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sábado, 23 de maio de 2015

Um imaginário regional como força identitária


Eles trabalham e admiram a 9ª Bienal do Mercosul Mateus Bruxel/Agencia RBS

A segurança Alessandra Rodrigues ao lado da obra Coisas em Pausa, da artista Tania Perez Cordova, na 9a. Bienal do Mercosul, POA, 2013. Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS, no Diário Gaúcho.

22/05/2015 - Copyleft

Cuidar do Mercosul é cuidar do Brasil e de seus parceiros regionais

O Mercosul vem ampliando uma agenda que transcende a dimensão econômica, envolvendo direitos humanos, institucionalidade democrática, educação e cultura.


Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI) Mercosul
Com alarmante frequência têm surgido na mídia, no Congresso, em âmbitos empresariais e, mais recentemente, na voz de algumas autoridades governamentais opiniões favoráveis à “flexibilização” do Mercosul de modo a transformá-lo em mera área de livre comércio. Há ainda alguns que desejam a própria extinção do bloco.

Argumenta-se que o Mercosul é um “fracasso” e que a sua união aduaneira, ao exigir a formação de um consenso prévio na negociação conjunta de acordos comerciais extrabloco, impede maior participação dos Estados Partes nas cadeias produtivas globais e nos grandes fluxos comerciais internacionais. Segundo essa visão cética em relação ao Mercosul a “solução” seria o abandono da união aduaneira, para permitir que os países do bloco possam negociar livre e separadamente acordos de livre comércio com os EUA, a União Europeia, a China e outros global players.

Na opinião do GR-RI, tal visão é inteiramente equivocada e resulta de um crasso desconhecimento da dinâmica do Mercosul, das complexidades inerentes às negociações comerciais e da nova geoeconomia que vem se conformando em nível global.

O Mercosul não é um fracasso. Ao contrário, esse bloco, mesmo com suas conhecidas insuficiências e incompletudes, é claro êxito. O comércio intrabloco cresceu, nos últimos 15 anos, bem acima do crescimento do comércio mundial. Mais importante ainda, o comércio extra-bloco do Mercosul também aumentou acima do crescimento do comércio global, no mesmo período considerado. Portanto, a hipótese de que o Mercosul seria um fracasso e estaria impedindo maior participação dos Estados Partes nas cadeias produtivas globais simplesmente não tem base empírica.

Ressalte-se que o Mercosul, ao contrário do que afirmam seus críticos, não é um bloco autárquico. Na realidade o Mercosul, conforme determina o artigo 20 do Tratado de Assunção, é um bloco aberto à adesão de qualquer país da Associação Latino-americana de Integração (ALADI). O Mercosul já tem comércio com toda a América do Sul e, no campo extrarregional, negocia a intensificação de seus fluxos de comércio em condições justas para nossas economias. No caso da negociação com a União Europeia, por exemplo, os avanços emperram na sua Política Agrícola Comum (PAC) que obstaculiza a entrada dos produtos mais competitivos do Mercosul no mercado europeu.

A atuação do bloco em negociações de comércio é cercada, contudo, das cautelas e salvaguardas necessárias para evitar danos irreversíveis aos setores econômicos dos Estados Partes, particularmente as suas indústrias, já afetadas, em alguns casos, por um processo de desnacionalização que limita a capacidade de inovação tecnológica e de indução do desenvolvimento ao longo das cadeias produtivas.

Para o Brasil, em particular, o Mercosul e a integração regional propiciam, mesmo na atual crise, um mercado fundamental para nossa combalida indústria de transformação.

Além disso, o Mercosul vem ampliando uma agenda que transcende a dimensão econômico-comercial, envolvendo direitos humanos, institucionalidade democrática, educação e cultura. Vem fazendo lentos mas significativos progressos no que tange ao imprescindível enfrentamento das assimetrias regionais, à livre circulação de trabalhadores, à instituição de órgãos supranacionais e à construção de uma cidadania comum na região, objetivo maior do processo de integração. O Mercosul tem uma clara dimensão política que ultrapassa suas conquistas comerciais e econômicas para os países membros.

Para o Brasil e os demais Estados Partes, o Mercosul confere fundamental vantagem estratégica. A construção de sinergias econômicas e comerciais, baseada na união aduaneira, permite aos Membros do bloco negociar, em condições mais vantajosas das que seriam possíveis obter de forma isolada, sua inserção na globalização assimétrica. Tal vantagem estratégica é ainda mais acentuada, em contexto de crise econômica mundial, de ameaças ao regime multilateral de comércio e de acirramento dos embates comerciais.

Nesse contexto, o abandono da união aduaneira e a celebração célere e isolada de acordos de livre comércio com grandes potências econômicas, como querem os detratores do Mercosul, seria trágico erro. Lembre-se que, além das grandes assimetrias entre as partes, tais acordos contêm cláusulas relativas à propriedade intelectual, às compras governamentais e ao regime jurídico dos investimentos, que podem comprometer, em definitivo, o espaço para a construção de políticas industriais e de desenvolvimento tecnológico.

Assim, a extinção da união aduaneira e a celebração isolada e açodada de tratados de livre comércio poderia até agradar, no curto prazo, a alguns grupos econômicos internacionalizados, ou aqueles setores locais que desistiram de uma inserção mais qualificada na economia global, mas significaria golpe mortal para o desenvolvimento econômico futuro dos Estados Partes.

No entendimento do GR-RI, a solução para o Mercosul e seus Membros, nesse contexto de crise mundial e regional, não é menos integração, mas sim mais integração. Portanto, o processo de integração deve ser intensificado e acelerado, mediante a constituição de amplas cadeias produtivas regionais, o combate intenso às assimetrias entre os Estados Partes, o enfrentamento decidido dos problemas sociais do bloco e avanços definitivos e irreversíveis na construção da cidadania comum do Mercosul, sem prejuízo de negociações comerciais extrabloco que preservem, em seus resultados, a capacidade dos Membros de promover políticas de desenvolvimento, industriais e de inovação tecnológica.

Nesse sentido, o GR-RI apela a todas as forças progressistas dos Membros do Mercosul a que se oponham a essa tentativa de desintegração do bloco que é, em última instância, a desintegração de um futuro de desenvolvimento e de justiça social para as populações mercosulinas. E, neste momento, o Brasil tem uma responsabilidade especial por ocupar a Presidência Pro-Tempore do bloco.

Por último, o GR-RI demanda ao Ministério das Relações Exteriores a constituição urgente do prometido Conselho Nacional de Política Externa, de modo a que a sociedade civil brasileira possa participar ativamente do debate sobre o futuro do Mercosul e outros temas igualmente relevantes das relações internacionais do Brasil.

Brasil, 20 de maio de 2015.
brasilnomundo-logoGrupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
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@brnomundo | facebook.com/branomundo


Apoiam
ActionAid Brasil
Coletivo Nacional de Juventude Negra (Enegrecer)
Coordenadoria de Relações Internacionais da Prefeitura de Guarulhos
Fórum Universitário Mercosul (FoMerco)
Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
Partido dos Trabalhadores (PT)
Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (REBRIP)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A comunicação entre nações: memória que propicia discursivizações supranacionais

Mercosul ganha Museu para construir memória e combater esquecimento

Pensar o Mercosul como uma coordenação de políticas de Direitos Humanos é resposta ao que foi a coordenação de políticas de terrorismo de Estado, da Condor



Marco Aurélio Weissheimer Alina Souza/Palácio Piratini

Porto Alegre - Quando era Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Eduardo Luis Duhalde propôs a criação da Operação Paloma para a integração regional através dos direitos humanos. Seria uma resposta dos governos democráticos da região às políticas de terrorismo de Estado implantadas pelas ditaduras que infestaram o Cone Sul. A ideia de Duhalde ganhou materialidade, terça-feira (1), com a inauguração, em Porto Alegre, do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul (MDHM), que funcionará no prédio do Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega. Ao inaugurar o museu, o governador Tarso Genro destacou que o projeto representa o trabalho de uma geração inteira sobre a democracia. “Nem todas são obras diretamente políticas, mas são trabalhos e documentos que se relacionam com um determinado período da histórica que nós temos que fixar na memória do povo e da cidadania”, afirmou.

A exposição inaugural do MDHM, “Deus e Sua Obra no Sul da América: a Experiência dos Direitos Humanos Através dos Sentidos”, reúne obras de 145 artistas do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Equador, e marca o início da Semana da Democracia, um conjunto de atividades e debates promovidos pelo governo gaúcho para assinalar a passagem dos 50 anos do golpe civil-militar de 1964. Instaladas no primeiro andar do museu, em uma área de aproximadamente mil metros quadrados, as obras incluem fotos, vídeos, pinturas, esculturas, instalações, cartazes, cartuns, charges e documentos, com contribuições dos países do Cone Sul, cujas democracias foram golpeadas por ditaduras nos anos 60 e 70 principalmente.


Além de um acervo permanente, o museu terá exposições e mostras focadas em outros temas, com a contribuição também do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). Para abrigar o Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, o prédio histórico da antiga agência dos Correios e Telégrafos, na Praça da Alfândega, recebeu uma reforma, que ainda não foi concluída, com recursos do Estado e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no valor de R$ 1,5 milhão. Com uma nova verba do PAC das Cidades Históricas, no valor de R$ 4 milhões, o prédio será totalmente climatizado até 2016. O museu funcionará de terças a sextas-feiras, das 10h às 19h, e aos sábados das 12h às 18h.

Segundo o diretor do Memorial e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Márcio Tavares dos Santos,  o novo espaço terá a missão de ser um elo entre as instituições de memória que existem no Mercosul. “É um museu transnacional, uma experiência única no continente e talvez no mundo, cuja função principal será trabalhar pela integração, pela paz e pelos direitos humanos. O secretário estadual da Cultura do Rio Grande do Sul, Luiz Antônio de Assis Brasil, leu um trecho da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, para resumir a importância da iniciativa:

“Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres (...)”

Travar um combate sem tréguas contra a ignorância, o esquecimento e o desprezo pelos direitos humanos: essa é a missão do novo museu. “Passaram-se 225 anos desta Declaração e, no entanto, quantas transgressões e desrespeitos a esses direitos a humanidade viveu neste período. Não podemos dar oportunidade ao acaso. Sempre há forças prontas a recuperar seus poderes. E uma das nossas maiores armas contra isso é a lembrança”, disse Assis Brasil, lembrando o fogo de chão, na Fazenda Boqueirão, município de São Sepé (RS), que é mantido aceso desde o início do século XIX, há mais de 200 anos.

 Victor Abramovich, Secretário-Executivo do Instituto de Políticas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH-Mercosul), destacou o desafio imenso de construir uma memória regional. “Os países do Cone Sul compartilham um passado comum de lutas populares de enfrentamento às ditaduras. Esse passado comum é fundamental para a construção da nossa memória que é, por sua vez, essencial para aprofundar o processo de integração entre nossos países”, assinalou. “Não trabalhamos a memória”, acrescentou, “simplesmente para olhar para o passado, mas para pensar o futuro que queremos construir. Pensar o Mercosul como uma coordenação de políticas de Direitos Humanos é a melhor resposta que podemos dar à coordenação de políticas de terrorismo de Estado que foi a operação Condor”.


Uma das principais articuladoras da proposta do Museu, a ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, comemorou a inauguração do Museu, lembrando a inspiração que foi a ideia da Operação Paloma, de Eduardo Duhalde. No dia em que deixou a Secretaria de Direitos Humanos para reassumir sua cadeira na Câmara dos Deputados, Maria do Rosário anunciou que pretende, no Congresso, se dedicar à luta pela revisão da Lei da Anistia que, até hoje, garante a impunidade dos torturadores. “Não é razoável que a mais alta Corte do país siga dizendo que diante da tortura seguirá prevalecendo a impunidade”.

A nova titular da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvati, também participou da inauguração e destacou a importância de não se baixar a guardar em relação aos inimigos da democracia. “Os germes do autoritarismo e da prepotência seguem latentes, como vimos há poucos dias no país, com pessoas dispostas a sair às ruas para defender a volta da ditadura. Embora as marchas convocadas tenham sido um fracasso, a mera disposição em convocá-las mostra que não podemos descansar, achando que esse perigo está eliminado”.