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quarta-feira, 15 de abril de 2015

História, memória, contradições

14/04/2015 às 14:11

Em evento da Globo, manifestante é preso no Congresso depois de gritar que emissora apoiou a ditadura

Escrito por: Redação
Fonte: Viomundo

O militante Pedro Rafael, da Frente Nacional pelo Direito à Comunicação, foi preso hoje cedo no Congresso depois de gritar 'A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura' durante sessão solene em homenagem aos 50 anos da Globo.

O militante Pedro Rafael, da Frente Nacional pelo Direito à Comunicação, foi preso hoje cedo no Congresso depois de gritar “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” durante sessão solene em homenagem aos 50 anos da Globo.
O evento foi convocado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, atendendo a requerimento dos deputados Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e Rômulo Gouveia (PSD-PB).
O FNDC, coordenado pela secretária de comunicação da CUT, Rosane Bertotti, é uma das principais entidades envolvidas na luta pela democratização da mídia.
Em recente evento em Belo Horizonte, cobrou ação do governo Dilma.
Diante das cobranças, o secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Emiliano José, garantiu que o governo irá promover neste ano o debate sobre a regulação da mídia no Brasil. “Todos os setores da sociedade serão chamados a participar dos espaços de discussão e ali poderão responder qual marco regulatório querem para o País”, afirmou. Emiliano fez referência à mídia hegemônica brasileira, também considerando-a como um polo político. “Eu não acredito na auto-regulação da mídia sobre si mesma. O estado democrático é quem deve regular a mídia”, acredita. Em ironia às críticas feitas ao Brasil e a países da América Latina por setores de direita da sociedade, o representante do Ministério das Comunicações fez menção à América do Norte. “Os EUA têm uma legislação muito mais rigorosa do que a nossa no setor e por que, então, não são chamados de bolivarianos ou censuradores?”, questionou.
Durante o evento da Globo, Pedro Rafael tentou estender uma faixa com os mesmos dizeres, mas foi retirado por seguranças do Congresso.
A homenagem de Eduardo Cunha à Globo acontece apesar de um incidente constrangedor envolvendo o deputado e a empresa no passado.
No final dos anos 90,  a esposa do atual presidente da Câmara, Cláudia Cordeiro, era apresentadora do RJTV, no Rio, quando foi demitida. Moveu ação trabalhista e teve vínculo empregatício reconhecido com a emissora, já que era contratada como Pessoa Jurídica. Na época, o site da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) noticiou:
Pejotização Condenada 28/10/2008 | 11:30
Em decisão proferida recentemente, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício da jornalista Claudia Cordeiro Cruz com a TV Globo. Relator do recurso da emissora, que já havia sido condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), o ministro Horácio Senna Pires constatou que havia evidências de fraude nas relações de trabalho no contrato de locação de serviços mantido entre a Globo e a jornalista no período de maio de 1989 a março de 2001.
Num período de mais de 10 anos, Claudia trabalhou para a Globo sem anotação em sua carteira de trabalho. A emissora condicionou a contratação à constituição de Pessoa Jurídica e ela criou a C3 Produções Artísticas e Jornalísticas Ltda.
O Agravo de Instrumento AIRR – 1313 /2001-051-01-40.6 entrou na pauta de votações da Sexta Turma do TST no dia 22 de outubro e teve a decisão divulgada pela assessoria do órgão no dia 24. Nela, o relator registrou que “se tratava de típica fraude ao contrato de trabalho, caracterizada pela imposição feita pela Globo para que a jornalista constituísse pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego”.
A profissional entrou com ação na Justiça do Trabalho após ser informada, em julho de 2000, que seu contrato não seria renovado, e após, segundo ela, ter contraído doença ocupacional. Claudia teve seus pedidos indeferidos pela 51ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, mas recorreu e, após avaliar provas periciais e depoimentos, o TRT da 1ª Região modificou a sentença, que foi confirmada pela Sexta Turma do TST, condenando a Globo à anotação da carteira de trabalho da jornalista, no período de maio de 1989 a março de 2001, com o salário de R$10.250,00.
Detalhe: Cunha é sócio de Claudia na empresa. Se a ação tivesse sido movida sob as regras do PL 4330, recentemente aprovado com esforço extraordinário do presidente da Câmara, tudo indica que o resultado da ação na Justiça teria sido diverso, já que o projeto autoriza a terceirização de atividades-fim das empresas.
Quando presidiu a Telerj, no Rio, Eduardo Cunha foi acusado de favorecer a NEC do Brasil, então controlada pelo dono da Globo, Roberto Marinho, ao assinar um aditivo de R$ 92 milhões num contrato, quando deveria ter promovido uma nova licitação.
Entidades de todo o Brasil organizam manifestações para “descomemorar” o aniversário de 50 anos da Globo no próximo dia 26 de abril.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Os jornais e o 1o. de abril de 1964



01/04/2015 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

16 editoriais sobre o golpe militar de 1964

Estadão, Globo, Folha e outros jornais clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas.


Altamiro Borges
Gladstone Barreto / FlickrEste 1º de abril marca os 51 anos do fatídico golpe civil-militar de 1964. 
Na época, o imperialismo estadunidense, os latifundiários e parte da burguesia nativa derrubaram o governo democraticamente eleito de João Goulart. Naquela época, a imprensa teve papel destacado nos preparativos do golpe. Na sequência, muitos jornalões continuaram apoiando a ditadura, as suas torturas e assassinatos. Outros engoliram o seu próprio veneno, sofrendo censura e perseguições.


Nesta triste data da história brasileira, vale a pena recordar os editoriais dos jornais – que clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas. No passado, os militares foram acionados para defender os saqueadores da nação. Hoje, esse papel é desempenhado pela mídia privada, que continua orquestrando golpes contra a democracia. Daí a importância de relembrar sempre os seus editorais da época:



O golpismo do jornal O Globo


1. “Salvos da comunicação que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O Globo, 2 de abril de 1964.


2. “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada..., atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... As Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. O Globo, 2 de abril de 1964.


3. “Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos... Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”. O Globo, 4 de abril de 1964. 


4. “A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. O Globo, 5 de abril de 1964.


Conluio dos jornais golpistas


5. “Minas desta vez está conosco... Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. O Estado de S.Paulo, 1º de abril de 1964.


6. “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964.


7. “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.


8. “Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.


9. “Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la”. Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964.


10. “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. O Estado de Minas, 2 de abril de 1964.


11. “A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”. O Dia, 2 de abril de 1964.


12. “A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”. O Povo, 3 de abril de 1964.


13. “Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. Correio Braziliense, 16 de abril de 1964.


Apoio à ditadura sanguinária


14. “Um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social – realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”. Folha de S.Paulo, 22 de setembro de 1971.


15. “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o país, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. Jornal do Brasil, 31 de março de 1973.


16. “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Editorial de Roberto Marinho, O Globo, 7 de outubro de 1984.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Às vezes, quem conta um conto diminui um ponto...

Caso Tim Maia não é o primeiro em que a Globo reescreve a História em seu benefício ou no de parceiros


publicado em 6 de janeiro de 2015 às 12:15

por Luiz Carlos Azenha

Vi muita gente escandalizada com o fato de a Globo ter cortado, na minissérie que pretendia ser um resumo do filme sobre Tim Maia, os trechos em que Roberto Carlos desprezava o ex-colega de banda. O filme — e, portanto, a minissérie — foram baseados no livro Vale Tudo, de Nelson Motta.
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Segundo a Globo, não foi nada disso
Talvez por não envolver um ídolo tão popular, outros casos muitos parecidos e recentes de tentativas da emissora de reescrever a História não mereceram a mesma atenção.
Quando o Jornal Nacional completou 34 anos, por exemplo, exibiu um clipe registrando a presença do repórter Ernesto Paglia no comício das diretas, em 16 de abril de 1984, em São Paulo. Foi o suficiente para que Ali Kamel, que ainda estava em ascensão na emissora — hoje dirige o Jornalismo — fosse ao Observatório na Imprensa dizer que “uma pequena imagem do repórter Ernesto Paglia pode ter contribuído para rechaçar de vez uma das mais graves acusações que o JN já sofreu: a de que não cobriu o comício das diretas, na Praça da Sé, em São Paulo”.

Mais adiante, depois de contestar versões de outros autores sobre a cobertura da Globo naquele dia e de transcrever o texto da reportagem de Paglia, Kamel tenta justificar — como se a Globo estivesse no campo dos cerceados pela ditadura:
Esquecem-se de que a ditadura ainda estava forte, tão forte que as diretas foram votadas sob a vigência das medidas de emergência, um dispositivo constitucional, decretado nas vésperas da votação, que proibiu manifestações populares em Brasília (lembram-se do general Newton Cardoso, em seu cavalo, dando chicotadas em carros presos num engarrafamento?) e proibiu a transmissão por emissoras de rádio e televisão da sessão do Congresso Nacional que acabaria rejeitando as diretas-já. Não, a Globo não fez uma campanha, mas não deixou de fazer bom jornalismo.
Kamel provavelmente escreveu de ouvir dizer, após consultar arquivos. Eu, não. Eu trabalhei na Globo naquela época. Era da TV Bauru, mas cobria férias dos repórteres em São Paulo. Passava meses e meses hospedado num hotel e trabalhando na redação da Marechal Deodoro. Testemunhei pessoalmente ou ouvi relatos de colegas.

A tática de quem pretende recontar a História com outro viés quase sempre envolve focar no ponto mais positivo para sua narrativa e desconhecer o contexto.

O fato é que naquele período da História aconteceram as grandes greves do ABC, que a Globo praticamente desconhecia, quando não levava ao ar versões que o movimento operário considerava descabidas. Foi então que surgiu o “Fora Rede Globo, o povo não é bobo”, cantado por milhares de pessoas nas assembleias. Carros da emissora foram apedrejados. Lula costumava dizer aos companheiros para não confundir os jornalistas com os patrões e, portanto, aqueles deveriam ser poupados.

Na campanha das diretas, que surgiu antes do comício da Praça da Sé, a Globo simplesmente desconheceu as primeiras manifestações populares, algumas envolvendo milhares de pessoas. Era uma não notícia. A internet ainda não existia. Mesmo assim, era chocante ver as capas de jornais com fotos de manifestações e informações sobre a campanha e o Jornal Nacional absolutamente calado sobre o assunto.

Além disso, foi escancarado o apoio das Organizações Globo à ditadura militar, como porta-voz do regime. Os exemplos abundam. Um editorial escrito por Roberto Marinho em 7 de outubro de 1984, DEPOIS do comício das diretas, em que ele diz que a Revolução — isso mesmo, Revolução, não golpe — foi bem sucedida, é um deles.

É neste contexto que deve ser analisada a “reportagem” da emissora no comício de São Paulo.
A equipe da Globo, sim, esteve lá. Porém, a ênfase da reportagem foi no aniversário de São Paulo. Basta ler a própria transcrição do Ali Kamel. É o equivalente a noticiar primeiro que dois automóveis foram destruídos no centro de São Paulo e em seguida informar que caiu um Boeing sobre eles, matando os 200 ocupantes. Um absurdo que qualquer estudante de jornalismo é ensinado a nunca cometer é definido como “bom jornalismo”.

Para um exemplo mais recente, basta relembrar o Jornal Nacional de 12 de março de 2012, dia em que Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF.

Patrícia Poeta, num texto que obviamente não foi escrito por ela, na transcrição da CartaCapital: “Ao longo de uma gestão de mais de duas décadas, a seleção tricampeã se tornou penta. Teixeira colecionou vitórias, mas também desafetos. E enfrentou denúncias”. Uma forma nada sutil de tentar atribuir as acusações a Teixeira a rusgas pessoais.

No corpo da reportagem, narrada por um repórter que obviamente não tinha poder de decisão sobre o texto final, 22 segundos foram dedicados às denúncias num tempo total de 3 minutos e 39 segundos:
Ao longo da carreira, Ricardo Teixeira foi alvo de denúncias. Diante de todas elas, Teixeira sempre disse que as acusações eram falsas e tinham caráter político. A denúncia mais contundente foi a de que ele e um grupo ligado à Fifa teriam recebido dinheiro de forma irregular nas negociações de uma empresa de marketing esportivo, em 1999. Viu os processos serem arquivados pela Justiça.
Na Globonews, Merval Pereira foi além:
Esses problemas de denúncias contra o Ricardo Teixeira vêm de longe e ele enfrentou com tranquilidade e sempre conseguiu superar essas denúncias. [...] Então resolveu tirar o time porque viu que não tinha condições de recuperar, como várias vezes se recuperou, o prestígio político.
De novo, a sutileza: os problemas de Ricardo Teixeira foram com adversários pessoais e políticos, nenhuma relação com a corrupção que a Globo tanto gosta de denunciar na Petrobras.

Em primeiro lugar, não é verdade que todos os processos contra Ricardo Teixeira foram “arquivados pela Justiça”. Em O Lado Sujo do Futebol, descrevemos as manobras jurídicas utilizadas por ele para se desfazer de processos no Brasil. Descrevemos detalhadamente a relação histórica e incestuosa da Globo com João Havelange e seu sucessor, Ricardo Teixeira. Era apoio político em troca do monopólio nas transmissões da Copa e do futebol brasileiro. Ponto. O próprio Ricardo Teixeira, em entrevista à revista Piauí, disse que só ficaria preocupado quando as denúncias contra ele saissem no Jornal Nacional.

Nunca de fato sairam. Naquela noite de 12 de março de 2012 a principal omissão do JN foi sobre o fato de que a Justiça da Suiça decidiria em breve se seriam divulgadas ou não as provas obtidas na investigação de João Havelange e Ricardo Teixeira, provas definitivas de que ambos receberam milhões de dólares em propina da empresa de marketing ISL em contas no Exterior. Este, sim, o verdadeiro motivo da renúncia de Teixeira, que a Globo vergonhosamente escondeu.

A Globo pagava à ISL, que pagava escondido a Havelange/Teixeira, que protegiam e eram protegidos da Globo. É o círculo perfeito!

No livro também tratamos das relações da própria Globo com a ISL, empresa da qual a emissora brasileira comprou os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006 depois de montar uma subsidiária, a Empire, nas ilhas Virgens Britânicas, com isso sonegando milhões de reais de imposto no Brasil, segundo a Receita Federal. A mesma Receita diz que a Empire serviu apenas de fachada, para justificar o falso investimento no Exterior do dinheiro usado para quitar os direitos. Como se vê, não foram apenas a ISL, João Havelange e Ricardo Teixeira que tiraram proveito de negócios obscuros em refúgios fiscais.

Como vimos no caso do comício das Diretas, também no caso Teixeira a Globo tirou proveito da descontextualização: focou nas “vitórias” em campo do cartola.

O que nos leva ao episódio Tim Maia.

Não só o filme sobre o cantor mostra Roberto Carlos numa luz não muito agradável. O livro em que o filme foi baseado também o faz, com menos dramaticidade. Sim, registra que Roberto Carlos, a pedido da mulher Nice, levou Tim Maia para fazer um disco na gravadora CBS. Mas também conta que Tim Maia ofereceu a Roberto Carlos a música Não Vou Ficar, que se tornou o primeiro sucesso de Tim, com proveito para ambos.

O livro, pelo menos, deixa claro que houve rusgas e ciumeira entre os dois:
“Ô mermão, o Roberto aprendeu tudo comigo, mas o Roberto é branco, mermão, branco não dá, o que ele tem é que me botar na Jovem Guarda, mas ele tem medo porque sabe que eu entro e acabo logo com a banca dele”. Se era difícil encontrar Roberto, era impossível falar com ele, sempre cercado por um monte de gente, secretários, seguranças e puxa-sacos. Tim achava que Roberto não queria chamá-lo porque a Jovem Guarda era um programa de bons moços e ele era o Tim que puxava cadeia e fumava maconha.
O primeiro problema entre eles, ainda segundo o livro, foi quando Roberto Carlos, integrante da banda Sputniks, de Tim Maia, decidiu cantar sozinho, “por fora”, sem consultar antes os parceiros. Deu briga.

Na minissérie da Globo, além de cortar o trecho do filme em que Roberto Carlos humilha Tim Maia, a emissora deu a seu contratado, segundo a Folha, a oportunidade de dizer que ajudou Tim. Mais que isso, numa cena inédita colocou o ator que encarna Tim Maia no cinema para dizer na minissérie: “E foi assim, rapaziada, que Roberto Carlos lançou o gordo mais querido do Brasil”.

Assim, a Globo transformou uma relação complexa de amor e ódio, ajuda e competição — pelo menos é assim que aparece no livro — numa simplificação que beneficia HOJE a imagem de seu parceiro de negócios. Como aconteceu com Ricardo Teixeira.


Leia também:

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Ainda a TV Globo, sim, ela...

Globo: o escorpião da democracia brasileira, 

por Alberto Kopittke


Sugestão de Assis Ribeiro
do Sul 21

Globo: o escorpião da democracia brasileira (por Alberto Kopittke)

Conta uma conhecida fábula, ao ser salvo de um incêndio o escorpião picou o sapo que o carregava nas costas até a outra margem do rio. O sapo atordoado só teve tempo de perguntar por que o escorpião o atacara ao que o escorpião respondeu: é o meu instinto.

Não há nada de novo na ​atuação da Rede Globo ​nessas ​eleições. A fórmula repete a atuação que o grupo de comunicações teve em 54, 64, 85, 89, 2002, 2006, 2010 e 2012​​.​​ A tentação autoritária de manipular a informação, em prol dos interesses dos conglomerados da comunicação, até hoje sempre falou mais alto do que qualquer código de ética.

Já faz parte de uma espécie de Padrão Globo de desestabilização da democracia, com o qual o Brasil convive há mais de 60 anos. Entre os meios para tal efeito, o Jornal Nacional pode ser comparado ao instinto incontrolável do escorpião.

Para compreender melhor esta analogia, apresento uma linha do tempo com os fatos marcantes que demonstram a participação nada imparcial da Rede Globo nas decisões políticas do país desde a década de 50.

Década de 50
Em 1954, o jovem Roberto Marinho, então proprietário da Rádio e do Jornal O Globo se soma a Assis Chateaubriand, proprietário da TV Tupi e da Rede de Diários Associados, a Carlos Lacerda e a segmentos golpistas das Forças Armadas para derrubarem Getúlio Vargas do Poder. Durante 30 dias atacaram incessantemente Vargas, afirmando que o Brasil estava enterrado num mar de lama, até conseguirem o golpe militar que levou Getúlio ao suicídio(1).

Década de 60 – 70
Em 1964, as Organizações Globo lideraram uma campanha pela derrubada do governo de João Goulart, eleito democraticamente, afirmando que o país estava à beira do Comunismo. Em diversos editoriais, Marinho conclamava o golpe e fez um dos mais famosos artigos no dia 01 de abril, comemorando a derrubada do Regime Democrático.(2)

Documentos secretos do Governo americano, recentemente publicados, mostram que ao longo de todo o regime, Marinho foi o principal articulador da continuidade e do endurecimento do regime, atuando diretamente com o embaixador dos EUA, inclusive contra o Ditador Castelo Branco.(3)

Década de 80
Todo esse apoio fez Marinho ser reconhecido como o “mais fiel e constante aliado” pelos dirigentes da Ditadura. Ao final de 20 anos de Ditadura a fortuna da família Marinho ultrapassava os R$ 52 bilhões, angariando dezenas de concessões de rádio e TV em todo o país.(4)

Em 1984, a Rede Globo foi a última emissora nacional a noticiar os Comícios das Diretas Já. A primeira veiculação ocorreu em 25 de janeiro, quando milhares de pessoas estavam na Praça da Sé, mas o Comício foi noticiado como parte das comemorações dos 430 anos da cidade de São Paulo, epor determinação de Marinho, como já relatou o então vice-presidente do Grupo, Boni. (5)

Em 1989, a Rede Globo envidou fortes esforços para eleger Fernando Collor de Mello (dono da TV Gazeta de Alagoas, retransmissora da Globo) especialmente através da manipulação de trechos do último debate entre Collor e Lula, no Jornal Nacional.

Anos 2000
Em 2006, o jornalista encarregado de cobrir as eleições, Luiz Carlos Azenha, denunciou que a ordem era não falar de assuntos de economia, pois estes ajudavam a Lula. Na edição da véspera do primeiro turno, o Jornal Nacional mostrou durante 14 minutos ininterruptos fotos do dinheiro que teria sido usado para comprar um suposto dossiê contra José Serra. Outro jornalista, Rodrigo Vianna, relatou que a direção da emissora barrou reportagens e investigações que envolvessem o PSDB e José Serra. (6)

Em 2010, a emissora lançou sua campanha de aniversário de 45 anos, destacando o número e com um jingle que tinha por refrão “todos queremos mais”, casualmente parecido com o slogan de José Serra, “O Brasil pode mais”. Mas o fato mais notório da cobertura foram as edições do JN que divulgaram que Serra fora “agredido por militantes petistas, passado mal e levado a um hospital”, o que depois foi comprovado ser uma farsa montada após o candidato ser atingido por uma bolinha de papel.
Nas eleições de 2012, em todas as edições do Jornal Nacional durante o 2 turno, a cobertura do julgamento do mensalão teve mais de dez minutos de duração, começando sempre imediatamente após o horário eleitoral.

A mesma receita
Ao longo dos últimos 40 anos, o Jornal Nacional sempre foi o canal por onde a Rede Globo operou suas manipulações da informação. O mais famoso telejornal brasileiro teve um reconhecimento público do mais atroz Ditador brasileiro, Médici, que afirmou em entrevista: “Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante após um dia de trabalho”.

Além desses feitos, a emissora nunca dispensou atenção sequer assemelhada a casos como a compra de votos na aprovação da Emenda da reeleição de FHC, as diversas denúncias de corrupção bilionária nas privatizações (estimado em R$ 100 bi) o caso Banestado e Ilhas Cayman (R$ 42 bi), dos vampiros da saúde (R$2,4 bi), dos anões do orçamento (R$ 800mi), do Tremsalão tucano (R$ 570 mi), da Sudan (R$ 214 mi), nem do Mensalão tucano de MG, todos ligados a políticos ou governos do PSDB.

No auge das manifestações do ano passado, quando milhares de jovens protestavam em frente a Rede Globo, em São Paulo, contra suas formas de cobertura (o que obviamente nunca foi noticiado), a emissora fez um editorial pedindo desculpas pelo apoio que havia dado ao Regime Militar. Parecia um compromisso de que dali em diante, as novas gerações que controlam a empresa não sucumbiriam mais à tentação de manipular a informação para influenciar a política brasileira.

Mas desculpas à parte, a incapacidade da Rede Globo em realizar coberturas eleitorais de forma imparcial parece estar encravada em seu DNA. Ao invés de assumir publicamente uma posição em prol de determinada candidatura, como é comum nas grandes redes de comunicação dos EUA e da Europa, a Organização disfarça uma pretensa neutralidade e coloca em curso sua obsessão por influenciar as eleições.

​Por isso, quando sentar para assistir o Jornal Nacional, saiba que o instinto do escorpião é incontrolável.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Concessões do regime militar desde 1964 - a herança

Sonegação milionária da Globo começa a ser divulgada 

Publicado em Sexta, 18 Julho 2014 15:16

Globo não pagou imposto pela aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002

Por Rafael Zanvettor
Caros Amigos


Foram divulgadas, nesta quinta-feira (17) pelo blog O Cafezinho, 29 páginas do processo da Receita Federal contra a Rede Globo. O relatório divulgado comprova que as organizações Globo criaram um esquema internacional envolvendo diversas empresas em sedes por todo o mundo para mascarar a compra dos direitos da Copa do Mundo de 2002. O objetivo principal seria o de sonegar os impostos que deveriam ser pagos à União em pela compra dos direitos.

A expectativa é que os primeiros documentos viessem a público no domingo, pouco depois da final da Copa, mas, por questões de segurança, a divulgação aconteceu nesta quinta-feira.

Operação
A engenharia da Globo para disfarçar a operação envolveu dez empresas criadas em diferentes paraísos fiscais. Todas essas empresas pertencem direta ou indiretamente à Globo, segundo os documentos. O esquema funcionava de modo que o dinheiro para a aquisição dos direitos era pago através de empréstimos entre empresas pertencentes à Globo sediadas em outros países. Deste modo, a empresa brasileira TV Globo, não gastava dinheiro diretamente com a operação. Posteriormente, as empresas que detinham os direitos de transmissão eram compradas pela TV Globo.

“Essa intrincada engenharia desenvolvida pelas empresas do sistema Globo teve, por escopo, esconder o real intuito da operação que seria a aquisição pela TV Globo dos direitos de transmitir a Copa do Mundo de 2002, o que seria tributado pelo imposto de renda”, afirma em relatório do processo o auditor fiscal Alberto Sodré Zile.

Com o esquema, o sistema Globo incorre em simulação e evasão tributária, ou seja, sonegação. O imposto sobre importâncias remetidas ao exterior para aquisição de direitos de transmissão de evento esportivo são de 15%; no caso da empresa beneficiária estar sediada em paraísos fiscais, esta taxa passa a ser de 25%, caso da Globo.

Débito ao País
O cálculo do imposto de renda devido pela empresa chega  a 183.147.981, 20 milhões de reais com base no valor pago pela compra, de 732.591.924,140 milhões de reais. Além do imposto devido, a empresa também deve pagar uma multa, que por se tratar de caso que envolve sonegação, chega a 274.721.970,05 milhões de reais. A este valor podem ser acrescidos os juros de mora, como descrito em processo divulgado no ano passado, de 157.230.022,58 milhões de reais. Deste modo, o valor total do débito da Globo com a população brasileira chega ao valor de 615.099.957,16 milhões de reais, sem contar a correção.

Leia abaixo o processo:

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A História: posicionamentos de ontem e de hoje

Nos EUA, a confirmação da mão de Roberto Marinho nos bastidores da ditadura

Em telegrama ao Departamento de Estado norte-americano, embaixador Lincoln Gordon relata interlocução do dono da Globo com cérebros do golpe em decisões sobre sucessão e endurecimento do regime
 
Embaixador Gordon descreve em detalhes ao Departamento de Estado dos EUA a influência de Marinho
Lincoln Gordon

No dia 14 de agosto do 1965, ano seguinte ao golpe, o então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, enviou a seus superiores um telegrama então classificado como altamente confidencial – agora já aberto a consulta pública. A correspondência narra encontro mantido na embaixada entre Gordon e Roberto Marinho, o então dono das Organizações Globo. A conversa era sobre a sucessão golpista.

Segundo relato do embaixador, Marinho estava “trabalhando silenciosamente” junto a um grupo composto, entre outras lideranças, pelo general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar; o general Golbery do Couto e Silva, chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI); Luis Vianna, chefe da Casa Civil, pela prorrogação ou renovação do mandato do ditador Castelo Branco.

No início de julho de 1965, a pedido do grupo, Roberto Marinho teve um encontro com Castelo para persuadi-lo a prorrogar ou renovar o mandato. O general mostrou-se resistente à ideia, de acordo com Gordon.
No encontro, o dono da Globo também sondou a disposição de trazer o então embaixador em Washington, Juracy Magalhães, para ser ministro da Justiça. Castelo, aceitou a  indicação, que acabou acontecendo depois das eleições para governador em outubro. O objetivo era ter Magalhães por perto como alternativa a suceder o ditador, e para endurecer o regime, já que o ministro Milton Campos era considerado dócil demais para a pasta, como descreve o telegrama. De fato, Magalhães foi para a Justiça, apertou a censura aos meios de comunicação e pediu a cabeça de jornalistas de esquerda aos donos de jornais.
No dia 31 de julho do mesmo ano houve um novo encontro. Roberto Marinho explica que, se Castelo Branco restaurasse eleições diretas para sua sucessão, os políticos com mais chances seriam os da oposição. E novamente age para persuadir o general-presidente a prorrogar seu mandato ou reeleger-se sem o risco do voto direto. Marinho disse ter saído satisfeito do encontro, pois o ditador foi mais receptivo. Na conversa, o dono da Globo também disse que o grupo que frequentava defendia um emenda constitucional para permitir a reeleição de Castelo com voto indireto, já que a composição do Congresso não oferecia riscos. Debateu também as pretensões do general Costa e Silva à sucessão.
Lincoln Gordon escreveu ainda ao Departamento de Estado de seu país que o sigilo da fonte era essencial, ou seja, era para manter segredo sobre o interlocutor tanto do embaixador quanto do general: Roberto Marinho.

Telegrama 1 
Telegrama 2 Telegrama 3

O histórico de apoio das Organizações Globo à ditadura não dá margens para surpresas. A diferença, agora, é confirmação documental.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O quarto poder - que poder! - que poder?

O garrote da história: mídia interdita o debate e a solução da crise

Até que ponto o monopólio midiático é responsável pelo 'consenso' que jogou o mundo na pior crise do capitalismo desde 1929? A pergunta não é retórica, tampouco a resposta é desprovida de consequências políticas práticas. Imediatas, urgentes, imperativas.

Trata-se, por exemplo, de saber em que medida a formação do discernimento social, condicionado por esférica máquina de difusão de certos interesses, dificulta a própria busca de soluções para a crise.

Mais que isso. Se esse poder blindado que se avoca imune à regulação -- como se constata em tintas fortes hoje na Argentina, mas não só-- tornou-se um dos constrangimentos paralisantes dessa busca, um difusor de impasses e confrontos, como democratizá-lo?

É disso que trata o Especial de Carta Maior que emoldura o histórico '7 D' argentino com a amplitude e a urgência que o tema encerra em nossos dias (leias as reportagens e análises nesta pág)

Medicada com doses adicionais da poção que a originou, graças ao receituário reiterado pelo dispositivo midiático, a desordem neoliberal arrasta a humanidade para o seu quinto ano de arrocho e incerteza.

A rigor, não há qualquer sinal otimista de convalescença ou superação.

A OIT estima que o mundo cadastrável chegará ao final de 2012 com um exército de 200 milhões de desempregados.

O estoque não foi acumulado integralmente na derrocada iniciada em 2008, mas é ela que o robustece e realimenta.

Ademais de gerar sucessivas massas de demitidos, a desordem neoliberal torna irrealizável a tarefa projetada pelo organismo da ONU que inclui a criação de 600 milhões de vagas nos próximos dez anos --duzentos milhões para zerar o saldo acumulado; mais 40 milhões de novos empregos anuais para atender às gerações que chegam ao mercado de trabalho.

A colisão de longo curso que esses números condensam desvela a raiz política de um impasse que expõe a natureza imiscível da supremacia financeira com os requisitos indispensáveis à convivência compartilhada.O emprego e tudo o que ele adensa em nossa sociedade em termos de direitos e dignidade é um desses pontos de tensão inegociáveis. Inclua-se ademais o principio do escrutínio democrático dos conflitos, do qual o capital a juro se isenta, e o acervo de direitos que revestem o cristal da civilização --patrimônio humanista que o atrapalha.

Em nenhum outro lugar do planeta essa incompatibilidade revela um ambiente de conflagração tão eloquente e pedagógico quanto no cenário desconcertante da zona do euro.

Se os mercados doentes deles mesmos são capazes de reduzir o berço do Estado do Bem Estar Social a um matadouro de direitos, em que a classe média recorre a instituições de caridade para não passar fome, caso hoje da Espanha, o que pode esperar o resto do mundo premido pela mesma lógica?

A Europa paga em libras de carne humana o ajuste de competitividade entre economias pobres e ricas cobrado pelo esgotamento do ciclo de crédito barato e irresponsável.

A paridade intocável do euro revela-se assim o pelourinho de uma unificação subordinada aos desígnios dos mercados --e sobretudo da exportação e da finança germânica Em respeito a esse 'senhor' --e a sua senhora, Angela Merkel-- aciona-se o triturador de uma austeridade que reduz humanos a coisas, atribuindo-se às coisas a deferência que caberia aos humanos.

Saldo da reciclagem até o momento: mais de 19 milhões de desempregados na zona do euro; 119,6 milhões de pessoas -24,2% da população- no limiar da pobreza em toda a Europa; US$ 1,3 trilhão entregues aos bancos europeus para salvá-los deles mesmos, depois de se esponjarem em estripulias tóxicas e ativos podres.

O custo humano da inversão de papéis não sensibiliza a mídia conservadora.

Ela continua a rezar pela cartilha da autossuficiência dos mercados, mesmo depois de desautorizada nos seus próprios termos por cifras épicas como essas.

Para a lógica editorial predominante, vivemos sob a irrelevância das evidências. A narrativa hegemônica, ressalvadas as exceções de analistas honestos, não cede.

No Brasil criou-se uma fronteira sanitária esquizofrênica. O noticiário internacional da crise não dialoga com a pauta local que ainda não virou o calendário anterior a 2008. O empenho em desqualificar o ativismo estatal dos governos petistas continua intacto, auxiliado pelo radicalismo golpista das editorias de política.

Hoje, a ênfase editorial, já colada à campanha tucana de 2014, consiste em provar a ineficácia das medidas contracíclicas que redefiniram o tônus da política econômica herdada do ciclo tucano neoliberal.

Incluem-se no alvo, naturalmente, a derrubada dos juros --ainda altos para o padrão internacional, mas no menor nível da história; a intervenção estatal indireta na banca, induzindo-a a cortar spreads pela concorrência agressiva das instituições públicas; as desonerações e subsídios ao setor produtivo, da ordem de R$ 45 bi (1% do PIB); a persistência de incentivos ao investimento, ao crédito e à construção civil e, mais recentemente, uma turquesa nos lucros indevidos das concessionárias de energia elétrica --impondo-lhes um desconto tarifário proporcional ao valor das amortizações consolidadas.

Três estados da federação sabotaram a medida reivindicada,entre outros, por associações industriais, como a Fiesp, de São Paulo. Os três estão sob o comando de governadores do PSDB.

Palavras de um deles que ilustra a mórbida reafirmação de um passado posto em xeque pela crise, cuja reiteração conservadora sonega o direito ao futuro aqui e alhures:

"A presidenta Dilma Roussef está fazendo uma profunda intervenção no setor elétrico a pretexto de reduzir a conta de luz".

A sentença condenatório dá pistas da sofisticação intelectual e do arrojado arcabouço político do novo delfim a suceder Serra na preferência conservadora à presidência da República em 2014, Aécio Neves.

Recapitulemos: estamos na maior crise do capitalismo em 80 ano, produzida pelo credo do Estado mínimo associado à celebração suicida dos mercados autorreguláveis.

Por 'profunda intervenção' entenda-se a prerrogativa do poder concedente de abrir o leque de alternativas à renovação de concessões, adicionando-lhes medidas de interesse do desenvolvimento do país e de sua gente em meio à hecatombe econômica mundial.

São esses os parâmetros de um confronto mediado por um dispositivo de comunicação todo ele alinhado ao atilado equipamento analítico do senhor Neves.

Transporte-se os mesmos personagens, o mesmo iimperativo de redefinição regulatória, a mesma rebelião das naftalinas para a discussão de uma outra concessão estratégica a reclamar a atualização dos seus termos: a área das telecomunicações, cujo protocolo de funcionamento remonta a 1962.

Não se trata de um exemplo aleatório.O que está em jogo é um incontornável requisito à superação da crise, cuja origem --o corpo de interesses e idéias que a engendrou- teve no monopólio midiático um pregador de eficiência implacável.

Coube-lhe acionar a britadeira da desqualificação e disparar os mísseis do interdito contra agendas, políticas, lideranças, plataformas, governos e países recalcitrantes ou insubordinados.

Ação equivalente registra-se agora na deriva do ciclo histórico demarcada pela falência do Lehman Brothers,em 2008.

A urgência democrática é clara e corre contra o relógio da restauração em marcha.

Trata-se de afrontar a espiral descendente da recessão mundial com uma nova hegemonia de forças e políticas que afrontem e superem a desordem dos mercados desregulados em sua derradeiro cobiça: fazer do colapso o 'novo normal' sistêmico, às custas da exceção permanente de direitos e conquistas sociais.

Os interesses ameaçados por esse mutirão progressistas, do qual Brasil --com os seus limites, que não são poucos-- é um dos protagonistas de peso, jogam hoje a rodada do vale tudo.

A expressão vale tudo descreve com fidelidade o que tem sido --e será, cada vez mais-- a rotina do noticiário não apenas econômico, mas político, judicial e policial dos últimos meses.

As ideias e interesses assim veiculados amplificam a sua força material graças à abrangência de um aparato de mídia sem rival no país --assim como acontece na Argentina pautada pelos interesses do polvo difusor que atende pelo nome de 'grupo Clarín'.

A superação dessa usina de consenso asfixiante não se dará exclusivamente no plano da luta ideológica.

Os partidos e forças que evocam a democratização das comunicações tem a obrigação de dar o exemplo prático em casa.

Urge, entre outras iniciativas, materializar a democracia na vida interna das organizações e, sobretudo, na gestão participativa da sociedade sob o comando de administrações progressistas, como será a da capital paulista.

Mas o empenho beligerante com que o dispositivo midiático assumiu a defesa dos interesses associados à crise não pode ser subestimado.

Ilude-se ao ponto da irresponsabilidade suicida o governante que ainda acredita ser possível superar o círculo de ferro do colapso mundial no plano exclusivo do êxito econômico.

Política é economia concentrada.

O espessamento político da crise tem na sabotagem tucana à redução da tarifa elétrica, e na forma como ela é noticiada, uma tênue ilustração do horizonte escuro que se prenuncia.

Quem tem a responsabilidade de liderar o passo seguinte da história não pode conceder à regressividade narrativa o monopólio do diálogo político com a sociedade.

A lição é clara e vem se juntar a uma montanha desordenada de escombros históricos originários de desastres causados pela hesitação e o acanhamento político diante do dia D --como o '7D' argentino, corajosamente agendado pela democracia do país vizinho.

Postado por Saul Leblon às 20:56