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Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 12/2/2015
Jornalistas bem posicionados na mídia tradicional costumam justificar o clima de guerra que a imprensa mantém e estimula contra a aliança partidária que governa o Brasil desde 2003 com a frase produzida pelo artista plástico, tradutor e humorista Millôr Fernandes (1923-2012), segundo o qual 'imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e molhados'.
Jornalistas bem posicionados na mídia tradicional costumam justificar o
clima de guerra que a imprensa mantém e estimula contra a aliança
partidária que governa o Brasil desde 2003 com a frase produzida pelo
artista plástico, tradutor e humorista Millôr Fernandes (1923-2012),
segundo o qual “imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e
molhados”. No entanto, como é prática na imprensa brasileira, a frase
anedótica é repetida fora de seu contexto, no mesmo processo utilizado
para falsear investigações, manipular indicadores e distorcer
declarações.
Millôr cunhou a expressão para criticar a imprensa, em 1964, quando
lançou a revista satírica Pif Paf, e nunca escondeu as grandes
restrições que fazia às empresas de comunicação do Brasil, que
conspiraram e apoiaram a ditadura militar e só deixaram de ser
subservientes quando a censura se estabeleceu nas redações. Em 1980, em
entrevista que depois se transformou no livro intitulado A entrevista,
ele diria, enfaticamente, que “a imprensa brasileira sempre foi canalha.
Se fosse um pouco melhor, poderia ter uma influência maravilhosa sobre o
país”.
A frase famosa também poderia ter uma versão posterior, e atribuída ao
diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho, que em
fevereiro de 1996 declarou, no programa Roda Viva, da TV Cultura de São
Paulo, que a imprensa estava sendo servil ao então presidente Fernando
Henrique Cardoso. Para ser mais preciso, o leitor pode ir aos arquivos (ver aqui)
e comprovar o que disse literalmente o dirigente do diário paulista, ao
responder uma pergunta do jornalista Dante Mattiusse sobre certa
benevolência dos jornais com o governo da época:
“Com relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, eu concordo totalmente. Eu acho que, de um modo geral, a imprensa brasileira tem sido quase que de um servilismo em relação a esse governo. Poucas vezes eu presenciei na minha vida profissional, exceto naquele curto interregno inicial do governo Collor, poucas vezes eu presenciei na mídia um espetáculo de tamanha adesão em relação ao governo, aos valores do governo, aos supostos acertos desse governo, às políticas desse governo”.
Dois partidos, duas balanças
Essa afirmação poderia ser repetida, em 2014, com referência à relação
diferenciada da imprensa brasileira, conforme se trata o governo
paulista, em mãos do PSDB, e o governo federal ou da administração
petista na capital de São Paulo. Se questionado, Otavio Frias Filho
seria obrigado a admitir que sua frase serviria, agora, para identificar
a subserviência da mídia tradicional – a Folha incluída – ao governador
Geraldo Alckmin.
No Estado de S. Paulo, podia-se ler na edição de quarta-feira (11/2):
“Escola de SP tem sala com até 85 estudantes”. A reportagem, que
apontava a superlotação e o fechamento de 3.017 salas nas escolas
estaduais, justificava um escândalo, mas ficou por isso mesmo e não
houve maior repercussão. A Folha ignorou o assunto, mas publicou na
quinta-feira (12/2): “Haddad descumpre meta de lotação de sala na
pré-escola” – e dá-lhe crítica pelo fato de a prefeitura paulistana
colocar em média 31 crianças por sala, tendo anunciado que o ideal seria
29 alunos por sala.
Na cobertura sobre a crise de abastecimento de água na região da
capital paulista, é notável o esforço dos jornais em destacar as medidas
adotadas pelo governador, esquecendo suas responsabilidades por não
haver tomado providências preventivas para evitar o problema. Por
exemplo, a imprensa apresenta como positiva a primeira reunião do comitê
metropolitano de gestão da crise hídrica, quando a medida só foi tomada
pelo governador depois que os prefeitos da região se queixaram da
centralização das decisões.
A lista de assuntos em que o dedo da imprensa pesa mais de um lado do
que do outro é interminável, mas alguns detalhes podem ser observados a
olho nu pelo leitor crítico. Por exemplo, registre-se o rigor com que a
polícia paulista reprimiu os manifestantes que protestavam contra a
crise de abastecimento de água, na quarta-feira (11), e aguarde-se a
atitude das forças policiais no próximo dia 15/2, durante a manifestação
programada para pedir o impeachment da presidente da República.
A metáfora de Millôr Fernandes faz sentido, quando se imagina que uma
imprensa sem crítica equivale a qualquer outro tipo de negócio, como,
por exemplo, um botequim ou uma loja de varejo. Mas quando a imprensa é
oposição seletiva, conforme a sigla que está no poder, fica mais
parecida com uma casa de tolerância.
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