Altamiro Borges fala sobre a democratização da e-comunicação
Christiane Marcondes e Deborah MoreiraFonte: A Rede
02/03/2012 - O Centro de Estudos Barão do Itararé nasceu do jeito possível há dois anos, como plataforma de luta pela comunicação progressista e ética jornalística, e, mesmo "sem teto", delimitou espaço e um nome de referência entre os militantes e entidades que levantam a bandeira pela mídia alternativa e livre.
Nesta quinta-feira (1º), o Itararé finalmente inaugurou com muita festa sua sede de argamassa e tijolos, em parceria com a Anid – Associação Nacional de Inclusão Digital. O novo espaço está aberto a todos os simpatizantes e adeptos da causa. A entrada só está proibida para a burocracia e censura, dois entraves ao desenvolvimento da comunicação livre no Brasil.
Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, José Dirceu, Mouzar Benedito, poeta e escritor, estão entre os que foram à festa do Barão e brindaram a nova fase.
Altamiro Borges, presidente do Barão de Itararé, deu uma entrevista exclusiva ao Vermelho falando da sede e das lutas pela democratização da e-comunicação, das iniciativas e realizações do Barão de Itararé, que agora ganham mais "modernidade" e novo fôlego.
O que a mudança de sede vai representar para o trabalho do Barão do Itararé?
Altamiro Borges - Na verdade, não é nem uma mudança de casa, o Barão de Itararé era do MTST, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, não tinha teto, as coisas estavam indo até para a minha casa. Então fazíamos reunião ora no Sindicato dos Jornalistas, ora no Intervozes, isso nos dois anos de vida do Barão. Agora conseguimos viabilizar uma casa em parceria com uma moçada interessante, porque é dos pequenos provedores. Então há quatro grandes, que pegam os grandes centros, e os pequenos que atendem cidadezinhas que ninguém quer atender, porque não dá lucro. São milhares no Brasil e há várias entidades, uma delas é a ANID – Associação Nacional de Inclusão Digital. Fizemos parceria com essa porque ela tem muita força no Nordeste, nasceu na Paraíba, está estendendo sua ação para o interior de Minas e de São Paulo. Como eles têm cursos de reciclagem para pequenos provedores, estavam querendo sede aqui, então, a partir de uma bate-papo com eles, pintou essa parceria. Agora deixamos de ser do MTST...
Mas muda algo?
Cria mais referência, porque antes o cara queria achar o Barão e não achava. A sede vai ser um espaço para essa luta pela democratização da comunicação, então tem menos salinhas e mais uma salona. É menos burocracia e mais movimento! O que estiver rolando nesta área tem um espaço. Vai ser também um espaço importante para a formação, porque antes dependíamos de parceiros, como o sindicato de engenheiros ou o dos jornalistas, que cediam espaço, mas ficávamos dependendo de agenda. Agora o Barão vira referência, ponto de encontro e local de formação. Lá há um auditório para 60 pessoas, vamos ter um calendário de cursos. E a nossa ideia também, e o fato de estar com a ANID possibilita, é que essa moçada é muito expert em internet. Então a nossa ideia é ter um local muito modernoso, todo aparelhado para videoconferência, teremos plataforma livre, comunicação imediata com outros estados. É uma outra fase, demorou um ano e sete meses para concretizar essa coisa, mas saiu.
E 2012 é um ano importante para a mídia alternativa, não é? Quais são os desafios?
Pode ser dos mais quentes, mas também pode ser que não, depende do governo. O governo Lula terminou com um pré-projeto de novo marco regulatório da comunicação, elaborado pela equipe de Franklin Martins, secretário de Comunicação da Presidência (Secom), que deixou isso para o governo Dilma. O ministro Paulo Bernardo assumiu, disse que ia colocar em debate o projeto, se comprometeu a fazer em 2011 e não fez, sentou em cima. Mas parece que agora há um buchicho muito forte de que esse projeto está pronto e já está na mão da Dilma, é um projeto de consulta pública sobre o que deve ser mudado nas comunicações no Brasil. Se o governo lançar essa consulta aí vai ser um escarcéu, vai virar o grande tema antes das eleições. Porque o conteúdo das perguntas tem a ver com tudo, com todos os artigos da Constituição relacionados com a comunicação, questão de propriedade cruzada, monopólio, complementariedade de sistemas, produção independente, produção regional...
E está tudo superado com a convergência digital?
Está superado com a internet, com o processo de convergência digital, mas o problema é que também nunca foi aplicado, saiu na Constituição, mas não foi regulamentado. Então nunca foi aplicado, por isso tem um passivo, dívidas do passado e coisas para pensar em termos de tecnologia. O debate abrange passado e futuro. Se o governo topar a briga, daí vai ser o ano da comunicação, aí pronto, vai virar um pandemônio, vai ser um ano quentíssimo. Evidentemente os barões da mídia vão cair matando, vão dizer que é censura, atentado à liberdade de expressão. Porque a consulta pública tem processo de audiência, tem processo de seminários, então o assunto pega fogo e envolve muito mais gente além dessa meia dúzia que está militando por essa causa. Se não sai, o debate continua evidentemente, mas vai ser atropelado pelo processo eleitoral. Na verdade as eleições já estão bem em evidência, mas em junho concentrarão o foco das atenções.
Divulgaram uma pesquisa dizendo que os parlamentares não aceitam mexer nisso, porque é vespeiro... Se nem os parlamentares estão sensibilizados, como sensibilizar a sociedade em torno de um assunto tabu, sobre o qual ninguém quer falar?
Essa pesquisa -- saiu até no blog do Noblat -- ela é uma faca de dois “legumes”, como diria Vicente Matheus, mostra que 54% são contra qualquer mudança, qualquer regulamentação da mídia. Então temos 46% a favor? É metade, eu não acredito que no congresso haja 50% a favor. Esse é um tema tabu, que a mídia não trata, quando trata é para satanizar. Os parlamentares temem muito a mídia, temem por duas razões, dependem dela para ter visibilidade nas suas ações. Não é assim, o que não saiu na Globo, não aconteceu, não é? E eles temem também porque, se cutucarem a mídia, ela pode ir atrás de uma dívida deles no botequim na esquina, que vira manchete e quando é desmentida, leva só uma linhazinha. Por isso o projeto não pode depender do Parlamento, porque lá ele será aprovado, mas se não levar para a sociedade, se não explorar as contradições neste campo, porque ele não é monolítico, não há brigas entre Record e Globo? Então, tem que ir para a sociedade. Se o governo ficar calado, isso não anda. Se for para a sociedade, daí ganha força. Na Argentina, a maioria parlamentar não era a favor, mas daí a discussão foi para a sociedade e saiu a lei. O Uruguai também conseguiu a lei pelo mesmo caminho. Nós é que estamos parados!
Agora essa coisa da hegemonia, da mídia tradicional, ela é muito alavancada pela publicidade, já que a mídia alternativa vem crescendo muito. Você acha que existe uma trincheira da publicidade? O mercado publicitário é que segura a mídia como ela é hoje, no formato broadcast?
Eu acho que estamos vivendo uma situação contraditória. Essa chamada mídia tradicional, a velha mídia, ainda tem muita força. Quando a Rede Globo decide, por exemplo, dar uma cutucada no Ricardo Teixeira, aí vira um escândalo. Ela tem muita força no sentido de fazer a cabeça das pessoas na informação e nos comportamentos. A mídia cria moda. O que sai no BBB (Big Brother Brasil, da Globo) vira moda. Eu não sou daqueles que acreditam que a mídia tradicional está em franco declínio, morrendo. Não. Ela ainda tem um poder violentíssimo em tudo. Jornais conseguem pautar as rádios e TVs, e estas, enquanto comunicação de massa, mexem com milhões de pessoas. As novas tecnologias de informação criaram uma brecha. Permitiram uma guerrilha informativa onde sites, blogueiros e pessoas nas redes sociais se mobilizam. E é o que somos perto da mídia tradicional, que é o exército regular. Estamos praticamente de tacape. Mas já incomodamos e cria uma certa crise de modelo de negócios dessa mídia tradicional, que está perdendo. Recentemente faliu mais um jornal público na Europa. Já há um processo de queda de tiragem dos jornalões e há um processo de migrações nas televisões, principalmente entre a juventude que está trocando a TV pela internet. Isso cria uma brecha, que também não é totalmente ocupada pela gente. É ocupada por eles. A editora Abril, por exemplo, o portal está mais forte do que as revistas. Sabe quantos visitantes únicos tem a Veja? Cinco milhões e 800 mil visitantes únicos. Nós não concorremos com isso. Não é que as novas tecnologias vieram e eles viraram as costas. Pelo contrário. Por isso que digo que essa guerrilha ainda é muito pequena. Mas é muito melhor do que antes para a mídia alternativa, porque antes eles tinham tudo. Existem algumas ocupações nesse latifúndio midiático. Agora, nós vamos ter que crescer muito. Isso tem a ver com mudança de legislação. Por isso é tão importante debater o marco regulatório. Terá que mexer nas estruturas, como a questão da publicidade. Em alguns países, fruto da própria luta contra o nazifascismo, durante a 2ª Guerra Mundial, você tem em alguns países estímulos à diversidade e pluralidade informativa, na publicidade. Na Itália, por exemplo, 20% da verba destinada pelo governo à publicidade são dedicados a estimular a diversidade informativa. Se tivéssemos, no Brasil... a verba oficial do governo federal é R$ 1,4 bilhão, ou seja, seriam R$ 280 milhões de reais para Vermelho, Carta Maior, etc... algo parecido com o que já acontece com o mercado de livros didáticos no país... E isso tem relação direta com mudança na legislação.
Os pequenos pensam na publicidade?
Sim, claro. Mas o mercado é muito monopolizado, a publicidade privada vai em direção ao que tem relação com o comércio, o e-comerce, por exemplo. A internet não é só para fazer cabeça. É para vender produto. No contexto do capitalismo, a internet é feita para vender produto e não para fazer debate democrático. Nos Estados Unidos, a publicidade no mundo digital superou a do impresso em US$ 2,5 bilhões em sites feitos para o mercado. A internet foi incorporada à lógica do capitalismo, senão ela nem existiria. Os pequenos tentam, mas vai conseguir publicidade de uma grande empresa! Por isso a importância do papel do Estado, para garantir uma fatia para os pequenos. E isso será uma luta titânica.
E quanto à expectativa de o governo criar políticas de concessões na internet pra veículos de imprensa...
Acho difícil que vinguem as concessões para veículos de imprensa na internet neste momento. É uma tentativa de controle. Isso questiona a própria tecnologia, que é aberta e compartilhada. A não ser que você feche a internet, com controles como o que está no projeto SOPA nos Estados Unidos ou a ACTA, a legislação discutida mundialmente.
E existe esse risco no Brasil em algum momento?
Sim, já que existe esse risco no mundo. Os Estados Unidos, se não fosse uma pressão violenta e o Obama ficar numa situação difícil - já que ele se elegeu com base na internet, um setor o elegeu com esse compromisso - o congresso lá teria aprovado o projeto antipirataria, o SOPA. Está agora em discussão o ACTA, que seria uma legislação mundial. E temos também, aqui no Brasil, o AI-5 digital do Eduardo Azeredo. Essa tentativa de controle é uma tendência ...
O ex-ministro das comunicações da Venezuela disse que a Internet, do jeito que está, é um desafio ao stablishment. É o único nicho que ainda não tem controle total, por isso vão tentar fechar. Eles estão procurando os caminhos. Eles têm hegemonia, mas perdem uma fatia de poder que os incomoda. É uma situação semelhante à do rádio, que, quando surgiu, na década de 1920, era livre, era aberto, fazia transmissões diretamente para a comunidade. Com o tempo, os governos foram fechando as rádios, criminalizando-as. Hoje, eles tiram do ar quem tenta fugir do que a lei determina, como transmitir para raio de um quilômetro, ter publicidade.
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