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quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A voz do dono e o dono da voz no Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação

Semana pela Democratização da Mídia faz combate ao 'coronelismo eletrônico'

Controle dos meios de comunicação por parlamentares influencia o resultado eleitoral, segundo Bia Barbosa, do coletivo Intervozes

São Paulo – A Semana pela Democratização da Mídia, organizada pelo Fórum Nacional da Democratização da Comunicação (FNDC) em nove estados, de ontem (13) até sábado, promove debates em universidades, audiências públicas nas assembleias legislativas e a coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática (Plip). Na próxima sexta-feira (17) comemora-se o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação.

Bia Barbosa, integrante do coletivo de jornalismo Intervozes e militante do fórum, explica à Rádio Brasil Atual que, além de promover atividades sobre a conscientização da necessidade de uma mídia democrática, a mobilização quer acabar com o coronelismo eletrônico. "A gente chama de coronelismo eletrônico o controle de deputados e senadores que detêm os meios de comunicação e através da mídia influenciam e controlam o resultado eleitoral", explica.

Para Bia, durante o período eleitoral, a concentração dos meios de comunicação nas mãos dos interesses privados é "muito grave" para a democracia. "O impacto que esse tipo de tendência, de informação seletiva, em que se fala mais de um ou menos de outro político, tudo isso influencia no resultado eleitoral", afirma. A militante pontua que nossa mídia é controlada por um grupo de famílias e que o impacto da manipulação de informação, para defender interesses políticos durante as eleições, compromete os resultados.

"A diversidade de ideias, vozes e pluralidades culturais acabam não circulando de forma democrática no conjunto dos meios de comunicação de massa, que são controlados por poucos grupos. Quando a gente fala em democratizar, a gente fala em ampliar o número de vozes que podem se expressar", considera.

O FNDM integra entidades sindicais e movimentos sociais e elaborou o Plip, que visa a regulamentar as leis de mídia no país. Para tramitar no Congresso Nacional, o projeto precisa do apoio de 1,3 milhão de assinaturas.

A regulamentação da mídia passa pela adoção de medidas de regulação democrática sobre a estrutura do sistema de comunicações, o combate à monopolização da mídia, a luta pela pluralidade de ideias e opiniões nos meios de comunicação e a promoção da cultura nacional em sua diversidade e pluralidade.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

TV e Cultura Livre: projeto possível? desejável?

O Brasil que você não vê na TV (comercial)

Escrito por: Luana Bonone
Fonte: Barão de Itararé

Enquanto a televisão comercial brasileira escolhe concentrar a cobertura eleitoral na agenda de candidatos e nos resultados de pesquisas de intenção de votos, há TVs públicas e estatais, dentro e fora do Brasil, realizando debates que dão conta de maneira muito mais interessante da realidade e dos possíveis rumos. Então por que a TV pública não tem audiência no Brasil?

A tragédia que se abateu sobre o candidato à presidência da República Eduardo Campos trouxe consequências sensíveis ao quadro eleitoral no país. Os canais de TV comerciais noticiaram o acidente, assim como a reação dos outros candidatos e do partido de Eduardo Campos à sua morte. Desde então concentram a cobertura nos resultados das pesquisas de opinião.

Mas onde está o debate público sobre os diferentes projetos, sobre o perfil das candidaturas ou mesmo sobre a opinião de cada candidato a respeito do projeto de país?  O que você não vê nos canais comerciais pode estar passando em outro canal, como é o caso da Televisión del Sur (Telesur), uma TV multiestatal, financiada por 7 países e que tem por objetivo ser um canal de notícias de toda a América Latina. Confira o debate que a Telesur promoveu a respeito ao crescimento das intenções de voto na candidata Marina Silva após o trágico acidente que tirou a vida de Eduardo Campos: Brasil: Marina Silva, principal rival de Dilma Rousseff en elecciones

O canal também noticia o impacto de programas educacionais brasileiros, como o Pronatec, e apresenta grandes nomes da nossa cultura, como a atriz Fernanda Montenegro. O mesmo vale para as notícias relativas aos demais países da América Latina, é claro.

A Telesur, portanto, é uma experiência exitosa em termos de sustentação da grade de programação, alcance e linha editorial definida, com capacidade de representar um contraponto à mídia comercial em termos de conteúdo, sem cair na armadilha de se tornar panfletária. Mas por que a TV pública é tão desconhecida em nosso país? Para o conselheiro da Telesur Beto Almeida, “a TV pública ameaça os conservadores porque não é TV de alinhamento incondicional, pode ser ou não. Já a TV comercial é dominada pelo anunciante, a ideologia da notícia passa pelo setor comercial”. E é justamente por isso que o jornalista defende a importância do fortalecimento dos canais públicos, sejam eles estatais ou não.

A América Latina se levanta
Há diversas experiências recentes na América Latina no rumo da democratização da comunicação e, via de regra, contam com importantes canais públicos de rádio e televisão. Beto explica que o Canal 7, TV pública argentina, faz um contraponto ao jornalismo comercial do país, o qual faz oposição aberta à presidenta Cristina Kishner. Entretanto, há um cuidado para o canal não desenvolver uma linha adesista ou panfletária. “O Canal 7 argentino fomenta o debate, faz contraponto, não sai em defesa da Cristina [Kishner]. Quando houve o caso dos chamados fundos abutres, a TV pôs o assunto em debate, colocou para falar pessoas historicamente caladas pela mídia comercial”, explica Beto Almeida.

A TV pública argentina também apresenta uma linha de documentários diferenciados, a favor da integração latino-americana. Na Bolívia, o Evo Morales criou uma TV pública e também uma rede nacional de rádios indígenas que reúne mais de 60 emissoras. No Equador, a legislação estabeleceu uma distribuição de espectro espelhado na legislaçãoargentina: 33% para o Estado, 33% para canais comunitários (entidades sem fins lucrativos) e 33% para o setor comercial de rádios e TVs. Na Venezuela, o Estado combina um modelo que fomenta TVs estatais e públicas. A concessão não renovada para a Radio Caracas Televisión (RCTV), em 2007 (vale destacar que a emissora permanece veiculando seu conteúdo em canal privado, com transmissão a cabo), foi passada para um canal público denominado Canal Social, dirigido por uma cooperativa que reúne em média 500 pequenos e micro produtores independentes. Após fazer este resumo dos avanços, o conselheiro da Telesur constata que o panorama na América Latina está mudando tremendamente, e lamenta: “no Brasil não”.

Membro do conselho curador da TV Brasil, Rita Freire lamenta ausência completa a respeito da comunicação pública nas eleições presidenciais: “é decepcionante que um tema tão fundamental como o as políticas para o fortalecimentos da mídia pública brasileira passe longe dos debates eleitorais, e isso porque tratar desse tema requer desconcentrar e democratizar a comunicação, algo que não interessa aos poucos e poderosos grupos da mídia privada que detem muito poder hoje”.

Comunicação pública no Brasil
No Brasil as ações pioneiras de estabelecimento de canais de radiodifusão públicos se deram no Estado Novo. Entretanto, a lógica estava voltada aos interesses de formação de mão-de-obra ao desenvolvimento do país de uma maneira rápida, barata e vertical (para evitar o questionamento que uma sala de aula pode ensejar). O primeiro projeto de televisão pública no Brasil, portanto, é de uma televisão educativa. Embora não tenha logrado sucesso – por conta da pressão das televisões comerciais, com destaque para o magnata da radiodifusão Assis Chateaubriant –, tal experiência viria marcar uma tradição das TVs públicas, ainda hoje em sua maioria educativas. A primeira experiência de radiodifusão efetivamente exitosa foi a Rádio Nacional, que efetivamente não nasceu de um projeto pensado pelo governo. A Rádio Nacional foi incorporada à União como resultado de uma ação de estatização do patrimônio da emissora após a constatação de uma dívida insustentável com o Estado.

Embora não tenha nascido de um projeto do governo Getúlio, a Rádio Nacional tornou-se um poderoso instrumento de propaganda do Estado Novo, fato que ainda hoje cria resistências dentro do próprio campo dos movimentos sociais à ideia de uma comunicação estatal. Beto Almeida, da Telesur, defende que o importante não é o caráter estatal ou não, mas o conteúdo, e destaca o caso das TVs públicas europeias, em geral alinhadas com uma opinião pró-OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em todos os conflitos internacionais recentes.

O único caso em que a posição da BBC de Londres divergiu da posição da OTAN, ocorrido no episódio em que o governo britânico sustentou que havia armas de destruição em massa no Iraque para justificar um ataque militar, seu diretor-presidente, Gavyn Davies, foi levado a se demitir. Tal fato revela que mesmo as TVs públicas mais consolidadas na chamada democracia ocidental não possuem autonomia editorial em relação à opinião hegemônica da elite. Exatamente por este motivo a autonomia, sejaem relação aos governosou a empresas privadas, e quaisquer instituições que o valham, é um valor muito caro à sociedade civil organizada. Assim, a luta se dá em torno da constituição de um canal público não-estatal no Brasil.

Segundo Diogo Moysés, do coletivo Intervozes de comunicação, “embora consagrado na Constituição de 1988, o sistema público de comunicação, compreendido como um campo estatal com autonomia em relação ao governo, começou a dar os primeiro passos com a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), no início do segundo mandato do ex-presidente Lula. Naquele momento, com o Ministério da Cultura à frente, foram criadas as condições para esse avanço”. A EBC congrega diversos veículos públicos, entre os quais a TV Brasil.

A TV Brasil
Mesmo os defensores da comunicação pública mais críticos à TV Brasil reconhecem que sua criação é um avanço no que se refere a política de comunicação no país. Ao mesmo tempo, todos os setores que valorizam a TV Brasil, apontam as contradições e insuficiências do canal, como reflexo dos limites da própria política de comunicação ora conduzida.membro do conselho curador da TV Brasil e entusiasta do projeto de fortalecimento da comunicação pública no Brasil, Rita Freire avalia que uma das questões importantes a ser tratada a respeito da TV Brasil no que diz respeito à sua autonomia é em relação à “dependência do governo, já que faltam políticas de Estado adequadas para preservar a EBC dohumores e prioridades políticas do momento, nas negociações deorçamentos e distribuição de cortes. Como a EBC abrange uma mídiagovernamental, que a NBR, as coisas se confundem até para a sociedade.A ideia de mídia pública se mistura com a do governo, dificultando que a população se aproprie mais do debate da EBC como empresa pública”. A TV NBR é um canal brasileiro de notícias governamentais.

Tal opinião é compartilhada por Diogo  “a independência de gestão e financeira da EBC em relação ao governo não se concretizou de fato, criando uma empresa cuja legitimidade pública terá dificuldade de se realizar. Além disso, há uma acomodação com a pequena capacidade de incidência dos conteúdos produzidos pela EBC, como se fosse satisfatório um sistema cuja incidência na vida dos brasileiros seja marginal, quase nula. Tudo isso está impedindo o sistema de alçar voos maiores. Estamos completamente estacionados”, avalia o membro do coletivo Intervozes.

TV Cultura: a importância de um conselho curador democrático
A imagem da TV pública deve manter uma distância segura e uma autonomia de opinião necessária em relação ao governo federal. Este é justamente o papel do conselho curador: deve ser um órgão de participação da sociedade civil, cujo papel é definir uma linha editorial independente, autônoma em relação a governos e interesses privados, e plural, considerando a diversidade de opiniões, culturas e visões de mundo presentes na sociedade. Um bom exemplo de como não fazer isso é a TV Cultura, de São Paulo. Com um conselho curador absolutamente fechado, mantém uma patota de alinhados à posição hegemônica elitista, muito forte no estado. Primeira candidata ao Conselho Curador da TV Cultura vinda dos movimentos sociais na historiado estado, Renata Mielli fala sobre o impacto de um conselho engessado e quase aristocrático: “neste momento, não há instrumentos de diálogo entre este Conselho e a sociedade. O conselho hoje se autonomeia e renova, sem critérios republicanos de participação e transparência. Sem espaços de diálogo, ele se afasta da realidade do povo paulista e, com isso, perde o poder de auscultar as críticas e contribuições da sociedade para o projeto fundamental e necessário de um instrumento público de comunicação para São Paulo”, avalia Renata, que é diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

Com a preocupação de disputar audiência com as TVs comerciais, a TV Cultura encontrou uma solução “brilhante” para tornar sua programação mais plural: passou a veicular um programa da TV Folha, produzido pelo grupo Folha de S. Paulo. Tal decisão parte de uma premissa equivocada, como define Renata Mielli: “acho importante falar do equívoco que é fazer uma TV pública buscando competir com as comerciais pela ‘audiência’. E nos referirmos aos equívocos que esta linha tem trazido para a TV Cultura, com a inclusão da TV Folha na programação e como a ausência de um conselho transparente e eleito democraticamente com participação da sociedade”. O principal consenso entre os defensores e promotores da comunicação pública é que, ainda que os canais sejam permeados de produções independentes, o que não pode ser terceirizado em nenhuma hipótese é justamente o jornalismo, visto que é o principal veio de expressão da linha editorial do veículo, que deve ser debatida e definida por um conselho curador plural e democrático, assim, a “grande sacada” de veicular a TV Folha já contradiz uma premissa fundamental dos canais públicos. Isso é importante inclusive porque os interesses que devem motivar o jornalismo dos canais públicos não podem se atrelar aos interesses privados que em geral influenciam a linha editorial dos meios comerciais – esses também deveriam seguir critérios que atendessem ao interesse público, mas isso é assunto para um outro longo debate, que é a regulação da comunicação comercial.

Veicular um programa de um veículo impresso de grande circulação sem se ter aberto edital público ou qualquer outro instrumento para a escolha do programa representa uma audiência de transparência, que se torna ainda mais suspeita se considerado que a Folha de S. Paulo paga pelo espaço com permuta: por meio de anúncios da TV cultura em suas edições impressas – cabe ressaltar que ao final de cada programa o TV Folha convida os telespectadores a acompanharem a edição impressa do dia seguinte, promovendo uma marca privada dentro do canal público, sem qualquer critério de como tal programa seria selecionado ou qual marca se encaixaria melhor no projeto da TV.

Financiamento e outros entraves
Mas nem só de permutas com a Folha de S. Paulo vivem as TVs públicas estaduais. Se é verdade que a TV Brasil e mesmo a Agência Nacional do Cinema (Ancine) tem publicado muitos editais voltados para a radiodifusão pública – embora haja dificuldades orçamentárias imensas na EBC –, falta uma regulamentação das TVs públicas no Brasil. Essa é a opinião do presidente da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Pedro Osório. Segundo Pedro, que é também presidente da Televisão Educativa estadual TVE-RS, “as diferenças jurídicas e institucionais são extraordinárias de uma emissora para a outra. Em alguns estados o poder do procurador, por exemplo, é determinante no cotidiano da TV, é uma dificuldade enorme para autorizar uma viagem ou licitar um equipamento”.

Grade de programação e produção independente
O presidente da Abepec explica que a própria criação de uma TV pública nacional foi demandada pela rede de TVs públicas, conforme sinalizaram os fóruns de TVs públicas. Embora Pedro considere “decisivas” as parcerias da TV Brasil com as TVs públicas regionais, ele avalia que a emissora nacional “é um pouco distante das emissoras locais. A TV Brasil deveria ter mais ciência do que ocorre, ter mais contato com o que é feito Brasil afora em termos de produção audiovisual, jornalismo, etc.A TVE-RS, por exemplo, é a segunda maior TV aberta do estado. Percebemos que há um legado dos municípios que pode ser contado, e nós jamais faremos isso com produção própria, é preciso dar espaço também à produção independente, que é inclusive uma maneira de movimentar um mercado para a realização de projetos”.

Pedro Osório considera importante que haja produção própria, mas que também haja produção independente, mas faz uma ressalva: exceto no caso do jornalismo, que deve ser produzido pela própria emissora pública, pelo papel que cumpre na expressão da linha editorial do canal. Em contraponto ao jornalismo das emissoras comerciais, que ele classifica de “neoliberal” pelo seu conteúdo, o presidente da Abepec opina que “uma TV pública precisa ter uma linha editorial aprovada em conselho deliberativo, de maneira que é possível praticar um jornalismo diferente à medida que a visão de mundo é ampliada”.

Na mesma linha, Diogo Moysés argumenta que “o atributo número um do jornalismo público, pelo menos em tese, é a total independência em relação a qualquer interesse privado e a busca exclusiva pela informação de interesse público. No jornalismo dos meios privados, além da ideologia do proprietário - geralmente das elites nacionais ou locais -  o jornalismo estará sempre subordinado aos departamentos comerciais das emissoras, mesmo que isso muitas vezes não seja explícito”.
Em relação a este papel de promover debates, em termos de conteúdo nacional a TV Brasil efetivamente apresenta uma linha diferente das TVs comerciais, promovendo debates que valorizam a qualidade da informação, como pode ser conferido no programa Brasilianas: O Brasil como fornecedor mundial de tecnologias de bem estar - Brasilianas.org

Entretanto, a programação não tem unicidade em termos de qualidade e mesmo linha editorial, de maneira que as notícias de cunho internacional, por exemplo, são muitas vezes “à direita do próprio Itamaraty”, como avalia Beto Almeida.

Um projeto de comunicação pública para o país
Mesmo com todas as insuficiências e contradições presentes em um projeto ainda muito recente como é a TV Brasil, trata-se, este canal, de uma experiência importante para afirmar a possibilidade concreta de construção de uma comunicação de massas cuja linha editorial não seja definida pelas elites que a sustentam ou pelos departamentos comerciais da empresa privada que o dirige, mas antes, o canal se apresenta como a menina dos olhos de um projeto de consolidação de um campo público da comunicação no país. Tal projeto foi apresentado e é sustentado pelo Poder Executivo Federal e foi ratificado pelo Congresso Nacional, mas encontra resistências poderosas dos setores privados e das forças políticas conservadoras. Beto Almeida avalia, considerando o contexto de eleições, que “se o Estado vier a ser capturado pela direita, a tendência é que a TV Brasil tenha um destino similar ao da TV Cultura de São Paulo, que está sendo diluída, debilitada, cheia de restrições”.

Diogo Moysés acredita que é preciso profissionalismo para disputar espaço com as emissoras privadas: “o único caminho para o desenvolvimento do sistema público, no caso da televisão, é transformar-se em uma grande programadora de conteúdos, competindo inclusive no mercado de TV por assinatura, com diversos canais, generalistas e segmentados”.

Pedro Osório reforça a importância da autonomia e da participação social, afirmando que “a TV Pública não pode ficar diretamente ligada ao governo, precisa ter participação da sociedade muito forte, por meio do conselho deliberativo, que deve estabelecer as linhas gerais de atuação e essas linhas gerais tem que ser cumpridas”.

Em resistência à pressão dos setores conservadores e em consonância com as perspectivas daqueles que batalham pelo fortalecimento da comunicação pública, os setores democráticos buscam fortalecer os instrumentos existentes e apresentam um Projeto de Lei de Inciativa Popular que prevê a reserva de 33% do espectro para canais públicos, sendo ao menos metade desses para “os serviços prestados por entes de caráter associativo-comunitário”. O mesmo projeto prevê a criação de um Fundo Nacional de Comunicação Pública, a ser constituído de recursos públicos, assim como da contribuição sobre publicidade e do pagamento pelas outorgas por parte das emissoras privadas.
Este caminho é defendido pela curadora da TV Brasil Rita Freire: “uma plataforma fundamentalpara a mídia pública consiste em assegurar aquele um terço que lhe cabe no espectro e também nos investimentos, regulamentando o artigo 223 da Constituição Federal, que fixa a complementaridade dos sistemas privado, estatal e público. É preciso não restringir a participação da sociedade ao que existe hoje e constituir de fato um Conselho Nacional de Comunicação. Na EBC, é preciso separar a mídia governamental dos  canais públicos, apoia-la na construção de um modelo de maior autonomia,  levar o sinal da TV Brasil a todo país,  fomentar atividades de produção regional, apoiar o jornalismo internacional da TV como estratégico para o país, promover debate e formação sobre comunicação pública junto às universidades, entender que as mídias públicas de comunicação têm a responsabilidade de debater o cenário da comunicação em que ela se insere”.

*Entre 5 de agosto e 5 de outubro, data marcada para as eleições de 2014, o Barão de Itararé publicará, às terças e quintas-feiras, reportagens especiais abordando temas ligados à comunicação que, geralmente, são excluídos do debate eleitoral. A reprodução é livre, desde que citada a fonte. Saiba mais sobre a iniciativa aqui.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Regular a tv paga importa? - reflexões sobre meios e materiais de produção e difusão dos textos

Intervozes defende nova Lei de TV paga no STF


18/02/2013 - Veja, na íntegra, o texto enviado pelo Coletivo Intervozes ao STF.

"AUDIÊNCIA DO STF sobre a Lei 12.485/2011

Prezados senhores, prezadas senhoras. Gostaríamos de agradecer a oportunidade de apresentar aqui nosso ponto de vista sobre essas ADIs contrárias a uma lei que para nós é vital para ampliar a diversidade do sistema comunicacional brasileiro. A apresentação que faremos tem por objetivo analisar como se organiza esse mercado, por que ele tem uma tendência a concentração maior que os outros e como as medidas propostas na lei dificultam a concentração e, assim, efetivam a livre iniciativa e aumentam a liberdade de escolha do usuário consumidor.

O mercado de comunicação tende à concentração.

O mercado de comunicação não se comporta da mesma forma que mercados de bens materiais como cadeiras ou aparelhos eletrônicos. A comunicação lida essencialmente com informação, que é um bem intangível e não rivalizável, o que significa que o consumo de uns não priva os outros de também consumir.

Neste caso não há escassez natural, e o mecanismo de preços não é suficiente para governar o mercado. Deste modo, para se gerar valor de troca para a informação é preciso se criar mecanismos de escassez artificial. A TV por assinatura faz isso por meio do controle de acesso.

Os desafios para atingir pluralidade e diversidade começam da própria estrutura do mercado.

Nesse mercado os custos majoritários são os custos fixos para produzir a primeira unidade, com o custo marginal tendendo a zero, ou seja: custa praticamente a mesma coisa para produzir e distribuir um programa de TV para uma pessoa, quanto custa para distribuí-lo para milhões de pessoas. Isso quer dizer que não há como diluir o custo se ele não atingir um grande público. Estamos falando, portanto, de uma economia de escala.

Outro fator consiste no fato de que dois ou mais produtos de comunicação podem ser produzidos de forma mais barata se feitos em conjunto pelo mesmo fornecedor, do que separadamente por fornecedores competindo entre si.

Esses dois fatores favorecem o surgimento de um mercado concentrado, criando barreiras de entrada praticamente intransponíveis e o abuso do poder de mercado por empresas dominantes ao custo dos consumidores. Por isso, mecanismos ex-ante (regulação preventiva) são reconhecidamente necessários em mercados em que há um gargalo intransponível para se completar a cadeia de valor. É assim que boa parte dos países capitalistas garante condições de competição neste mercado.

A produção condicionada pela audiência torna o conteúdo homogêneo.

Por outro lado, é preciso salientar que a audiência não é o resultado da livre distribuição das preferências do consumidor. A audiência é sujeita a lei de Hotelling, que afirma que em mercados onde a competição não é guiada por preço, competidores economicamente racionais tenderão a se concentrar na metade do espectro de gostos do consumidor, em vez de prover uma gama diversa de produtos. Portanto o controle remoto nas mãos do consumidor não basta como instrumento para garantir que suas preferencias estejam efetivamente representadas na oferta dos conteúdos. No caso da TV a cabo, isso se acentua por se tratar de um mercado internacionalizado, onde o produto estrangeiro – muitas vezes de ótima qualidade – chega aqui já amortizado, podendo ser oferecido a custo bastante baixo. Para piorar, quando as mesmas empresas atuam em várias etapas da cadeia de valor, elas buscam criar gargalos para excluir seus concorrentes.

Deste modo, se a competição sozinha não traz diversidade, políticas públicas de comunicação são fundamentais para isso. Uma abordagem regulatória para propriedade baseada em competição e em considerações comerciais não é adequada para proteger a diversidade e a democracia. Os quase 20 anos de TV a cabo no Brasil evidenciaram este limite. Medidas positivas são necessárias para garantir diversidade interna e para prover acesso desobstruído, para pessoas e organizações, aos recursos comunicacionais da sociedade. A afirmação de que as cotas de programação ferem a liberdade de expressão é equivocada, pois inverte o argumento. A garantia da diversidade e pluralidade de conteúdos reforça a liberdade de expressão permitindo a circulação de falas que estavam silenciadas pela estrutura de concentração. Prova disto é a grande quantidade de conteúdos nacionais que já eram produzidos há muito tempo, tinham espaço no mercado internacional e que só agora encontraram janelas de exibição no Brasil, sendo bem aceitos pelo público.

O mercado de comunicação brasileiro é fechado nacional e internacionalmente.

A Lei 12.485 não restringe a participação do capital estrangeiro no mercado brasileiro, pelo contrário, ela inclusive permitiu a entrada no mercado de empresas de telecomunicações estrangeiras que antes estavam impedidas de atuar na distribuição.

Antes da Lei, tanto o consumidor quanto a livre iniciativa estavam prejudicados pelas desleais condições de concorrência estabelecidas. Isso é facilmente percebido ao se analisar os números que organizam o mercado.

Segundo a Ancine, todo o mercado audiovisual brasileiro faturou em 2010 cerca de US$ 15 bilhões. Note que essa cifra não corresponde apenas à TV por assinatura, mas também soma o faturamento da TV aberta, salas de cinema e vídeos domésticos. Do outro lado, estão empresas estrangeiras que chegam a faturar sozinhas US$ 40 bilhões por ano, quase 3 vezes mais que todo o mercado nacional. Ao menos 4 empresas estrangeiras que atuam no mercado nacional faturam mais sozinhas do que todo o mercado audiovisual brasileiro.

A lei abre espaço para a produção nacional em um cenário de desiguais condições, pois as barreiras à entrada na atividade de programação são gigantescas. Exemplo disso são as várias produtoras nacionais que conseguem vender sua programação no exterior, mas que não conseguem circular seu conteúdo no mercado brasileiro. Deste modo, a lei 12.485 não protege atores fracos ou produções ruins, ela apenas atende a uma demanda que não encontra espaço nas condições de extrema desigualdade.

Por isso, é importante que haja regulação nesse mercado, para haver mais concorrência, inclusive entre canais estrangeiros, de diferentes lugares e países. Repare que dos 80 canais estrangeiros de espaço qualificado no mercado brasileiro, 78 são de empresas controladoras dos Estados Unidos e apenas 2 são de empresas europeias (BBC HD e Eurochannel). Ou seja 97,5% dos canais estrangeiros são de um único país. Estamos bem distantes da multiplicidade de canais existente no exterior.
Esse mercado precisa ter mecanismos de regulação ex-ante porque tem barreiras à entrada intransponíveis que fazem o consumidor necessariamente perder em diversidade e liberdade de escolha e a livre iniciativa perder em condições de concorrencia. Ao estabelecer limites para a verticalização e para a propriedade cruzada e um mecanismo de cotas, o que o legislador fez foi estabelecer uma dinâmica de organização do mercado que permita condições mais equilibradas de competição, fazendo com que a livre iniciativa não seja 'letra morta', mas um conceito vivo e passível de ser efetivado.

A lei também estabelece mecanismos ex-poste onde eles são mais adequados e suficientes, mas ainda assim esse mecanismo não é aceito pelas empresas.

As programadoras estrangeiras, por exemplo, entraram com uma medida cautelar para se credenciarem na Ancine sem apresentação de seus contratos com as empacotadoras. Isso sugere que elas estão abusando de seu poder de mercado e impondo barreiras aos novos canais.

Verticalização do mercado aumenta a concentração.

A base do tratamento que a lei dá à questão da propriedade é separar distribuição e programação. Ou seja, quem tem a infraestrutura de distribuição não pode controlar a programação de conteúdo, e vice-versa. Esta é a chave encontrada por vários países, em especial na União Europeia, para dificultar a concentração neste mercado com enormes barreiras à entrada. Nesse sentido, é preciso olhar o mercado audiovisual como um todo, e por isso o artigo quinto da Lei 12.485 restringe inclusive a propriedade cruzada entre meios de radiodifusão e distribuidores de TV por assinatura.
Entretanto as maiores restrições estão colocadas para a propriedade vertical, incidindo sobre a cadeia produtiva da própria TV por assinatura. O mercado brasileiro tem características de grande verticalização, com poucos grupos econômicos que oferecem praticamente toda a cadeia ao consumidor, restringindo suas opções. Assim, como falamos anteriormente, essas restrições atuam ao mesmo tempo em benefício do consumidor aumentando sua possibilidade de escolha e da livre iniciativa aumentando a competitividade do mercado.

Desverticalizar para aumentar a liberdade de escolha.

É importante mencionar que a lei não proíbe totalmente a propriedade vertical, mas estabelece tetos de participação a fim de evitar os efeitos negativos da verticalização. Além disso, a lei estabelece mecanismos criativos de incentivo à diversidade, por meio da promoção da cultura nacional e do estímulo à produção independente, previstos expressamente no inciso II do artigo 221 da Constituição Federal.

Ao definir que uma produtora independente não pode ser controladora, controlada ou coligada a uma programadora, empacotadora ou distribuidora, a lei cria uma estrutura mais democrática permitindo que novas empresas entrem no mercado e que o consumidor tenha mais opções de escolha.
Em todo o mundo, as legislações que atuam ex-ante no controle da propriedade vertical são até mais rigorosas e eficientes que a elaborada no Brasil. Aqui, por exemplo, o empacotamento e distribuição podem e são feitos praticamente pelas mesmas empresas. Nesse contexto, o consumidor brasileiro é obrigado a escolher o pacote de canais em função da tecnologia de distribuição disponível para o seu domicílio, já que por aqui as empresas operadoras se ocupam justamente das duas atividades estabelecidas na Lei. Em localidades onde não exista, por exemplo, infraestrutura de fibra ótica, o consumidor não tem opção de contratar determinada empresa de empacotamento atrelada a essa tecnologia.

Na França a separação total entre serviços de infra estrutura e serviços de conteúdo permite que o consumidor, ao optar pelo pacote de canais de uma empresa, possa também escolher por qual via quer receber esse pacote, se por fibra ótica, satélite, cabo telefônico ou outro meio disponível, pois a distribuição está totalmente desvinculada do empacotamento. Isso uma vez mais aumenta a oferta para o consumidor porque aumenta a quantidade e diversidade de atores nesse mercado.
Em resumo, a Lei 12.485/2011 foi feita com o objetivo de tornar o mercado audiovisual brasileiro mais democrático e tem conseguido realizar esse objetivos já nos primeiros meses de aplicação da lei. Nesse ambiente, a produção nacional se torna mais robusta e os conteúdos a disposição do consumidor são mais diversos e plurais criando um novo contexto de acesso a cultura no país. A lei foi resultado de um processo de negociação cuidadoso que durou mais de quatro anos, e é resultado do maior consenso possível neste cenário. Não é à toa que ela conta com grande aceitação e enorme entusiasmo por parte de produtores e programadores que antes não conseguiam sequer se inserir neste mercado.

A resposta para as perguntas que questionam se esse novo ordenamento jurídico prejudica o consumidor, a livre iniciativa, a liberdade de escolha ou a liberdade de expressão é exatamente a mesma: Não, pelo contrário: liberdade de expressão, escolha, livre iniciativa e consumidores saem ganhando com a nova regra."