terça-feira, 30 de outubro de 2012

Jornal impresso, jornal virtual, jornalismo

 
30/10/2012 | Copyleft

DEBATE ABERTO

Jornal, o fim de uma concepção

O fechamento do Jornal da Tarde, do grupo Estado de S. Paulo, nesta semana traz novamente à tona o debate sobre o fim do jornal impresso. Mas a oposição meio virtual X papel não explica tudo. É possível que estejamos assistindo algo mais profundo: o fim de uma maneira de se organizar a informação.



O fechamento do Jornal da Tarde, lançado em São Paulo em 1966, mostra que a crise da imprensa impressa chegou ao Brasil em grande estilo. Dos diários importantes, já sucumbiram a Gazeta Esportiva (1947-2001), a Gazeta Mercantil (1920-2009) e o Jornal do Brasil (1891-2010). A primeira e a última seguem na internet, com menor apelo de público. Os infaustos acontecimentos, como dizia a mídia de outros tempos, não foram motivados apenas por uma ainda incerta supremacia das plataformas virtuais em relação às de celulose, mas também por desarranjos administrativos variados.

O advento da internet suscita, há quase uma década, um debate sobre o fim do jornal impresso. Livros, reportagens e artigos têm sido produzidos, tentando dar conta da possível obsolescência do meio papel.

Abalo no mercado
As redes virtuais provocaram um abalo no mercado de comunicação muito maior que a chegada das principais novidades tecnológicas anteriores, como a máquina rotativa (1890), o rádio (1920) e a televisão (1950). Não nos esqueçamos que com a chegada do rádio, profetizava-se o fim do jornal e com a chegada da televisão, três décadas depois, falava-se na decadência do jornal, do rádio e do cinema. Nenhum deles desapareceu, mas tiveram de se readequar às novas realidades.

No caso da difusão das redes virtuais, fala-se novamente no fim das velhas mídias. Isso se dá não apenas porque a internet interfere em todas as formas anteriores de comunicação – ela é jornal, é rádio e é televisão, entre outros – mas especialmente por evidenciar a lentidão dos antigos meios e por expor suas limitações em relação à possibilidade de se segmentar e escolher a informação a ser recebida e acessá-la a qualquer momento em locais variados.

Além disso, existe a possibilidade de uma interação entre emissor e receptor de informações, criando um fluxo comunicacional de mão dupla ou de várias mãos em intercâmbios constantes. O abalo que o meio virtual provoca em outras modalidades de troca de informações ainda é incerto. Tudo indica que não será pequeno.

Está em questão não apenas o suporte papel ou a velocidade de impressão, mas uma maneira de se reunir informações de diversas procedências em um único produto, facilmente manuseável.

O jornal é não apenas um veiculador de notícias, mas um organizador e hierarquizador dessas informações, montando e apresentando cotidianamente ao leitor uma sinopse de fatos e eventos acontecidos no dia anterior. Essa concepção de periódico é um produto da sociedade gerada a partir da Revolução Francesa e do Iluminismo. Não nos esqueçamos que a enciclopédia, ou seja, um compêndio sistematizado de todo o conhecimento humano acumulado até então também é fruto do Iluminismo do século XVIII. Não é exagero classificar o jornal como um subproduto da enciclopédia; uma sistematização do conhecimento gerado no dia anterior.

O poder da edição
A partir de meados do século XIX, o cidadão europeu, alfabetizado e de certas posses recebia seu diário pela manhã e tomava conhecimento não apenas dos acontecimentos mundiais, mas de recebia uma maneira de se ver o que acontecia no mundo.

O poder de um editor, que decidia se a manchete principal versaria sobre
política, economia, cultura ou esporte passou a ser atividade dotada de um poder formidável sobre o público e sobre o espaço público.

Editar equivale a organizar uma agenda para a opinião pública, definindo o que é principal e o que é secundário a cada momento. A tarefa de edição corresponde à ação de definir a pauta de debates de uma determinada sociedade e em determinado tempo.

O produto-síntese montado com critérios de alocação definida para cada informação chama-se jornal. Ele pode ter qualquer suporte. O jornal – escrito, radiofonizado, televisado – é uma condensação totalizante de determinada visão de mundo.

Dois tempos
Essa totalização se dá em dois tempos, um imediato e outro perene. Primeiro, ao resumir e classificar o leque de notícias a ser digerido pelo leitor, o jornal organiza prioridades. E ao ter uma trajetória longa, constante, coerente e previsível – apesar da imprevisibilidade dos fatos geradores de informações – se coloca como acompanhante de longo curso de seu leitor.

O jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, um dos mais tradicionais periódicos brasileiros, acompanha, em alguns casos, a quarta ou quinta geração de uma mesma família de assinantes. O vínculo entre produto e leitor é cotidiano e perene, a um só tempo. Esse fenômeno, que o mercado publicitário chama de fidelização do público, consolida o jornal como uma espécie de supermercado de notícias, no qual estão reunidas informações das mais variadas, que vão da política à cultura, passando pela economia, pelo noticiário internacional e por coberturas de cidades, de entretenimento, de saúde, obituário, passatempos etc. etc. Assim como em um supermercado, no qual o consumidor vai para comprar panelas e louças e, ao passar pelas gôndolas, pode levar para casa outros produtos, como alimentos, produtos de limpeza, eletrodomésticos etc., o leitor do jornal abre as páginas em busca de determinado assunto e passeia por outros que não estavam em seu foco inicial de interesse.

Assim, reiterando o mencionado anteriormente, o jornal é não apenas um produto em papel, mas uma concepção de como reunir informações fragmentadas, ordená-las e entregá-las empacotadas para o consumidor final.
É contra essa lógica e não contra o meio papel que a internet investe.

O leitor-editor
Embora os grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão estejam todos na internet, a informação não está mais hierarquizada previamente para o internauta. Ele pode saltar de um veículo a outro, lançar mão de sites de buscas para encontrar o que deseja, filtrar os assuntos sem passar pelo que julga secundário para si e montar o jornal em sua cabeça. A internet tende a eliminar a figura do editor externo ao leitor. E a interatividade acontece não apenas pelo fato de toda publicação virtual dispor de espaço para comentários, mas porque agora o leitor também pode ser um produtor de informação, um emissor ativo e não mais um receptor do que lhe é despejado cotidianamente em telas, altofalantes e páginas.

Nesse ponto, fica a pergunta: qual o sentido da crescente fragmentação da informação? Teríamos chegado finalmente ao ideal do pósmodernismo, tão difundido a partir dos anos 1970, de que o mundo não pode ser compreendido em sua totalidade, mas apenas em seus fragmentos? Ou seja, uma vertente filosófica teria finalmente encontrado sua base material – para nos fixarmos num linguajar marxista – que seria, ironicamente, o meio virtual?

O pósmodernismo, de acordo com Perry Anderson, no livro As origens da pós-modernidade, “é a perda de legitimidade das metanarrativas”. Em suas palavras,

“a primeira” [metanarrativa], derivada da Revolução Francesa, colocava a humanidade como agente heróico de sua própria libertação através do avanço do conhecimento; a segunda, descendente do idealismo alemão, via o espírito como progressiva revelação da verdade. Esses foram os grandes mitos justificadores da modernidade" [1] .

A ambos conceitos pode-se somar o materialismo dialético. Na definição clássica de Sartre,

o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo porque ele é a totalização do saber contemporâneo”, ele é propriamente uma filosofia porque “se constitui para dar expressão ao movimento geral da sociedade.

Repetindo: o jornal tradicional não é feito principalmente de papel, mas de uma idéia totalizante de mundo. Não é exagero dizer que uma das expressões das grandes narrativas como produto é o jornal e o conceito de imprensa construído no Ocidente a partir de 1850.

De outra parte, a idéia de que o todo não é compreendido enquanto tal, mas apenas em seus fragmentos, está na base da apreensão das informações na rede. Aqui, os fragmentos são juntados de forma individualizada por cada internauta, em infinitas combinações e ordenamentos, numa espécie de faça você mesmo informativo. Há ganhos evidentes na ação cognitiva nesses novos tempos. Cada um é seu próprio editor, cada um é um emissor.

Essa é a base objetiva da perda de legitimidade – e de mercado – do jornal tradicional. Ao supermercado informativo, contrapõe-se o mercadinho personalizado em rede global.

O Jornal da Tarde é mais um supermercado que fecha as portas.

NOTA
[1] Anderson, Perry, As origens da pós modernidade, Jorge Zahar Edito, Rio de Janeiro, 1999, pág 32.

*Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

domingo, 28 de outubro de 2012

Língua, linguagem, discurso e justiça

Fonte: Blog do Sírio

 CONFIRMANDO

Num debate (“Entre aspas”, Globo News) a propósito do julgamento da ação penal 470 (mensalão), um jurista asseverou que juízes, em geral, formam sua convicção sobre o réu lendo o processo: culpado ou inocente. Só depois vão atrás dos argumentos para sustentar sua decisão, para redigir um voto.

Isso explica, por exemplo, por que um juiz diz ou escreve poucas vezes mas ou embora. Ou seja, dificilmente ele cita um argumento contrário e, depois, outro favorável a sua decisão, que refute o primeiro. Mais difícil ainda é um juiz citar um jurista que sustente o contrário de sua tese, para, em seguida, refutá-lo. Sentenças citam só a “bibliografia” favorável.

Isso aconteceu em diversos julgamentos no Supremo. Cito dois casos.

O julgamento da questão da interrupção de gravidez de fetos anencéfalos é excepcionalmente claro. Todos os votos consideraram a questão do início da vida. Por isso, citaram geneticistas, entre outros sábios. Alguém diria que esta é a prova de que o direito leva a ciência em conta.

Mas a verdade é um pouco mais sutil. Nenhum juiz simplesmente citou a genética. Cada um recorreu a teses genéticas nas quais se poderia apoiar para defender sua posição. Alguns geneticistas defendem que a vida começa na fecundação. Outros, que ela depende de alguma complexidade “cerebral”, já que o fim da vida é definido em termos de morte cerebral, em nosso sistema.  Em suma, as citações da ciência não se cruzaram. Cada lado ficou com as suas.

No julgamento do famigerado caso Battisti, um ministro lia lenta e enfaticamente as partes que o condenavam e as outras partes bem depressa, quase as desprezando. Já outro pediu vistas e, dias depois, fez o contrário: dava destaque ao que o primeiro desprezara… Para quem é  analisa discurso, foi um espetáculo!

Na semana passada, durante o julgamento do mensalão, houve casos bem similares. Quem absolveu Genoíno apresentou um documento de quitação da dívida do PT. Quem o condenou disse que não dava muita importância aos documentos do Banco Rural. Quem absolveu José Dirceu leu depoimentos a seu favor. Quem o condenou leu só os de Roberto Jefferson, contrários. Independentemente de uma discussão sobre quem teria sido mais justo (por favor, leitores, não repitam o julgamento aqui!), o que destaco é a estratégia discursiva.

O final da sessão foi memorável, deste ponto de vista. Um ministro disse que Kátia Rebelo houvera desmentido depoimentos anteriores. Logo outro rebateu: ela tinha sido condenada várias vezes, e, portanto, seu depoimento deveria ser lido cum grano salis. Ao que o primeiro replicou que o mesmo juízo deveria valer para o testemunho de Roberto Jefferson, no qual o outro baseara seu voto.
Ninguém corou!

Acrescento outro dado: um dos ministros citou texto mais antigo do colunista Janio de Freitas, que se referia à saída forçada do PT de uma senadora e de três deputados, por pressão da direção, como prova de que o partido mudara suas convicções, especialmente no que se refere à Reforma Previdenciária. Ok. Mas não citou nenhuma das colunas do mesmo Jânio, durante este julgamento. O colunista, em geral, tem sido crítico das decisões com base em indícios.

Sempre a leitura

Leio que o pastor Silas Malafaia vem  a S. Paulo para organizar com outro pastor, Jabes Alencar, uma estratégia em favor de Serra. Seu argumento: “Marta brincou que Lula é Deus. Isso não se faz”.

De fato, certo dia, Marta disse que achava que Haddad seria bem sucedido, dados os apoios que teria. E acrescentou: "Lula é deus, eu sou a pessoa que faz e Dilma é bem avaliada".

Citar só argumentos favoráveis etc. é uma estratégia. Ler uma declaração como esta literalmente e mala fé.

Hipótese bem mais razoável é que seja um tipo de discurso indireto, atribuído aos eleitores da periferia: algo como “para eles, Lula é deus, eu sou a pessoa que faz e Dilma é bem avaliada”.

Penso que deveria haver alguma razão mais forte para votar em Serra. Talvez Malafaia não tenha nenhuma.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A circulação, a liberdade de expressão... um caso a ser estudado

Saiu na FOLHA DE S. PAULO:


24 de outubro de 2012

‘JN’ dedica quase 20 minutos a balanço do julgamento

DE SÃO PAULO

O “Jornal Nacional” da TV Globo, programa jornalístico mais assistido da televisão brasileira, dedicou ontem 18 dos 32 minutos de sua edição a um balanço do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

O telejornal exibiu oito reportagens sobre o tema, contemplando desde o que chamou de “frases memoráveis” proferidas no plenário do STF às rusgas entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandovsky, respectivamente relator e revisor do processo na corte.

O segmento mais “quente” do telejornal, dedicado às notícias do dia (debate do tamanho das penas e a decisão de absolver réus de acusações em que houve empate no colegiado) consumiu 3min12s.

O restante foi ocupado pelo resumo das 40 sessões de julgamento.

—–

Há, ainda, um agravante. O assunto foi ao ar no JN imediatamente após o fim do horário eleitoral, que, em São Paulo, foi encerrado com o programa de Fernando Haddad. E tem sido assim desde que começou o segundo turno – o noticiário do mensalão é apresentado pelo telejornal sempre “colado” ao fim do horário eleitoral.

O objetivo de interferir no pleito do próximo domingo em prejuízo do Partido dos Trabalhadores e dos outros partidos aliados que figuram na Ação Penal 470, vem sendo escancarado. Ontem, porém, essa prática ilegal chegou ao ápice.

A ilegalidade é absolutamente clara. Para comprovar, basta a simples leitura da Lei 9.504/97, a chamada Lei Geral das Eleições, que, em seu artigo 45, caput, reza que:

Caput – A partir de 1o de julho, ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário, conforme incisos:

III – Veicular propaganda política, ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus orgãos ou representantes;

IV – Dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação;

V – É vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário, veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica a candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente (…)

Apesar de a Globo poder alegar que estava apenas reproduzindo um fato do Poder Judiciário, a intenção de usar as reiteradas menções dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao Partido dos Trabalhadores é escancarada ao ponto de ter virado notícia de um jornal absolutamente insuspeito de ser partidário desse partido.

Conforme reza a lei, é vedada prática da qual o JN abusou, ou seja, fazer “Alusão ou crítica a candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente”. Ora, de dissimulado não houve nada. O PT foi citado reiteradamente pela edição do JN de forma insistente e por espaço de tempo jamais visto em uma só reportagem.

A Lei Eleitoral recebe interpretação pela Justiça Eleitoral, ou seja, ela julga exatamente as nuances das propagandas, dos programas em veículos eletrônicos e até mesmo na imprensa escrita e na internet.

O uso de uma concessão pública de televisão com fins político-eleitorais também viola a Lei das Concessões, cujo guardião é o Ministério das Comunicações.

Diante desses fatos, comunico que a ONG Movimento dos Sem Mídia, da qual este blogueiro é presidente, apresentará, nos próximos dias, representações à Procuradoria Geral Eleitoral e ao Ministério das Comunicações contra a TV Globo por violação da Lei Eleitoral, com tentativa de influir em eleições de todo país.

Detalhe: será pedido ao Minicom a cassação da concessão da Rede Globo por cometer crime eleitoral

Por certo não haverá tempo suficiente de fazer a representação ser apreciada por essas instâncias antes do pleito, mas isso não elidirá a denunciação desse claro abuso de poder econômico com vistas influir no processo eleitoral. Peço, portanto, o apoio de tantos quantos entenderem que tal crime não pode ficar impune.

domingo, 21 de outubro de 2012

IV Liberdade e regulação: quem reivindica o quê?

Fonte:  Instituto de Economia da Unicamp

Manifesto em Defesa da Civilização


Economistas formados na Unicamp escreveram o “Manifesto em Defesa da Civilização”. Alertam para profunda regressão social em curso nos países desenvolvidos. Apontam que a crise atual intensifica um processo iniciado no início dos anos de 1970. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. O desempenho no mercado é que define posição do indivíduo na sociedade: vencedor ou perdedor. O desemprego e o trabalho precário atingem proporções dramáticas, ampliando a massa de perdedores. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados, afirmam. Diante desse quadro, perguntam: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

O “Manifesto em Defesa da Civilização” orienta as reflexões do núcleo Plataforma Política Social – Agenda para o Brasil do Século XXI, que pretende ser uma trincheira na defesa e na consolidação da cidadania social conquistada pela sociedade brasileira em 1988. Como se sabe, elas foram inspiradas, em grande medida, nos princípios de seguridade social e da universalidade que orientaram a ação governamental nos “anos de ouro” (1945/1975) de capitalismo regulado.  Os economistas da Unicamp têm razão quando afirmam que “o Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário”.




MANIFESTO EM DEFESA DA CIVILIZAÇÃO

Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivo alegado é preservar a saúde das pessoas.

Em Atenas, na movimentada Praça Syntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna.

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra do Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados.

A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foram destruídos pela concorrência chinesa.

Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inevitável avanço do progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado.

Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar!

Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados.

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceram que seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social!

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada.

Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?

As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade.

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação. Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.


Assinaturas

DAVI DONIZETI DA SILVA CARVALHO
EDUARDO FAGNANI
CAMILA LINHARES TEIXEIRA
CLAUDIO LEOPOLDO SALM
MILTON LAHUERTA
EDSON CORREA NUNES
MIRIAM DOMINGUES
WILMA PERES COSTA
NEIRI BRUNO CHIACHIO
NATÁLIA MINHOTO GENOVEZ
PEDRO GILBERTO ALVES DE LIMA
SAMIRA KAUCHAKJE
FABIO DOMINGUES WALTENBERG
ALICIA UGÁ
JULIANO SANDER MUSSE
AMÉLIA COHN
LIGIA BAHIA
MAGDA BARROS BIAVASCHI
FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRA
ANTONIO CARLOS ROCHA
RODRIGO PEREYRA DE SOUSA COELHO
GABRIEL QUELHAS DE ALMEIDA
MARIENE GONÇALVES TUNG
AMILTON MORETTO
ANA AURELIANO SALM
MARCIO SOTELO FELIPPE
FREDERICO MAZZUCCHELLI
CELIO HIRATUKA
EDUARDO BARROS MARIUTTI
ANGELA MOULIN SIMÓES PENALVA SANTOS
ANGELA MARIA CARVALHO BORGES
JOÃO MIRANDA SILVA FAGNANI
RODOLFO AURELIANO SALM
EVA LUCIA SALM
ÉDER LUIZ MARTINS
FERNANDA MAZZONI DE OLIVEIRA
MICHELLE MAUREN DOVIGO CARVALHO
FELIPE LARA CIOFFI
ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO
RONEY MENDES VIEIRA
NAIRO JOSÉ BORGES LOPES
MARIA FERNANDA CARDOSO DE MELO
WILSON CANO
NEREIDE SAVIANI -
FREDERICO LOPES NETO
MARIA DE FÁTIMA BARBOSA ABDALLA
BRANCA JUREMA PONCE
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO
ALAN GUSMÃO SILVA
JOSE ANTONIO MORONI
VANESSA CRISTINA DOS SANTOS
JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI
EDSON DONIZETTI XAVIÉR DE MIRANDA
MARIA EDUARDA PAULA BRITO DE PINA
MARIA DE FATIMA FELIX ROSAR
CÁSSIA HACK
DERMEVAL SAVIANI
ROBSON SANTOS DIAS
RODRIGO TAVORA GADELHA
JORGE LUIZ ALVES NATAL
LUCIANO VIANNA MUNIZ
ALUIZIO FRANCO MOREIRA
MARISE VIANNA MUNIZ
JURACI COLPANI
ALESSANDRO CESAR ORTUSO
GENILDO SIQUEIRA
CARLOS EDUARDO DE FARIAS
CARLOS ALONSO BARBOSA DE OLIVEIRA
JOSE DAMIRO DE MORAES
FERNANDO MOREIRA MORATO
CELSO JOÃO FERRETTI
SILVIA ESCOREL DE MORAES
DANIEL ARIAS VAZQUEZ
EVERTON DAB DA SILVA
JOÃO GABRIEL BARRETO SILVA ROCHA
CELSO EUGÊNIO BRETA FONTES
SARAH ESCOREL
VINICIUS GASPAR GARCIA
DENIS MARACCI GIMENEZ
DENISE DO CARMO SILVA PEREIRA
JEFFERSON CARRIELLO DO CARMO -
VAGNER SILVA DE OLIVEIRA
GABRIEL PRIOLLI
JÉSSICA MARCON DALCOL
MARINA VENÂNCIO GRANDOLPHO
PEDRO HENRIQUE DE MELLO LULA MOTA
DANIEL SANTIAGO MOREIRA
VANESSA MORAES LUGLI
SANDRA MARIA DA SILVA LIMA
CARLOS RAFAEL LONGO DE SOUZA
MARIA SILVIA POSSAS
LUCIANA RAMIREZ DA CRUZ
CAROLINA PIGNATARI MENEGHEL
PEDRO DOS SANTOS PORTUGAL JÚNIOR
JOSÉ AUGUSTO GASPAR RUAS
WELLINGTON CASTRO DOS SANTOS
ALESSANDRO FERES DURANTE
DANIEL HERRERA PINTO
PEDRO HENRIQUE VERGES
DAVI JOSÉ NARDY ANTUNES
CARLA CRISTIANE LOPES CORTE
CARLOS ALBERTO DRUMMOND MOREIRA
DANIEL DE MATTOS HÖFLING
MARCELO WEISHUPT. PRONI
ENIO PASSIANI
JOSÉ DARI KREIN
ANSELMO LUIS DOS SANTOS
FABIO EDUARDO IADEROZZA
HIGOR FABRÍCIO DE OLIVEIRA
DANER HORNICH
HELDER DE MELO MORAES
JOSE EDUARDO DE SALLES ROSELINO JUNIOR
JULIANA PINTO DE MOURA CAJUEIRO
FERNANDO CATALANI
FERNANDA PIM NASCIMENTO SERRALHA
LEANDRO PEREIRA MORAIS
MARCELO PRADO FERRARI MANZANO
OLIVIA MARIA BULLIO MATTOS
RENATO BROLEZZI
LUCAS JANNONI SOARES
MÁRCIO SAMPAIO DE CASTRO
MARIA PINON PEREIRA DIAS
LUIZ MORAES DE NIEMEYER NETO
RODRIGO COELHO SABBATINI
LÍCIO DA COSTA RAIMUNDO
FERES LOURENÇO KHOURY


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

II - Liberdade e regulação: quem reivindica o quê?

Ley de Medios argentina é modelo, diz relator da ONU

“A Argentina tem uma lei avançada. É um modelo para todo o continente e para outras regiões do mundo”, afirmou Frank La Rue, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e de Expressão, ao se referir à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. "Eu a considero um modelo e a mencionei no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. E ela é importante porque para a liberdade de expressão os princípios da diversidade de meios de comunicação e de pluralismo de ideias é fundamental”, defendeu.

Buenos Aires - “A Argentina tem uma lei avançada. É um modelo para todo o continente e para outras regiões do mundo”, afirmou Frank La Rue, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e de Expressão, ao se referir à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, logo após reunir-se com Martín Sabbatella, titular da Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual). “Falamos da importância da aplicação plena desta lei”, assinalou Sabbatella após o encontro que manteve com o funcionário guatemalteco da ONU na sede portenha da Afsca.

Durante a reunião com Sabbatella, La Rue voltou a expressar seu especial interesse na implementação da chamada “Ley de Medios” da Argentina. “Essa é uma lei muito importante. Eu a considero um modelo e a mencionei no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. E ela é importante porque para a liberdade de expressão os princípios da diversidade de meios de comunicação e de pluralismo de ideias é fundamental”, defendeu o relator da ONU após o encontro na Afsca.

“Eu venho de um país multicultural, muito pequeno, mas com 22 idiomas indígenas, onde essa diversidade de meios e esse pluralismo de expressão, assim como o manejo dos serviços de comunicação audiovisual, desempenham um papel muito importante para garantir essa riqueza cultural”, disse o guatemalteco, para quem “neste sentido a lei argentina é realmente muito importante”.

Por sua parte, Sabbatella destacou ao término da reunião que “para os argentinos e as argentinas é um orgulho ter uma lei modelo e é extremamente importante o acompanhamento de Frank La Rue, uma pessoa que tem um forte compromisso com a liberdade, a pluralidade, a diversidade e a democratização da palavra”.

“La Rue tem uma profunda valoração da lei e expressou em várias oportunidades a importância de sua aplicação. Contar com sua atenção sobre o andamento desse processo é fundamental”, acrescentou o titular da Afsca, destacando que foi discutida com o relator da ONU “a importância da aplicação da lei”.

O funcionário da ONU se mostrou interessado pelas medidas que a Afsca deve tomar no dia 7 de dezembro, quando vence o prazo fixado pela Corte Suprema para a medida cautelar com a qual o Grupo Clarín paralisou a implementação da lei, durante três anos, após sua aprovação no Congresso. Assim como o cabo de guerra no Conselho da Magistratura, onde a oposição impede a nomeação de um juiz titular no tribunal que deve resolver a questão da inconstitucionalidade defendida pelo grupo quanto ao artigo 161 da lei, que obriga as empresas a abrir mão das licenças que superam o limite estabelecido pela nova legislação para evitar práticas monopólicas.

La Rue, que foi a Argentina para participar de um congresso mundial sobre direitos da infância em San Juan, também assinalou que logo após sua passagem pela Argentina visitará o Uruguai onde, destacou, “vem ocorrendo uma discussão parecida com a que ocorreu aqui (sobre a ‘ley de medios’ audivovisuais), mas ainda não foi aprovada a lei, o que eu gostaria muito que acontecesse”. O relator da ONU também se mostrou disposto a promover fóruns em toda a América Latina para debater a lei implementada pela Argentina.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Liberdade e regulação: quem reivindica o quê?

Internacional| 15/10/2012 | Copyleft

SIP elege Argentina e Equador como alvos principais

Sessão da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação dedicou maior tempo para apresentar ações dos governos Kirchner e Correa que, na visão da organização, representam "amplas atentados à liberdade de imprensa". De leis aprovadas ao uso de cadeias nacionais na TV e distribuição da verba publicitária, tudo foi relacionado à censura. No dia 7 de dezembro, vence o prazo do Grupo Clarín para adequar seu patrimônio à Lei de Medios da Argentina.

 
 
 
São Paulo - No próximo dia 7 de dezembro, expira o prazo definido pela Corte Suprema de Justiça da Argentina para a medida cautelar, obtida pelo Grupo Clarín, que impede a aplicação de dois artigos da Lei de Medios às atividades econômicas do grupo. Um deles, o art. 161, determina que os grupos que ultrapassem os limites de outorgas definidos pela nova lei devem iniciar um processo de adequação de suas licenças. Pela Lei de Meios, nenhum grupo de comunicação no país pode ter mais do que 24 outorgas de TV a cabo e 10 de rádio e televisão aberta. O Grupo Clarín, além do jornal impresso, tem 4 canais de televisão, 1 rádio FM e 9 rádios AM, além de dez vezes mais licenças de cabo do que o número autorizado pela Lei de Medios.

Diante da proximidade da data e reconhecendo a influência que a iniciativa de Cristina Kirchner tem tido nos países vizinhos em prol da democratização dos meios de comunicação de massa, a 68ª Assembléia Geral da SIP, que acontece até esta terça-feira (16) em São Paulo, centrou sua crítica no que definiu por "hostilidade contra a imprensa" por parte do governo argentino. A sessão da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP foi aberta na manhã desde domingo (14) pela apresentação, de mais de 40 minutos, do representante da SIP no país, Daniel Dessein.

Dessein fez a leitura completa do relatório (disponível AQUI), que afirma que "várias resoluções do governo, manobras judiciais, declarações ofensivas e ameaçadoras de funcionários públicos, medidas contra a mídia e ameaças e agressões físicas a jornalistas delineiam um cenário sombrio para o exercício do jornalismo e o direito de todos os cidadãos se expressarem livremente" - considerando que a liberdade de expressão dos cidadãos se dá através da grande imprensa argentina.

Sobrio também foi o vídeo elaborado pelo Clarín, e apresentado na sequência da leitura do relatório, mostrando o "crescimento da censura" no país. Numa ágil edição de imagens e trilha sonora de suspense, o vídeo elenca as ações da Presidenta Kirchner contra a imprensa e afirma que seu objetivo é "consagrar o medo, a autocensura e o silêncio". Afirma que "organismos do governo são escritórios para reprimir cidadãos que querem se expressar".

Entre as ações tachadas como violadoras da liberdade de imprensa estão a amplificação da rede de comunicação oficial, "mecanismos discriminatórios" de distribuição da publicidade oficial, "abuso ilegítimo" de cadeias nacionais na televisão, cobertura parcial de eventos por parte de algumas emissoras de TV, que estariam vinculadas ao governo federal, e "aplicação seletiva" da Lei de Meios. Segundo a SIP, há vários meios de comunicação - o relatório não citou quais - que não se ajustam ao previsto na lei, aprovada há três anos, e que não foram "intimidados" a cumprir o que ela estipula.

O final do vídeo traz um questionamento sobre a versão oficial do que acontecerá no dia 7 de dezembro. Segundo os constitucionalistas ouvidos pelo Clarín, nada. Se até lá a Corte Suprema de Justiça não se decidir sobre a constitucionalidade dos artigos questionados pelo grupo e não prorrogar a validade da medida cautelar, apenas começará a contar o prazo para que o Clarín se adeque à nova lei. Para o grupo, isso não é nada. Para o governo Kirchner, será uma vitória da lei criada para, entre outros pontos, combater a concentração da propriedade da mídia na Argentina.

Discordando dessa leitura do governo e afirmando que nada acontecerá no dia 7, o vídeo termina com três fortes perguntas acusatórias: "O que se busca então com o relato oficial?", "Preparar o terreno para outra coisa?", "Terminar com o Estado de Direito na Argentina?". Para quem não conhece a realidade no país, parece assistir a um documentário pré-ditadura no território vizinho.

Após a exibição do vídeo, foi sugerido, pelos representantes de outros jornais argentinos presentes, que a SIP faça uma missão internacional à Argentina no dia 7 de Dezembro, para acompanhar os acontecimentos políticos no país. O diretor do jornal Los Andes, de Mendoza, destacou a importância de uma "ação enérgica da SIP", "porque a sociedade argentina está amordaçada pela autocensura e ficou sem referências institucionais".

Um empresário uruguaio comparou o caso Clarín com o que aconteceu com a RCTV, na Venezuela. Ao que o dono de um jornal de Caracas acrescentou: "É uma epidemia. A estratégia da Venezuela está sendo imitada por outros países".

Imprensa equatoriana: sem consenso sobre o caso Assange
O segundo destaque dos relatórios foi o do Equador. Num extenso informe de 9 páginas - o maior da Comissão (disponível AQUI) -, a SIP denunciou decisões judiciais, iniciativas de projetos de lei e medidas do Presidente Rafael Correa que atacariam a liberdade de imprensa. Segundo o relatório, os três poderes do país agem contra os meios de comunicação.

"O regime continua usando recursos públicos para atacar e "desmentir" sistematicamente as publicações da mídia, jornalistas e pessoas com opiniões distintas da sua. O Presidente Rafael Correa promove a ideia de que a mídia privada deve ser rejeitada porque busca o enriquecimento dos seus donos e, por isso, mantém a proibição aos seus ministros de dar entrevistas ao que ele chama de "mídia mercantilista" (Ecuavisa e Teleamazonas, além dos diários El Universo, El Comercio, Hoy e La Hora).

Essa decisão conta com respaldo legal, já que a Justiça indefiriu mandato de segurança que pretendia classificá-la como inconstitucional", diz um trecho do documento. "As instituições estão sendo atacadas e controladas pelos políticos e gangues de delinquentes, e quem for perseguido fica praticamente indefeso", analisa outro.

A SIP também afirma que o "fechamento" de canais de rádio e televisão regionais - que segundo as autoridades do Equador não cumpriam as normas técnicas e econômicas vigentes - se deu por retaliação política. O inquérito da Procuradoria Geral sobre o articulista Miguel Macias Carmigniani, do jornal El Comercio, também foi considerado uma violação à liberdade de imprensa. A comunidade LGBT do Equador questionou seu artigo "Famílias alternativas?", considerando que o conteúdo publicado incita o ódio, o que é proibido pela Constituição.

A SIP, no entanto, não se posicionou sobre o asilo político dado pelo governo de Correa ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, na embaixada do país em Londres. O caso é apenas citado no documento com caráter informativo. Questionado pela CARTA MAIOR sobre como a imprensa equatoriana vê o asilo político a uma das principais vítimas de violação da liberdade de expressão nos dias de hoje, o vice-presidente para o Equador na SIP afirmou que "não há posição única por parte dos veículos". "Alguns consideram que o asilo é legítimo, outros não. Cada meio teve uma opinião", descreveu.

Ao longo do dia foram apresentados os informes da maior parte dos países membros. Além de Argentina e Equador, a presidência da Comissão, sem coincidências, também considerou "extremamente preocupantes" os casos da Venezuela, Bolívia e Cuba.

À tarde, quando se perguntavam por que a sociedade latino-americana "não reage" e "não está preocupada, como a SIP está, com a defesa da liberdade de imprensa no continente", um jornalista do Paraguai deu uma sugestão que merece consideração: "A SIP deveria fazer uma pesquisa sobre o que pensa a população e se o que a sociedade entende como como liberdade de expressão é o mesmo que nós, da SIP, entendemos".

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Processos de edição, atividades colaborativas, compartilhamento, coletivos


Livro colaborativo sobre o Rio usará fotos do Instagram

rio365 Fonte: ARede

10/10/2012 - As agências de comunicação Horto e Núcleo da Ideia deram início na última segunda-feira (7), no Rio de Janeiro, ao projeto "Rio365 - Um Documentário Fotográfico". A ideia é criar um livro que retrate o dia a dia da capital fluminense, usando como matéria-prima fotografias de usuários do Instagram.

Para criar o livro, os organizadores vão propor missões fotográficas aos usuários da rede social ao longo dos próximos 365 dias. Qualquer pessoa com perfil criado no Instagram pode participar, gratuitamente. As missões serão divulgadas no perfil @Rio365, a cada semana.

Uma equipe de curadores vai divulgar as missões em suas redes pessoais e selecionar diariamente, durante 365 dias, as melhores fotos clicadas pelo público. No total, serão propostas 52 missões.

Para estimular a participação, as melhores fotos de cada semana, mês, bimestre e ano receberão destaque e prêmios. E a cada bimestre será realizado um #Instameet, encontro de usuários do Instagram, para expor as fotos selecionadas, promover a troca de ideias e entregar os prêmios.

Além do Instagram, o projeto tem páginas no Twitter, Tumblr e Facebook. Ao final, será produzido o livro @Rio365, onde serão registradas as 365 fotos selecionadas nas 52 missões (incluindo imagens produzidas pelos próprios curadores).

A equipe de curadores é formada por Raul Mourão (artista plástico), Nelson Vasconcelos (escritor e jornalista), Anna Letícia Cohen (coordenadora do grupo IgersRio, um dos perfis mais influentes do Instagram), Sidney Garambone (jornalista e escritor), além de curadores especiais que serão convidados ao longo do processo.

A concepção e curadoria geral do projeto é de André Galhardo, fotógrafo, diretor de arte e sócio da Horto. A coordenação geral e realização é da Núcleo da Ideia, comandada por Flávio Bidoia e Luciane Araujo. A iniciativa tem patrocínio da Light e da Secretaria de Estado de Cultura do Rio e com apoio institucional da Superintendência de Museus do Estado.

O Instagram é uma rede social acessível exclusivamente via smartphone ou tablets. Para usá-la, deve-se instalar o aplicativo, disponível em versão para Android ou iOS (iPhone e iPad).

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

"Polícia para quem precisa de polícia!"

Ativistas divulgam dossiê sobre o Ceta, clone do Acta

CETA ameaca liberdade rede09/10/2012 – Com a aproximação da segunda rodada de negociações do acordo comercial Canadá-UE, o Ceta (Canada-EU Trade Agreement), a organização La Quadrature du Net, que atua em defesa da liberdade na internet, publicou um dossiê (em inglês e francês) em sua página.

A organização apela aos integrantes do Parlamento Europeu para que exijam transparência total sobre as negociações e para que se preparem para rejeitar o Ceta da mesma forma que barraram o Acta - repudiando as disposições anti-internet e os ataques contra as liberdade e direitos dos cidadãos determinadas na versão final desse acordo.

Mais uma vez, a Comissão Europeia tenta passar por cima dos processos democráticos e impor medidas repressivas às liberdades por meio de um acordo comercial. Ainda que o comissário De Gucht defenda que as disposições do Acta não se encontram na atual versão do Ceta, não haverá como verificar essa informação, uma vez que os negociadores mantêm o documento em sigilo.
A última versão divulgada do Ceta, de fevereiro de 2012, reproduz palavra por palavra as piores disposições anti-cidadãs do Acta.

A Quadrature du Net publica seu dossiê e clama os integrantes do PE a se opor, uma vez mais, às vergonhosas tentativas da CE de driblar os processos democráticos.Os deputados devem exigir que a Comissão publique a versão atual do Ceta antes da próxima - e provavelmente última - rodada de negociações em Bruxelas, prevista para acontecer de 15 a 26 de outubro.

Fonte: ARede

domingo, 7 de outubro de 2012

Questões de justiça são questões de interpretação? A produção dos sentidos, a circulação dos discursos, a constituição das verdades

TV Justiça: Efeito pedagógico da Ação Penal 470

Fonte: Teoria e Debate

Em artigo na revista Consultor Jurídico, o desembargador Néviton Guedes (TRF-1) expressa preocupações com o “processo de espetacularização dos tribunais brasileiros” e questiona, entre outros pontos, a transmissão direta pela televisão dos julgamentos do STF.

Além de argumentar que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha não permitem a transmissão ao vivo de suas sessões, afirma: “Aqueles que defendem a ampla e irrestrita publicidade – e em tempo real – das sessões do Supremo confundem publicidade com superexposição. Confundem a reflexão, que exige tempo e é essencial quando cuidamos de julgar a vida das pessoas, com transmissão e espetáculos em tempo real, que, por sua própria natureza, prejudica ou mesmo impede a reflexão racional e amadurecida”. Lembra ainda, referindo-se às justificativas para não transmissão nos EUA, que “dez pessoas tomam conhecimento integral do caso, mas, com câmeras no Tribunal, mil pessoas o comentariam sem saber do que falam e o resto da população formaria sua opinião a partir desse fosso de informação” [cf. “Jean Baudrillard e o mensalão em tela total”].

Da mesma forma, a professora Helena Regina Lobo da Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo no Valor Econômico, expressa preocupação com a imagem do STF e afirma: “Se nosso sistema garante maior transparência, acaba, por outro lado, expondo visceralmente os membros dos tribunais – especialmente no Supremo, em razão da transmissão ao vivo. A imagem institucional da corte, como guardiã da Constituição e de suas garantias, dentre elas a da presunção de inocência e do julgamento de acordo com o devido processo legal, é construída, portanto, não somente a partir do conteúdo de suas decisões, senão também da compostura e serenidade do tribunal em suas sessões” [Cf. "O Supremo e a publicidade dos julgamentos"].

Contraponto e efeito pedagógico

Por mais legítimas que sejam essas preocupações, no caso do julgamento da Ação Penal  470, sustento que as transmissões ao vivo têm oferecido a possibilidade (talvez única) de algum contraponto à unanimidade da grande mídia, que, como diz o próprio desembargador Guedes no artigo citado, finge ignorar que “é essencial, imanente mesmo, a qualquer espécie de decisão, notadamente a decisão judicial, a possibilidade de mais de uma escolha. Decidir é tautologicamente escolher. Onde só há uma possibilidade de decisão ou de escolha, em termos lógicos, na verdade, não há decisão a ser tomada, mas inexorável posição e conduta que se impõem a quem decide”.

Além disso, as transmissões da TV Justiça podem ter um amplo e poderoso efeito pedagógico benéfico – difícil de avaliar, certamente – na medida em que, apesar do juridiquês dominante, revelam sem intermediação aspectos inusitados e enormes contradições presentes no julgamento.

Bastariam como exemplo os acontecimentos emblemáticos da 28ª sessão realizada no dia 25 de setembro. Aqueles que estavam acompanhando assistiram a cenas constrangedoras de destempero do ministro relator, Joaquim Barbosa. Em linguagem certamente inapropriada para a mais alta corte de Justiça do país, ele se revelou extremamente irritado e descortês com posições contrárias às suas expostas pelo ministro revisor, Ricardo Lewandowski. Passou, então, a acusá-lo de hipocrisia, falta de transparência e de fazer “vistas grossas” a artigos do Código Penal. As repetidas intervenções do relator provocaram, inclusive, a intervenção indignada de outros ministros em defesa do revisor e na tentativa de permitir que ele completasse seu voto.
  
Situações como essa são reveladoras de quem são os ministros e de como – de facto – funciona a Justiça. Perplexo diante da dificuldade que o ministro relator revela em lidar com o contraditório, o telespectador leigo deve se perguntar como é possível que, analisando os mesmos fatos descritos nos autos e submetidos às mesmas regras, juízes possam chegar a conclusões diametralmente opostas. Justiça é apenas o resultado de uma votação?

O julgamento tem revelado ainda outros aspectos surpreendentes.

O presidente do STF afirmou em uma das sessões que o projeto original da Lei nº 12.232/2010 (que “dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências”) havia sido alterado no Congresso Nacional apenas para proteger réus da Ação Penal 470. Trata-se de acusação gravíssima que, suponho, terá desdobramentos futuros.

Como se sabe, a Lei nº 12.232 regulamenta os famosos BV, ou “bônus-volume”, que muitos consideram uma forma de perpetuar o oligopólio dos grandes grupos de mídia no país. Aliás, os dados sobre investimentos publicitários da União que estão sendo agora revelados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República confirmam que, apesar da descentralização relativa das verbas oficiais promovidas no governo Lula, cerca de 70% delas continuam concentradas em apenas dez veículos, sendo que a TV Globo ficou com cerca de um terço do total (no governo Dilma).

Independentemente do mérito do que está sendo julgado e do julgamento em si e das preocupações manifestadas tanto pelo desembargador Guedes como pela professora Helena, prefiro acreditar no efeito pedagógico benéfico das transmissões ao vivo. Os efeitos do julgamento sobreviverão a ele. O STF e seus ministros serão vistos com outros olhos. E muitas das questões que estão surgindo – aparentemente à margem da Ação Penal 470 – terão de ser enfrentadas.

A ver.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros