terça-feira, 6 de agosto de 2013

A nova mídia velha: dois casos

Fonte: Diário do Centro do Mundo

A agonia da Abril

Paulo Nogueira, 3 de agosto de 2013

Ao contrário de outras crises da mídia impressa, desta vez o caso é terminal.

A comunidade jornalística está em estado de choque pela carnificina editorial ocorrida na Editora Abril.
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Mas eis uma agonia anunciada.
Revistas – a mídia que fez a grandeza da Abril – estão tecnicamente mortas, assassinadas pela internet.

Os leitores somem em alta velocidade. Quando você vê alguém lendo revistas (ou jornal) num bar ou restaurante, repare na idade.

Jovens estão com seus celulares ou tablets conectados no noticiário em tempo real.
Perdidos os usuários, foi-se também a publicidade. Em países como Inglaterra e Estados Unidos, a mídia digital já deixou a mídia impressa muito para trás em faturamento publicitário.

E no Brasil, ainda que numa velocidade menor, o quadro é exatamente o mesmo. Que anunciante quer vincular sua marca a um produto obsoleto, consumido por pessoas “maduras”.

Apenas para lembrar, no mundo das revistas, nunca, em lugar nenhum, funcionou publicitariamente revista para o público “maduro”.

Sucessivas revistas para mulheres “de meia idade” em diversos países fracassaram à míngua de anúncios. O anunciante quer o jovem no auge do consumo. É um fato.

Crises as editoras de revistas enfrentaram muitas. Mas esta é diferente. Desta vez, o caso é terminal.
Antes, e eu vivi várias crises em meus anos de Abril, você sabia que uma hora a borrasca ia passar.
Agora, você olha para a frente e observa apenas o cemitério.

Sobrarão, no futuro, algumas revistas – mas poucas, e de circulação restrita porque serão um hábito quase tão extravagante quanto se movimentar em carruagem.

Na agonia, o que companhias como a Abril farão é seguir a cartilha clássica: tentar extrair o máximo de leite da vaca destinada a morrer.

Para isso, você enxuga as redações, corta os borderôs, piora o papel, diminui as páginas editoriais e, se possível, aumenta o preço.

É uma lógica que vale mesmo para títulos como Veja e Exame, os mais fortes da Abril. Foi demitido, por exemplo, o correspondente da Veja em Nova York, André Petry.

Grandes revistas da Abril, como a Quatro Rodas, passaram agora a não ter mais diretor de redação.
Em breve deixará de fazer sentido uma empresa que encolhe ficar num prédio como o que a Abril ocupa na Marginal do Pinheiros, cujo aluguel é calculado entre 1 e 2 milhões de reais por mês.

É inevitável, neste processo, que a empresa perca o poder de atrair talentos. Quem quer trabalhar num ramo em extinção?

Os funcionários mais ousados tratarão de sair, em busca de carreiras em setores que florescem.
Ao contrário de crises anteriores para a mídia impressa, esta é, simplesmente, terminal.

Corre o boato de que a empresa será vendida. Mas quem compra uma editora de revistas a esta altura? Recentemente, no Reino Unido, correu o boato de que o proprietário dos títulos Evening Standard e Independent estaria vendendo seus jornais. Numa entrevista, isso lhe foi perguntado por um jornalista. “Mas quem está comprando jornais?”, devolveu ele.

É um cenário desolador – e não só para a Abril como, de um modo geral, para toda a mídia tradicional, incluída a televisão.

A internet é uma mídia que se classifica como disruptora: ela simplesmente mata. O futuro da tevê está muito mais na Netflix ou no Youtube do que na Globo.

As empresas de mídia estão buscando alternativas para sobreviver. A News Corp, de Murdoch, separou recentemente suas divisões de entretenimento e de mídia, para que a segunda não contamine a primeira.

A própria Abril vai saindo das revistas e tentando um lugar ao sol na educação.

Mas escolas – supondo que a Abril supere o problema dramático de imagem da Veja, pois isso vai levar muitos pais a recusar dar a seus filhos uma educação suspeita de contaminação pela Veja – não dão prestígio e nem dinheiro como as revistas deram ao longo de tantos anos.

Isso quer dizer que a Abril luta pela vida. Mas uma vida muito menos influente e glamorosa do que a que teve sob Victor Civita, primeiro, e Roberto Civita, depois.

 

 ***

O iceberg tenta resgatar o Titanic: a compra do Washington Post pelo dono da Amazon

Kiko Nogueira, 6 de agosto de 2013
 
Jeff Bezos pagou US$ 250 milhões (um quarto do que custou o Instagram) pelo jornal que deu o furo de ‘Watergate’.

A notícia da compra do Washington Post pelo empresário Jeff Bezos, dono da Amazon, causou um terremoto na mídia americana. Bezos pagou 250 milhões de dólares de um fundo que usa para explorações científicas chamado Expeditions. A família Graham era dona do Post desde 1946. Katharine Weymouth, a atual publisher, se declarou entusiasmada com o negócio. O WaPo, como é apelidado, é responsável pelas reportagens sobre Watergate, que causaram a queda de Richard Nixon. Weymouth falou da capacidade de Bezos de conduzir a publicação “para um futuro digital”. Ela permanecerá no cargo, por enquanto.
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Ferido de morte pela Internet, o Post foi vendido por um quarto do valor desembolsado pelo Tumblr e pelo Instagram (e pelo mesmo que um colecionador pagou por um quadro de Cézanne há dois anos).

Os jornalistas estão atônitos. O iceberg (a Internet) resgatou o Titanic (a velha mídia)? Foram pegos de surpresa (um dia antes do anúncio oficial, o New York Times publicou um perfil de Weymout em que nada disso foi mencionado). Vários colunistas da casa se manifestaram. Um deles, Ezra Klein, finalizou seu artigo resumindo o sentimento geral: “Estou esperançoso”.

Aos 49 anos, Bezos tem uma fortuna pessoal calculada em 22 bilhões de dólares. É um liberal que apoia causas como o casamento gay. Tem fama de controlador e perfeccionista. Testemunhas falam de reuniões que só começam depois de leituras silenciosas de longos memorandos de seis páginas. Na carta aos funcionários, escreveu o seguinte: “Haverá, claro, mudanças no Post nos próximos anos. É essencial e teria acontecido com ou sem um novo proprietário. A Internet está transformando quase todos os elementos do negócio da notícia: encurtando o ciclo delas, erodindo fontes de financiamento antigas e permitindo o surgimento de novos competidores”.

Bezos está sendo encarado com a grande esperança branca. Carl Bernstein, que junto com Bob Woodward produziu as matérias do Watergate, acredita que Bezos vai combinar “as melhores sensibilidades da velha e da nova era”.

Mas a verdade é que Bezos não é uma instituição benemerente e fará o que a família não quer mais fazer: cortar. Ou, em tucanês, promover uma “reestruturação”. Isso significa demitir pessoas, diminuir salários etc.

O Washington Post perdeu relevância e dinheiro de maneira dramática nos últimos anos. O prejuízo em 2012 foi cinco vezes maior que o de 2010. Mudaram de endereço para um prédio menor.

Fecharam escritórios em outras cidades. Mas a sangria não foi desatada. Em seu comunicado oficial, o CEO Donald Graham (tio de Katharine Weymouth) admitiu que os lucros “têm diminuído há sete anos. Nós inovamos, e na minha visão nossas inovações foram bem sucedidas em termos de audiência e qualidade, mas não foram suficientes para deter o declínio do faturamento”.

A negociação é um sinal dos tempos. Um bilionário do Vale do Silício assume um jornal com mais de 100 anos de idade. Não se sabe no que vai dar. Mas Jeff Bezos vai fazer o que tem de ser feito no velho Washington Post — e a família Graham estará assistindo, enquanto o sangue escorre.

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