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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Porque as "questões das mulheres" são questões de toda a sociedade

Mulheres abrem mão de carreira por causa de maridos, não de filhos, diz estudo




Pesquisa realizada nos EUA concluiu que elas se sentem pressionadas a assumir filhos e obrigações do lar para que maridos possam se dedicar à profissão
Muitas mulheres deixam suas próprias carreiras em segundo plano não para criar os filhos, mas para priorizar a carreira de seu parceiro. Esta é a conclusão de Pamela Stone, professora de Sociologia da Hunter College, em Nova York (EUA), em entrevista ao jornal espanhol El País nesta terça-feira (10/11).

Ela é uma das autoras do estudo “Life and Leadership after HBS” ("Vida e Liderança após Harvard Business School", em tradução livre). Em sua pesquisa, foram entrevistados 25 mil ex-alunos e ex-alunas da instituição, com idades entre 26 e 47 anos, com o objetivo de analisar as aspirações profissionais de homens e mulheres que foram preparados para posições de liderança no mercado de trabalho.

Segundo Stone, as mulheres sentem-se pressionadas por seus parceiros, pelas instituições onde trabalham e pela sociedade como um todo a assumir a criação dos filhos e as obrigações do lar para que seus companheiros possam se dedicar à carreira.

Agência Efe/Arquivo

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Como resultado, as mulheres se mostraram mais insatisfeitas com suas trajetórias profissionais do que os homens. Dados coletados mostraram que 60% dos homens estavam “extremamente satisfeitos” com suas experiências profissionais e oportunidades de promoção contra 40% de mulheres que descreveram sentir o mesmo. Dos homens que participaram da pesquisa, 83% eram casados.
 
Atualmente as mulheres ocupam menos de 20% dos cargos de responsabilidade nas 500 empresas mais importantes do mundo, de acordo com a revista Fortune. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho divulgou, em março, um relatório indicando que não haverá igualdade salarial entre os sexos até 2085.   

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O estudo ainda revelou que 75% dos homens esperava que, no futuro, suas companheiras assumissem a maior parte da responsabilidade de criar os filhos, e 50% das mulheres respondeu que esta seria de fato sua função. Entre os homens entrevistados, 70% considerava que suas carreiras teriam prioridade sobre a de suas esposas e cerca de 40% das mulheres concordaram com esta afirmação.

Para Pamela, a “culpa” é da própria sociedade. Ela acredita que as mulheres devem conversar com seus parceiros para poderem desenvolver suas carreiras e se sentirem mais satisfeitas profissionalmente.

“Os casais jovens que estão pensando em criar um projeto de vida juntos deveriam ter uma conversa sobre quais são as pretenções profissionais e pessoais de cada um. É muito importante escolher uma pessoa que respeite os nossos desejos”, disse. 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

As mídias e o estupro naturalizado

26/10/2015 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

Sobre meninas e lobos

A cultura do estupro, que significa o consenso e a naturalização da violência contra a mulher, domina a publicidade e os meios de comunicação.


Marina Ganzarolli*
 
reprodução
Nesta semana (20) começou o “MasterChef júnior Brasil”, uma competição culinária transmitida pela Rede Band entre 20 crianças, de 9 a 13 anos de idade. Após o primeiro episódio, a repercussão nas redes sociais em relação a uma das participantes, a menina Valentina, gerou revolta na Internet. Mensagens pornográficas e apologia à pedofilia resumem o conteúdo dos tuítes direcionados à garota e dos comentários estampados na página Admiradores da Valentina, criada no Facebook:  “Se tiver consenso é pedofilia?”, dizia uma delas.


Não existe relação sexual consensual com uma criança. Uma menina, assim como toda criança, não tem plena capacidade para fazer pra fazer essa escolha, nem pra se defender, se forçada. Não importa se ela se parece com uma criança ou com uma mulher. Uma mulher no espaço público também não é sinônimo de um corpo à disposição do desejo e do prazer masculinos. Nem as meninas tampouco as mulheres estão fadadas à manutenção do trabalho reprodutivo no espaço privado. A todas deve ser garantido o direito de serem livres, de fazerem suas escolhas, de possuírem autonomia sobre seus corpos e sobre sua sexualidade. Mas na realidade, estamos em constante e precocemente sujeitas às mais diversas formas de controle e violências em uma sociedade essencialmente machista.


Em resposta à violência e ignorância dos tuites e postagens,  no dia 22 o coletivo ThinkOlga, idealizador da campanha Chega de FiuFiu, lançou a hashtag #PrimeiroAssédio no Twitter, concentrando em algumas horas milhares de relatos sobre a primeira vez em que meninas e mulheres sofreram algum tipo de assédio ou violência sexual: “Ônibus cheio, eu sentada no colo da minha mãe (cega). Homem abre o zíper da calça e me mostra o genital. Eu tinha 8 anos”, relatou uma delas. Novamente, a contrarreação aos relatos que inundaram as redes sociais chamam a atenção para a naturalização da violência contra a mulher, gordofobia e culpabilização da vítima: “Só mina gorda e feia nesse #primeiroassédio” disse um deles. O líder da banda Ultraje a Rigor, o ultrarreacionário Roger Moreira e uma espécie de Lobão engraçadinho, fez piada sobre o assunto e ironizou os relatos de violência e abuso que circularam na web: “Acho que eu tinha uns 10 anos. Uma empregada deixou eu pegar nos peitos delas. Foi bom pra cassete”, disse.


Segundo o IPEA, em relação ao total das notificações de estupro ocorridas em 2011, 88,5% das vítimas eram mulheres, mais da metade tinha menos de 13 anos de idade e mais de 70% dos estupros vitimizaram crianças e adolescentes. A violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos (Disque 100).


O Brasil foi o primeiro país a promulgar um marco legal dos direitos humanos de crianças e adolescentes, em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990 só foi possível graças à mudança de paradigma provocada pela Constituição de 1988, quando passamos a falar em proteção integral dos direitos da criança. A visão higienista e correcional dada a “criança-menor” foi substituída pela perspectiva da criança enquanto sujeito de direitos. O enfrentamento da violência sexual – para o qual quase não havia política pública alguma na época – ganhou destaque na Carta Constitucional (parágrafo 4o, art. 227). O ECA prevê que quem aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso a pena de reclusão de 1 a 3 anos mais multa (art. 241-D).    


Assim, desde 1988 muita coisa mudou e hoje dispomos de um Sistema de justiça e de segurança específicos para crianças e adolescentes e de um Comitê, um Conselho misto e um Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Apesar de o enfretamento institucional do problema ter avançado, culturalmente, desgraçadamente, parece que não saímos do lugar. Nesta semana (21), Pedro Magalhães Ganem (JusBrasil) relatou um caso no Espírito Santo em que o Juiz determinou que o estuprador registrasse a criança que foi gerada em decorrência do estupro, no caso, o avô do bebê e pai da vítima, uma criança de 13 anos. Ou seja, se temos um arcabouço legal relativamente avançado, os que deveriam aplica-lo nem sempre agem em consonância com o respeito aos direitos humanos e a proteção simbólica e material das vítimas.

A cultura do estupro, que significa o consenso e a naturalização da violência contra a mulher, também domina os meios de comunicação. A recente novela da Globo Verdades Secretas envolvia a trama de uma menina de 16 anos que, em busca do sonho de virar modelo, acaba virando profissional do sexo e se envolve com um homem acima dos 40 anos. Para manter o relacionamento ele se casa com a mãe da garota e, na condição de seu padrasto, controla todos os movimentos da menina. A relação extremamente abusiva, romantizada pela TV, não impediu que a novela obtivesse altos índices de audiência, implicando num sinal de menos para a mulher enquanto sujeito de direitos.

Falar sobre pedofilia não é fácil. A maioria dos comentários expressa nojo e repulsa diante das mensagens criminosas dirigidas à Valentina. Mas como bem explica a própria Carol Patrocinio, a pedofilia tem duas definições: trata-se (i) de uma perversão que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças ou (ii) da prática efetiva de atos sexuais com crianças. Dessa forma, antes de acontecer o crime (ii), temos que enfrentar a doença (i).


Mas esses meninos e homens, melhor intitulados pedófilos e criminosos, não vivem em Marte, não estão apartados da realidade social que os circunda. Pelo contrário. Eles são diariamente bombardeados com imagens de crianças hiperssexualizadas, de corpos de mulheres objetificados como pedaços de carne, de adultas infantilizadas, de padrões inalcançáveis de beleza, magreza e branquitude.


A nova garota-propaganda da gigante da moda Dior, a modelo israelense Sofia Mechetner, tem apenas 14 anos. Sofia abriu o desfile de inverno da marca italiana em julho deste ano e às críticas a sua tenra idade não foram suficientes: a modelo e a coleção são um sucesso.  Em 2008 uma campanha publicitária da marca de roupas infantis Lilica Ripilica em que uma menina de cerca de 4 anos aparecia deitada em uma pose sensual, segurando um doce com os dizeres “Use e se lambuze”, foi retirada de circulação, dado sua conotação erótica. Em mraço deste ano, a marca de roupas Use Huck, do apresentador Luciano Huck, foi notificada pelo PROCON do Rio de Janeiro após estampar camisetas infantis com a frase “Vem ni min que eu tô facin”. Após a repercussão negativa a marca se desculpou e cessou a venda do produto em seu site.


O Instituto Alana, criador do projeto Criança e Consumo, alerta para os impactos negativos do consumismo infantil e para a relação direta entre erotização precoce e exploração sexual de crianças e adolescentes. A identidade da criança está em constante formação e desenvolvimento até que ela alcance a vida adulta. Produtos como maquiagem e sutiã com bojo para crianças, disponíveis no mercado, geram estímulos com os quais as crianças – em processo de formação da autoestima – não sabem lidar.


A noção de pertencimento a um grupo, a identidade da criança, está em constante formação e desenvolvimento até a vida adulta, quando tem plena capacidade não só de tomar decisões, mas de compreender a extensão e as consequências de suas escolhas. Mas numa sociedade capitalista de consumo, o quanto antes as crianças virarem consumidores, melhor. Pouco importa que a publicidade promova a adultização e hipersexualização das crianças e acarrete um encurtamento da infância.


Não adianta achar “nojento” e acreditar que nada disso tem a ver com você e com a sua família. Argumentos como “imagina se fosse com a sua filha” ou “não dá pra generalizar, nem todos os homens são assim” apenas mascaram o que importa: as vítimas e sua dignidade enquanto seres humanos, sujeitos de direitos. Nossa opinião é irrelevante. Fato é que todas as meninas e mulheres estão sujeitas à violência, diariamente. Isso sim pode ser generalizado. É por isso que temos que falar sobre gênero e sexualidade das escolas. É por isso que não avançaremos enquanto estivermos ensinando a nossas meninas a “se comportarem” – não usar saia, falar baixo, não beber, não sair à noite, não descobrir sua sexualidade, basicamente, não viver – e não a nossos meninos a não estuprarem as mulheres. Todas as mulheres estão sujeitas à violência, ao assédio e ao abuso e os “lobos” estão sempre mais próximos do que se imagina. São o pai, o tio, o padrasto, o primo, o vizinho, o colega de trabalho, o amigo da escolar, o moço do bar, o cara da televisão, a propaganda do desenho, uma brincadeira inocente ou aquela piada inofensiva.


* Marina Ganzarolli é advogada, co-fundadora do Coletivo Dandara da Faculdade de Direito da USP, pesquisadora do Núcleo de Direito e Democracia (NDD) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), e foi Conselheira Municipal da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A comunicação tem o importante papel de desnaturalizar a violência da cultura

Violência contra a mulher: 78% das jovens já sofreram assédio em espaços públicos

Pesquisa aponta que 9% das mulheres já foram obrigadas a fazer sexo sem vontade e 37% já tiveram relação sexual sem camisinha por insistência do parceiro


Sarah Fernandes, da RBA
Fernanda Frazão / ABR
São Paulo – A maioria (78%) das jovens brasileiras entre 16 e 24 anos já sofreram algum tipo de assédio em espaços públicos, sejam cantadas ofensivas (68%), toques indesejados em baladas e festas (44%) ou assédios no transporte público (31%). Os dados são da pesquisa “Violência contra a mulher: o jovem está ligado?”, realizada pelos institutos Data Popular e Avon, lançada hoje (3), em São Paulo. Foram ouvidos 2.046 jovens de todas as regiões do país – sendo 1.029 mulheres e 1.017 homens.
 
Entre os rapazes entrevistados, 30% dizem que a mulher que usa decote e saia curta está se oferecendo. Entre as mulheres, 20% concordam com a afirmação. A maioria dos jovens ouvidos (76%) acha errado uma mulher ter vários “ficantes” e ir para a cama no primeiro encontro (68%).
 
“É a realidade de uma sociedade ainda muito machista que, apesar de ter mulheres trabalhando e estudando, ainda as vê como seres do lar. São ideias muito patriarcais, que responsabiliza a mulher pelo assédio que ela sofre na rua, pela forma como ela se veste ou pelo fato de estar sozinha”, analisa a coordenadora do grupo feminista Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib. “Achar que existe uma forma correta de se vestir é um conceito extremamente patriarcal.”
 
Mais mulheres (42%) do que homens (41%) concordam que uma garota deve se relacionar com poucos rapazes e 38% ainda acreditam que a mulher que opta por ter vários parceiros é “para ficar” e não “para namorar”. A maioria (96%) dos ouvidos pela pesquisa reconheceu que vive em uma sociedade machista.
 
Ao todo, 48% dos rapazes dizem achar errado a mulher sair sozinha com os amigos, sem a companhia do marido, namorado ou "ficante". A maioria dos entrevistados (80%) afirmou que a mulher não deve ficar bêbada em festas ou baladas.
“Ainda impera a ideia que a mulher tem que ter um homem a atendendo ou a protegendo. Ela precisa de uma figura masculina para ser respeitada”, avalia Rosângela. “A mulher deve ser recatada. Mesmo que ela tenha vida pública deve ser com bastante recato: ela pode ir para a rua à noite, mas desde que esteja acompanhada, e por um homem. Temos um longo caminho ainda para percorrer.”
 
Aprende-se em casa
 
Sobre a família, 43% dos jovens entrevistados disseram já ter visto a mãe ser agredida pelo parceiro e 47% deles interferiram em defesa da mãe. Entre os homens que vivenciaram a violência doméstica, 64% admitiram ter praticado algum tipo de agressão contra alguma companheira. Entre aqueles que não têm o histórico na família, 47% já agrediram a parceira.
Entre as mulheres, 9% admitiram já ter sido obrigadas a fazer sexo quando não estavam com vontade, e 37% já tiveram relação sexual sem camisinha por insistência do parceiro.
 
Ao todo, 75% delas já sofreram violência em relacionamentos. A maioria delas (66%) já admitiu ter recebido xingamentos, empurrões, ameaças, tapas, ameaças com armas ou já ter sido proibida de sair de casa, sair à noite, usar determinada roupa ou ter sido obrigada a fazer sexo sem vontade. Mais da metade dos homens (55%) afirmaram já ter praticado alguns desses atos.
 
Apesar disso, apenas 35% dos entrevistados consideram que impedir um parceiro de sair à noite seja uma forma de violência e só 34% acham que controlar o companheiro por telefone ou impedir de usar determinada roupa também sejam tipos de agressões.
 
“Existe um interdito sobre a mulher e sobre a sexualidade feminina. A sociedade tem uma visão muito conservadora do exercício da sexualidade da mulher e da autonomia delas sobre o próprio corpo”, critica Rosângela. “Chama a atenção o fato que a pesquisa ouve jovens que reproduzem valores muito sedimentados na sociedade, o de que existem dois tipos de mulheres: as promíscuas e as recatadas. Elas podem ora ser assediadas na rua ora ser vistas como ‘de boa família’. É uma intervenção social muito grande na sexualidade da mulher.”
 
Só em 2013, foram registradas 5.664 mortes violentas de mulheres, o equivalente a um óbito a cada uma hora e meia, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No primeiro semestre deste ano, o canal de atendimento à mulher Ligue 180 recebeu 30.625 denúncias de violência. Ao todo 82,8 2% das vítimas tinham relação familiar com o agressor e 11,2%, relação afetiva, segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres, do governo federal.
 
Com informações do G1grafico.JPG