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domingo, 28 de outubro de 2012

Língua, linguagem, discurso e justiça

Fonte: Blog do Sírio

 CONFIRMANDO

Num debate (“Entre aspas”, Globo News) a propósito do julgamento da ação penal 470 (mensalão), um jurista asseverou que juízes, em geral, formam sua convicção sobre o réu lendo o processo: culpado ou inocente. Só depois vão atrás dos argumentos para sustentar sua decisão, para redigir um voto.

Isso explica, por exemplo, por que um juiz diz ou escreve poucas vezes mas ou embora. Ou seja, dificilmente ele cita um argumento contrário e, depois, outro favorável a sua decisão, que refute o primeiro. Mais difícil ainda é um juiz citar um jurista que sustente o contrário de sua tese, para, em seguida, refutá-lo. Sentenças citam só a “bibliografia” favorável.

Isso aconteceu em diversos julgamentos no Supremo. Cito dois casos.

O julgamento da questão da interrupção de gravidez de fetos anencéfalos é excepcionalmente claro. Todos os votos consideraram a questão do início da vida. Por isso, citaram geneticistas, entre outros sábios. Alguém diria que esta é a prova de que o direito leva a ciência em conta.

Mas a verdade é um pouco mais sutil. Nenhum juiz simplesmente citou a genética. Cada um recorreu a teses genéticas nas quais se poderia apoiar para defender sua posição. Alguns geneticistas defendem que a vida começa na fecundação. Outros, que ela depende de alguma complexidade “cerebral”, já que o fim da vida é definido em termos de morte cerebral, em nosso sistema.  Em suma, as citações da ciência não se cruzaram. Cada lado ficou com as suas.

No julgamento do famigerado caso Battisti, um ministro lia lenta e enfaticamente as partes que o condenavam e as outras partes bem depressa, quase as desprezando. Já outro pediu vistas e, dias depois, fez o contrário: dava destaque ao que o primeiro desprezara… Para quem é  analisa discurso, foi um espetáculo!

Na semana passada, durante o julgamento do mensalão, houve casos bem similares. Quem absolveu Genoíno apresentou um documento de quitação da dívida do PT. Quem o condenou disse que não dava muita importância aos documentos do Banco Rural. Quem absolveu José Dirceu leu depoimentos a seu favor. Quem o condenou leu só os de Roberto Jefferson, contrários. Independentemente de uma discussão sobre quem teria sido mais justo (por favor, leitores, não repitam o julgamento aqui!), o que destaco é a estratégia discursiva.

O final da sessão foi memorável, deste ponto de vista. Um ministro disse que Kátia Rebelo houvera desmentido depoimentos anteriores. Logo outro rebateu: ela tinha sido condenada várias vezes, e, portanto, seu depoimento deveria ser lido cum grano salis. Ao que o primeiro replicou que o mesmo juízo deveria valer para o testemunho de Roberto Jefferson, no qual o outro baseara seu voto.
Ninguém corou!

Acrescento outro dado: um dos ministros citou texto mais antigo do colunista Janio de Freitas, que se referia à saída forçada do PT de uma senadora e de três deputados, por pressão da direção, como prova de que o partido mudara suas convicções, especialmente no que se refere à Reforma Previdenciária. Ok. Mas não citou nenhuma das colunas do mesmo Jânio, durante este julgamento. O colunista, em geral, tem sido crítico das decisões com base em indícios.

Sempre a leitura

Leio que o pastor Silas Malafaia vem  a S. Paulo para organizar com outro pastor, Jabes Alencar, uma estratégia em favor de Serra. Seu argumento: “Marta brincou que Lula é Deus. Isso não se faz”.

De fato, certo dia, Marta disse que achava que Haddad seria bem sucedido, dados os apoios que teria. E acrescentou: "Lula é deus, eu sou a pessoa que faz e Dilma é bem avaliada".

Citar só argumentos favoráveis etc. é uma estratégia. Ler uma declaração como esta literalmente e mala fé.

Hipótese bem mais razoável é que seja um tipo de discurso indireto, atribuído aos eleitores da periferia: algo como “para eles, Lula é deus, eu sou a pessoa que faz e Dilma é bem avaliada”.

Penso que deveria haver alguma razão mais forte para votar em Serra. Talvez Malafaia não tenha nenhuma.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Debate, dissenso, ética - um caso corriqueiro do que circula sobre língua e linguagem

Um blog

Sírio Possenti
De Campinas (SP)

Um passarinho me contou que o Prof. Sacconi mantém um blog. Juro que não sabia. Na verdade, devo dizer que, junto com a preciosa informação, vinha um trecho de uma mensagem de um discípulo que citava trecho que uma diatribe do referido professor contra mim. Quer dizer, acho que era contra mim, embora meu nome não fosse citado. No final ele se dirige a um tal de Sr. Libanês. Como meu nome é "Sírio"...

Dei uma espiada no blog no final de semana. A cada dia, o professor posta um pequeno texto. Em geral, trata-se de correções de erros catados na imprensa (talvez alguns sejam respostas a consultas de leitores - tem gente pra tudo): regências, ortografia, concordância, adequação de emprego de artigo etc. Em geral, ele se diverte um pouco, rindo dos que erram. Típico.
Sua bronca foi publicada há dez ou quinze dias, foi postada de novo ontem e reproduzida hoje (quarta feira, 9/4/2008) "para que fique sempre atual", diz ele. O elegante e culto prof. Sacconi escreveu (mantenho a caixa alta):

ESPÍRITO DE PORCO EXISTE EM TODO LUGAR. MAS NUNCA É DE ESPERAR QUE SE ENCONTRE UM ESPÍRITO DE PORCO NUMA UNIVERSIDADE. E NUMA UNIVERSIDADE TÃO CONCEITUADA!!! CONCLUSÃO: ESPÍRITO DE PORCO EXISTE MESMO EM TODO LUGAR.

Fiquei impressionado com sua análise. Original, sobretudo.

Quase ao final, acrescenta: "Faltar à ética é que é fascismo, seus boçais! Os dois escreveram apenas dois opúsculos, um chamado Por que (não) ensinar gramática nas escolas, um lixo" (o título está errado: é "na escola"). "Seus boçais", no plural, se deve ao fato de que ele se vale de uma resenha crítica que Artur Virmond de Lacerda Neto escreveu contra o livro Preconceito Lingüístico, de Marcos Bagno. Se, pelo menos, a resenha fosse dele...

Em alguma parte do texto, defendendo sua exposição errada do conceito de fonema, alega a necessidade de ser didático. Afinal, sua gramática (de muito sucesso, segundo ele; deve saber do que fala, o barulhinho das moedas deve ser inconfundível) se dirige a alunos iniciantes e não aos de final de curso universitário.

Pelo menos, reconhece que o conceito exposto pode não estar correto, está lá apenas como efeito de seu didatismo (segundo ele, uma qualidade inata). Acho que discordo dele: para ser didático, deveria mostrar que é capaz de "passar" o conceito correto a seus leitores. Assumir que, para simplificar, ou ser compreendido, é lícito ensinar errado, é um grave problema ético (e profissional). Não sei se livros de biologia, para serem didáticos, expõem conceitos como o de célula erradamente. Espero que não. O MEC tem estado relativamente atento a erros conceituais, exceto no que se refere aos livros de português, pelo que tenho visto...

Mas o que eu queria mesmo saber é o que Sacconi considera ético. Uma hipótese: que um "colega" não critique outro. A Terra Magazine fornece um endereço para que os leitores possam falar com os colunistas. Houve quem me escrevesse perguntando por que os "gramáticos" não entram num acordo ou, alternativamente, por que brigam, discutem etc.

A partir de manifestações como estas, acho que posso compreender o que ele entende por ética: não ser discutido por "colegas". Seria ético, digamos, médicos e advogados não se pronunciarem sobre a conduta dos colegas: por uma questão de ética. Pois eu discordo: acho que ser ético obriga exatamente a discutir, a manifestar a discordância quando ela existe. O que fiz em relação a aspectos do trabalho de Sacconi publicado na ISTO É e em dois de seus livros foi ora elogiar suas posições, ora atacar suas análises.

Não consigo ver falta de ética nessa posição (ele pede conchavo, não ética). Essa atitude deveria ser normal: o debate intelectual é uma norma. Nos congressos e nas revistas científicas, é fácil ouvir ou ler lingüistas discordando de lingüistas (menos do que seria desejável, eu acho). Sociólogos e economistas "batem boca" saudavelmente pelos jornais (para os leitores é ótimo, porque não ficam expostos ao pensamento único). Num jornal que li hoje, por exemplo, o economista Delfim Neto desanca os economistas do Banco Central pelo que escreveram na ata do Copom. O país assiste a um debate claro e franco - às vezes um pouco mal educado, mas isso é parte do debate - sobre pesquisas com células-tronco. E não é que estejam os geneticistas de um lado e os padres de outro. Há também divisões entre geneticistas e entre religiosos. É ótimo, é saudável, e é absolutamente ético.

Quando a análise de um autor é atacada, a atitude normal seria que ele a defenda ou que reconheça que errou. Fácil, simples.

O que é que há de fascista na minha crítica? E por que, para me atacar, ataca-se - escorado em outro - o livro de um outro (que escreveu vários diga-se, e em vários campos)? Isso sim é difícil de entender... Até me pergunto de que adianta saber se a grafia é muçarela ou mussarela ou se seria melhor manter mozzarela, se, na hora de escrever sobre o queijo se escreve sobre tripa de porco.
Sobre meu opúsculo "Por que (não) ensinar gramática na escola": é claro que não adianta esperar que o prof. Sacconi o leia. Mas, se o lesse, veria que não é (não sou) contra o ensino de gramática na escola. Ele deve saber o que podem significar parênteses.

A rigor, quem é contra a gramática e seu ensino é ele: por que não é assim, com receitas e erros didáticos que ela será "dominada". Também não é verdade que só publiquei esse livro. Mas isso não é relevante, a não ser para mostrar que o prof. Sacconi pode não saber do que está falando.
Por alguma razão, Sacconi acha que tenho inveja de seu sucesso. Escreveu lá no blog dele que "Um sucesso incomoda muita gente; dois sucessos incomodam muita gente; três sucessos incomodam muita gente; muitos sucessos incomodam muito mais...". Mas por que eu teria inveja dele? Me dê uma razão, uma só!
***

No dia 18 deste mês, vou a Manaus, a convite da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas, para fazer uma conferência sobre o "A língua na imprensa: um caso de mentalidade pré-copernicana". Talvez mencione o professor...

Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Lingüística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua e de Os limites do discurso.