'Barreiras psicológicas' impedem que mais pessoas atuem contra mudanças climáticas, diz pesquisador
Para psicólogo Per Espen Stoknes, medo e
culpa ajudam a criar impedimentos emocionais à ação contra fenômeno; é
preciso mudar narrativa: 'mudanças climáticas são oportunidade para
cooperação global e para criar sociedade mais justa'
Akuppa John Wigham / Flickr CCComo fazer as pessoas se preocuparem com as mudanças climáticas?
Per Espen Stoknes, um psicólogo e economista norueguês, tem pensado muito sobre uma questão que tem inquietado climatologistas há anos: por que até agora os humanos têm falhado em lidar com a ameaça iminente das mudanças climáticas?
Esta pergunta é o foco de seu mais novo livro, What We Think About When We Try Not To Think About Global Warming [“O que pensamos quando tentamos não pensar sobre o aquecimento global”, em tradução livre], no qual ele analisa o que chama de cinco barreiras psicológicas que têm tornado difícil lidar realisticamente com a crise climática. Entre elas estão: a característica distante do problema (é longe no tempo e muitas vezes em outras partes do globo); os cenários apocalípticos e pessimistas sobre os impactos da mudança climática, o que faz com que as pessoas se sintam impotentes para fazer qualquer coisa; e as defesas psicológicas que as pessoas criam para evitar seu sentimento de culpa sobre sua própria contribuição às emissões de combustíveis fósseis.
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Na entrevista a seguir, Stoknes, que é cofundador de três empresas de energia limpa e ajuda a liderar o BI Centro de Estratégias do Clima da escola de comércio Norwegian Business School, falou sobre essas barreiras e sobre como a discussão sobre as mudanças climáticas precisa ser reformulada. "Precisamos de novos tipos de histórias", diz. "Histórias que nos contem como a natureza é resiliente e pode se recuperar e voltar a um estado mais saudável se lhe dermos uma chance para isso."
Leia a íntegra da entrevista a seguir.
Cientistas e jornalistas têm nos alertado há anos sobre as mudanças climáticas. Mas você diz que a mensagem não está sendo recebida. Por que não?
Meu livro começa com o que chamo de paradoxo psicológico sobre o clima. Pesquisas de longa duração mostram que as pessoas estavam mais preocupadas com as mudanças climáticas nas democracias saudáveis há 25 anos do que estão hoje. Então, quanto mais ciência, quanto mais avaliações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) temos, quanto mais as evidências se acumulem, menos preocupado o público está. Para uma mente racional, isso é um completo mistério.
Você está sugerindo que, na verdade, o impacto inicial das notícias sobre as mudanças climáticas mexeram um pouco o medidor, mas depois do alerta inicial esse medidor voltou à posição inicial, e as pessoas voltaram a não se preocupar?
Com certeza. No fim da década de 1980, isso era um novo temor, não tínhamos ouvido muito sobre isso antes. [O cientista] Jim Hansen realmente deu um furo no noticiário internacional em 1988... Naquele ponto, houve uma onda de conscientização ambiental. A Terra começou a parecer frágil de uma nova forma. Mas com as notícias divulgadas por mais tempo, começamos a nos habituar a elas. E quando começou a ficar claro que o nosso próprio estilo de vida era responsável por essas novas ameaças, então diversas barreiras psicológicas começaram a surgir e a criar um ciclo de negação.
Por que você escreveu esse livro?
Aos poucos, tornou-se claro que chegou a hora em que precisamos mudar nosso discurso sobre o sistema climático para falar sobre a resposta das pessoas às ciências climáticas. Como é possível que nos comportemos de maneira tão autodestrutiva que, de forma aparentemente inevitável, estamos levando o planeta para além do limite de 2 graus [Celsius] que os cientistas propuseram [para evitar mudanças climáticas perigosas]?
Os climatologistas têm tentado nos educar sobre isso por tanto tempo que estão frustrados e exaustos. Alguns se tornaram cínicos, dizendo que parece que os humanos estão fadados à autodestruição, que talvez nossos genes não sejam bem equipados para lidar com problemas de longo prazo. Parece que preferimos comer o bolo inteiro hoje sem nos importar com as próximas décadas.
Há alguma forma de contornar essa inabilidade em pensar em longo prazo?
A pergunta que me impulsiona e que alimenta a minha pesquisa é: será que a humanidade está à altura da tarefa, ou somos inevitavelmente seres que pensam em curto prazo? Ou, para dizer de forma mais construtiva, quais são as condições sob as quais os humanos começarão a pensar e agir levando em consideração o longo prazo em relação ao clima? É possível identificar os mecanismos ou as funções da psique humana que nos permitiria agir em longo prazo? E, se sim, quais são esses e como eles podem ser fortalecidos?
A rejeição às ciências climáticas é um fenômeno global?
Precisamos esclarecer que isso é um fenômeno cultural. Porque em países como Tailândia e Filipinas, ou na América Latina e em países do sul da Europa, a preocupação sobre as mudanças climáticas é bem grande. Portanto, é uma questão que envolve, em particular, pessoas de democracias ricas. É muito mais difícil para alguém em Bangladesh, que é fortemente vulnerável, que vive numa região costeira, dizer que a elevação do nível do mar não está acontecendo, porque estão realmente vivendo isso. Se uma seca destrói as plantações de um fazendeiro ou uma monção falha, significa miséria. Mas aqui [nos Estados Unidos e na Europa Ocidental], sempre podemos ir a uma loja e comprar coisas produzidas em algum outro lugar, pois temos o dinheiro para distanciar-nos do impacto imediato das rupturas climáticas.
É muito mais difícil permitir que a psicologia cultural interfira quando você está face a face com uma monção que não veio ou com uma seca e toda a sua lavoura foi perdida.
Por que é tão difícil para as pessoas no mundo desenvolvido aceitarem as mudanças climáticas?
Há cinco barreiras psicológicas principais: distância, cenário apocalíptico, dissonância, negação e identidade. O livro é sobre isso. E o motivo pelo qual a comunicação das ciências climáticas é tão complicada é que ela desencadeia essas barreiras uma após a outra.
A primeira barreira é a distância. Se você olhar nos relatórios do IPPC ou de outros grupos, eles estão usando gráficos que mapeiam variáveis diferentes que tipicamente terminam no ano 2100. Então você posiciona os fatos de forma a criar uma distância psicológica, é tão longe no tempo futuro que parece menos importante, e o senso de urgência diminui. Ou seja, quando foi a última vez que você tomou uma decisão para o próximo século?
As pessoas acham que isso é bem longe: não é aqui e agora, também é lá em cima no Ártico ou na Antártida, afeta outras pessoas, não a mim, eu estarei velho antes disso acontecer de verdade, outras pessoas são responsáveis, não eu. Distanciamo-nos disso de tantas formas que os fatos puros não são suficientes para gerar uma sensação de risco corroborada.
Outro fator que desencoraja as pessoas a lidar com as mudanças climáticas é o fato que muitas vezes ela é apresentada como um cenário pessimista e apocalíptico. Estudos mostram que mais de 80% das reportagens relacionadas aos relatórios de avaliação do IPPC abordam inicialmente o retrato catastrófico. Apenas 2% usaram o que chamo de perspectiva de oportunidade.
O que sabemos a partir de estudos na psicologia é que se você usar excessivamente imagens que induzem ao medo, você provocará nas pessoas medo e culpa, e isso faz com que elas se tornem mais passivas, o que contraria o engajamento. Isto também inclui a criatividade. Se você dá às pessoas uma mensagem que induz medo ou culpa e então pede que resolvam um problema que requer pensamento criativo, há uma redução estatisticamente significante na quantidade de criatividade que as pessoas conseguem apresentar para formular as soluções.
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Outra barreira que você cita é a dissonância. O que você quer dizer com isso?
A dissonância é aquele desconforto interno quando me sinto um hipócrita, quando o meu conhecimento sobre a mudança climática não combina com as minhas ações para parar isso. Sabemos que o nosso uso de combustíveis fósseis contribui para o aquecimento global, ainda assim continuamos dirigindo, voando, comendo carne ou usando aquecimento a partir de combustíveis fósseis; então, configura-se dissonância.
Psicólogos descobriram que as pessoas são bem criativas no que se refere a encontrar formas de aliviar essa tensão entre pensamentos e atos. Uma estratégia para lidar com isso pode ser dizer: "Bom, eu não emito muito carbono pessoalmente, são os chineses, as corporações, ou outra pessoa. É o meu vizinho com seu carrão, ou meu amigo que voa mais do que eu". Outra estratégia é duvidar. Então dizemos que realmente não é certo que o dióxido de carbono cause aquecimento global. Ou alguns físicos dizem que é a atividade solar.
Podemos entender porque a indústria dos combustíveis fósseis pode ter um interesse econômico em espalhar essas ideias, mas por que as pessoas querem acreditar nessa informação falsa? Se eu puder acreditar naqueles que duvidam, então minha dissonância some. Eu não preciso me sentir mal comigo mesmo.
É aí que entra a negação?
Sim. O próximo nível é a negação completa, quando negamos, ignoramos ou evitamos conhecer os fatos inquietantes sobre as mudanças climáticas. A palavra "negação" talvez tenha sido usada demasiadamente de forma pejorativa contra o outro lado que é [retratado como] imoral, ou ignorante, ou o inimigo. Mas a negação psicológica é um processo que todos temos e usamos. É uma maneira de nos defender.
Aqueles que rejeitam as mudanças climáticas estão se vingando daqueles que criticam seu estilo de vida e querem dizer como outras pessoas devem viver. Quando [os políticos norte-americanos] Ted Cruz ou Marco Rubio falam sobre mudanças climáticas, eles não são necessariamente estúpidos ou ignorantes ou imorais, mas estão reforçando um contrato social que diz que isso é um problema que não devemos levar a sério.
Isso está conectado ao nosso senso de identidade. Cada pessoa tem um senso de identidade baseado em certos valores: um lado profissional, um político, um nacional. Nós naturalmente procuramos informações que confirmem nossos valores e noções já existentes, e filtramos tudo o que as desafiam.
Psicólogos sabem que se você critica uma pessoa para tentar mudá-la, provavelmente apenas reforçará sua resistência. Isso foi empiricamente demonstrado pelo professor de Direito e Psicologia Dan Kahan em Yale, que descobriu que, quanto mais os ideólogos conservadores conhecem sobre ciência, mais são capazes de errar sobre mudança climática. Usam tudo o que sabem sobre ciência para criticar as ciências climáticas e defender seus valores.
Quais são então as suas recomendações em termos de como reformular a discussão sobre mudanças climáticas para que ela alcance mais pessoas?
Precisamos de novos tipos de histórias, histórias que nos contem como a natureza é resiliente e pode se recuperar e voltar a um estado mais saudável se lhe dermos uma chance para isso. Precisamos de histórias que nos contam que podemos colaborar com a natureza, que podemos, como o Papa Francisco tem incitado, nos tornar guardiões e parceiros do mundo natural ao invés de dominadores dele. Precisamos de histórias sobre um novo tipo de felicidade que não seja baseada no consumo material.
Como temos uma compreensão muito boa dessas barreiras, esse é um bom lugar para começar. Precisamos derrubar as barreiras para que elas se tornem estratégias bem sucedidas. Em vez de algo distante, os comunicadores precisam fazer com que as mudanças climáticas sejam sentidas como algo perto, pessoal e urgente. Em vez do apocalipse inevitável, precisamos enfatizar as oportunidades que a crise nos oferece.
As mudanças climáticas são uma oportunidade para o desenvolvimento econômico; um sistema energético inteiro precisa ser redesenhado a partir do desperdício do século anterior para um modo muito mais inteligente de fazer as coisas. É uma grande oportunidade para melhorar a colaboração global e o compartilhamento de conhecimento e criar uma sociedade mais justa. Portanto, as mudanças climáticas são uma oportunidade fantástica para encorajar o surgimento da nossa humanidade global. Precisamos falar sobre isso.
Tradução: Jessica Grant
Entrevista original publicada no site Yale Environment 360.
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