sábado, 30 de novembro de 2013

Ler uma página de jornal: história, memória, discurso

Jango, JFK e Globo

Dois acontecimentos de densidade histórica, como a exumação dos restos de Jango e sua recepção em Brasília foram relegados à parte inferior de O Globo.


@DarioPignotti
 
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São Borja e Brasília - Para ler o jornal O Globo em São Borja “geralmente temos que esperar até o meio-dia quando ele vem pelos ônibus que chegam de Porto Alegre”, diz um taxista que me leva até o centro da cidade, na praça 15 de Novembro, em frente à Igreja Matriz, onde o presidente João Goulart foi velado com o caixão aberto em dezembro de 1976. Naquela noite os saoborjenses desafiaram a ditadura lotando a igreja para dar um adeus (não sabiam que era só o primeiro) ao seu líder, apesar de as autoridades do III Exército terem ordenado que ele fosse enterrado imediatamente após chegar da Argentina, onde faleceu no dia 6 de dezembro de causas até hoje não esclarecidas.

“Eu me lembro do velório de Jango, quando o povo quis ir se despedir do presidente. Ele era muito querido aqui, havia uma multidão de gente na Igreja”, recorda outro taxista, coincidentemente apelidado de Jango, que veste uma camiseta colorada do Internacional enquanto me conduz até o Cemitério Jardim da Paz onde os restos do ex-mandatário foram exumados na madrugada de 14 de novembro para, horas mais tarde, serem recebidos pela presidenta Dilma em Brasília com honras de Estado.

Na cidade de São Borja a memória da ditadura continua tão viva que impregna a vida cotidiana: as suspeitas sobre o envenenamento de Jango são compartilhadas pelo ancião com bombachas e chapéu de gaúcho parado em frente ao cemitério e pelos estudantes de Ciências Políticas da Universidade Federal participantes da audiência pública onde se exigiu do governo federal que seus restos sejam devolvidos logo depois dos estudos que se realizam em Brasília.

O país visto desde São Borja, onde Goulart é uma espécie de Camelot mitológico, é diferente do narrado no jornal O Globo e outros veículos de propriedade dos herdeiros de Roberto Marinho.

A exumação do presidente morto no exílio quando estava na mira do Plano Condor, responsável pelos assassinatos (alguns por envenenamento) de vários líderes da região, possivelmente seja o acontecimento mais consistente ocorrido no Brasil no caminha na direção do resgate da memória e da verdade sobre o que ocorreu sob a ditadura, a menos investigada da América Latina.

Fatos similares, como a exumação sob a supervisão de especialistas internacionais (como ocorreu com Goulart) do ex-presidente Salvador Allende e, posteriormente, do prêmio Nobel Pablo Neruda, no Chile, absorveram a atenção pública e o interesse da imprensa por semanas. Aqui não foi assim.

Dois acontecimentos de densidade histórica, como a exumação dos restos de Jango e sua recepção em Brasília por Dilma, Lula e outros ex-presidentes, foram relegados à terça parte inferior da capa do jornal O Globo, no dia 15 de novembro. A parte superior foi dedicada à notícia da possibilidade de que o ministro Joaquim Barbosa ordenasse a detenção dos condenados pelo mensalão. A Folha de S.Paulo adotou uma perspectiva similar. Para a empresa de Frias Filho, o fato de maior destaque foi o engarrafamento de 309 quilômetros ocorrido em São Paulo, publicado como manchete com uma generosa foto, muito acima do retorno de Goulart a Brasília, 37 anos depois de sua morte e 49 do golpe de Estado que o destituiu para estabelecer uma “ditabranda”.

Nada se fará até 2029

Os crimes de Estado, de Júlio César até John Fitzgerald Kennedy, foram perpetrados por uma teia de interesses nunca revelados por completo, disse o procurador norte-americano Jim Garrison em sua intervenção perante uma corte de Nova Orleans em 1969, quando apresentou vasta informação sobre a participação de agentes da CIA combinados com mafiosos anticastristas no assassinato do presidente dos EUA, no dia 22 de novembro de 1963. A grande imprensa, denunciou Garrison em sua batalha solitária, foi cúmplice do encobrimento excitando o público com mentiras sonoras, campanhas patrióticas e outras artimanhas de desinformação, para desviar a atenção da verdadeira trama escondida debaixo dos disparos que destroçaram o crânio do presidente a bordo do Lincoln preto na sulista e racista Dallas.

A autópsia de Kennedy foi manipulada por peritos militares, testemunhas incômodas e cúmplices suspeitos da conspiração morreram em circunstâncias estranhas. Uma comissão tutelada pela Casa Branca concluiu que o magnicídio havia sido urdido e executado por um mitômano Lee Oswald, caracterizado como um sujeito antissocial e pervertido pelo ideário comunista da União Soviética. Uma tese tão discutível como a que assegura que foram naturais as causas da morte de João Goulart e ridiculariza a suspeita de um plano para envenená-lo, como denunciou o ex-agente dos serviços uruguaios Mario Neira Barreiro, preso na penitenciária de Charqueadas, no Rio Grande do Sul.

Questiona-se, e é correto fazê-lo, a credibilidade de alguém como Neira Barreiro que foi parte da organização terrorista Condor e confessa ter participado na morte de Goulart e no plano para eliminá-lo.

Os anais dos crimes políticos estão repletos de personagens como Neira Barreiro, cujas confissões (se verdadeiras) são chave para descerrar o véu da mentira. Um exemplo é o colaborador da CIA, David Ferrie, membro da organização que teria matado Kennedy, que, ao ver-se cercado por seus companheiros, aceitou colaborar com o promotor Garrison. Antes de depor perante o júri, o anticastrista e anti-Kennedy Ferrie apareceu morto em seu apartamento. Derrotado na corte e ridicularizado pela indústria midiática, Garrison se limitou a dizer que essa derrota jurídica era o primeiro passo para uma vitória política que chegaria em 2029, quando serão liberados os arquivos da Casa Branca.

O glamour do golpista

Em São Borja já se fala do segundo enterro de Jango previsto para 6 de dezembro (37 anos depois do primeiro) quando seus restos retornarão ao jazigo familiar do Cemitério Jardim da Paz depois de terem sido analisados no Instituto de Criminalística de Brasília e suas mostras enviadas a laboratórios estrangeiros onde se procurará, se ainda for possível, determinar a causa de sua morte.

Em uma audiência pública realizada no centro de tradições gaúchas, a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e seu colega da Justiça, José Eduardo Cardozo, firmaram, ante a comunidade de São Borja, uma ata de compromisso que garante o retorno do corpo de Jango a sua terra. Surpreende o contraste entre a memória ainda viva do povo de São Borja e a imprensa que ainda domina, com menos hegemonia que outrora, as estruturas de formação da opinião de massas.

Aguardei sem sucesso durante dois finais de semana a publicação de grandes suplementos históricos sobre a saga de Goulart, de volta à vida política 36 anos depois do enterro. Supus que seriam editados extensos cadernos com reportagens investigativas e ensaios sobre o líder democrático das reformas de base deposto, de modo similar ao que ocorreu na imprensa do Chile em setembro deste ano por ocasião dos 40 anos do golpe e da morte de Salvador Allende, ou na imprensa dos EUA, nos 50 anos do assassinato de Dallas.

Nada ou quase nada foi publicado nos grandes jornais do eixo Rio-São Paulo, no formato de caderno especial, sobre João Goulart reposto em sua condição de presidente em Brasília. Por outro lado foram editadas páginas especiais dedicadas a John Fitzgerald Kennedy.

O ápice do despropósito editorial, além de condenar Goulart à morte noticiosa, foi ter tratado o mandatário norte-americano como um personagem fascinante ou, para citar O Globo de 22 de novembro, “Presidente Celebridade”. Em rigor, para os brasileiros, Kennedy foi algo muito distinto ao galante democrata de acordo com o olhar do diário da família Marinho, provincianamente fascinado com o mito de Camelot.

Longe dessa leitura forjada pela Globo, a realidade histórica brasileira, materializada no golpe de 1964, ensina que JFK, na verdade, foi um anticomunista primário, um conspirador que avaliou desde o Salão Oval da Casa Branca, durante um encontro com o embaixador Lincoln Gordon, a progressão da desestabilização contra Jango, como ficou refletido no notável documentário “O Dia que durou 21 anos”.



Para download:
"o dia que durou 21 anos"

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

domingo, 24 de novembro de 2013

Pensamento, universidade, mídia: liberdade de expressão?


23/11/2013 - Copyleft
Boletim Carta Maior 

Um espectro que ronda o Brasil?

Neste ano ocorreram pelo menos três episódios públicos envolvendo denúncias de "doutrinação marxista" no ambiente universitário brasileiro.


Luciana Ballestrin*
 
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Neste ano ocorreram pelo menos três episódios públicos envolvendo denúncias de “doutrinação marxista” no ambiente universitário brasileiro: a recusa de um estudante em realizar um trabalho sobre Karl Marx, a pedido de seu professor (SC); a ação popular movida por um advogado contra um projeto de extensão de difusão do marxismo (MG), que acarretou em sua suspensão pela Justiça Federal do Maranhão e a acusação de um filósofo sobre a contaminação do marxismo nas Ciências Humanas e Sociais (SP). As três notícias tiveram cobertura em veículos midiáticos, cujas posições ideológicas são historicamente conhecidas do público.

O espraiamento nacional de uma suposição sobre o avanço do comunismo e do marxismo no Brasil, às vésperas do cinquentenário do Golpe civil-militar, convida a todos os cidadãos e cidadãs para a seguinte reflexão: o que estes discursos e ideias representam no Brasil após 25 anos da promulgação da Constituição de 1988? Gostaríamos de sugerir que isso reflete uma paranoia, compartilhada por pessoas e grupos capazes de formar guetos de opinião e que a despeito do alcance restrito, ganham destaque desproporcional na mídia hegemônica.

O conceito de paranoia, em termos psiquiátricos, possui sua própria história, como todos os conceitos mais ou menos compartilhados pelo campo científico. A despeito das controvérsias particulares inerentes a este campo - no caso, o da psicanálise - é possível sustentar com baixo custo de prejuízo que a ideia de paranoia envolve basicamente um delírio persecutório baseado em uma desconfiança descolada da realidade, razão ou empiria.

Defensivas ou preventivas, as consequências políticas da proliferação do discurso paranoico anticomunista e antimarxista ferem, paradoxalmente, dois princípios liberais básicos: liberdade de expressão e tolerância. Ao mesmo tempo, reedita a paranoia clássica alimentada pela Guerra Fria, cuja conjuntura internacional fora cúmplice do segundo período ditatorial brasileiro.

Foi justamente neste contexto que ocorreu a institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, amplamente apoiada pela estadunidense e liberal Fundação Ford.

Neste período, várias brasileiras e brasileiros pagaram com a dor, o exílio e a vida, o preço pela defesa de suas ideias comunistas e marxistas, bem como quaisquer outros que contrariassem à lógica da Ditatura Civil-Militar. Hoje, qual é o preço a pagar por essa retórica da intransigência? Como responder a uma paranoia revestida de intelectualidade, a um despautério anacrônico e a um disparate sem fundamento?

Seria um tanto contraproducente esboçar nessas linhas argumentos e razões que tentem comprovar que o Brasil não é governado por comunistas e que a universidade brasileira não está intoxicada pelo marxismo. Inútil, de igual forma, pensar na originalidade histórica dos escritos marxianos e na importância das várias correntes do marxismo - do vulgar e ortodoxo para o crítico e arejado - para os campos das Ciências Sociais Aplicadas ou não. Da mesma maneira estéril, argumentar que o eurocentrismo, o colonialismo e o progresso moderno não são completamente afastados do marxismo e que justamente por isso, ele encontra resistência nos movimentos decoloniais latino-americanos.

Produtivo, talvez, seja observar o nascimento de um novo tipo de direita no Brasil.

Mesmo os velhos e os contemporâneos clássicos do liberalismo político moderado são capazes de aceitar a tolerância, a diferença, a liberdade de expressão, a existência do Estado e o respeito ao outro. Não estamos falando, portanto, da adversária histórica direita liberal. Ela é nova justamente porque ultrapassa a própria moral e a própria ética do liberalismo e acontece neste exato momento histórico. Ela é nova justamente porque também se apropria dos discursos da esquerda e da democracia para combater a própria esquerda e a própria democracia.

Se, cada vez mais, a esquerda não tem se restringindo à alternativa marxista, criando um repertório de resistência, emancipação e libertação próprias, a direita não tem se restringido à alternativa liberal, criando um repertório de ignorância, esquecimento e ódio próprios. Certamente, o espectro que ronda a primeira já não é mais o do comunismo. Mas o espectro que ronda a segunda ainda deságua no seu totalitarismo oposto, o fascismo. Ou será que estamos, simplesmente, paranoicos?

(*) Professora Adjunta de Ciência Política, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais - Centro de Integração do Mercosul Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - Instituto de Filosofia, Sociologia e Política, da Universidade Federal de Pelotas.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ciberespaço, cibertempo, cibermundo

19/11/2013 - Copyleft
Boletim Carta Maio

Como o FBI usou hackers em sua guerra secreta contra o Brasil

Até a agência de espionagem canadense coletava informações sobre o Ministério das Minas e Energia do Brasil. Reportagem de Shobhan Saxena.


Shobhan Saxena (*)
deathandtaxesmag.com
Primeiro,  a notícia que fez manchetes em todo o mundo na sexta-feira, 15 de novembro. Jeremy Hammond, membro do grupo de hackers LulzSec, foi condenado a 10 anos de prisão em Nova Iorque por uma juíza americana, por ter acessado ilegalmente os servidores da empresa de inteligência privada Strategic Forecasting (Stratfor), em dezembro de 2011. Nessa operação, ele alegadamente roubou milhões de e-mails, milhares de números de cartões de crédito, e destruiu as informações da empresa no processo. 

A mídia norte-americana noticiou em detalhes a condenação de Hammond. Mas o que foi ignorado pela mídia foi a declaração de Hammond no Tribunal de Manhattan de que ele seguia as “instruções de um informante do FBI [Federal Bureau of Investigation] para invadir os websites oficiais de vários governos em todo o mundo”.

Em uma revelação chocante, Hammond disse ao tribunal que um colega hacker, conhecido como “Sabu”, deu a ele as listas de websites que eram vulneráveis a ataques, incluindo aqueles de muitos países estrangeiros. Em sua declaração, Hammond mencionou especificamente o Brasil, o Irã e a Turquia antes de a juíza Loretta Preska determinar que ele parasse de falar. A juíza havia avisado que nomes dos países envolvidos deveriam ser removidos para ficar em segredo.

“Eu invadi vários sites e entreguei várias senhas que permitiram Sabu – e por extensão seus contatos do FBI – controlar esses alvos”, disse Hammond ao tribunal. Sabu era um dos líderes do grupo de hackers LulzSec, afiliado ao grupo Anonymous, mas acabou sendo captado pelo FBI para ser um dos seus mais importantes informantes do mundo hacker depois de sua prisão em 2011.

Hammon fez uma grande revelação no Tribunal. Ele disse ao mundo que foi usado pelo FBI – através de Sabu - como parte de uma espécie de exército privado que atacou websites vulneráveis de governos estrangeiros. “O governo celebra a minha condenação e a minha prisão, com a esperança de que isso vá encerrar o caso. Eu assumi a responsabilidade sobre as minha ações, e aceitei que sou culpado, mas quando o governo vai responder por seus crimes?”, questionou Hammond no tribunal, antes de a juíza determinar que se calasse.

A juíza americana não queria que os nomes dos países-alvos da operação de hackers fossem revelados no tribunal. Mas Jacob Appelbaum, um conhecido pesquisador de segurança cibernética que vive em Berlin, divulgou a lista de websites-alvos e da informação disponibilizada no servidor do FBI por Sabu. “Essas intrusões ocorreram em janeiro e fevereiro de 2012 e afetaram mais de dois mil domínios, incluindo numerosos websites de governos estrangeiros no Brasil, na Turquia, na Síria, em Porto Rico, na Colômbia, na Nigéria, no Irã, na Eslovênia, na Grécia, no Paquistão, e outros...”, diz a declaração de Hammond,  segundo Appelbaum em uma série de tuítes na sexta-feira, 15 de novembro.

Isso significa que o FBI tinha como alvo todos esses países, incluindo o Brasil, através de um grupo de hackers. É interessante notar que o FBI prendeu Sabu em 7 de Junho de 2011, e no dia seguinte, o hacker concordou em tornar-se informante da agência americana. Duas semanas depois, houve um maciço ataque a websites governamentais brasileiros.

Em uma notícia de Mathew Lynley no VentureBeat, um website tecnológico, em 22 de Junho de 2011, há a informação de que um integrante brasileiro do grupo de hackers LulzSec invadiu vários websites governamentais brasileiros como parte de uma campanha maciça de ataque de hackers liderada pelo LulzSec. A notícia, intitulada “LulzSec recruta hackers brasileiros e invade dois websites do governo”, diz que tanto o portal da Presidência da República do Brasil quanto o Portal Brasil, do governo, estavam fora do ar quando a VentureBeat tentou acessá-los. “Ambos os websites foram atacados pelo LulzSecBrazil, um sub-grupo do grupo de hackers que fez manchetes recentemente por vários ataques a alvos importantes”, diz a notícia.

Com Sabu dentro de uma prisão americana e trabalhando para o FBI como informante e usando hackers como Hammond para atacar websites de governos estrangeiros, fica claro que invadir websites do governo brasileiro era uma missão da agência americana.

Isso não é uma surpresa, após as revelações recentes sobre a Agência Nacional de Segurança (NSA)  mostrarem que os americanos transformaram em alvo a comunicação pessoal da presidente Dilma Roussef. Mais chocante foi a revelação de que a agência de espionagem canadense coletava informações sobre o Ministério das Minas e Energia do Brasil.  Antes havia sido noticiado – graças aos documentos revelados por Edward Snowden  - que os americanos espionaram a Petrobrás também.

Tudo isso  – as notícias sobre as espionagens da NSA e as revelações de Hammond no Tribunal - revela um cenário perigoso: já há uma guerra cibernética acontecendo no mundo. A guerra foi deslanchada pelos EUA e seus parceiros mais próximos com dois objetivos: o primeiro é roubar o máximo possível de informações sobre governos, cidadãos e empresas de outros países; e segundo, atacar websites de redes de outros governos. Enquanto o primeiro objetivo é conquistado sob a fachada de “luta contra o terror”, o FBI atira usando como apoio os ombros dos grupos de hackers para obter o segundo objetivo.

A Guerra cibernética não declarada é a última – e mais potente – arma da geopolítica nesses dias. Como as revelações de Edward Snowden mostraram, países de língua inglesa – EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia - participaram conjuntamente de um grupo de espionagem, uma rede chamada “Cinco Olhos”. Seus maiores alvos eram países emergentes, como Brasil, Índia, Turquia e México, ou aquelas nações que seguem uma política externa independente.   

O principal objetivo de toda essa espionagem feita em nome da “luta contra o terrorismo” é o desejo dos países “Cinco Olhos” de manter o seu controle e domínio sobre os recursos minerais e energéticos para continuar com as rédeas da economia global. Isso explica o fato de os EUA terem dividido a missão de inteligência sobre a América do Sul com os outros países “Cinco Olhos”.

Não é nenhum segredo que as empresas de petróleo britânicas e americanas planejam lucrar bilhões de dólares em seus campos de petróleo em torno das Ilhas Malvinas. O Brasil apóia a reivindicação argentina sobre essas ilhas, desenvolvendo sua própria tecnologia nas plataformas de petróleo no mar. Os “Cinco Olhos” querem saber tudo sobre a cooperação entre os dois países sul-americanos. Foi por essa razão que o Canadá - que encara o Brasil como uma ameaça nos campos de mineração - espionou o Ministério das Minas e Energia brasileiro.

O mesmo padrão de invasão cibernética, roubo e espionagem, foi repetido pelos “Cinco Olhos” em todo o mundo – da Índia ao Irã, passando pela Venezuela e China. Tudo isso com o objetivo de assegurar seus interesses financeiros. Mas os ataques do FBI a websites de vários governos são uma completa violação à sua soberania. Os americanos gostam de culpar os chineses por hackear redes de outros países, mas agora – graças a Hammond - sabe-se que o FBI dirige uma guerra secreta e suja contra outros países, especialmente aqueles que ousam seguir uma política externa e econômica independente.

Nenhum país pode parar esse ataque combinado da NSA, CIA e FBI e seus parceiros “Cinco Olhos”. Mas um esforço conjunto dos países emergentes pode pelo menos expor esse novo estilo de guerra suja.


 Shobhan Saxena é correspondente do jornal indiano The Hindu na América do Sul



Créditos da foto: deathandtaxesmag.com

sábado, 16 de novembro de 2013

Dar nome aos bois e pô-los à frente do carro

12/11/2013 às 23:01

Câmara lança publicação sobre convergência e integração na comunicação pública

Escrito por: Redação do FNDC
Fonte: Câmara dos Deputados 


A Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Câmara dos Deputados lançou, nesta terça-feira (12), a publicação "Convergência e Integração na Comunicação Pública".

O livro traz uma reflexão sobre as novas tendências da comunicação pública no País, tendo em vista as inovações tecnológicas que impõem aos profissionais da área o desafio de produzir conteúdos a partir da convergência de mídias.

Para o diretor da Secretaria de Comunicação Social, Sérgio Chacon, o livro retrata um trabalho pioneiro na área de comunicação institucional. "A Câmara fez uma reforma ousada. A nossa comunicação é um exemplo para outros países".

Sérgio Chacon acrescentou que a reforma é inovadora e que "por isso mesmo está sujeita a pequenos ajustes, naturais em todos os processos de mudança. Agora, na sua essência, no que é mais importante, ela já está implantada. Estamos agora avaliando essa reforma e fazendo os devidos ajustes, para que ela vá em frente".

Integração das equipes

 
A publicação relata o processo de reestruturação da Secom, concluído em 2012. As mudanças trouxeram a integração das equipes do jornal, da agência de notícias, da rádio e da TV Câmara, que agora trabalham em um único ambiente.

Também foram revistas as rotinas da área de Relações Públicas e das atividades culturais da Câmara. No processo, grupos de trabalho compostos por servidores dos diferentes setores levaram em conta a experiência dos veículos da Casa nos últimos 15 anos e observaram os modelos adotados pelas empresas de comunicação, assim como as formulações teóricas sobre comunicação pública.

As equipes que já atuavam na Secom foram reorganizadas em novos departamentos e coordenações, que refletem as mudanças nas rotinas de produção e veiculação de conteúdos. Entre as novidades, está a criação da Coordenação de Participação Popular e da Rede Legislativa de TV e Rádio, além da reformulação do antigo Espaço Cultural, que agora chama-se Centro Cultural Câmara dos Deputados. 
 
 

CONVERGÊNCIA E INTEGRAÇÃO NA COMUNICAÇÃO PÚBLICA


Organização Evelin Maciel

Este livro relata a experiência da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Câmara dos Deputados no projeto de convergência das mídias da instituição. Diante de um cenário em que a forma de comunicar mudou com as novas tecnologias, a Secom sentiu a necessidade de acompanhar essas transformações. A publicação busca narrar a experiência, mudanças e resultados.
2013
158 páginas
ISBN 978-85-402-0070-8 (brochura)
ISBN 978-85-402-0071-5 (e-book)
Acesse esta publicação na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados
 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Humanidade digital - O que é? Quem faz?

11/11/2013 - Copyleft

A duplicação digital do mundo 

e os seus riscos

Em entrevista à Carta Maior, Eric Sadin fala sobre a capacidade crescente dos dispositivos digitais inteligentes de controlar as nossas vidas.


Eduardo Febbro Divulgação

Paris - Já não estamos sós. Um duplo ou muitos duplos nossos permanecem nos incontáveis Data Center do mundo, nas redes sociais, nas memórias gigantescas do Google ou da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, a NSA. É o que o ensaísta francês Eric Sadin, um dos autores mais proféticos e brilhantes na análise das novas tecnologias, chama de “humanidade paralela”.

 Em cada um de seus livros anteriores, “Surveillance Globale”, “La Société de l’anticipation”, Eric Sadin explorou como poucos as mutações humanas inerentes ao surgimento da hiper-tecnologia em nossas vidas. Longe de se contentar com um anedotário trivial dos instrumentos tecnológicos que surgiram nas últimas três décadas, Sadin os pensa de uma forma inédita. Seu último livro, “L’Humanité Augmentée, L’administration numérique du monde” (A Humanidade aumentada, a administração digital do mundo), explora a capacidade cada vez maior que os dispositivos inteligentes têm para administrar o rumo do mundo.

O livro ganhou na França o Hub Awards 2013, um prêmio que recompensa o melhor ensaio do ano. Para Eric Sadin, Hall 9000, o computador super-potente da nave Discovery no filme “2001, uma Odisseia no Espaço”, deixou há muito de ser uma ficção: Hal 9000 foi inclusive superado pela tendência atual na direção de uma “administração robotizada da existência”. GPS, Iphone, Smartphone, sistemas de gestão centralizados que decidem por si mesmo, rastreabilidade permanente, tudo conflui para a criação do que o autor chama de um “órgão sintético que repele toda dimensão soberana e autônoma”.

Em entrevista à Carta Maior, Eric Sadin analisa esse duplo tecnológico que nos facilita muitas coisas e ao mesmo tempo nos espreita a ponto de transformar nossa humanidade.

Eric Schmidt, o presidente do Google, diz em seu último livro, “The New Digital Age”, que “acabamos de deixar os starting-blocks” da revolução digital. Você, ao contrário, estima que a revolução digital está acabando. Fim ou nova fase?

A década atual assinala o fim do que se chamou de “revolução digital” que começou no princípio dos anos 80 mediante a digitalização cada vez maior do real: a escrita, o som, a imagem fixa e animada. Esse amplo movimento histórico se deu paralelamente ao desenvolvimento das redes de telecomunicação e tornou possível o advento da internet, ou seja, a circulação exponencial dos dados na rede: as condições de acesso à informação, o comércio e a relação com os outros através dos correios eletrônicos e das redes sociais.

Hoje, esta arquitetura que não parou de se desenvolver e se consolidar está solidamente instalada em escala global e permite o que chamo de “a era inteligente da técnica”. Nosso tempo instaura uma relação com a técnica que já não está prioritariamente fundada sobre uma ordem protética, ou seja, como uma potência mecânica superior e mais resistente que a de nosso corpo, mas sim como uma potência cognitiva em parte superior à nossa. Há robôs imateriais “inteligentes” que coletam massas abissais de dados, os interpretam à velocidade da luz ao mesmo tempo em que são capazes de sugerir soluções supostamente mais pertinentes e inclusive de agir em nosso lugar como ocorre com o “trading algorítmico”, por exemplo.

Em seu último ensaio, “A humanidade aumentada, a administração digital do mundo”, você expõe um mundo cartografado de maneira constante pelos sistemas digitais. Você mostra a emergência de uma espécie de humanidade paralela – as máquinas – destinadas a administrar o século XXI. Uma pergunta se impõe: o que fica então de nossa humanidade?

Desde o Renascimento, nosso potencial humano se fundou sobre a primazia humana constituída pela faculdade de julgar, a faculdade de decisão e, por conseguinte, da responsabilidade individual que funda o princípio da Lei. A assistência das existências por sistemas “inteligentes”, além de representar uma evolução cognitiva, redefine de fato a figura do humano como senhor de seu destino em benefício de uma delegação progressiva de nossos atos para outros sistemas. Uma criação humana, as tecnologias digitais, contribui paradoxalmente para debilitar o que é próprio ao ser humano, ou seja, a capacidade de decidir conscientemente sobre todas as coisas. Esta dimensão em curso se amplificará nos próximos anos.

Você se refere ao surgimento de um componente “orgânico-sintético que repele toda dimensão soberana e autônoma”. Em resumo, o mundo, nossas vidas, está sob o comando do que você chama de “a governabilidade algorítmica”. O ser humano deixou de administrar.

Não se trata de que já não administra, mas sim de que o fará cada vez menos em benefício de amplos sistemas supostamente mais eficazes em termos de optimização e de segurança das situações individuais e coletivas. Isso corresponde a uma equação que está no coração da estratégia da IBM. Esta empresa implementa arquiteturas eletrônicas capazes de administrar por si mesmas a regulação dos fluxos de circulação do tráfego nas estradas, ou a distribuição de energia em certas cidades do mundo. Isso é possível graças à coleta e ao tratamento ininterrupto de dados: os estoques de energia disponíveis, as estatísticas de consumo, a análise dos usuários em tempo real.

Estas informações estão conectadas com algoritmos capazes de lançar alertas, de sugerir iniciativas ou assumir o controle decidindo por si mesmo certas ações: aumento da produção, compras automatizadas de energia nos países vizinhos, o corte do fornecimento em certas zonas.

Isso equivale a uma espécie de perda maior de soberania.

A meta consiste em buscar a optimização e a segurança em cada movimento da vida. Por exemplo, fazer que uma pessoa que passa perto de uma loja de calçados possa se beneficiar com a oferta mais adequada ao seu perfil, ou que alguém que passeia em uma zona supostamente perigosa receba um alerta sobre o perigo.

Vemos aqui o poder que se delega à técnica, ou seja, o de orientar cada vez com mais liberdade a curva de nossas existências. Esse é o aspecto mais inquietante e mais problemático da relação que mantemos com as tecnologias contemporâneas.

O escândalo de espionagem que explodiu com o caso Prism, o dispositivo mediante o qual a NSA espiona todo o planeta, expôs algo terrível: não só nossas vidas, nossa intimidade, são acessíveis, mas elas estão digitalizadas, convertidas em Big Data, duplicadas.

Prism revelou dois pontos cruciais: em primeiro lugar, a amplitude abismal, quase inimaginável, da coleta de informações pessoais: em segundo, a colusão entre as empresas privadas e as instâncias de segurança do Estado. Este tipo de coleta demonstra a existência de certa facilidade para apoderar-se dos dados, guardá-los e depois analisá-los para instaurar funcionalidades de segurança. A estreita relação que liga os gigantes da rede com a NSA deveria estar proibida pela lei, salvo em ocasiões específicas. De fato, não é tanto a liberdade o que diminui, mas sim partes inteiras de nossa vida íntima.

O meio ambiente digital favoreceu o aprofundamento inédito na história do conhecimento das pessoas. Este fenômeno está impulsionado pelas empresas privadas que coletam e exploram essas informações, frequentemente recuperadas pelas agências de segurança e também por cada um de nós mediante as ondas que disseminados permanentemente, às vezes sem consciência disso, às vezes de maneira deliberada. Por exemplo, através da exposição da vida privada nas redes sociais.

O caso NSA-Prism representa um marco na história. De alguma maneira, mesmo que as pessoas tenham reagido de forma passiva, perdemos a inocência digital. Você acredita que ainda persiste a capacidade de revelar-se nesta governabilidade digital?

Haverá um antes e um depois do caso Prism. Ele mostrou até que ponto a duplicação digital de nossas existências participa da memorização e de sua exploração. Isso ocorreu em apenas 30 anos sob a pressão econômica e das políticas de segurança sem que tenha sido possível instaurar um debate sobre o que estava em jogo. Esse é o momento para tomar consciência, para empreender ações positivas, para que os cidadãos e as democracias se apropriem do que está em jogo, cujo alcance concerne à nossa civilização.

A ausência da Europa no caso deste roubo planetário tem sido tão escandalosa quanto covarde. Você, no entanto, está convencido de que o Velho Mundo pode desempenhar um papel central.

Parece-me que a Europa, em nome de seus valores humanistas históricos, em nome de sua extensa tradição democrática, deve influir na relação de forças geopolíticas da internet e favorecer a edificação de uma legislação e de uma regulamentação claras. O termo “Big Data”, para além das perspectivas comerciais que possui, indica esse momento histórico no qual todos estamos copiados sob a forma de dados que podem ser explorados em uma infinidade de funcionalidades.

Trata-se de uma nova inteligibilidade do mundo que emerge através de gigantescas massas de dados. Trata-se de uma ruptura cognitiva e epistemológica que, me parece, deve ser acompanhada por uma “carta ética global” e marcos legislativos transnacionais.

Em seu livro você se refere a uma figura mítica do cinema, Hal, o sistema informático da nave Discovery, que aparece no filme 2001, uma Odisseia no Espaço. Hal é, para você, a figura que encarna nosso futuro tecnológico através da inteligência artificial.

Hal é um sistema eletrônico hiper-sofisticado que representa a personagem principal do filme de Stanley Kubrick. Hal é um puro produto da inteligência artificial, capaz de coletar e analisar todas as informações disponíveis, de interpretar as situações e agir por conta própria em função das circunstâncias.

Exatamente como certos sistemas existentes no “trading algorítmico” ou no protocolo do Google. Hal não corresponde mais a uma figura imaginária e isolada, mas sim a uma realidade difusa chamada infinitamente a infiltrar setores cada vez mais amplos de nossa vida cotidiana.

Nessa mesma linha, para você, se situa o Iphone ou os Smartphones. Não se trata de joguinhos, mas sim de um quase complemento existencial.

Creio que a aparição dos Smartphones em 2007 corresponde a um acontecimento tecnológico tão decisivo como o da aparição da internet. Os Smartphones permitem a conexão sem ruptura espaço-temporal. Com isso, os Smartphones expõem um corpo contemporâneo conectado permanentemente, ainda mais na medida em que pode ser localizado via GPS. Através dele também se confirma o advento de um “assistente robotizado” das existências por meio dos inúmeros aplicativos capazes de interpretar uma grande quantidade de situações e de sugerir a cada indivíduo as soluções supostamente mais adaptadas.

Esses objetos, que são táteis, nos fazem manter uma relação estreita com o tato. Mas, ao mesmo tempo em que tocamos, as coisas se tornam invisíveis: toda a informação que acumulamos desaparece na memória dos aparatos: fotos, vídeos, livros, notas, cartas. Estão, mas são invisíveis.

De fato, esse duplo movimento deveria nos interpelar. Nossa relação com os objetos digitais se estabelece segundo ergonomias cada vez mais fluidas, o que alenta uma espécie de crescente proximidade íntima. A anunciada introdução de circuitos em nossos tecidos biológicos amplificará o fenômeno. Por outro lado, essa “familiaridade carnal” vem acompanhada por uma distância crescente, por uma forma de invisibilidade do processo em curso.
Isso é muito emblemático no que diz respeito aos Data Centers que contribuem para modelar as formas de nosso mundo e escapam a toda visibilidade. É uma necessidade técnica. No entanto, essa torsão assinala o que está em jogo em nosso meio ambiente digital contemporâneo: por um lado, uma impregnação contínua dos sistemas eletrônicos; por outro, uma forma de opacidade sobre os mecanismos que o compõem.

Os poderes públicos, principalmente na Europa, são incapazes de administrar o universo tecnológico, de enquadrá-lo com leis ou fixar-lhe limites. A ignorância reina, mas a tecnologia termina por se impor, do mesmo modo que as finanças, a todo o espectro político.

Estamos vivendo no interior de um regime temporal que se torna exponencial, prioritariamente mantido pela indústria que impõe suas leis. O próprio dos regimes democráticos é sua faculdade deliberativa, sua capacidade coletiva para escolher conscientemente as regras que orientam o curso das coisas. Esse componente está hoje eminentemente fragilizado. Sem nostalgia, eu diria que vamos ter que lidar ativamente e sob diversas formas com a amplitude do que está em jogo eticamente, tanto agora como no futuro, sob a indução desta “tecnologização” de nossas existências. Tanto nas escolas como nas universidades. Creio que é urgente ensinar o código, a composição agorítmica, a inteligência artificial. Creio que são os professores de “humanidade digital” que deveriam ingressar nas escolas e contribuir para despertar as consciências e ajudar a encontrar as perspectivas positivas que estão se abrindo com este movimento.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Créditos da foto: Divulgação