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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Metadados: pra que servem? pra quem servem?

NSA tem o perfil dos contactos sociais de milhões de cidadãos


Do portal Esquerda.net

30/09/2013 - Uma investigação publicada sábado pelo The New York Times, baseada nos documentos revelados por Edward Snowden, mostram como a Agência Nacional de Segurança (NSA) se dedica há anos a traçar uma rede de contactos sociais para aprofundar o perfil de qualquer cidadão americano.

A ideia é que pode ser muito mais revelador da atividade de uma pessoa saber com quem ela se relaciona, por onde se desloca, a que instituições recorre, onde faz compras, do que o próprio conteúdo das mensagens.

Os chamados “metadados” podem ser, de facto, extremamente reveladores. Os registos de e-mails e de chamadas telefónicas, por exemplo, permitem aos analistas da NSA identificar amigos pessoais e sócios, detectar onde essas pessoas estavam em determinado momento, obter pistas sobre afiliações ou preferências partidárias ou religiosas, retirar conclusões de chamadas regulares para psiquiatras, por exemplo.

O jornal ouve um professor de direito da George Washington University que explica que saber o número para o qual a pessoa ligou numa certa hora, ou a localização do telemóvel, permite traçar a imagem do que essa pessoa está a fazer. “É o equivalente digital de seguir uma pessoa na rua”.


Resolução de 1979

A recolha desses dados foi desencadeada por uma resolução do Supremo Tribunal de 1979 que estabelecia que o cidadão não pode esperar que haja privacidade em relação ao número telefónico para o qual ligou. A partir daí, a NSA passou a obter dados como o registo de telefonemas dados e recebidos e endereços de e-mail sem pedir autorização a um tribunal, o que teria de fazer se quisesse conhecer o conteúdo dessas chamadas.

Esses dados só eram permitidos, porém, se estivessem relacionados a uma ligação entre um cidadão americano e outro estrangeiro. A partir de 2010, porém, a NSA passou a fazer essa “perseguição digital” a qualquer cidadão americano, bastando para isso dizer que havia motivos relacionados com a política externa.

O New York Times revela que pelo pedido de orçamento da agência para 2013 é possível ter uma ideia do alcance a que esta análise de metadados chega: o software e o número de técnicos permite à NSA registar 20 mil milhões de eventos diariamente, e torná-los disponíveis aos analistas da NSA em apenas 60 minutos.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Comunicação no período técnico-cientifico informacional: informática e liberdades


Internacional| 31/07/2013 | Copyleft

Caso Snowden está mudando o mundo digital

O caso Edward Snowden nos levou a mudar de mundo, a modificar nossos hábitos no mundo digital e a exigir dos poderes públicos uma intervenção mais decisiva nesta área. É isso o que disse à 'Carta Maior' Isabelle Falque-Pierrotin, a presidenta da Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL), organismo francês encarregado de cuidar da proteção dos dados pessoais. Por Eduardo Febbro, de Paris

Paris – A história de Edward Snowden marca uma fronteira definitiva entre as ilusões e a confiança na tecnologia e a crua realidade de nosso comportamento inocente: ninguém mais poderá dizer que “não sabia”. Agora sabemos todos, não só que estamos sendo constantemente espionados, mas sim e, sobretudo, que essa espionagem é realizada com a cumplicidade dos operadores privados em quem havíamos depositado nossa confiança: Google, Skype, Microsoft, Apple e seus demais aliados na empresa planetária da vigilância e da violação da intimidade. A era digital, do seu modo, era a idade da inocência: éramos perfeitamente capazes de fechar as portas com chave, de fechar as janelas, de colocar grades na varanda ou na janela, de ficar atentos ao andar em bairros perigosos em certas horas da noite. Mas, ao mesmo tempo em que existia essa consciência do perigo do meio ambiente físico, deixamos entrar em casa um espião, um espoliador de dados, um bandido teleguiado desde os escritórios de inteligência do grande império.

Na América do Sul conhecemos bem os resultados dessa prática: o Plano Condor montado pelas ditaduras de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai funcionou com base em um sistema de comunicações, de armazenamento e tratamento de dados chamado Condortel e cujo eixo foram computadores da IBM que processavam as informações sobre os suspeitos. Hoje, o programa espião Prisma permite elaborar um “perfil” planetário de suspeitos. Um exemplo basta para compreender um dos numerosos alcances dessa produção de perfis em massa: se alguém viaja pela primeira vez para os Estados Unidos em classe executiva ou primeira classe pode ser tratado com atenção especial pelos serviços de segurança. Como os assentos da classe executiva e da primeira classe estão perto da cabine dos pilotos, os passageiros sem histórico nesse tipo de viagem serão, sem dúvida alguma, vigiados com atenção.

Para além da curiosa trama do caso, Edward Snowden nos levou a mudar de mundo, a modificar nossos hábitos e a exigir dos poderes públicos uma intervenção mais decisiva. É exatamente isso o que pensa Isabelle Falque-Pierrotin, a presidenta da Comissão Nacional de Informática e Liberdades (CNIL). Este organismo do Estado francês é encarregado de cuidar da proteção dos dados pessoais, Criada em 1978, a Comissão nacional de informática e Liberdades tem hoje uma missão mais essencial do que nunca: a construção de uma ética digital, a capacitação para fazer frente aos desafios e excessos dos operadores e dos Estados e, acima de tudo, a proteção da privacidade dos indivíduos.

O caso Snowden tem muitas leituras, desde a policial até a informática. Para você, o que significam as revelações que ele fez ao mundo?
O caso Snowden quer dizer que entramos em uma nova era, quer dizer que a era digital é uma era na qual há dados pessoais por todas as partes, por todos os usos. Quer dizer também que, a partir disso, devemos permanecer atentos a nossa vida individual. Não podemos nos apoiar unicamente nos demais, devemos nos responsabilizar com nosso comportamento e com nossa utilização da internet. Não se trata de montar uma censura individual, isso seria contra- produtivo. Hoje estamos todos concernidos pelo mesmo problema. A partir da agora é preciso adaptar os comportamentos. O caso Snowden mostra igualmente que a transparência entrou em uma nova fase e que, talvez, seja necessário aportar respostas mais institucionais que a resposta de Snowden. Devemos construir controles democráticos, tanto dos poderes públicos como das empresas, que são extremamente poderosas.

Tivemos um grande choque com o que ocorreu com Snowden. O que esse caso mostra é que existe uma aliança objetiva entre os grandes grupos da internet e os poderes públicos estrangeiros para colocar os indivíduos sob vigilância. De fato, a vigilância dos poderes públicos existe há muito tempo. Mas essa vigilância era feita, digamos, em relação a pessoas más. Agora, em troca, estamos potencialmente em um sistema onde somos potencialmente vigiados em nosso uso cotidiano e banal da internet. Isso dá medo aos indivíduos, ao mesmo tempo em que acentua a necessidade de construir garantias jurídicas importantes e reais frente aos grandes grupos.

O que se pode exigir concretamente de gigantes como Google, Facebook, Microsoft, Skype e outros?
É preciso exigir que abram suas caixas-pretas e digam o que fazem com nossos dados pessoais, como os utilizam e a quem permitem o acesso dos mesmos. O período atual é decisivo porque a Europa está elaborando seu novo marco jurídico e é evidente que o caso Snowden nos obriga a cerrar fileiras e a avançar em grupo para dizer aos atores internacionais e aos Estados estrangeiros: “aqui vocês devem atuar desta forma”.

E que estratégia deve se adotar frente ao grande público. Já sabemos que a questão da espionagem não é uma fantasia, ou uma paranoia dos adeptos das teorias da conspiração, mas sim uma realidade universal.
Não creio que manejar esse tema mediante o medo seja algo bom. O caso Snowden reforça a inquietude dos cidadãos e a vontade de transparência. Nós queremos fazer circular a ideia de que o universo digital é extraordinário porque todas essas ferramentas nos oferecem uma potencialidade de ação considerável. O problema está em que, no fundo, não compreendemos bem essas ferramentas. Por isso esse caso nos incita a desenvolver a educação digital. Isso é o que estamos fazendo agora na França: lançamos a educação digital como uma causa nacional. Essa é, creio, a resposta positiva ao caso Snowden. Mais amplamente, creio que na França e na Europa não se tomou plena consciência da magnitude do fenômeno digital. Snowden é, a sua maneira, o ponto culminante de uma evolução que se constata há um ano.

O mundo digital entrou na vida das pessoas com suas preocupações, a vigilância, por exemplo, mas também pelos aspectos positivos de sua utilização. Há, ao mesmo tempo, muito apetite por esses instrumentos e, também, um medo latente que só espera a circunstância certa para se cristalizar em um ou outro ponto. Hoje é Snowden, amanhã será outra coisa. A resposta deve ser a pedagogia e a responsabilização dos atores econômicos pedindo-lhes oficialmente garantias de parâmetros obrigatórios, transparência e a permissão para que os clientes escolham realmente, o que não é o caso hoje.

Como funciona a Comissão e quais são suas atribuições?
A CNIL é uma autoridade administrativa independente cujo trabalho consiste em proteger os dados pessoais dos indivíduos, ou seja, todos os dados que circulam no mundo digital e que dizem respeito à vida das pessoas. O trabalho da CNIL consiste também de uma tarefa pedagógica, que é acompanhar o uso dos instrumentos, controlar as empresas e os responsáveis públicos para proteger os dados pessoais dos indivíduos. Trata-se, em resumo, de garantir a vida privada e as liberdades digitais neste universo. É uma tarefa ambiciosa. A Comissão é um instrumento muito potente: temos um orçamento substancial e há 148 pessoais trabalhando aqui. Nosso trabalho permite às empresas a construção de um modelo econômico mais legítimo.

Quanto aos atores públicos, nós fixamos limites e marcas para eles. No universo atual isso é muito útil. Somos uma instância que é consultada sobre os textos de lei e os decretos cada vez que o tema da proteção dos dados pessoais está em jogo. Temos também outros poderes como, por exemplo, a aprovação da utilização da biometria. Temos igualmente um poder de controle e sanção sobre tudo que possa violar a proteção dos dados pessoais.

Contamos com todo o arsenal necessário para um regulador. Se o responsável pelo tratamento de dados não está em conformidade com nossa lei podemos aplicar sanções. Atualmente estamos nesse processo de sanção com Google. A empresa tem três meses para cumprir o que exigimos. Se não o fizer, temos a possibilidade de discutir sanções financeiras.

Tradução: Katarina Peixoto

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Grampos x Vazamentos: o que é legítimo?

Snowden não se equivocou ao fugir dos EUA

Snowden acha que não fez nada mal. Estou absolutamente de acordo. Mais de 40 anos depois da publicação, sem permissão, dos Papéis do Pentágono por minha parte, essas filtrações continuam sendo o sangue vital de uma imprensa livre e de nossa república.

  
 
O processo foi invalidado em 1971 depois de que se apresentaram provas ao tribunal da conduta dolosa do governo norte-americano, incluindo grampos telefônicos ilegais.

Muita gente compara desfavoravelmente Edward Snowden comigo por haver abandonado o país e solicitar asilo, em lugar de afrontar seu processo como eu fiz. O país no qual eu resolvi ficar era um Estados Unidos diferente, há muito tempo.

Depois que o New York Times foi impedido de publicar os Papéis do Pentágono, no dia 15 de junho de 1971, a primeira censura prévia de um jornal na história norte-americana, e eu havia entregado outra cópia ao Washington Post (que também teve proibida sua publicação), passei à clandestinidade com minha mulher, Patricia, durante treze dias. Meu objetivo (bastante semelhante ao de Snowden ao viajar a Hong Kong) consistia em eludir a vigilância enquanto preparava, com a ajuda crucial de uma série de pessoas, ainda desconhecidas para o FBI, a distribuição sequencial dos Papéis do Pentágono a outros 17 jornais, à vista de duas proibições mais. Os últimos três dias desse período transcorreram contra uma ordem de detenção: como Snowden hoje, fui um fugitivo da justiça.

Entretanto, quando eu me entreguei para ser detido em Boston, depois de ter dado saída às últimas cópias dos papéis em meu poder na noite anterior, fiquei em liberdade sob fiança nesse mesmo dia. Posteriormente, quando se agravaram as acusações contra mim, passando das três iniciais a uma dúzia, o que levava a uma possível sentença de 115 anos, minha fiança aumentou até os 50.000 dólares. Mas, durante os dois anos em que estive processado, tive liberdade para falar com a imprensa e em assembleias e conferências públicas. Afinal, eu fazia parte de um movimento contrário a uma guerra ainda em curso. Ajudar a que esta guerra terminasse era minha preocupação mais urgente. Não poderia haver conseguido do estrangeiro, e nunca me passou pela cabeça ir-me do país.

Não existe a mínima possibilidade de que essa experiência se repita hoje em dia, e não digamos já que um processo pudesse ser dado por finalizado ao revelarem-se ações da Casa Branca contra um acusado, que eram claramente criminais na era de Richard Nixon e tiveram sua parte em sua demissão antes de afrontar sua impugnação (impeachment), mas se consideram todas legais hoje em dia (incluindo a tentativa de incapacitar-me totalmente).

Tenho a esperança de que as revelações de Snowden desencadeiem um movimento que resgate nossa democracia, mas ele não poderia formar parte desse movimento se houvesse ficado aqui. São nulas as possibilidades de que o deixassem em liberdade sob fiança se voltasse agora e quase nulas as de que, de não ter ido embora do país, o houvessem concedido a liberdade sob fiança. Pelo contrário, estaria em uma cela penitenciária como Bradley Manning, incomunicado.

Ficaria confinado em total isolamento, mais longo inclusive que o sofrido por Manning durante seus três anos de encarceramento antes do início, recentemente, de seu processo. O Relator Especial sobre Tortura das Nações Unidas descreveu as condições de Manning como cruéis, inumanas e degradantes (essa perspectiva realista seria fundamento como para que a maioria dos países concedessem asilo a Snowden, sempre que pudessem resistir à intimidação e ao suborno por parte dos Estados Unidos).

Snowden acha que não fez nada mal. Estou absolutamente de acordo. Mais de 40 anos depois da publicação, sem permissão, dos Papéis do Pentágono por minha parte, essas filtrações continuam sendo o sangue vital de uma imprensa livre e de nossa república. Uma das lições dos Papéis do Pentágono e dos vazamentos de Snowden é simples: o secretismo corrompe, como corrompe o poder.

* Daniel Ellsberg (1931), lendário ativista de direitos civis, se tornou célebre por ter vazado, em 1971, ao New York Times, os chamados Papéis do Pentágono, que revelavam a implicação dos Estados Unidos no Vietnã. Doutor em Economia por Harvard, é também conhecido pelo chamado paradoxo de Ellsberg no âmbito da teoria matemática da decisão.

Tradução: Liborio Júnior

Boletim Carta Maior