Pesquisa: faça você mesmo
Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa
Os dois candidatos à Presidência da República interrompem a temporada
de agressões e dão uma folga à imprensa. O problema é que o jornalismo
precisa de intensidade e, sem o bate-boca que marcou as duas últimas
semanas, o noticiário fica meio sem graça.
Viciada na dependência de factoides sob encomenda, a mídia tradicional descobre que já não tem a mesma criatividade de outros tempos. O resultado é esse tédio mortal no noticiário.
Curiosamente, um recurso fartamente utilizado para alimentar os debates nas semanas anteriores parece esquecido pelos editores: o rastreamento (que os marqueteiros chamam de tracking) das pesquisas de intenção de voto desapareceu da cobertura. A última informação de que se tem notícia dava conta de certo “empate técnico” entre as duas candidaturas, em pesquisas feitas por dois diferentes institutos em datas diversas e sob condições que induziriam a esperar alguma mudança no quadro eleitoral.
Na segunda-feira (20), um colunista do Estado de S. Paulo que não deixa dúvida quanto a seu alinhamento partidário costura um texto cauteloso para explicar os desvios das pesquisas: as causas seriam, talvez, erros no enunciado das perguntas, a ordem das questões, pesquisadores mal treinados, em período de aumento da demanda e escassez de tempo e de profissionais qualificados. Também sobra culpa para os eleitores, porque têm o péssimo hábito de mudar de opinião. Mas o mais interessante é que o articulista admite a possibilidade de que parte significativa dos questionários venha sendo preenchida pelos próprios pesquisadores.
A ser confirmada – ou melhor – a menos que seja desmentida liminarmente pelos institutos, essa acusação pode colocar por terra a credibilidade de todos os gráficos que a imprensa costuma despejar sobre a sociedade nos períodos eleitorais. Como se sabe, as pesquisas não apenas alimentam o noticiário – elas são instrumento fundamental para as táticas de campanha e podem influenciar parcelas importantes do eleitorado.
A suspeita de que os institutos não conferem nem 20% dos questionários, se foram mesmo submetidos a eleitores ou preenchidos pelos próprios pesquisadores, representa a desmoralização total.
Saudades do império
Em meio à falta de notícias, talvez o melhor da política esteja no outro lado da mídia, o lado do entretenimento. No capítulo 78 da novela Império, da TV Globo, que foi ao ar no sábado (18), a personagem Maria Marta Medeiros, vilã simpática vivida pela atriz Lília Cabral, critica o marido por oferecer champanhe a um casal de classe média: “Mas que desperdício; essa gente gosta de cervejinha, de cachacinha, no máximo, no máximo gosta de caipirinha de vodca, e na laje”, protesta a personagem. “É a classe operária invadindo o paraíso”, diz seu interlocutor. “São os novos tempos, Marta.” “Pois eu prefiro os velhos tempos; aliás, os velhíssimos tempos, os tempos da monarquia; o império”, responde a empresária.
A cena poderia ilustrar a reportagem de capa da revista Época. O contexto é a radicalização que tomou conta da campanha eleitoral: “A eleição do vale-tudo”, diz o título principal do semanário. No conjunto dos textos, destaque para relato sobre a exploração, por parte dos candidatos, de uma divisão que se consolida a cada eleição, marcando a sociedade brasileira como um bloco rachado em dois – de um lado, as classes médias tradicionais; do outro, as classes ascendentes.
A revista do Grupo Globo toma como ponto de partida um desentendimento em família provocado por divergências políticas, e tenta consolidar o argumento segundo o qual os debates políticos se transformaram em briga de rua. Nesse cenário, o problema seria agravado pelo “discurso empobrecido das redes sociais” e estimulado pelos recentes entreveros que baixaram o nível dos confrontos entre os candidatos à Presidência da República.
A revista omite a responsabilidade da imprensa na construção desse clima beligerante, com a publicação periódica de textos ofensivos ao governo federal e seus integrantes. Apenas cinco páginas antes da pretensa “lição de moral” sobre a falta de decoro nos debates políticos, a revista oferece aos leitores um exemplar do texto rastaquera de um de seus colunistas pitbulls.
A imprensa dissimula, mas também prefere os velhos tempos. A imprensa sonha com a volta do império.
Viciada na dependência de factoides sob encomenda, a mídia tradicional descobre que já não tem a mesma criatividade de outros tempos. O resultado é esse tédio mortal no noticiário.
Curiosamente, um recurso fartamente utilizado para alimentar os debates nas semanas anteriores parece esquecido pelos editores: o rastreamento (que os marqueteiros chamam de tracking) das pesquisas de intenção de voto desapareceu da cobertura. A última informação de que se tem notícia dava conta de certo “empate técnico” entre as duas candidaturas, em pesquisas feitas por dois diferentes institutos em datas diversas e sob condições que induziriam a esperar alguma mudança no quadro eleitoral.
Na segunda-feira (20), um colunista do Estado de S. Paulo que não deixa dúvida quanto a seu alinhamento partidário costura um texto cauteloso para explicar os desvios das pesquisas: as causas seriam, talvez, erros no enunciado das perguntas, a ordem das questões, pesquisadores mal treinados, em período de aumento da demanda e escassez de tempo e de profissionais qualificados. Também sobra culpa para os eleitores, porque têm o péssimo hábito de mudar de opinião. Mas o mais interessante é que o articulista admite a possibilidade de que parte significativa dos questionários venha sendo preenchida pelos próprios pesquisadores.
A ser confirmada – ou melhor – a menos que seja desmentida liminarmente pelos institutos, essa acusação pode colocar por terra a credibilidade de todos os gráficos que a imprensa costuma despejar sobre a sociedade nos períodos eleitorais. Como se sabe, as pesquisas não apenas alimentam o noticiário – elas são instrumento fundamental para as táticas de campanha e podem influenciar parcelas importantes do eleitorado.
A suspeita de que os institutos não conferem nem 20% dos questionários, se foram mesmo submetidos a eleitores ou preenchidos pelos próprios pesquisadores, representa a desmoralização total.
Saudades do império
Em meio à falta de notícias, talvez o melhor da política esteja no outro lado da mídia, o lado do entretenimento. No capítulo 78 da novela Império, da TV Globo, que foi ao ar no sábado (18), a personagem Maria Marta Medeiros, vilã simpática vivida pela atriz Lília Cabral, critica o marido por oferecer champanhe a um casal de classe média: “Mas que desperdício; essa gente gosta de cervejinha, de cachacinha, no máximo, no máximo gosta de caipirinha de vodca, e na laje”, protesta a personagem. “É a classe operária invadindo o paraíso”, diz seu interlocutor. “São os novos tempos, Marta.” “Pois eu prefiro os velhos tempos; aliás, os velhíssimos tempos, os tempos da monarquia; o império”, responde a empresária.
A cena poderia ilustrar a reportagem de capa da revista Época. O contexto é a radicalização que tomou conta da campanha eleitoral: “A eleição do vale-tudo”, diz o título principal do semanário. No conjunto dos textos, destaque para relato sobre a exploração, por parte dos candidatos, de uma divisão que se consolida a cada eleição, marcando a sociedade brasileira como um bloco rachado em dois – de um lado, as classes médias tradicionais; do outro, as classes ascendentes.
A revista do Grupo Globo toma como ponto de partida um desentendimento em família provocado por divergências políticas, e tenta consolidar o argumento segundo o qual os debates políticos se transformaram em briga de rua. Nesse cenário, o problema seria agravado pelo “discurso empobrecido das redes sociais” e estimulado pelos recentes entreveros que baixaram o nível dos confrontos entre os candidatos à Presidência da República.
A revista omite a responsabilidade da imprensa na construção desse clima beligerante, com a publicação periódica de textos ofensivos ao governo federal e seus integrantes. Apenas cinco páginas antes da pretensa “lição de moral” sobre a falta de decoro nos debates políticos, a revista oferece aos leitores um exemplar do texto rastaquera de um de seus colunistas pitbulls.
A imprensa dissimula, mas também prefere os velhos tempos. A imprensa sonha com a volta do império.
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