ao ar no sábado (18), a personagem Maria Marta Medeiros, vilã simpática vivida pela atriz Lília Cabral, critica o marido por oferecer champanhe a um casal de classe média: “Mas que desperdício; essa gente gosta de cervejinha, de cachacinha, no máximo, no máximo gosta de caipirinha de vodca, e na laje”, protesta a personagem. “É a classe operária invadindo o paraíso”, diz seu interlocutor. “São os novos tempos, Marta.” “Pois eu prefiro os velhos tempos; aliás, os velhíssimos tempos, os tempos da monarquia; o império”, responde a empresária.

A cena poderia ilustrar a reportagem de capa da revista Época. O contexto é a radicalização que tomou conta da campanha eleitoral: “A eleição do vale-tudo”, diz o título principal do semanário. No conjunto dos textos, destaque para relato sobre a exploração, por parte dos candidatos, de uma divisão que se consolida a cada eleição, marcando a sociedade brasileira como um bloco rachado em dois – de um lado, as classes médias tradicionais; do outro, as classes ascendentes.

A revista do Grupo Globo toma como ponto de partida um desentendimento em família provocado por divergências políticas, e tenta consolidar o argumento segundo o qual os debates políticos se transformaram em briga de rua. Nesse cenário, o problema seria agravado pelo “discurso empobrecido das redes sociais” e estimulado pelos recentes entreveros que baixaram o nível dos confrontos entre os candidatos à Presidência da República.

A revista omite a responsabilidade da imprensa na construção desse clima beligerante, com a publicação periódica de textos ofensivos ao governo federal e seus integrantes. Apenas cinco páginas antes da pretensa “lição de moral” sobre a falta de decoro nos debates políticos, a revista oferece aos leitores um exemplar do texto rastaquera de um de seus colunistas pitbulls.

A imprensa dissimula, mas também prefere os velhos tempos. A imprensa sonha com a volta do império.

domingo, 25 de maio de 2014

O rumor público é feito de quê?

A brincadeira da mídia com a opinião pública

Fonte: Jornal GGN

É inacreditável o nível de autossuficiência atingido pelos grupos de mídia, na fase mais crítica da sua história. 

Por Luis Nassif*

Meses e meses batendo nos gastos da Copa, ajudando a criar essa barafunda informacional, de misturar investimentos em estádios com gastos orçamentários, criticando os "elefantes brancos", anotando cada detalhe incompleto de obras que ainda não estavam prontas, ignorando o enorme investimento na imagem do país.

De repente, como num passe de mágica, fazem uma pausa e, em conjunto, passam a enxergar as virtudes da Copa - maior evento publicitário do ano para eles.

O Estadão solta enorme matéria sobre "a Copa das Copas", lembra o óbvio - vai ser o evento de maior visibilidade para o Brasil, em sua história. 14 mil jornalistas levando a imagem do país para todos os cantos, o maior público de televisão para um evento.

A Folha dá o óbvio incompleto: a informação de que os gastos com a Copa representam um naco dos gastos com educação. Não ousou explicar que são recursos diferentes, que financiamentos não podem ser confundidos com gastos orçamentários, que gastos com obras são permanentes. Mas vá lá!

O que é impressionante é supor que se pode brincar dessa maneira com a opinião de seus leitores, levá-las para onde quiser, ao sabor da manchete do momento, da estratégia de ocasião. Será que não há uma cabeça estratégica para explicar que essa desconsideração para com o leitor é veneno na veia da credibilidade?

Dia desses o Ministro Aldo Rabello ao que parece assimilou as críticas contra sua ausência dos debates da Copa e deu uma boa entrevista a TV Brasil, com números e argumentos sólidos.

A explicação para a anomia do governo com o tema foi chocante. O marqueteiro do Palácio desaconselhou qualquer campanha de esclarecimento porque, segundo ele, as pessoas não estavam associando Copa com governo e a campanha poderia estabelecer essa associação.

*Luis Nassif é jornalista econômico e editor do site www.advivo.com.br/luisnassif

***

A fumaça do noticiário

Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa 

Pesquisas de intenção de voto são um grande incentivo para a criatividade nas redações: com base em dados parciais, e muitas vezes sem considerar elementos conjunturais que influenciam as respostas dos consultados, os editores tascam suas versões com a mesma convicção de um apostador diante do guichê do Jóquei Clube.

Para quem duvida que há um viés homogêneo na mídia tradicional do país, basta comparar a interpretação apresentada nas edições de sexta-feira (23/5) pelos três principais jornais de circulação nacional à última pesquisa eleitoral do Ibope.

Os números indicam uma reversão na tendência apresentada nas duas consultas anteriores, que mostravam uma queda acentuada na preferência dada à reeleição da atual presidente da República.
No entanto, agora os jornais se prendem apenas aos indicadores mais recentes, esquecendo o que disseram na consulta anterior, feita entre os dias 10 e 14 de abril: se o leitor for reler as edições do dia 15 do mês passado, vai encontrar uma profusão de opiniões falando em “tendência de queda” da presidente.

Por que razão, quando a candidata reverte o quadro e volta aos índices de preferência registrados em março, quando tinha 40% das intenções de voto, o critério passa a ser outro?

São poucos os fatos capazes de mudar a convicção de um grande número de indivíduos ao mesmo tempo. Entre março e abril, segundo a imprensa, a queda nas chances de reeleição de Dilma Rousseff foi provocada pela inflação – a bem da verdade, de um bombardeio de más notícias, destacadas pelos jornais, sobre oscilações de preços de alguns produtos.

Se o catastrofismo da imprensa influenciou os eleitores no mês passado, o que teria feito com que a tendência fosse revertida, devolvendo à presidente os mesmos 40% de março?

Os analistas selecionados pelos jornais dizem que a mudança foi causada por um anúncio do partido situacionista, acenando com o risco de retrocesso caso a oposição ganhe a eleição presidencial. Isso equivale a considerar que basta uma boa equipe de marqueteiros e qualquer um pode mudar a opinião de uma enorme massa de eleitores? Claro que não: os jornalistas sabem que a opinião é influenciada por uma enorme complexidade de fatores, e que um filme de dez minutos na TV não seria capaz de reverter a tendência do eleitorado.

Uma paçoca e uma tubaína
O único texto que faz alguma justiça ao leitor mais crítico foi publicado pelo Globo, e tem como título a melhor interpretação que se pode fazer do atual momento político: “Um enigma eleitoral”. Ali se observa que Dilma Rousseff se mantém na liderança da disputa, e que nove em cada dez eleitores se dizem “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com a vida que levam, porém dois terços querem mudanças no próximo governo e 67% querem uma mudança sem Dilma.

Para completar a análise, seria interessante refletir sobre a origem desse desejo de mudança em um contexto de ampla satisfação. Ganha uma paçoca quem especular que a satisfação de “nove entre dez” brasileiros é produzida pela percepção racional de que sua vida melhorou nos últimos anos. Ganha uma tubaína quem acrescentar que o desejo de mudança nasce do aumento da consciência do cidadão sobre a permanência de problemas estruturais na política e nas instituições públicas. Ganha a paçoca e a tubaína quem somar as duas coisas e observar que a imprensa esconde a parte boa da realidade e exacerba a parte ruim.

Portanto, não é completamente correta nenhuma análise sobre pesquisas de intenção de voto que não levar em conta a influência do noticiário no estado de espírito dos eleitores. Ao bombardear a sociedade com um noticiário negativo e sem tréguas, a imprensa produz um pessimismo que se personifica na figura da chefe do Executivo. No entanto, a realidade acaba se impondo, e produz a contradição vista pelo articulista do Globo.

Como se vê, é um enigma de fácil solução.
A leitura do conjunto de jornais mostra que a imprensa não consegue admitir que, apesar de sua campanha catastrofista, a sociedade vai discernindo a realidade em meio à fumaça do noticiário. A leitura dos indicadores da pesquisa induz à conclusão de que o eleitor está menos suscetível à influência da mídia.

Pelos números do Ibope, todos os candidatos ganharam alguns pontos. Só a imprensa perdeu.