Reginaldo Nasser: Globo assume a face da conspiração
Escrito por: Barão de Itararé
Fonte: Barão de Itararé
Fonte: Barão de Itararé
Em artigo exclusivo para a Campanha da Legalidade, o professor de Ciência Política da PUC-SP, Reginaldo Nasser* ? que recentemente se negou a dar entrevista para a Rede Globo ? faz uma análise do papel conservador e do protagonismo da emissora nas conspirações contra a democracia brasileira. Confira:
Não é novidade para ninguém o papel de protagonista político que a Rede
Globo adquiriu no Brasil desde os males de sua origem (na ditadura
civil-militar) até o momento atual. Sempre apoiando o “Partido da Ordem”
se revelou tendenciosa, parcial, seletiva em tudo o que se refere a
algo classificado como pauta de esquerda, ainda que essa definição seja
vaga e imprecisa. Desde as questões de política nacional – que envolvem
temas de desigualdade econômica, meio ambiente, questões de gênero,
reforma agrária e urbana –, até temas internacionais como pauta dos
governos de esquerda na América Latina. De forma geral, poder-se-ia
dizer que esteve sempre ao lado das elites econômicas e políticas do
país estreitamente articulada às estratégias de suas congêneres
internacionais
Há que se destacar que essa Corporação da mídia tem uma capacidade de
resiliência muito grande. Desconsiderou a existência do movimento
Diretas Já no seu início, mas logo depois passou a adotá-lo gerando
inclusive a percepção de que sempre esteve na dianteira dos
manifestantes. Passou a legitimar o pacto das elites que instaurou a
Nova República, relegando ao passado suas relações espúrias com a
ditadura. O mesmo ocorreu em relação ao ex-presidente Collor, quando fez
campanha acintosa para derrotar Lula. Mas logo depois, ela estava de
vento em popa apoiando o impeachment do presidente ao lado dos
movimentos sociais.
Entretanto, desde a eleição de Lula que a Rede Globo não se sente numa
situação confortável. Não que os governos de Lula e Dilma pudessem
causar qualquer dissabor ao status quo. Muito pelo contrário. Pode-se
dizer que entraram numa situação de “coexistência pacifica”. Apesar de
algumas rusgas aqui e acolá, havia um clima de aceitação de ambas as
partes (Rede Globo e o governo petista). Afinal de contas, os bancos
tiveram lucros estratosféricos e as corporações cresceram como nunca.
Além disso, Lula e Dilma ensaiaram, mas nunca tocaram no seu calcanhar
de Aquiles: a lei de regulação da mídia.
Mas como a Rede já deu demonstrações suficientes de que sabe se moldar
às mudanças, faltava o momento propício para a guinada: junho de 2013.
No início dos protestos, em que havia nitidamente uma pauta de
reivindicações de esquerda, conduzida por movimentos autônomos, cumpriu o
seu papel de estar ao lado do “Partido da Ordem” desqualificando a ação
dos “novos vândalos”. Estava, então, em plena sintonia com o governo de
Dilma, principalmente na figura do ministro José Eduardo Cardoso, que
colocou à disposição o serviço de inteligência da Polícia Federal para
identificar e deter os vândalos. Em artigo escrito num site dirigido
pelo celebrado pensador neoliberal Francis Fukuayama o jornalista da
Globo que pontifica na área internacional, William Waack, disse que os
jovens do MPL (movimento passe livre) tinham como proposta de sociedade
um mistura de “estalinismo com maoísmo). Mas dias depois, quando começam
a aparecer reinvindicações a reboque de movimentos nitidamente
reacionários, eis que a Rede passou a ver 2013 de forma diferente. Creio
que Arnaldo Jabor é um exemplo disso. Durante o Jornal Nacional ele
chamou os manifestantes de “arruaceiros, filhos da classe média, sem
causa, que não precisavam "chorar" R$0,20”. Cinco dias depois, fez uma
retratação, assumindo que errou e que os protestos foram elevados à uma
condição de "força política original". Muitos viram na mudança de Jabor,
um recuo diante do crescimento das manifestações, mas creio que a
tática era outra. Perceberam que havia uma energia de direita que
precisava ser devidamente explorada.
A partir de então estava dada a nova senha da Rede Globo: derrubar o
governo do PT, o cavalo de Tróia da esquerda. Sim, apesar de o governo
petista ser extremamente conservador na maioria dos aspectos, sempre
houve incomodo com o sucesso de certas políticas sociais como o bolsa
família. De certa forma, a Rede Globo passou a assumir uma nova face:
conspiração. Passou a fazer cobertura exaustiva, explorando mínimos
detalhes de supostas denúncias. A emissora passou a atuar em parceria
com a Polícia Federal, com o juiz Sergio Moro e a oposição ao governo.
Vários de seus mais influentes jornalistas no Twitter e blogs passaram a
espalhar frequentemente boatos e fofocas nas redes. Esse processo
chegou ao auge com a divulgação da gravação de escuta telefônica de
conversa entre Dilma e Lula. Os âncoras do JN reproduziram o diálogo de
forma teatral, melodramática e em tom de fofoca, estimulou as pessoas a
saíram às ruas de forma ensandecida.
Em momentos como esses, nada mais propício para ouvir um estrangeiro.
De acordo com um dos mais conceituados jornalistas internacionais, Glenn
Greenwald, a crise política brasileira guarda algumas semelhanças com o
que ocorre nos EUA. Tentando traduzir para o público norte-americano o
que estava acontecendo no Brasil, disse ele“considere o papel da Fox
News na promoção dos protestos do Tea Party. Agora, imagine o que esses
protestos seriam se não fosse apenas a Fox, mas também a ABC, NBC, CBS, a
revista Time, o New York Times e o Huffington Post, todos apoiando o
movimento do Tea Party. Isso é o que está acontecendo no Brasil”, ou
seja, no que se refere ao poder da mídia - notem bem - a situação do
Brasil é muito pior do que a dos EUA, uma situação fora de controle,
“gerando instabilidade e libertando forças sombrias, com um resultado
quase impossível de se imaginar”.
Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que a Rede Globo está no auge de
seu poder e não vê limites para a sua ação, mas despertou forças que
podem ser incontroláveis. Assim é sempre bom lembrar a sabedoria de um
ditado popular na Roma antiga: Do capitólio à tarpeia não há mais do que
um passo. (Capitólio era o nome de um templo da Roma antiga que tinha o
significado de glória e poder. Já Tarpeia era uma rocha de onde eram
jogados os traidores de Roma). Moral da história: a degradação extrema
segue de perto o momento de triunfo.
*Reginaldo Nasser é mestre em Ciência Política pela UNICAMP e doutor em Ciências Sociais pela PUC (SP) área de concentração em Relações Internacionais. É professor do Departamento de Política da PUC (SP) desde 1989.
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