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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Quem diz o que vê? Como diz o que vê?

Somos todos mídia

Bia Martins, do blog Autoria em Rede 

Vivemos em uma época singular, na qual práticas e conceitos usuais vêm sendo desestabilizados por uma lógica que substitui o lugar anteriormente centralizado e restrito de produção de valor por um processo aberto e distribuído em rede, abalando profundamente as estruturas das instituições tradicionais.

Nas últimas semanas, assistimos essa mudança chegar com força total na esfera da imprensa aqui no Brasil, colocando em xeque sua credibilidade e, naturalmente, forçando-a a responder às novas dinâmicas. Um acontecimento, especialmente, marcou essa transformação: a prisão do estudante Bruno Telles no protesto em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo do Estado do Rio de Janeiro, no dia 22 de julho. Negro, morador da Baixada Fluminense, Bruno foi acusado pela Polícia Militar de ter lançado um coquetel molotov na manifestação, além de supostamente carregar mais explosivos em sua mochila.

Logo em seguida, pelas redes sociais, começou a circular um vídeo que mostrava Bruno totalmente fora da área de onde teria sido lançado o coquetel. Mais ainda: ficava evidente que ele não portava nenhuma mochila na ocasião. Para completar, também ficava clara a ação de policiais infiltrados, os P2, levantando a suspeita de que eles é que teriam iniciado os ataques naquele dia.

Assista ao vídeo que mostra Bruno à frente da manifestação e longe do local de onde é lançado o explosivo. Repare o grande número de pessoas filmando e fotografando o protesto.


A repercussão foi tamanha que o vídeo acabou sendo exibido pelo Jornal Nacional e, o mais importante, toda a narrativa que havia sido divulgada sobre aquela manifestação – creditando aos manifestantes o começo do tumulto – teve que ser reconstruída. E Bruno, que por sua condição social teria sido facilmente criminalizado com provas forjadas, foi inocentado e saiu como herói.

A cobertura direta das mobilizações vem sendo feita por diversas pessoas e coletivos, que participam dos protestos ao mesmo tempo em que fazem o registro em streaming – filmando e transmitindo em tempo real. Isto muda tudo: a polícia não pode mais agir impunemente ou impedir o registro. São muitos filmando e muitos mais ainda assistindo simultaneamente em seus computadores, como testemunhas dos acontecimentos.

Além disso, essas transmissões resultam em adesão significativa às mobilizações, fazendo que se transformem em acontecimentos públicos de maior dimensão. Protestos como #ocupacabral e #ocupacamara, que acontecem atualmente na cidade do Rio de Janeiro, ganham maior repercussão na medida em que podem ser acompanhados e apoiados por centenas de pessoas ao vivo. Sem essa cobertura e com a omissão da grande imprensa, teriam certamente muito menos força.

Existem vários grupos trabalhando no streaming dos protestos, como o Olho da Rua, Vidblog Vidigal e Mídia Ninja. Este último é o mais conhecido, por agregar maior audiência e ter conseguido formar uma grande rede de coberturas por todo país e, por isso mesmo, ter também grande penetração nas redes sociais. Vale conferir este site que agrega vários desses coletivos em todo o Brasil.

O fortalecimento desse jornalismo de multidão, exercido pelos cidadãos não necessariamente formados ou em formação nas faculdades de jornalismo ou nas redações, tem causado grande desconforto na grande imprensa. São inúmeros os artigos tentando reforçar o papel do jornalista profissional como mediador autorizado e, ao mesmo tempo, desqualificar aquilo que é produzido fora de seu circuito.

Certamente, este não é o melhor caminho para que a imprensa garanta o seu lugar no espaço público de debate. É preciso reconhecer que a circulação de notícias e opiniões mudou radicalmente e para sempre. Hoje todos somos mídia. Com nossos smartphones podemos registrar os acontecimentos e transmiti-los em tempo real, contribuindo com a construção da opinião pública de forma muito mais plural e diversificada.

A imprensa tradicional, a meu ver, não vai deixar de existir. Sua relevância certamente vai depender de como vai atuar no novo ambiente midiático. Deixará de ter um lugar tão central, como antes, para dividir espaço com a multidão de cidadãos que também participarão da produção de relatos e avaliações sobre os acontecimentos. Sua credibilidade será colocada em xeque a todo momento, por isso mesmo terá que considerá-la muito seriamente pois seus deslizes terão muito mais visibilidade.
Como se vê, vivemos tempos novos e promissores, pois a concorrência da mídia cidadã distribuída contribui, e muito, para o aprimoramento da qualidade de nossa esfera pública.

Um adendo: a cobertura distribuída não começou agora. A reunião da OMC em Seattle, em 1999, marcou o início do jornalismo ativista em rede. Para conhecer mais, a referência é o excelente artigo do professor Henrique Antoun – Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mídia.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Mídia Ninja

Boletim Carta Maior
Mídia| 06/08/2013 | Copyleft

Mídia Ninja: "tomar posição sem vestir o manto da falsa imparcialidade da grande mídia"

O ao vivo sem pós-produção da Mídia Ninja é capaz de despertar debates sem o aval da mesma mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários. Em entrevista à Carta Maior, os ninjas reclamam da falta de um marco regulatório da mídia e dizem que "a ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população."

 
 
A simultânea crise e consolidação dos veículos tradicionais também recebe no seu seio mídias agora reconhecidas como alternativas. Com modo de expor particular: o fato tal como ele se dá e "se dando". O "ao vivo" sem pós-produção. O debate, então, é aberto obrigatoriamente sem aval da mesma grande mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários.

Desponta um grupo dentre estes que são conhecidos como meios alternativos de informação: o Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação). O grupo cedeu entrevista por e-mail à Carta Maior e nos contou sobre sua configuração e posição políticas.

A iniciativa fala de dar poder aos novos protagonistas da realidade brasileira, mas também o posicionamento do mercado e Estado traz questionamentos que deverão seguir no horizonte dessa mídia que mesmo incipiente tem seu importante papel. Aprofundar e efetivar a liberdade de expressão para além do capital passa a ser hoje uma das principais pautas da expansão da democracia.

Carta Maior: Quando se iniciaram as atividades do grupo? Quantas pessoas participam do grupo e como são coordenadas suas atividades?

Mídia Ninja: O Ninja surge a partir de um acúmulo de mais de 15 anos de produção midialivrista no Brasil, de experiências que vão desde os fanzines e da blogosfera ao Fora do Eixo, rede que está em mais de 200 cidade no país e vem desenvolvendo tecnologias de comunicação e produção de conteúdo há 7 anos. Nesse processo aproximou de si outras redes, coletivos, jornalistas e midialivristas que, juntos, deram início a um projeto que ao mesmo tempo conseguiu que se fortalecesse um veiculo independente, como também catalisar uma rede de comunicação autônoma que usufrui dos frutos e ferramentas desenvolvidas durante esse histórico.

Hoje ele é uma rede descentralizada de comunicadores que buscam novas possibilidades de produção e distribuição de informação. São milhares de pessoas usando a lógica colaborativa de compartilhamento que emerge da sociedade em rede como premissa e ferramenta. A iniciativa veio à tona há meses atrás, durante a cobertura do Fórum Mundial de Mídia Livre na Tunísia. Desde então, o Ninja vem realizando coberturas por todo Brasil, apresentando pautas e abordagens omitidas na mídia tradicional.

CM: Qual, na opinião de vocês, é a função das narrativas independentes? De que maneira vocês quiseram retratar os atos e protestos dos últimos dois meses?
MN: A função das narrativas independentes é dar poder a cada vez mais gente para contar histórias a partir do ponto de vista do que estão vivendo. Mais do que uma ferramenta, é uma noção que ajuda a dimensionar a comunicação como serviço de utilidade pública.

Além de comunicadores, somos ativistas também. Quando fomos fazer a cobertura da vinda do Papa ao Brasil por exemplo, direcionamos o nosso olhar para entender quem era contra a visita de Francisco, não contra a religião, mas que protestava pela ausência de um Estado laico.

Logo, as nossas coberturas sempre explicitarão aquilo que de fato estamos vendo e vivendo. Nós também tomamos bombas em protesto, dois de nós já foram presos apenas por estar exercendo o direito à comunicação. Quando fazemos a cobertura de um protesto indígena ou quilombola, estamos de fato envolvido com aquela pauta, não se ganha legitimidade com quem está nas ruas apenas com discurso, a nossa prática de mídia precisa estar com a frequência modulada com o espaço-tempo da nossa geração.

CM: O que pensam do Marco Regulatório da Mídia? Como vocês veem o problema da mídia no Brasil?

MN: A ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população, e favorece a existência de oligopólios que tanto comprometem a pluralidade nos conteúdos que são veiculados quanto a independência nas pautas.

Outro ponto: a falta de um marco regulatório não condiz com o contexto político, que apresenta o empoderamento de uma nova geração de protagonistas. As possibilidades que temos com a tecnologia disponível hoje em dia e as possibilidades de democratização da produção de conteúdo também não são contempladas.

É dever do estado também promover a diversidade de opiniões. Uma lei contribuiria necessariamente para a não criminalização dos movimentos sociais, por exemplo. Além de garantir a diversidade e o direito de manifestação e liberdade de expressão, distribuindo de forma mais equânime e democrática o recurso público ou o espectro eletromagnético.

Da forma que está hoje, a Globo recebe uma porcentagem gigantesca das verbas de publicidade do governo e uma emissora como a Jovem Pan ocupa uma faixa de espectro equivalente a de centenas de rádios comunitárias.

CM: De que maneira vocês se colocam no debate político hoje?

MN: A mídia livre é um ato político, e todo ato precede necessariamente de um debate. Tomar uma posição diante do que estamos cobrindo sem vestir o manto da falsa imparcialidade da grande mídia já é uma forma de se colocar.