Resposta ao MinC: sobre o mecanismo de notificação e retirada
Fonte: Pablo Ortellado (em "Apenas um blog")
Para saber mais: GPOPAI (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação)
No último dia 5, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma matéria com declarações minhas sobre as modificações introduzidas pela nova gestão do Ministério da Cultura (MinC) no anteprojeto que reforma a lei de direitos autorais. Essas declarações foram criticadas em nota da assessoria de imprensa do ministério. A controvérsia diz respeito ao mecanismo de “notificação e retirada” introduzido no anteprojeto de lei de direitos autorais por meio do artigo 105-A. Abaixo apresento brevemente o funcionamento deste mecanismo e respondo às críticas que me foram dirigidas.
Sobre o mecanismo nos EUA
“Notificação e retirada” é uma tradução da expressão “notice and takedown” que é o nome dado ao mecanismo introduzido nos Estados Unidos por meio do Digital Millennium Copyright Act (DMCA) de 1998. O mecanismo busca regular as atividades das empresas provedoras de serviços de Internet cujo conteúdo é inserido pelo usuário. Quando uma publicação por meio destas plataformas viola direitos autorais há incerteza sobre quem deve ser responsabilizado pela violação – se o prestador do serviço que oferece a plataforma, o usuário que adiciona o conteúdo ou ambos. O DMCA introduziu o conceito de “notificação e retirada” determinando responsabilidades por meio do seguinte procedimento: 1) o alegado titular dos direitos autorais, quando identifica uma suposta violação aos seus direitos, notifica o provedor de serviços; 2) o provedor tem duas opções: ou retira o conteúdo com a suposta violação (de maneira “expedita” – que se entende como até 24 horas) ou a mantém e assume responsabilidade pelo conteúdo; 3) ao retirar o conteúdo, o provedor deve notificar o usuário (se for possível fazê-lo) que, por sua vez, pode contranotificar, assumindo ele (usuário) a responsabilidade pela publicação e por eventual infração ao direito autoral; 4) o conteúdo, neste último caso, é posto de volta no site se o titular do direito autoral não iniciar um processo contra o usuário em 10 dias úteis.
Tudo ocorre na esfera extrajudicial, sem qualquer decisão da Justiça. Desta maneira, o DMCA buscou dar segurança jurídica aos serviços de Internet que se baseiam em conteúdos de usuários, ao mesmo tempo que fornece aos titulares de direito autoral um instrumento para impedir violações.
A introdução do mecanismo no anteprojeto brasileiro
O modelo de “notificação e retirada” foi introduzido no anteprojeto que reforma a lei de direito autoral por meio do artigo 105-A (segue na íntegra abaixo). O artigo segue em linhas gerais o modelo americano, com duas modificações relevantes: no caso de contranotificação do usuário, o usuário passa a assumir a responsabilidade exclusiva pelo conteúdo e após uma eventual contranotificação o provedor de Internet deve imediatamente republicar o conteúdo. Além disso, qualquer outra pessoa interessada (que não o autor da publicação original) pode contranotificar, desde que assuma responsabilidade por eventual infração autoral realizada pelo usuário que publicou o conteúdo.
Críticas ao mecanismo
Embora em tese o mecanismo de notificação e retirada busque equilibrar o interesse dos titulares com o interesse dos provedores de serviço e dos usuários, na prática o mecanismo tem sido sistematicamente abusado pelos titulares. Foram essas críticas que expressei na matéria do Estado de São Paulo e que deram origem à reação do MinC.
A crítica consiste no fato de que o mecanismo de notificação e retirada cria, na prática, uma censura privada. Em primeiro lugar, o detentor dos direitos autorais, ao notificar, faz simplesmente uma alegação de violação, na esfera extrajudicial, que não é comprovada por qualquer instância jurisdicional (um juiz, por exemplo). Obviamente, os titulares tendem a interpretar a lei de maneira restritiva, minimizando, por exemplo, as possibilidades de usos livres conferidas pelas exceções e limitações dos direitos autorais (ou do fair use, no caso americano). Por exemplo, segundo estimativa da rede americana de clínicas de Direito, Chilling Effects, (formada por clínicas das universidades de Harvard, Stanford, George Washington, entre outras) cerca de 60% das alegações de violação utilizando o notice and takedown são improcedentes, seja porque simplesmente não há violação (são usos cobertos pelo fair use), ou porque a violação não é de direito autoral (é de marca, por exemplo) ou porque os procedimentos formais não foram realizados de maneira adequada. Apesar disso, os titulares conseguem atingir o objetivo de retirar o conteúdo já que os provedores de serviços de Internet preferem retirar o conteúdo e notificar o usuário a enfrentar o ônus legal de mantê-lo.
Embora o Brasil ainda não tenha formalmente o mecanismo, já enfrentamos notificações extrajudiciais em massa que servem como teste de ensaio para a introdução formal do mecanismo. Veja o seguinte exemplo. A Associação Brasileira de Direito Reprográfico (ABDR), que representa algumas grandes editoras, faz notificações extrajudiciais em massa a provedores de serviço de Internet (cerca de dez mil por mês). São notificações que alegam que determinada obra do catálogo de uma editora filiada está sendo disponibilizada sem autorização e que se ações não forem tomadas para retirar a publicação, medidas judiciais serão tomadas em face dos provedores. Os provedores então, para não assumir o ônus judicial, quase sempre retiram o conteúdo (ao ponto de a ABDR utilizar a retirada de conteúdo como “indicador” de sucesso).
Acontece que, neste caso, não há decisão judicial para averiguar se o uso que se faz das obras autorais é, por exemplo, coberto por limitações ao direito autoral – o que poderia acontecer com frequência, já que uma decisão recente do STJ indicou que as limitações na atual lei são exemplificativas, ou seja, nem todas as limitações estão expressamente previstas na lei de direitos autorais.
No caso dos livros, há vários levantamentos empíricos no Brasil indicando que entre 25% e 35% dos livros demandados pelas universidades (que é a maior parte da disponibilização de conteúdo na Internet) estão esgotados. Isso indica duas coisas: 1) o fato de os livros não estarem mais sendo vendidos ajuda a descaracterizar a responsabilidade civil – por ausência de dano – e pode, inclusive, ser encarada como uma limitação, numa interpretação extensiva como a estabelecida pelo STJ e também se interpretado à luz da Constituição Federal no que diz respeito à função social da propriedade e do acesso à educação; 2) muito provavelmente as editoras já não detêm os direitos de vários dos livros dos quais se dizem titulares já que a cessão contratual de direitos muitas vezes expira após alguns anos ou ainda elas podem jamais ter sido as titulares destes direitos, uma vez que a publicação digital de textos é um direito diverso da publicação física.
Isso posto, me parece bastante caracterizado o fato de que esse mecanismo cria uma censura privada, uma vez que conteúdo é suprimido em razão de uma simples notificação, sem qualquer intervenção judicial. Na proposta brasileira, abre-se a possibilidade de uma contranotificação por parte do usuário, após a qual a obra deve ser imediatamente republicada – no entanto, a disparidade entre o poder econômico dos titulares (editoras, gravadoras e produtores de audiovisual) e os usuários fará com que seja excessivamente oneroso aos usuários da Internet defender seu direito de publicação. Na prática, teremos uma censura privada – como aliás, já acontece.
O MinC alega que não se trata de censura, “porque censura carrega em si um crivo de conteúdo moral, ético, político ou doutrinário inexistente na proposta do MinC para o direito autoral.” O fato de este mecanismo fazer censura “apenas” para defender interesses econômicos – muitas vezes sem amparo na lei – me parece tão ou mais grave do que a censura feita com motivação moral ou política, justamente por ser mais difícil de identificá-la claramente. Censura é censura e seus efeitos são igualmente nefastos e anti-democráticos.
Além disso, o MinC alega que no meu argumento há “erro de princípio, porque inverte as ordens de direitos: obviamente, para se utilizar qualquer obra protegida, é fundamental e lógico que se obtenha primeiro a autorização do titular”. Aqui, de novo, acho que há uma profunda divergência de interpretação sobre o que é o direito autoral. Para o MinC tudo é protegido e para qualquer uso deve haver autorização – é a assunção da opressão do privado sobre o interesse público. O que o MinC está defendendo na nota é o direito autoral como hiper-propriedade – na qual o titular não tem deveres, só direitos – e como direito absoluto e superior a todos os demais direitos fundamentais, como o acesso à educação, à informação e à cultura. Eu, por meu lado, acredito que essa visão patrimonialista e proprietária do direito autoral não leva em conta o fato de que o direito autoral nasceu limitado: limitado porque protege só a forma e não o conteúdo, limitado porque a proteção tem prazo determinado, limitado porque vários usos foram historicamente considerados livres (citação, sátira, etc), limitado porque não é nem o único nem o direito mais importante. Penso que o direito autoral já é – e deve ser cada vez mais – uma ilha de exclusividade num imenso mar de usos livres e de obras plenamente livres. Do outro lado, parece que a atual gestão do MinC vê o direito autoral como a UDR vê a propriedade fundiária. É lamentável que tal visão seja respaldada por correntes de um partido dos trabalhadores.
* Agradeço ao Pedro Paranaguá e ao Allan Rocha de Souza por comentários a uma primeira versão deste texto. Eventuais erros, como de costume, são todos meus.
Íntegra do artigo 105-A:
“Art. 105-A. Os provedores de aplicações de Internet poderão ser responsabilizados solidariamente, nos termos do art. 105, por danos decorrentes da colocação à disposição do público de obras e fonogramas por terceiros, sem autorização de seus titulares, se notificados pelo titular ofendido ou mandatário e não tomarem as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
§ 1o Os provedores de aplicações de Internet devem oferecer de forma ostensiva ao menos um canal eletrônico dedicado ao recebimento de notificações e contranotificações, sendo facultada a criação de mecanismo automatizado para atender aos procedimentos dispostos nesta Seção.
§ 2o A notificação de que trata o caput deste artigo deverá conter, sob pena de invalidade:
I – identificação do notificante, incluindo seu nome completo, seus números de registro civil e fiscal e dados atuais para contato;
II – data e hora de envio;
III – identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material pelo notificado;
IV – descrição da relação entre o notificante e o conteúdo apontado como infringente; e
V – justificativa jurídica para a remoção.
§ 3o Ao tornar indisponível o acesso ao conteúdo, caberá aos provedores de aplicações de Internet informar o fato ao responsável pela colocação à disposição do público, comunicando-lhe o teor da notificação de remoção e fixando prazo razoável para a eliminação definitiva do conteúdo infringente.
§ 4o Caso o responsável pelo conteúdo infringente não seja identificável ou não possa ser localizado, e desde que presentes os requisitos de validade da notificação, cabe aos provedores de aplicações de Internet manter o bloqueio.
§ 5o É facultado ao responsável pela colocação à disposição do público, observados os requisitos do § 2o, contranotificar os provedores de aplicações de Internet, requerendo a manutenção do conteúdo e assumindo a responsabilidade exclusiva pelos eventuais danos causados a terceiros, caso em que caberá aos provedores de aplicações de Internet o dever de restabelecer o acesso ao conteúdo indisponibilizado e informar ao notificante o restabelecimento.
§ 6o Qualquer outra pessoa interessada, física ou jurídica, observados os requisitos do § 2o, poderá contranotificar os provedores de aplicações de Internet, assumindo a responsabilidade pela manutenção do conteúdo.
§ 7o Tanto o notificante quanto o contranotificante respondem, nos termos da lei, por informações falsas, errôneas e pelo abuso ou má-fé.
§ 8o Os usuários que detenham poderes de moderação sobre o conteúdo de terceiros se equiparam aos provedores de aplicações de Internet para efeitos do disposto neste artigo.“
Para saber mais: GPOPAI (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação)
No último dia 5, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma matéria com declarações minhas sobre as modificações introduzidas pela nova gestão do Ministério da Cultura (MinC) no anteprojeto que reforma a lei de direitos autorais. Essas declarações foram criticadas em nota da assessoria de imprensa do ministério. A controvérsia diz respeito ao mecanismo de “notificação e retirada” introduzido no anteprojeto de lei de direitos autorais por meio do artigo 105-A. Abaixo apresento brevemente o funcionamento deste mecanismo e respondo às críticas que me foram dirigidas.
Sobre o mecanismo nos EUA
“Notificação e retirada” é uma tradução da expressão “notice and takedown” que é o nome dado ao mecanismo introduzido nos Estados Unidos por meio do Digital Millennium Copyright Act (DMCA) de 1998. O mecanismo busca regular as atividades das empresas provedoras de serviços de Internet cujo conteúdo é inserido pelo usuário. Quando uma publicação por meio destas plataformas viola direitos autorais há incerteza sobre quem deve ser responsabilizado pela violação – se o prestador do serviço que oferece a plataforma, o usuário que adiciona o conteúdo ou ambos. O DMCA introduziu o conceito de “notificação e retirada” determinando responsabilidades por meio do seguinte procedimento: 1) o alegado titular dos direitos autorais, quando identifica uma suposta violação aos seus direitos, notifica o provedor de serviços; 2) o provedor tem duas opções: ou retira o conteúdo com a suposta violação (de maneira “expedita” – que se entende como até 24 horas) ou a mantém e assume responsabilidade pelo conteúdo; 3) ao retirar o conteúdo, o provedor deve notificar o usuário (se for possível fazê-lo) que, por sua vez, pode contranotificar, assumindo ele (usuário) a responsabilidade pela publicação e por eventual infração ao direito autoral; 4) o conteúdo, neste último caso, é posto de volta no site se o titular do direito autoral não iniciar um processo contra o usuário em 10 dias úteis.
Tudo ocorre na esfera extrajudicial, sem qualquer decisão da Justiça. Desta maneira, o DMCA buscou dar segurança jurídica aos serviços de Internet que se baseiam em conteúdos de usuários, ao mesmo tempo que fornece aos titulares de direito autoral um instrumento para impedir violações.
A introdução do mecanismo no anteprojeto brasileiro
O modelo de “notificação e retirada” foi introduzido no anteprojeto que reforma a lei de direito autoral por meio do artigo 105-A (segue na íntegra abaixo). O artigo segue em linhas gerais o modelo americano, com duas modificações relevantes: no caso de contranotificação do usuário, o usuário passa a assumir a responsabilidade exclusiva pelo conteúdo e após uma eventual contranotificação o provedor de Internet deve imediatamente republicar o conteúdo. Além disso, qualquer outra pessoa interessada (que não o autor da publicação original) pode contranotificar, desde que assuma responsabilidade por eventual infração autoral realizada pelo usuário que publicou o conteúdo.
Críticas ao mecanismo
Embora em tese o mecanismo de notificação e retirada busque equilibrar o interesse dos titulares com o interesse dos provedores de serviço e dos usuários, na prática o mecanismo tem sido sistematicamente abusado pelos titulares. Foram essas críticas que expressei na matéria do Estado de São Paulo e que deram origem à reação do MinC.
A crítica consiste no fato de que o mecanismo de notificação e retirada cria, na prática, uma censura privada. Em primeiro lugar, o detentor dos direitos autorais, ao notificar, faz simplesmente uma alegação de violação, na esfera extrajudicial, que não é comprovada por qualquer instância jurisdicional (um juiz, por exemplo). Obviamente, os titulares tendem a interpretar a lei de maneira restritiva, minimizando, por exemplo, as possibilidades de usos livres conferidas pelas exceções e limitações dos direitos autorais (ou do fair use, no caso americano). Por exemplo, segundo estimativa da rede americana de clínicas de Direito, Chilling Effects, (formada por clínicas das universidades de Harvard, Stanford, George Washington, entre outras) cerca de 60% das alegações de violação utilizando o notice and takedown são improcedentes, seja porque simplesmente não há violação (são usos cobertos pelo fair use), ou porque a violação não é de direito autoral (é de marca, por exemplo) ou porque os procedimentos formais não foram realizados de maneira adequada. Apesar disso, os titulares conseguem atingir o objetivo de retirar o conteúdo já que os provedores de serviços de Internet preferem retirar o conteúdo e notificar o usuário a enfrentar o ônus legal de mantê-lo.
Embora o Brasil ainda não tenha formalmente o mecanismo, já enfrentamos notificações extrajudiciais em massa que servem como teste de ensaio para a introdução formal do mecanismo. Veja o seguinte exemplo. A Associação Brasileira de Direito Reprográfico (ABDR), que representa algumas grandes editoras, faz notificações extrajudiciais em massa a provedores de serviço de Internet (cerca de dez mil por mês). São notificações que alegam que determinada obra do catálogo de uma editora filiada está sendo disponibilizada sem autorização e que se ações não forem tomadas para retirar a publicação, medidas judiciais serão tomadas em face dos provedores. Os provedores então, para não assumir o ônus judicial, quase sempre retiram o conteúdo (ao ponto de a ABDR utilizar a retirada de conteúdo como “indicador” de sucesso).
Acontece que, neste caso, não há decisão judicial para averiguar se o uso que se faz das obras autorais é, por exemplo, coberto por limitações ao direito autoral – o que poderia acontecer com frequência, já que uma decisão recente do STJ indicou que as limitações na atual lei são exemplificativas, ou seja, nem todas as limitações estão expressamente previstas na lei de direitos autorais.
No caso dos livros, há vários levantamentos empíricos no Brasil indicando que entre 25% e 35% dos livros demandados pelas universidades (que é a maior parte da disponibilização de conteúdo na Internet) estão esgotados. Isso indica duas coisas: 1) o fato de os livros não estarem mais sendo vendidos ajuda a descaracterizar a responsabilidade civil – por ausência de dano – e pode, inclusive, ser encarada como uma limitação, numa interpretação extensiva como a estabelecida pelo STJ e também se interpretado à luz da Constituição Federal no que diz respeito à função social da propriedade e do acesso à educação; 2) muito provavelmente as editoras já não detêm os direitos de vários dos livros dos quais se dizem titulares já que a cessão contratual de direitos muitas vezes expira após alguns anos ou ainda elas podem jamais ter sido as titulares destes direitos, uma vez que a publicação digital de textos é um direito diverso da publicação física.
Isso posto, me parece bastante caracterizado o fato de que esse mecanismo cria uma censura privada, uma vez que conteúdo é suprimido em razão de uma simples notificação, sem qualquer intervenção judicial. Na proposta brasileira, abre-se a possibilidade de uma contranotificação por parte do usuário, após a qual a obra deve ser imediatamente republicada – no entanto, a disparidade entre o poder econômico dos titulares (editoras, gravadoras e produtores de audiovisual) e os usuários fará com que seja excessivamente oneroso aos usuários da Internet defender seu direito de publicação. Na prática, teremos uma censura privada – como aliás, já acontece.
O MinC alega que não se trata de censura, “porque censura carrega em si um crivo de conteúdo moral, ético, político ou doutrinário inexistente na proposta do MinC para o direito autoral.” O fato de este mecanismo fazer censura “apenas” para defender interesses econômicos – muitas vezes sem amparo na lei – me parece tão ou mais grave do que a censura feita com motivação moral ou política, justamente por ser mais difícil de identificá-la claramente. Censura é censura e seus efeitos são igualmente nefastos e anti-democráticos.
Além disso, o MinC alega que no meu argumento há “erro de princípio, porque inverte as ordens de direitos: obviamente, para se utilizar qualquer obra protegida, é fundamental e lógico que se obtenha primeiro a autorização do titular”. Aqui, de novo, acho que há uma profunda divergência de interpretação sobre o que é o direito autoral. Para o MinC tudo é protegido e para qualquer uso deve haver autorização – é a assunção da opressão do privado sobre o interesse público. O que o MinC está defendendo na nota é o direito autoral como hiper-propriedade – na qual o titular não tem deveres, só direitos – e como direito absoluto e superior a todos os demais direitos fundamentais, como o acesso à educação, à informação e à cultura. Eu, por meu lado, acredito que essa visão patrimonialista e proprietária do direito autoral não leva em conta o fato de que o direito autoral nasceu limitado: limitado porque protege só a forma e não o conteúdo, limitado porque a proteção tem prazo determinado, limitado porque vários usos foram historicamente considerados livres (citação, sátira, etc), limitado porque não é nem o único nem o direito mais importante. Penso que o direito autoral já é – e deve ser cada vez mais – uma ilha de exclusividade num imenso mar de usos livres e de obras plenamente livres. Do outro lado, parece que a atual gestão do MinC vê o direito autoral como a UDR vê a propriedade fundiária. É lamentável que tal visão seja respaldada por correntes de um partido dos trabalhadores.
* Agradeço ao Pedro Paranaguá e ao Allan Rocha de Souza por comentários a uma primeira versão deste texto. Eventuais erros, como de costume, são todos meus.
Íntegra do artigo 105-A:
“Art. 105-A. Os provedores de aplicações de Internet poderão ser responsabilizados solidariamente, nos termos do art. 105, por danos decorrentes da colocação à disposição do público de obras e fonogramas por terceiros, sem autorização de seus titulares, se notificados pelo titular ofendido ou mandatário e não tomarem as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
§ 1o Os provedores de aplicações de Internet devem oferecer de forma ostensiva ao menos um canal eletrônico dedicado ao recebimento de notificações e contranotificações, sendo facultada a criação de mecanismo automatizado para atender aos procedimentos dispostos nesta Seção.
§ 2o A notificação de que trata o caput deste artigo deverá conter, sob pena de invalidade:
I – identificação do notificante, incluindo seu nome completo, seus números de registro civil e fiscal e dados atuais para contato;
II – data e hora de envio;
III – identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material pelo notificado;
IV – descrição da relação entre o notificante e o conteúdo apontado como infringente; e
V – justificativa jurídica para a remoção.
§ 3o Ao tornar indisponível o acesso ao conteúdo, caberá aos provedores de aplicações de Internet informar o fato ao responsável pela colocação à disposição do público, comunicando-lhe o teor da notificação de remoção e fixando prazo razoável para a eliminação definitiva do conteúdo infringente.
§ 4o Caso o responsável pelo conteúdo infringente não seja identificável ou não possa ser localizado, e desde que presentes os requisitos de validade da notificação, cabe aos provedores de aplicações de Internet manter o bloqueio.
§ 5o É facultado ao responsável pela colocação à disposição do público, observados os requisitos do § 2o, contranotificar os provedores de aplicações de Internet, requerendo a manutenção do conteúdo e assumindo a responsabilidade exclusiva pelos eventuais danos causados a terceiros, caso em que caberá aos provedores de aplicações de Internet o dever de restabelecer o acesso ao conteúdo indisponibilizado e informar ao notificante o restabelecimento.
§ 6o Qualquer outra pessoa interessada, física ou jurídica, observados os requisitos do § 2o, poderá contranotificar os provedores de aplicações de Internet, assumindo a responsabilidade pela manutenção do conteúdo.
§ 7o Tanto o notificante quanto o contranotificante respondem, nos termos da lei, por informações falsas, errôneas e pelo abuso ou má-fé.
§ 8o Os usuários que detenham poderes de moderação sobre o conteúdo de terceiros se equiparam aos provedores de aplicações de Internet para efeitos do disposto neste artigo.“
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