Pré-relatório do Marco Civil institucionaliza censura privada
Fonte: Pablo Ortellado, apenas um blog
O relator do Marco Civil da Internet, o deputado Alessandro Molon, publicou nesta semana o pré-relatório sobre o Marco Civil da Internet. O pré-relatório será a base para o relatório que deverá propor alterações ao texto inicial elaborado pelo Ministério da Justiça com forte participação da sociedade civil. O pré-relatório traz avanços importantes no que diz respeito à neutralidade de rede (regulamentando o princípio de forma mais precisa), não avança nada em relação à guarda de dados por provedores de acesso (cujos prazos de retenção permanecem injustificadamente altos) e traz um retrocesso muito grave: institucionaliza a censura privada que advém dos acordos entre empresas titulares de direito autoral e empresas prestadoras de serviço na Internet.
Os acordos entre as empresas da área de direito autoral e as empresas da Internet para a retirada de conteúdo já existem (e são inclusive bastante difundidos). Tratam-se de acordos por meio dos quais a indústria cultural cria mecanismos diretos para solicitar a retirada de conteúdos que alegadamente violam seus direitos. No entanto, esses conteúdos não são pubicados pelas empresas de Internet mas por usuários individuais dos seus serviços. Assim, o que se vê nestes acordos é que, para evitar litígio, os usuários são literalmente censurados, sem qualquer direito de defesa e por meio do entendimento mais restritivo aos seus direitos.
O Marco Civil da Internet é uma verdadeira conquista da sociedade civil. Ele é fruto da ação reivindicatória dos grupos que lutavam contra a Lei Azeredo e que conseguiram reverter uma agenda legislativa marcada pela penalização criminal, colocando no lugar dela os direitos civis. O Marco Civil nasceu assim para concretizar esta demanda de garantir os direitos dos usuários. Por isso, é supreeendente e chocante esta esdrúxula inclusão de um dispositivo que institucionaliza um mecanismo claramente contrário ao direito dos usuários e que favorece apenas as empresas de direito autoral (e indiretamente a indústria da Internet que teria reduzidos os seus custos jurídicos).
Como o relator deixa claro, a inclusão do novo dispositivo foi uma solicitação da ABPD (que representa a indústria fonográfica), da MPA e da Videolog (que representam o setor audiovisual) e da Facebook (com um estranho apoio da Fundação Getúlio Vargas). Ele aparece no artigo 15o que havia estabelecido que as empresas prestadoras de serviço (como Facebook, Twitter e Google) não serão responsáveis por danos decorrentes do conteúdo gerado por seus usuários – o que é uma definição de responsabilidade civil muitíssimo bem vinda. Em seguida, no entanto, logo no inciso 2o, o novo texto institucionaliza o direito das empresas de Internet de retirar conteúdos em decorrência de acordos privados – retirada que acontecerá sem qualquer notificação ao usuário. O usuário sofrerá assim censura sem qualquer decisão judicial que verifique se o pleito da indústria cultural é procedente e sem poder exercer o direito de defesa.
Veja abaixo a nova redação oferecida pelo deputado Molon para o artigo 15o do Marco Civil:
Art. 15 – Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1o – A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2o – O disposto no caput não impede o provedor de aplicações de Internet de adotar medidas razoáveis e não abusivas de remoção de conteúdo gerado por terceiros, por iniciativa própria ou em decorrência de acordos.
§ 3o – Nas hipóteses previstas no § 2o, o provedor de aplicações de Internet, quando a medida for tomada por sua iniciativa, ou o terceiro demandante, quando a remoção for por este solicitada, poderão responder, nos termos da lei, por abuso de direito ou má-fé decorrente da supressão de conteúdo.
§ 4o – O provedor de aplicações de Internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos, deverá promover a ampla publicização, em termos claros, de suas políticas de uso, e eventuais acordos que tratem de medidas de remoção de conteúdo.Veja pre-relatorio o texto completo do pré-relatório do Marco Civil.
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