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domingo, 8 de março de 2015

Mídia, política, sociedade: como se organizam seus poderes?

05/03/2015 - Copyleft

A reforma política será inócua sem democratização da mídia

A velha mídia apenas inocula o ódio a qualquer forma de política. Sem democratizar a informação, a democracia brasileira não conseguirá se defender


Walquíria Leão Rego*
Boletim Carta Maior 
James Vaughan / Flickr

Créditos da foto: James Vaughan / Flickr
A prática democrática, por princípio, é criadora de instituições abertas à revisão constante de suas agências e instituições. Essa abertura a mudanças e aperfeiçoamentos é fundamental para defender a democracia de suas muitas fraquezas. Os democratas sabem que a verdade radical da democracia reside no poder constituinte do povo, ou seja, na ativação permanente da soberania popular.

Como ensinam os clássicos do pensamento político, o povo é soberano em virtude de seu poder de constituir, ou seja, do poder que dispõe para refundar instituições por ele mesmo criadas.  Foi assim na história da democracia desde os gregos. A forma democrática, portanto, pode abrigar seus recorrentes insatisfeitos, pois são eles os sujeitos de suas invenções e refundações institucionais. Essa é a substância definidora da vontade e da necessidade da democracia de rever constantemente a legitimidade de seus vínculos.

Tem sido essa a luta histórica da democracia. Aqueles que estiveram do lado da trincheira dos que combatiam para aprofundar a democracia venceram ou perderam. Os que perderam certamente pagaram caro por suas derrotas. Isso porque as instituições políticas passam a carregar a marca da luta social e o caráter dos vencedores. As instituições políticas são cicatrizes de ferimentos adquiridos no processo de disputa pela construção institucional, e essas marcas profundas sintetizam, de algum modo, a relação de forças da sociedade e da conjuntura refundacional vivida. Na Constituinte de 1988, por exemplo, muitas instituições projetadas para aprofundar a democracia foram vetadas pelas forças políticas dominantes no Congresso Constituinte, apesar da grande participação popular no espaço congressual.

A democracia, portanto, é uma construção permanente de consensos. E se é assim, não há por que deixar de incluir o tema da reforma política na agenda pública do país. Trata-se, afinal, de um debate sobre a repactuação da democracia, distorcida por um sistema político-eleitoral vulnerável a um poder econômico-financeiro que possui enorme força para intervir tanto na política parlamentar, como nos rumos das políticas públicas. O sistema eleitoral carece de limites e contrapesos  ao poder do dinheiro. Mas, ao par disso, não se criará nenhuma ética pública sem a construção de controles democráticos ao sistema de poder que organiza e controla corações e mentes.

A reforma política, portanto, não pode ficar adstrita ao sistema eleitoral e partidário. Construir uma democracia menos vulnerável à excessiva influência do poder econômico significa também democratizar o sistema comunicacional do país. A regulamentação da mídia é uma urgência.

A mídia, como força social, tem imposto enorme poder de veto a todos os impulsos mais profundos da soberania popular. Demonstrativo disso são suas intervenções sistemáticas para limitar o alcance das políticas sociais distributivas que constituem o coração de qualquer democracia digna deste nome. A enorme desigualdade social do país não se origina do roubo do fogo sagrado dos deuses, mas encontra seu vício de origem na imensa força dos poderes associados do dinheiro e da esfera da comunicação pública, que organizaram as referências simbólicas fundamentais do país ao longo de nossa história recente. Faz parte também dessa configuração de poder impor ao país, sem peias, a política da política econômica, e definir e modelar a construção simbólica da nação.

O poder que se situa acima da expressão do voto, e não raro se impõe ao desejo popular expresso nas urnas, é exercido pelo controle que essas forças dispõem sobre os principais meios de comunicação. Essa configuração de forças, em nossa história, sempre agiu associada e conforme um complexo sistema de poder dotado de grande força persuasiva, e de cooptação e manipulação da chamada opinião pública.

A história brasileira do século passado e deste início de século confirma nosso destino e tragédia. Ainda estão vivos na memória dos combatentes pela democracia os eventos trágicos de 1954 e 1964, eventos que a mídia da época protagonizou como um dos mais ativos atores não democráticos presentes naquele palco. Fabricou à vontade seus mitos políticos antipopulares. Fazia de tudo, menos dizer a verdade ao seu público. Praticou sem constrangimentos, como faz agora, o trabalho de criação do clima político – algo que o grande jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni chamou de criação de pânico moral.

Por tudo isto, torna-se imperativa a convocação dos titulares da soberania popular para reformar o sistema político eleitoral, trabalho que será incompleto se não for acompanhado de um grande debate sobre a democratização urgente dos meios de comunicação. A reforma política não se fará sem a luta simultânea pela democratização da mídia, pela razão óbvia de que será no âmbito da comunicação que se dará a desqualificação de todo e qualquer projeto reformista de origem popular.

A teoria política contemporânea tem se preocupado muito e se debruçado em pesquisas e análises sobre o fenômeno que denomina de “Privatização e concentração de poder na esfera da formação da opinião política.” (Urbinati Nadia, Democracy Desfigured- Harvard University Press. 2014) As consequências disto são muito graves para a democracia e para a República, que exigem pluralidade de vozes e de meios informativos.

A monopolização da voz pública por grandes empresas privadas de comunicação produz a desqualificação da política, pois despolitiza as questões públicas e agride a democracia. Isto, de per se, constitui um fato grave e danoso de verdadeira expropriação da voz soberana do povo.

De modo geral, os meios informativos têm sido fonte de disseminação de sentimentos negativos em relação à política e às regras mais básicas do convívio democrático, pois em sua arena é muito raro ou minoritário o comparecimento do contraditório. Por meio da sub-informação e da desinformação vestida de informação, a mídia constrói uma “realidade” em que a opinião da empresa aparece na forma de “notícias” que, reiteradas e persistentes, convergem para o mundo sombrio dos preconceitos.

Uma “realidade” construída é o que se propaga por meio de imagens de televisão e de escritos “jornalísticos,” que acabam por sintetizar, em seus estereótipos, os piores preconceitos discriminantes da sociedade.  A mídia brasileira, tal como está organizada, ou seja, em um cartel, nada tem a ver com mídia democrática, pois sua prática diária se enreda na veiculação sistemática dos interesses e valores de certo grupo social e político. Sua gramática comparece eivada de preconceitos desqualificadores da política. Basta lê-la com atenção.

Quando fala da política, a mídia não utiliza a linguagem da política, apenas reitera a língua do moralismo mais chulo. Não propõe debate público algum, apenas seleciona fatos e personagens que reforçam os preconceitos e prenoções dominantes sem ouvir devidamente o contraditório, inoculando metodicamente nos sentimentos públicos a desvalorização da política e de alguns de seus atores.

Tal parcialidade vai erodindo a legitimidade dos vínculos democráticos, sobretudo os ligados a partidos políticos, em especial na gestão da representação politica. Assim atuando, fazem da esfera pública um espaço de comparecimento privado, um clube que, na grande maioria das vezes, apresenta sempre a mesma narrativa dos fatos políticos. A disputa por acesso aos espaços narrativos tem sido feita por meio de uma pequena guerra de guerrilhas, cuja eficácia ainda é questionável.

O grande romancista alemão Thomas Mann dizia que a atitude política e intelectual de um democrata deve ser a de acreditar na política, pois isso significa acreditar na democracia. Para ele, a democracia é inevitavelmente política porque torna todas as questões um objeto de avaliação pública e todos os valores em temas de consentimento e de opinião.  Desta feita, o fenômeno da monopolização dos meios de comunicação que forja uma realidade de mão única tem um impacto muito grande sobre a distribuição de “oportunidade de voz” aos cidadãos. A assimetria no uso deste direito básico expropria, ainda e mais uma vez, sua influência na política.

O caso da mídia brasileira é escancarado. Basta ver o que fizeram a revista Veja e a Rede Globo na véspera da última eleição presidencial. Uma televisão, a Globo, que é uma concessão pública, claramente tomou partido de uma candidatura e veiculou versão completamente arbitrária de um suposto depoimento de um réu da operação Lava Jato, nitidamente para prejudicar  a candidatura da presidenta Dilma Rousseff que, nas últimas 48 horas que precederam as eleições, não podia mais legalmente responder à acusação feita.  A grosseira intervenção foi feita com total desprezo pelos procedimentos elementares de cautelas legais, como apresentação de provas, exigidas num Estado de direito democrático.

Cabe refazer a pergunta que Hannah Arendt diz ser a que toca no coração do problema: antes de analisar os efeitos de um fato, deve-se indagar como ele pode ocorrer. Na tentativa de compreender isso, talvez se chegue mais perto dos processos políticos e sociais que o gestaram. O poder sem controle democrático, próprio das situações despóticas, torna-se absoluto na medida em que modela sentimentos, mentes, opiniões e vontades dos cidadãos. Plasmar subjetividades que incidem na formação da capacidade de julgamento moral e político dos cidadãos  constitui uma potência política maior que qualquer outra agência. Talvez se iguale ao poder de uma religião.

A questão central da atual conjuntura recupera uma questão clássica da política:  quem tem o poder de chamar os cidadãos para a urgente tarefa de lutar e escrever a reforma democrática de nosso processo eleitoral e simultaneamente lutar pela democratização da comunicação pública? Penso que tal tarefa se impõe imperativamente aos partidos políticos comprometidos com a soberania popular. Se isto não for feito, a reforma política, sem debate público cuidadoso e amplo, virá como pacote político proveniente de um grupo parlamentar carente de compromisso democrático.

A reforma deve começar pela democratização do processo eleitoral, atualmente em grande parte capturado pelo poder econômico, uma realidade expressa na forma de custos cada vez maiores das campanhas eleitorais. Os efeitos disto sobre a representação política são deletérios. Por fim, a questão posta por Thomas Piketty: a dinâmica do capitalismo contemporâneo forjou novos tipos de instrumentos de pressão e poder políticos. Pode-se perguntar, como o autor faz, até quando a democracia poderá controlar o capitalismo nas suas dimensões mais destrutivas, mais antissociais, como inscrita na lógica do capitalismo financeiro.




segunda-feira, 1 de abril de 2013

49 anos depois do golpe



Mídia

O Millenium e as lembranças

O Millenium e as lembranças Organização que une empresários, imprensa e oposição ao governo lembra cenário do golpe de 1964. Seu poder de propagar intrigas e más notícias, porém, não tem sido capaz de superar a solidez e os resultados do projeto político em vigor

Por: Lalo Leal 


Publicado em 18/03/2013

Kamel, da Globo, e Serra durante debate eleitoral: mídia conservadora perdeu no campo democrático (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress) 

 
O economista Cristiano Costa foi recebido em fevereiro pelo pessoal do grupo A Tarde, em Salvador. A companhia de comunicação, que tem provedor e portal na internet, agência de notícias, jornal impresso, emissora de FM, gráfica, reuniu seus profissionais para servirem-se de uma palestra da série Millenium nas Redações. Blogueiro e professor de uma universidade capixaba chamada Fucape Business School, Costa é também colaborador cativo do Instituto Millenium, articulador desses eventos destinados a “aprimorar a qualidade da imprensa no Brasil”.

A base de sua explanação são seus artigos reproduzidos no site do instituto, em que critica duramente a política econômica do governo e ataca sem rodeios o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em um deles, cita o programa Minha Casa, Minha Vida como um dos responsáveis por inflacionar o setor imobiliário. Isso num ambiente em que até os preços de imóveis de alto padrão dispararam. As pessoas estão mais seguras no emprego e foram comprar, a queda dos juros levou mais gente a ter acesso a crédito, ou mais gente a tirar dinheiro de aplicações financeiras para investir em imóveis. Há muitos fatores em jogo, mas lá vai o programa federal destinado a famílias de baixa renda pagar o pato da especulação.

Outras redações de jornais e revistas foram brindadas pelo Millenium com palestras sobre assuntos variados, da reforma do Judiciário à assustadora “crise econômica”. O currículo dos palestrantes, colaboradores do instituto, explica o objetivo real das palestras: consolidar no meio jornalístico o papel oposicionista da mídia brasileira.

Há algum tempo os ambientes de redação eram conhecidos por ter profissionais críticos, independentes, e o direcionamento da informação era resultado da sintonia dos editores com os donos dos veículos. Não era incomum a conclusão do jornal ou da revista acabar em atrito entre repórter e superiores. Agora, os donos dos veículos preferem formar “focas” que já cheguem às redações comprometidos com suas crenças.

Essas crenças, recheadas de interesses políticos e econômicos, vêm sendo difundidas de maneira afinada pelos meios de comunicação reunidos no Millenium. Resultado concreto desse trabalho pôde ser visto neste início de ano. Três assuntos, alardeados como ameaças ao país, ocuparam as manchetes dos grandes jornais e foram amplificados pelo rádio e pela TV: apagão, inflação e crise na Petrobras.

Além do noticiário parcial, analistas emitiam previsões catastróficas. Como elas não se confirmavam, o assunto era esquecido e logo substituído por outro. No dia 8 de janeiro, o jornal O Estado de S. Paulo estampou na capa: “Governo já vê risco de racionamento de energia”. Um dia antes a colunista da Folha de S.Paulo Eliane Cantanhêde chamava uma reunião ordinária, agendada desde dezembro, de “reunião de emergência” do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico convocada às pressas por Dilma para tratar do risco de racionamento. Diante da constatação de que a reunião nada tinha de extraordinária, a Folha publicou uma acanhada correção. Como de costume, o tema foi sendo lentamente deixado de lado. O risco do “racionamento” desapareceu.

Pularam para o “descontrole” da política econômica e a ameaça de um novo surto inflacionário. “Especialistas” tentavam, a partir dos índices de janeiro, projetar uma inflação futura capaz de desestabilizar a economia. Aproveitavam para crucificar o ministro Mantega, artífice de uma política que contraria interesses dos rentistas nacionais e internacionais: a redução dos juros bancários está na raiz da gritaria.

Não satisfeitos, colocaram a Petrobras na roda, responsabilizando a “incapacidade administrativa” dos dirigentes da empresa pela redução dos dividendos pagos aos acionistas. Sem considerar que, dentro da estratégia atual de ação da Petrobras, os recursos de parte dos dividendos retidos passaram a contribuir para o desenvolvimento do país na forma de novos investimentos.

Variações de uma nota só

Aparentemente isoladas, essas versões jornalísticas são, na verdade, articuladas a partir de ideias comuns que permeiam as pautas dos principais veículos. No site do Instituto Millenium elas estão organizadas e publicadas de maneira clara. O Millenium diz ter como valores “liberdade individual, propriedade privada, meritocracia, Estado de direito, economia de mercado, democracia representativa, responsabilidade individual, eficiência e transparência”. Faz lembrar a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que chegou a dizer que só o indivíduo existe, a sociedade é ficção.

Fundado em 2005, o Millenium foi oficialmente lançado em abril de 2006 com o apoio de grandes empresas e entidades patronais lideradas pela Editora Abril e pelo grupo Gerdau. Trata-se de uma liderança significativa, pois reúne uma empresa propagadora de ideias e valores e outra produtora de aços, base de grande parte da economia material do país. A elas juntam-se a locadora de veículos Localiza, a petroleira norueguesa Statoil, a companhia de papel Suzano, o Grupo Estado e a RBS, conglomerado de mídia que opera no sul do Brasil. A Rede Globo, como pessoa jurídica, não aparece na lista, mas um dos seus donos, João Roberto Marinho, colabora.

Essa integração entre empresas de mídia e empresários faz do Millenium uma organização capaz de formular e difundir programas de ação política em larga escala, com maior capacidade de convencimento do que muitos partidos políticos. Com a oposição partidária ao governo enfraquecida, ocupa esse espaço com desenvoltura.

Apesar do apego declarado à democracia, alguns dos colaboradores não escondem o desejo de combater o governo de qualquer forma. É o que está explícito na fala de outro de seus colaboradores, o articulista Arnaldo Jabor, quando num dos eventos promovidos pelo instituto disse: “A questão é: como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo?”

Essa articulação faz lembrar a de organismos privados como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), fundado em 1959, e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), nascido em 1961. Ambos uniram empresários e mídia conservadora na formulação e divulgação de ideias que impulsionaram o golpe de 1964.

“Ipes e Ibad não eram apenas instituições que organizaram uma grande conspiração para depor um governo legítimo. Elaboraram um projeto de classe. O golpe foi seguido por uma série de reformas no Estado para favorecer o grande capital”, lembra o pesquisador Damian Bezerra de Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

No cenário atual, de decadência do modelo neoliberal e de consolidação de políticas desenvolvimentistas no Brasil, o Millenium seria um instrumento ideológico para dar combate a esse processo transformador. “Nos anos 1990 ocorreu a disseminação da ideologia do pensamento único, de que o capitalismo triunfou, o socialismo deixou de existir como projeto político”, lembra a historiadora Carla Luciana da Silva, da Universidade do Oeste do Paraná. “Quando surgem experiências concretas que podem desafiar essas ideias, aparece em sua defesa uma organização como o Millenium para manter vivo o ideal do pensamento único.”
castelo branco A difusão dessas ideias não é feita por meio de manifestos ou programas partidários, como observa a pesquisadora. “É muito difícil pegar uma revista como a Veja ou um jornal como a Folha de S.Paulo e conseguir visualizar os sujeitos que estão produzindo as ideias defendidas ali. Cria- se uma imagem do tipo ‘a’ Folha, ‘a’ Veja, como se fossem sujeitos com vida própria. É uma forma de não deixar claro em nome de que projeto falam, como se falassem em nome de todos.”
 
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Memórias de um golpista: Lincoln Gordon com o general Castelo branco: a Cia patrocinou a ação de 1964

 

 Contra as versões, fatos

Conhecendo as ações do instituto e seus personagens fica mais fácil compreender como certos assuntos tornam-se destaque de uma hora para outra. A presença nos quadros do instituto de jornalistas e “especialistas” com acesso fácil aos grandes meios de comunicação leva suas “notícias” rapidamente ao centro do debate nacional. E fica difícil contra-argumentar com colaboradores do Millenium, não pela qualidade de seus argumentos, mas pela força de persuasão dos veículos pelos quais difundem suas ideias.

Como retrucar, com igual alcance, comentários de Carlos Alberto Sardenberg, na CBN, de Ricardo Amorim, na IstoÉ, na rádio Eldorado e no programa Manhattan Connection, da GloboNews, de José Nêumanne Pinto, no Estadão e no Jornal do SBT, de Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo, entre tantos outros?

Não é mera coincidência a preferência dos integrantes do Millenium pela subordinação do Brasil aos grandes centros financeiros internacionais e sua ojeriza diante das relações harmônicas entre governos latino-americanos. Trata-se de uma tentativa de ressuscitar um projeto político implementado durante a ditadura que só passou a ser confrontado, ainda que parcialmente, a partir de 2003, com a posse do governo Lula.

Mas parece não haver espaço para uma hipótese golpista, apesar do já citado dilema de Jabor. Para a professora Tânia Almeida, da Unisinos de São Leopoldo (RS) e diretora de relações públicas da Secretaria de Comunicação do Rio Grande do Sul, um dos ganhos da crise política de 2005, com a questão do chamado “mensalão”, foi ter forçado análises e estudos em busca de explicações de como o então presidente Lula conseguiu suportar tanta notícia negativa e manter elevados índices de aprovação.

“Não era só carisma. Desde 2003, havia uma gestão de governo em funcionamento. Não existia somente aquilo de que os jornais e revistas tratavam, não era só escândalo. Outra proposta política estava acontecendo”, observa Tânia. Para a professora, os avanços sociais alcançados não permitem crer em crise que leve a uma ruptura institucional. “O Millenium é um agente articulador, social, político, que pode fomentar e aquecer debates, mas não teria potencial para causar uma crise nos moldes de 1964. O poder de influência da mídia ficou relativizado desde 2006 em função dessa política que chega lá na ponta e inclui quem estava fora.” Damian Melo, da UFF, tem visão semelhante, mas com um pé atrás: “O Millenium não possui hoje estratégia golpista. Quer emplacar seu projeto, e isso pode ser pela via eleitoral mesmo. Muito embora nossa experiência nos diga que é melhor ficarmos atentos”.


Colaborou Rodrigo Gomes

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O Ibad como modelo
Por Mauro Santayana


O Ibad foi a mais descarada forma de intervenção norte-americana no processo político brasileiro, mas não a primeira. No governo Dutra (1946-1951), o grande desembarque econômico norte-americano no Brasil, os ianques agiam com desenvoltura na vida brasileira. Nessa fase, denominada pelo historiador Gerald K. Haines como “americanização do Brasil”, editoriais dos grandes matutinos cariocas chegaram a ser redigidos na Embaixada dos Estados Unidos.

O Ibad nasceu da esperteza de um negocista, Ivan Hasslocher. Ele criou a agência de publicidade Incrementadora de Vendas Promotion para servir como operadora do sistema e levantou milhões de dólares da CIA e de empresas norte-americanas, a fim de eleger parlamentares de direita – já no fim do governo Juscelino, em 1959. Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, passou a atuar descaradamente.

Clandestinamente, o instituto financiou, com a cumplicidade do deputado de extrema direita João Mendes, a formação de sua própria bancada de parlamentares comprometidos com sua orientação ideológica. O embaixador norte-americano no Brasil naquele período, Lincoln Gordon, confessou, depois, que a CIA fora a principal fonte pagadora de Hasslocher.

Uma CPI foi instalada em 1963 para investigar o instituto, mas não pôde ir adiante. Seus membros mais ativos – Eloy Dutra, José Aparecido de Oliveira, João Dória, Benedito Cerqueira, Bocaiúva Cunha – foram cassados em 1964. Outro membro ativo, Rubens Paiva, seria assassinado pelo DOI-Codi em 1971.

Jango foi corajoso ao suspender as atividades do Ibad duas vezes, por 90 dias, até que a Justiça mandou fechar a instituição. Mas já era tarde. Hasslocher e seus assalariados continuaram a atuar clandestinamente, em associação com o Ipes. O Ibad tinha também em sua folha de pagamentos a jornalistas, sem falar na adesão “gratuita” dos donos dos grandes jornais – com exceção do Última Hora.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Memórias implicadas no discurso da Justiça - quem julga, com que instrumentos, de que lugar?


O bacharelismo e os ecos do Brasil Colônia no Judiciário

A naturalidade com a qual os magistrados de São Paulo recebem “presentes” de empresas privadas e com que um ministro do STF fala do lobby que executou para “conquistar” esse cargo são exemplos de um problema que nasce com a própria formação do Estado brasileiro. Uma das faces desse problema é a baixa qualidade intelectual e cultural que atravessa uma parte importante do Judiciário. Na cultura do bacharelismo, ainda presente, os futuros magistrados são ensinados que não são servidores públicos, mas sim “membros do poder”.

A Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) distribuiu, dia 1º de dezembro, presentes oferecidos por empresas públicas e privadas para juízes estaduais, numa festa para mais de mil pessoas promovida no Clube Atlético Monte Líbano, em São Paulo. A revelação foi feita em uma matéria da Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (10).

Segundo a reportagem assinada por Frederico Vasconcelos, entre os brindes e presentes oferecidos aos juízes havia “automóveis, cruzeiros, viagens internacionais e hospedagens em resorts, com direito a acompanhante”. Entre as empresas públicas e privadas que participaram do evento estão a Volkswagen (houve um sorteio de um Fox zero quilômetro), a Caixa Econômica Federal (R$ 10 mil para divulgação e infraestrutura do evento), operadora de Planos de Saúde Qualicorp.

Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2010, ainda segundo a reportagem da Folha de São Paulo, a festa dos magistrados contou com o patrocínio do Banco do Brasil, da cervejaria Itaipava, da seguradora MDS, da Agaxtur (o ministro Sidnei Benetti, do Superior Tribunal de Justiça, ganhou um cruzeiro de cinco dias para duas pessoas no navio Grand Mistral, oferecido por essa empresa) e da TAM (que doou duas passagens de ida e volta para Paris).

Questionados pela reportagem do jornal, o presidente da Apamagis, desembargador Roque Mesquita, e o ministro Sidnei Benetti, do STJ, não quiseram se pronunciar sobre o evento e os presentes recebidos pelos juízes. Já o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, anunciou que levará o assunto ao plenário do CNJ, nesta semana. Falcão disse à Folha que tentará desengavetar proposta de sua antecessora, Eliana Calmon, para “regulamentar patrocínios privados em eventos de juízes”. “Saímos inteiramente dos padrões aceitáveis. Recompensa material de empresas não está de acordo com a atuação do magistrado, um agente político”, criticou Eliana Calmon. Na mesma linha, Cláudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil, questionou: “Como se pode confiar as decisões de juízes que recebem presentes?”.

O “sonho” de Luiz Fux

No dia 2 de dezembro deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Fux, revelou, em entrevista à jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o lobby que executou para garantir o “sonho” de uma vaga no STF, no último ano do governo Lula. “Fux grudou em Delfim Netto. Pediu carta de apoio a João Pedro Stedile, do MST. Contou com a ajuda de Antônio Palocci. Pediu uma força ao governador do Rio, Sergio Cabral. Buscou empresários. E se reuniu com José Dirceu, o mais célebre réu do mensalão. Eu fui a várias pessoas de SP, à Fiesp. Numa dessas idas, alguém me levou ao Zé Dirceu porque ele era influente no governo Lula" – relata a surpreendente entrevista. Fux diz a Monica Bergamo que não lembra quem foi o “alguém” que o apresentou a José Dirceu.

O hoje ministro disse ainda à jornalista que, na época, “não achou incompatível levar currículo ao réu de um processo que ele poderia julgar no futuro”. E garantiu que nem lembrou da condição de “mensaleiro” de José Dirceu quando foi pedir o apoio do mesmo para ser indicado ao STF.

O bacharelismo e os ecos do Brasil Colônia

A naturalidade com a qual os magistrados de São Paulo recebem “presentes” de empresas privadas e com que um ministro do STF fala do lobby que executou para “conquistar” esse cargo são exemplos de um problema que nasce com a própria formação do Estado brasileiro. Uma das faces desse problema é a baixa qualidade intelectual e cultural que atravessa uma parte importante do judiciário brasileiro. No Brasil, a criação dos cursos jurídicos foi uma imposição que parece nunca ter sido superada, naquilo que tem de mais provinciano, autoritário e medíocre. Os cursos de direito de Olinda e de São Paulo tiveram de ser criados para que o país que acabara de decretar a independência tivesse a sua própria elite burocrática a administrar e operar o sistema jurídico do país que acabara de nascer como estado formalmente soberano.

Não havia escolas públicas ou mesmo boas escolas no Brasil, no século XIX, quando os primeiros alunos, oriundos das classes altas, passaram a frequentar as faculdades de direito de Olinda ou de São Paulo, e não mais as classes da Universidade de Coimbra. Esses jovens, alfabetizados ou formados sabe-se lá como foram os primeiros juízes, advogados e burocratas que conformaram o Brasil independente, dos impérios à proclamação da república. A história não justifica, mas ajuda a entender como mecanismos arcaicos de apropriação do Estado fincaram raízes e se espalharam pelas instituições públicas.

O bacharelismo que ainda se vê judiciário brasileiro parece ecoar o mesmo bacharelismo lá dos anos vinte do século XIX. Sob vários aspectos, tem-se uma repetição: jovens ou nem tão jovens, muitas vezes subletrados, pouco formados, preenchem provas de múltipla escolha e de pouca exigência intelectual e cultural e, da noite para o dia, passam a ganhar altos salários (no mínimo, em início de carreira, o dobro, em valores líquidos, do que o que um doutor, isto é, alguém com doutorado, recebe, já com a carreira em andamento). São ensinados, no mais das vezes, que não são servidores públicos, mas “membros do poder”. Essas aberrações têm história e um tenebroso presente.

É claro que há juízes alfabetizados, talvez existam até juízes leitores de Dostoiévski e Machado de Assis. Mas as exibições ao vivo das sessões do STF mostraram comportamentos que só podem ser inteligíveis em função do salário que ganham e do tipo de formação de muitos de nossos magistrados. Somente salários mais altos do que as qualificações intelectuais autorizam permitem demonstrações constrangedoras de arrogância e tacanhice.

O magistrado brasileiro não representa, ele julga

À diferença do Executivo e do Legislativo, o Judiciário tem suas próprias contrapartidas de deveres, e não apenas prerrogativas. Não há, por exemplo, eleição para juiz. Isso é um fator que em tese favorece o institucionalismo republicano. Não é necessário que seja assim, mas no Brasil e em outros países de tradição romano-germânica, no seu sistema do direito, é assim. Pois bem, como servidores públicos, os juízes não podem ser qualquer um que, uma vez eleito, tem na sua investidura no cargo a prerrogativa de representante. O magistrado brasileiro não representa, ele julga. O cargo é vitalício e até mesmo casos em que juízes são acusados de pedofilia ou de tentativa de homicídio têm como desfecho a aposentadoria integral, por invalidez, desses senhores.

O problema não é a estabilidade funcional do juiz, não é o alto salário, não é a exibição pela televisão, ao vivo, de sessões de tribunais superiores. O problema é o baixo nível intelectual acompanhado de um alto poder econômico, com prerrogativas de estabilidade imunes às urnas e ao debate público e político sobre os rumos financeiros, jurídicos e sociais do país, do estado e da sociedade. O problema é que, quando juízes ferem a lei, direta ou indiretamente, eles têm de ser questionados e julgados como qualquer cidadão. E não é isso o que acontece.

O ministro Luis Fux, por exemplo, não foi submetido a nenhum tipo de investigação em função das declarações que fez a Monica Bergamo. E nenhum dos magistrados de São Paulo parece se sentir na obrigação de prestar contas à sociedade a respeito das contrapartidas que as empresas beneficentes de seus encontros de fim de ano exigem.

O bacharelismo no Brasil e suas profissões

O bacharelismo no Brasil sobrevive em duas profissões, a do juiz e a do médico. Advogado não precisa falar, porque só gente muito desqualificada atende ou chama doutor alguém sem doutorado e o meio da advocacia progressivamente incorpora essas considerações elementares no trato entre os pares. Mas juízes e médicos seguem dispondo de prerrogativas que dão a ver um estado de coisas do Brasil colônia. Os médicos, ao contrário dos juízes, não constituem um dos poderes da República. E os juízes, sim, são parte do Poder Judiciário (e nem por isso menos servidores públicos), mesmo quando desconhecem e alegremente arrotam sobre qualquer republicanismo elementar, quando já chegaram ao STF.

Juiz pode, sim, escutar seriamente uma dupla sertaneja e encher os olhos de lágrimas, sonhando com aquela noite romântica em Orlando, naquele restaurante com neon azul e palmeiras de plástico. Mas não pode aceitar carro, nem passagem aérea, nem apartamento de amigo advogado emprestado, em Nova York. É uma situação bastante pior que aquela do psicanalista que vive escrevendo em jornal e frequentando vernissage de seus pacientes neuróticos ou psicóticos. Porque, ao contrário dos psicanalistas que eventualmente, como cidadãos, ultrapassem a esfera da tal da transferência, o juiz é um servidor público, no caso brasileiro, de um Estado republicano. Não é mais um bacharel tapa buraco de uma ex-colônia. Pelo menos não com esses salários. Não com esses salários bacharelescos.

sábado, 14 de abril de 2012

Mídia e consenso fabricado - ontem como hoje?


Eis aí um bom mote de reflexão pra quem tem acompanhado o modo como a (ainda...) chamada grande mídia brasileira vem noticiando - suavizando? - os feitos de Demóstenes, Cachoeira e trupe, repetindo à exaustão que é "só mais um escândalo entre tantos", que "político é mesmo tudo igual, não tem jeito" e que "portanto, a culpa é de Lula e de tudo que tem a ver com ele".

Olhado assim, esse raciocínio parece meio falho, mas ele cola - ou tem colado - e produz um certo rumor público avesso à política e à própria investigação dos poíticos. Quem ganha com isso?

 

Estudo analisa articulação de empresários pró-golpe de 64

Dissertação de Mestrado defendida na PUC-RS por Thiago Aguiar de Moraes analisa a articulação de empresários gaúchos em torno do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Rio Grande do Sul (IPES) e da revista "Democracia e Emprêsa" e a tentativa de construir um “consenso intra-classe”, iniciativa que contribuirá para a eclosão do golpe de 1964 no Estado. O IPESUL era uma das seções regionais dos Institutos de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS) centrais, localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, que desencadearam uma campanha de desestabilização do governo de João Goulart a partir de 1961 e contribuíram para a sua deposição.



Porto Alegre - “Entreguemos a emprêsa ao povo antes que o comunista a entregue ao Estado”: os discursos da fração “vanguardista” da classe empresarial gaúcha na revista “Democracia e Emprêsa” do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Rio Grande do Sul (1962-1971). Esse é o tema da dissertação de mestrado em História defendida recentemente por Thiago Aguiar de Moraes na PUC-RS, sob orientação do professor Helder Volmar Gordim da Silveira.

A dissertação analisa a articulação de empresários gaúchos e a tentativa de construir um “consenso intra-classe”, iniciativa que contribuirá para a eclosão do golpe de 1964 no Rio Grande do Sul. Conforme Thiago de Moraes assinala na introdução, o IPESUL era uma das seções regionais dos Institutos de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS) centrais, localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Os diversos IPÊS, formados por civis e militares, desencadearam uma campanha de desestabilização do governo de João Goulart a partir de 1961 e contribuíram para a sua deposição. Em 1964, muitos ipesianos ocuparam cargos de alto escalão no aparato estatal”. A dissertação também registra a relação entre esse grupo de empresários e a Igreja Católica no Estado.

O IPESUL foi criado em março de 1962 com o objetivo de “difundir a ideia da humanização do trabalho, harmonia entre empregador e empregado e democratização do capital da empresa para os trabalhadores”. O instituto começou a publicar, em 1962, uma revista mensal chamada Democracia e Empresa que circulou até 1971 (em 1970 mudou seu nome para “Desenvolvimento e Empresa”). Neste período foram publicadas 43 edições com um total de 571 artigos. A publicação tinha como objetivo “difundir uma nova mentalidade empresarial para que fosse possível defender a democracia contra o comunismo”. Isso era feito também por meio da produção e distribuição de críticas ao governo de João Goulart e seus apoiadores.

A dissertação mostra como “o IPESUL participou ativamente da conspiração golpista pela deposição de João Goulart e continuou atuando durante a ditadura civil-militar”.

A criação do IPESUL e seus fundadores
Apresentamos a seguir um resumo da investigação histórica de Thiago de Moraes, na parte relativa à criação do instituto e aos seus principais fundadores.

O IPESUL foi criado no dia 23 de março de 1962, no Salão de Reuniões da Associação Comercial de Porto Alegre, localizada no 6º andar do Palácio do Comércio, em uma assembleia presidida por Antonio Jacob Renner. A entidade foi fundada com um Conselho Orientador, formado pelos sócios fundadores, e tinha 29 pessoas, em grande parte empresários importantes na economia do Rio Grande do Sul. Havia representantes de cada uma das principais forças econômicas do estado naquele momento. Alguns dos principais eram:

Álvaro Coelho Borges: era presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul) e da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA). Fez parte de empresas como a Moinhos Rio-grandenses S.A., a Bunge & Born, a Fundição Minuano S. A., a José Berta S. A. Export. e Import., e a Comercial Técnica Export. e Import. Foi uma das principais lideranças do instituto.

Antônio Saint-Pastous de Freitas: Médico e pecuarista, foi membro da Academia Nacional de Medicina e reitor da Universidade do Rio Grande do Sul, futura Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1943-44. Foi presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) de 1961-1963.

Carlos Osório Lopes: foi pioneiro da área de radiologia no Brasil, fundador do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) em 1948 118 e criador do consultório de radiologia CROL, em Porto Alegre.

Paulo Barbosa Lessa: Foi diretor e professor da Faculdade de Direito da PUCRS a partir de 1964 e livre docente da Faculdade de Direito da UFRGS. Além disso, tornou-se desembargador do Tribunal de Justiça em 1966. Suas relações com os meios de comunicação de massa provavelmente auxiliaram o IPESUL a cumprir seus objetivos.

Fábio Araújo Santos: presidente da J. H. Santos S/A Comércio e Indústria, empresa de seu pai onde já trabalhava. Foi presidente da Federasul e da ACPA de 1963 a 1970. Santos foi apoiador de primeira hora da ditadura civil-militar, e teria explicado tal apoio dizendo que “Não estávamos à beira do caos. Já tínhamos entrado nele”.

Donald Charles Bird: nasceu em 1913 nos Estados Unidos e formou-se em Direito. Foi diretor vice-presidente da Joaquim Oliveira S. A. e atuou no Conselho Administrativo da Granja Quatro Irmãos, Ferragem Americana S. A. e Imobiliária Real. Também foi Delegado da Associação Brasileira de Supermercados e Diretor da ACPA. Bird teria vindo para a América Latina para realizar contra-espionagem contra alemães nazistas no Sul na Segunda Guerra, assim como muitos outros agentes do FBI, enviados para embaixadas dos EUA na América Latina, trabalhando secretamente. Bird casou-se com uma gaúcha e se estabeleceu em Porto Alegre, criando o primeiro supermercado do Rio Grande do Sul, o Real, em 1953.

Antônio Jacob Renner: fundou em 1912 a A. J. Renner & Cia., fábrica de vestuário, tornando-se um dos empresários de maior sucesso e com a maior indústria de fiação e tecelagem do Rio Grande do Sul. Foi deputado estadual em 1935, membro do Conselho Consultor do Estado do RS e do Centro de Indústria Fabril do RS134, além de participar ativamente da vida política do estado dos anos 1930 aos 1960. O Centro de Indústria Fabril, criado em 1930, deu origem à Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.

Paulo D’Arrigo Vellinho: é um dos poucos fundadores do IPESUL vivos. Formou-se em Química Industrial na UFRGS, especializou-se em Administração de Empresas e foi presidente da Springer. Foi presidente da FIERGS (1971-1974) e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 1976-1980. Atualmente, integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social nacional.

Kurt Weissheimer: foi o primeiro presidente da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural do Estado do Rio Grande do Sul (ASCAR) em 1955, que oferecia crédito para pequenos produtores. Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural e diretor do Banco Agrícola Mercantil. Também foi diretor da FARSUL na gestão de Antônio Saint Pastous de Freitas (1961-1963).

“Utilidade pública” e “Operação Limpeza”

Em 1963, o IPESUL foi declarado de utilidade pública pelo governador Ildo Meneghetti, do Partido Social Democrático (PSD). Este decreto tem um significado político importante na época, uma vez que o instituo era anticomunista e sustentava posições contrárias ao governo de João Goulart. O grupo tinha ligações com os oficiais do III Exército que tiveram participação ativa no golpe. Segundo René Dreifuss (em “1964, A Conquista do Estado”), em meados de 1963, no Rio Grande do Sul, os golpistas podiam contar com dois terços dos oficiais do III Exército, com a Polícia Civil e com a Força Pública.

O Coronel [Peracchi] Barcellos agiu ativamente na subversão das forças policiais do Rio Grande do Sul. O general da reserva Armando Cattani estava encarregado da organização dos proprietários de terras nas zonas rurais em unidades paramilitares, que agiriam como um grupo coordenado na época do golpe. O plano teve o apoio total de Ildo Meneghetti, que era ligado à FARSUL e ao IPESUL.

Logo após o golpe começou uma “Operação Limpeza”, onde muitas pessoas consideradas de esquerda, de políticos a militantes, tiveram seus mandatos cassados, foram presos e, como é o caso de alguns professores da UFRGS e da PUCRS, expurgados. Nesta fase, um membro do IPESUL assumiu papel importante. Com a abertura da Comissão Especial de Investigação Sumária da UFRGS, foi necessário que cada unidade acadêmica indicasse um representante para compor a Comissão, que seria responsável pelos expurgos. A Faculdade de Arquitetura se recusou a indicar um nome e Amadeu Fagundes da Rocha acabou sendo escolhido. Amadeu Fagundes da Rocha Freitas era engenheiro e foi diretor do IPESUL de 1965 a 1966.

Em todo esse processo, a revista “Democracia e Emprêsa” desempenhou um papel de articulador do discurso ideológico que deu sustentação ao golpe, com um forte tom anticomunista e defendendo a ideia de que o Brasil precisava de uma “nova democracia renovada” compatível com a “tradição católica” do povo brasileiro, de sua cordialidade, harmonia entre classes e da aversão ao conflito. A dissertação de Thiago de Moraes traz testemunhos, documentos e análises preciosas sobre esse