quinta-feira, 28 de maio de 2015

20 anos da internet no Brasil

28/05/2015 às 15:32

Internet completa 20 anos no Brasil: Do e-mail ao Marco Civil

Escrito por: Gustavo Sumares
Fonte: Tribuna Hoje

No dia 31 deste mês, em 1995, foram publicadas portarias da Anatel

Maio de 2015 é considerado o mês em que a internet no Brasil comemora 20 anos. Um dos motivos para isso é que, no dia 31 desse mês, em 1995, foram publicadas portarias da Anatel que permitiram o uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à internet e criaram o Conselho Gestor da Internet (CGI), órgão multisetorial responsável pela coordenação e integração dos serviços de rede no país.
Mas Demi Getschko, conselheiro do CGI desde sua criação e um dos pioneiros da internet no Brasil, recorda que a rede já era utilizada no país. Com a realização da conferência mundial sobre meio ambiente ECO 92 no Brasil, ONGs já utilizavam a internet para se comunicar e compartilhar informações e dados.
Início
Algumas universidades e empresas também faziam uso, desde aquela época, desse recurso de telecomunicação, basicamente para enviar e receber e-mails. Ainda não existiam os cabos de fibra óptica que atualmente servem de espinha dorsal para a conexão mundial. Naquela época, a ligação digital entre países era feita por meio de cabos submarinos coaxiais, conta Getschko, semelhantes aos que utilizamos para ligar nossas televisões.
Em dezembro de 1994, a Embratel abriu uma chamada para que pessoas físicas que desejassem acessar a internet se inscrevessem para ter acesso. Apenas no ano seguinte os contratos de acesso seriam regulamentados para a forma como os conhecemos hoje, na qual os usuários acessam a internet por meio de provedores, que vendem o acesso que recebem das empresas de telecomunicação.
Expansão
Com o início da exploração comercial da internet no Brasil, a rede começou a se expandir de maneira muito rápida. Getschko observa que a Lei de Moore, que ditava o ritmo de evolução dos processadores e que completou 50 anos recentemente, acabou valendo para a internet também.
Como os processadores praticamente duplicavam de velocidade a cada 18 meses, a quantidade de informações com as quais eles podiam trabalhar também dobrava. E esse aumento da velocidade, aliado à expansão do número de usuários de internet, fez com que a web crescesse de maneira vertiginosa, cada vez com mais textos, imagens e funcionalidades.
Com isso, usuários passaram a exigir cada vez mais largura de banda da internet, para poder receber e enviar cada vez mais dados. Apenas por volta do ano 2000, com a chegada da internet de “banda larga”, foi que a rede, os sites e os serviços digitais começaram a se parecer mais com o que conhecemos atualmente.
Buscadores
Getschko também identifica um momento anterior a esse que foi determinante no desenvolvimento da internet: o surgimento dos buscadores. “Antes deles, a gente só ficava sabendo das coisas porque a gente ouvia alguém falando”, conta.
Na época, circulavam pela rede listas de endereços, que enumeravam uma série de sites interessantes sobre diversos assuntos. O Yahoo!, por exemplo, começou como uma dessas listas. Mas serviços como o Altavista, o Lycos e, mais tarde, o Google, que vasculhavam a rede e indexavam novos sites que apareciam, viabilizaram o uso que fazemos atualmente da internet.
Os buscadores auxiliam o crescimento da internet à medida que permitem que aquilo que é produzido por um usuário seja disponibilizado a todos os outros que busquem por aquele conteúdo, sem que seja necessário saber, de outra maneira, que ele existe. Tanto que, atualmente, quando uma pessoa sente que determinado conteúdo fere sua privacidade, pode solicitar ao Google que remova o site de seus resultados de busca.
O processo, diz Getschko, é como remover um livro do diretório de uma biblioteca, mas não de suas estantes. “O livro continua lá, mas como ninguém vai conseguir encontrá-lo, não faz muita diferença”, diz.
Redes Sociais
Em 2004 apareceria o Orkut, e logo em seguida o Facebook. Com a chegada das redes sociais, a internet foi se tornando, cada vez mais, um espaço virtual de socialização. As discussões agressivas e sem sentido por causa de detalhes, no entanto, já existiam desde os tempos das listas de discussão, lembra Getschko.
A preocupação com o compartilhamento de informações pessoais tem nesse momento um marco importante. Dados íntimos sobre os usuários se tornaram disponíveis em enormes quantidades pela rede. Com isso, começou-se a pensar no que seria necessário fazer para proteger esse tipo de informação de pessoas com fins maliciosos ou mesmo de empresas que veem nela uma valiosa mercadoria.
A facilidade de compartilhar informações, opiniões, imagens e até vídeos representou um novo aumento na exigência de banda da internet. A estrutura de fibra óptica já existente, porém, felizmente estava à altura do desafio. Getschko conta que, melhorando-se a interface da fibra, os cabos podem ter sua capacidade ampliada, e ele acredita que ela ainda pode se tornar cerca de cem vezes maior antes de precisar ser substituída. As preocupações com as novas tecnologias que devem vir em seguida, ao que parece, podem esperar mais alguns anos.
Neutralidade da rede
Ao longo da primeira década do século XXI, questões como a pirataria nas redes e os crimes digitais trouxeram novas discussões sobre o uso da internet. Alguns desdobramentos dessas discussões deram origens a propostas de legislação como a SOPA (Stop Online Piracy Act), que ameaçavam mudar radicalmente a internet, proibindo o acesso de usuários a qualquer conteúdo registrado e protegido por leis de propriedade intelectual.
Legislações como a SOPA, segundo Getschko, têm o problema de “fechar a porta para os usuários” da internet, em vez de responsabilizar os que hospedam e disponibilizam conteúdos protegidos. “É como tentar proibir que os taxistas levem batedores de carteira. O taxista faz o trabalho dele, e não tem como saber se o que o passageiro fez”, opina.
Esse tipo de proposta punha em risco um dos valores principais da internet, a neutralidade da rede. Esse conceito, segundo Getschko, pode ser pensado como uma transferência total de poder de decisão ao usuário: ele deve ter acesso total à rede, e se algum site hospeda conteúdo que infringe leis de propriedade intelectual, é o site que precisa ser alterado, não o acesso do usuário.
Essa foi uma das discussões que levou à elaboração do Marco Civil da Internet, que regulamenta o uso, o desenvolvimento e a comercialização da rede no Brasil. Os grandes objetivos do Marco Civil, para Getschko, são o de preservar a internet como um local “sem jardins murados”, proteger as informações pessoais dos usuários e manter como um espaço de livre trânsito de ideias, cujos rumos são decididos coletivamente pela comunidade.
Regulamentação
Atualmente, dois aspectos do Marco Civil ainda aguardam definição mais precisa. Primeiramente, é necessário determinar quando a neutralidade da rede pode ser quebrada. Em outras palavras, em quais situações deve ser permitido impedir que determinado endereço de IP seja impossibilitado de acessar determinado site.
Um exemplo de situação no qual esse tipo de atitude seria perfeitamente aceitável, segundo Getschko, é no caso de ataques de negação de serviço. Quando diversos IPs tentam acessar um site repetidamente com a finalidade de derrubá-lo por excesso de solicitações, não haveria problema em impedir que esses IPs consigam realizar sua finalidade maliciosa.
Outro aspecto que precisa ser melhor definido sobre o Marco Civil é a questão do registro de acesso de aparelhos à rede. A atual legislação determina que é necessário manter registro de qual IP acessou qual site em qual horário. Alguns serviços e aplicativos, porém, aproveitam essa determinação para armazenar muitos outros dados sobre a atividade do usuário, algo que o Marco Civil, a princípio, combate.
IPv6
Outro desafio enfrentado pela internet atualmente é a mudança do padrão de endereços. Cada dispositivo que acessa a rede ganha um IP, um número de identificação. Atualmente, muitos dispositivos ainda funcionam no padrão IPv4. Esse padrão permite um total de 4 bilhões de endereços diferentes.
No entanto, com a ampliação do número de dispositivos conectados à internet e a popularização dos smartphones, tablets e notebooks, esse padrão se tornou rapidamente insuficiente. É possível contornar a ausência de novos IPs por meio da atribuição temporária de IPs a dispositivos enquanto eles estão conectados.
A tendência de que o número de dispositivos conectados à internet aumente ainda mais com a chamada “internet das coisas” faz com que seja ainda mais necessária a atualização desse padrão. Dispositivos mais novos já funcionam apenas com IPv6; outros, mais antigos, ainda têm só IPv4.
As duas versões não são compatíveis, e o ideal, segundo Getschko, é ter os dois, para se comunicar da melhor forma possível. O processo pode ser comparado à substituição do sinal analógico de TV aberta no Brasil pelo sinal digital, ou ainda, como sugere Getschko, com a necessidade de se atualizar as tomadas dos eletrodomésticos. “Você pode até usar adaptadores por um tempo, mas chega uma hora que precisa trocar”, diz.
Desenvolvimento
Getschko acredita, porém, no poder da internet de superar os desafios que aparecem. Ele lembra o período de popularização da rede em 1995, quando muitos novos usuários começaram a usar de maneira inusitada um espaço que antes pertencia a poucos, e o começo das redes sociais, quando as pessoas ainda liam como verídica qualquer história que chegava até elas, como períodos nos quais havia o medo de que “algo fosse dar errado”.
No entanto, por meio de um amadurecimento das discussões sobre a rede, e também graças ao amadurecimento da relação dos usuários com a internet, os princípios fundamentais que ditam o desenvolvimento da web puderam se manter firmes até hoje.
Um dos exemplos que ele cita desse amadurecimento é a Wikipedia: algo criado por usuários comuns mas, mesmo assim, confiável. “Alguém pode até tentar editar a Wikipédia e escrever coisas erradas, mas os outros usuários protegem aquilo”, diz. “Com o tempo, a internet vai se solidificando.”

terça-feira, 26 de maio de 2015

Que notícia não circula? Por exemplo, todas estas:

25/05/2015 - Copyleft

Brasil, um país desconhecido pelos brasileiros

Um Brasil desconhecido de grande parte da população é tratado pela FAO como um caso de relevância internacional no combate à fome.


Najar Tubino
Boletim Carta Maior 
Mateus Pereira/Secom
É um fato concreto que a versão veiculada pela mídia sobre o que acontece no país é totalmente desvirtuada e dirigida, segundo seus interesses empresariais e familiares. Em relação às políticas públicas voltadas para o combate à fome e a produção de alimentos pela agricultura familiar, que engloba trabalhadores e trabalhadoras assentadas, quilombolas, ribeirinhos, indígenas e o povo marginalizado há décadas nos nove estados nordestinos e o norte de Minas Gerais, que formam o semiárido. No final do ano passado a FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, lançou pela primeira vez o relatório sobre Segurança Alimentar e Nutricional inteiramente sobre um país, no caso, o Brasil. O documento começou a circular este ano, e têm versões em português, espanhol e inglês. Internamente a notícia veiculada rapidamente dava conta que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome.

A FAO monitora mais de 180 países nos quesitos sobre insegurança alimentar. E o Brasil, desconhecido de grande parte da população, é tratado como um caso de relevância internacional, que passou a ser um exemplo e copiado por muitos outros países por suas políticas adotadas no combate à fome e a produção de alimentos pela agricultura familiar. Como esclareceu o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic:

Prioridade para segurança alimentar é política

“- A conjuntura do Brasil é caracterizada pela consolidação e institucionalização de políticas bem sucedidas de combate à fome e de promoção da segurança alimentar e nutricional (SAN), norteados pelo Direito à Alimentação Adequada, da ONU. O Brasil cumpriu e ultrapassou os Objetivos do Milênio no que diz respeito à redução da pobreza e da fome”.

A questão não é técnica e sim política, como define a própria Lei 11.346/2006, que é a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, onde está definido o significado de tudo isso:

“- É a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis. Não é um conceito técnico, é um conceito político, construído com intensa participação social”, escreve o dirigente da FAO no Brasil.

Brasil referência internacional

Por que o caso brasileiro se destaca?, pergunta Alan Bojanic

Por vários motivos: combate à fome como prioridade de Estado, sistema de governança da SAN [Segurança Alimentar Nacional], perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada, processo participativo e intersetorial, políticas públicas articuladas e programas bem desenhados, monitoramento da SAN e convergência com a discussão internacional.

As ações funcionam em rede, tanto os programas sociais como o Bolsa Família, que em 2013 alcançou R$25 bilhões e atendeu 13,8 milhões de pessoas, mas todas as outras ações de apoio à agricultura familiar, como o PRONAF e os Programas de Aquisição de Alimentos e da Merenda Escolar, que no total somaram R$78 bilhões em 2013. Segue outro trecho do relatório Segurança Alimentar e Nutricional – Um Retrato Multidimensional, da FAO:

“- O Brasil já é hoje uma referência internacional de combate à fome. As experiências exitosas como transferência de renda, compras diretas para aquisição de alimentos, capacitação técnica de pequenos agricultores, entre outras, estão sendo transferidas para outros países. Os gastos sociais aumentaram mais de 128% entre 2000 e 2012 e a parcela no PIB aumentou 31%. O Bolsa Família que atingiu R$25 bilhões em 2013 e atendeu 13,8 milhões de famílias, sendo que o depósito é feito em nome da mãe preferencialmente e exige que as crianças permaneçam na escola e visitem os serviços de saúde.”

Estrutura fundiária concentrada

As famílias em situação de extrema pobreza, que foram o foco do programa Brasil Sem Miséria, lançado em 2011, e tornaram possível que estas famílias recebam um mínimo de renda per capita de US$1,25 por dia, segundo o relatório, retirou desta situação 22 milhões de brasileiros. Os investimentos em políticas que apoiam os agricultores familiares aumentaram 10 vezes em 10 anos, caso do PAA chegou a R$1,3 bi em 2013 e o PNAE atingiu 43 milhões de estudantes, no mesmo ano. Outra política pública ressaltada pela FAO: o acesso à terra, com a distribuição de 50 milhões de hectares a mais de 600 mil famílias nos último 10 anos, contando até 2012. Os números totais hoje em dia chegam a quase um milhão de famílias assentadas e 80 milhões de hectares.

Por fim, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em conjunto com a sociedade civil, está vinculado ao orçamento federal e um sistema bem estruturado de monitoramento multidimensional de segurança alimentar e nutricional. O Brasil é um país mundialmente importante na produção agrícola e diversidade de alimentos. Por outro lado, aspectos como a estrutura fundiária concentrada e a sustentabilidade do sistema adotado e o equilíbrio entre produção de commodities direcionadas para o mercado internacional e de alimentos para o consumo interno têm reflexos importantes na Segurança Alimentar e Nutricional da população e alguns grupos específicos.

Consumo excessivo de agrotóxicos e transição agroecológica

O relatório cita o fato do país ser líder na produção de laranja, cana e café, ocupar a segunda posição em soja, feijão e carne bovina, o terceiro em abacaxi e milho, o quarto na produção de leite de vaca e o quinto em limão e banana.

“- Ao mesmo tempo ainda existe uma parte da população em situação de insegurança alimentar, o que mostra que a quantidade de produção de alimentos de um país não se configura como um fator determinante no combate à fome. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, também entre os maiores produtores de alimentos, onde quase 15% da população estão em situação de insegurança alimentar, sendo 5,7% em situação de insegurança alimentar grave”.

O relatório também registra que apenas metade das terras indígenas no país estão regularizadas e que apenas 10% dos quilombos identificados pela Fundação Palmares possuem título de terra. E faz o alerta para o consumo excessivo de agrotóxicos pela população brasileira.

“- Um terço dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros é contaminado por agroquímicos, sendo que mais de um quarto com substâncias proibidas para consumo no Brasil.”

Os avanços na democratização do acesso à terra em determinadas regiões e os modelos produtivos e de promoção da transição agroecológica, além da importância econômica da agricultura familiar, são questões que o Brasil precisa avançar, ainda conforme o relatório.

Dinheiro do PRONAF continuará o mesmo

Na semana passada a Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CONTAG) e seus quatro mil sindicatos espalhados no território brasileiro realizaram o 21º Grito da Terra com 80 mil pessoas mobilizadas. Os representantes da CONTAG se reuniram com a presidenta Dilma Rousseff e apresentaram uma pauta com 170 itens que foi respondida pelo governo federal. Neste encontro, o presidente da CONTAG, Alberto Broch disse à presidenta:

“- Não tenha medo de mexer no cofre dos grandes empresários, das mineradoras, mas não mexa nas populações rurais. Não mexa na reforma agrária”.

O Plano Safra da Agricultura Familiar será lançado no dia 15 de junho e deverá manter o patamar de R$25 bilhões para custeio e investimentos. O governo federal também se comprometeu a dirigir as compras públicas cada vez mais na direção da agricultura familiar. Também se comprometeu a entregar 10 mil moradias no Programa Minha Casa, Minha Vida Rural no próximo mês, uma das reivindicações da CONTAG.

Sobre a reforma agrária, a secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Maria Fernanda Coelho esteve reunida no sábado, dia 23, em Recife, com os representantes da Federação dos Trabalhadores e trabalhadoras rurais – FETAPE – e anunciou que o governo federal vai assentar 120 mil famílias até 2018 – em condições qualificadas de luz, água, moradia, crédito e assistência técnica.

100 mil mulheres em agosto na capital federal

Em Recife ocorreu uma das maiores manifestações do Grito da Terra com cinco mil participantes. Eles caminharam até a sede do governo estadual, pois desde 2013 existe uma lei no estado que define ações em apoio ao povo do semiárido que até agora não receberam nenhuma resposta ou iniciativa do executivo. Os 179 sindicatos pernambucanos também reivindicam R$30 bilhões para o PRONAF e outros 20 bilhões para outros programas. Nas ruas da capital eles anunciaram o que a população brasileira precisa saber:

“- Quem coloca alimento na mesa da cidade precisa de apoio da sociedade”.

A FAO divulgou ainda nos últimos dias o relatório mundial sobre a fome, 805 milhões de pessoas passam por esse sacrifício todos os dias. No caso da África, um em cada quatro habitantes. Entretanto, mesmo sendo referência internacional, o Brasil segue um desconhecido para os seus habitantes, porque aqui o único problema existente é a corrupção. E mais nada. Também não ficará sabendo que na última semana deste maio de 2015 acontece a Semana dos Alimentos Orgânicos com ações oficiais em 20 estados. Mas certamente vai ficar sabendo que nos dias 11 e 12 de agosto 100 mil mulheres desfilarão pelas ruas de Brasília na 5ª Marcha das Margaridas. Essa vai ficar difícil de esconder.        

sábado, 23 de maio de 2015

Um imaginário regional como força identitária


Eles trabalham e admiram a 9ª Bienal do Mercosul Mateus Bruxel/Agencia RBS

A segurança Alessandra Rodrigues ao lado da obra Coisas em Pausa, da artista Tania Perez Cordova, na 9a. Bienal do Mercosul, POA, 2013. Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS, no Diário Gaúcho.

22/05/2015 - Copyleft

Cuidar do Mercosul é cuidar do Brasil e de seus parceiros regionais

O Mercosul vem ampliando uma agenda que transcende a dimensão econômica, envolvendo direitos humanos, institucionalidade democrática, educação e cultura.


Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI) Mercosul
Com alarmante frequência têm surgido na mídia, no Congresso, em âmbitos empresariais e, mais recentemente, na voz de algumas autoridades governamentais opiniões favoráveis à “flexibilização” do Mercosul de modo a transformá-lo em mera área de livre comércio. Há ainda alguns que desejam a própria extinção do bloco.

Argumenta-se que o Mercosul é um “fracasso” e que a sua união aduaneira, ao exigir a formação de um consenso prévio na negociação conjunta de acordos comerciais extrabloco, impede maior participação dos Estados Partes nas cadeias produtivas globais e nos grandes fluxos comerciais internacionais. Segundo essa visão cética em relação ao Mercosul a “solução” seria o abandono da união aduaneira, para permitir que os países do bloco possam negociar livre e separadamente acordos de livre comércio com os EUA, a União Europeia, a China e outros global players.

Na opinião do GR-RI, tal visão é inteiramente equivocada e resulta de um crasso desconhecimento da dinâmica do Mercosul, das complexidades inerentes às negociações comerciais e da nova geoeconomia que vem se conformando em nível global.

O Mercosul não é um fracasso. Ao contrário, esse bloco, mesmo com suas conhecidas insuficiências e incompletudes, é claro êxito. O comércio intrabloco cresceu, nos últimos 15 anos, bem acima do crescimento do comércio mundial. Mais importante ainda, o comércio extra-bloco do Mercosul também aumentou acima do crescimento do comércio global, no mesmo período considerado. Portanto, a hipótese de que o Mercosul seria um fracasso e estaria impedindo maior participação dos Estados Partes nas cadeias produtivas globais simplesmente não tem base empírica.

Ressalte-se que o Mercosul, ao contrário do que afirmam seus críticos, não é um bloco autárquico. Na realidade o Mercosul, conforme determina o artigo 20 do Tratado de Assunção, é um bloco aberto à adesão de qualquer país da Associação Latino-americana de Integração (ALADI). O Mercosul já tem comércio com toda a América do Sul e, no campo extrarregional, negocia a intensificação de seus fluxos de comércio em condições justas para nossas economias. No caso da negociação com a União Europeia, por exemplo, os avanços emperram na sua Política Agrícola Comum (PAC) que obstaculiza a entrada dos produtos mais competitivos do Mercosul no mercado europeu.

A atuação do bloco em negociações de comércio é cercada, contudo, das cautelas e salvaguardas necessárias para evitar danos irreversíveis aos setores econômicos dos Estados Partes, particularmente as suas indústrias, já afetadas, em alguns casos, por um processo de desnacionalização que limita a capacidade de inovação tecnológica e de indução do desenvolvimento ao longo das cadeias produtivas.

Para o Brasil, em particular, o Mercosul e a integração regional propiciam, mesmo na atual crise, um mercado fundamental para nossa combalida indústria de transformação.

Além disso, o Mercosul vem ampliando uma agenda que transcende a dimensão econômico-comercial, envolvendo direitos humanos, institucionalidade democrática, educação e cultura. Vem fazendo lentos mas significativos progressos no que tange ao imprescindível enfrentamento das assimetrias regionais, à livre circulação de trabalhadores, à instituição de órgãos supranacionais e à construção de uma cidadania comum na região, objetivo maior do processo de integração. O Mercosul tem uma clara dimensão política que ultrapassa suas conquistas comerciais e econômicas para os países membros.

Para o Brasil e os demais Estados Partes, o Mercosul confere fundamental vantagem estratégica. A construção de sinergias econômicas e comerciais, baseada na união aduaneira, permite aos Membros do bloco negociar, em condições mais vantajosas das que seriam possíveis obter de forma isolada, sua inserção na globalização assimétrica. Tal vantagem estratégica é ainda mais acentuada, em contexto de crise econômica mundial, de ameaças ao regime multilateral de comércio e de acirramento dos embates comerciais.

Nesse contexto, o abandono da união aduaneira e a celebração célere e isolada de acordos de livre comércio com grandes potências econômicas, como querem os detratores do Mercosul, seria trágico erro. Lembre-se que, além das grandes assimetrias entre as partes, tais acordos contêm cláusulas relativas à propriedade intelectual, às compras governamentais e ao regime jurídico dos investimentos, que podem comprometer, em definitivo, o espaço para a construção de políticas industriais e de desenvolvimento tecnológico.

Assim, a extinção da união aduaneira e a celebração isolada e açodada de tratados de livre comércio poderia até agradar, no curto prazo, a alguns grupos econômicos internacionalizados, ou aqueles setores locais que desistiram de uma inserção mais qualificada na economia global, mas significaria golpe mortal para o desenvolvimento econômico futuro dos Estados Partes.

No entendimento do GR-RI, a solução para o Mercosul e seus Membros, nesse contexto de crise mundial e regional, não é menos integração, mas sim mais integração. Portanto, o processo de integração deve ser intensificado e acelerado, mediante a constituição de amplas cadeias produtivas regionais, o combate intenso às assimetrias entre os Estados Partes, o enfrentamento decidido dos problemas sociais do bloco e avanços definitivos e irreversíveis na construção da cidadania comum do Mercosul, sem prejuízo de negociações comerciais extrabloco que preservem, em seus resultados, a capacidade dos Membros de promover políticas de desenvolvimento, industriais e de inovação tecnológica.

Nesse sentido, o GR-RI apela a todas as forças progressistas dos Membros do Mercosul a que se oponham a essa tentativa de desintegração do bloco que é, em última instância, a desintegração de um futuro de desenvolvimento e de justiça social para as populações mercosulinas. E, neste momento, o Brasil tem uma responsabilidade especial por ocupar a Presidência Pro-Tempore do bloco.

Por último, o GR-RI demanda ao Ministério das Relações Exteriores a constituição urgente do prometido Conselho Nacional de Política Externa, de modo a que a sociedade civil brasileira possa participar ativamente do debate sobre o futuro do Mercosul e outros temas igualmente relevantes das relações internacionais do Brasil.

Brasil, 20 de maio de 2015.
brasilnomundo-logoGrupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
grri@brasilnomundo.org.br | brasilnomundo.org.br
@brnomundo | facebook.com/branomundo


Apoiam
ActionAid Brasil
Coletivo Nacional de Juventude Negra (Enegrecer)
Coordenadoria de Relações Internacionais da Prefeitura de Guarulhos
Fórum Universitário Mercosul (FoMerco)
Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
Partido dos Trabalhadores (PT)
Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (REBRIP)

terça-feira, 19 de maio de 2015

Lei de Acesso à Informação - conhece?

19/05/2015 às 13:48

Letra morta em papel roto?

Escrito por: Alberto Perdigão
Fonte: Observatório da Imprensa

Observa-se com frequência um alto grau de desconhecimento da Lei de Acesso à Informação, mesmo entre profissionais da comunicação, da gestão pública e do Direito

A Lei de Acesso à Informação, a número 12.527/11, está completando três anos de pleno vigor. Mas a festa não é da comunicação pública. A comemoração é só dos que não a desejam e não dão a conhecer a LAI; é dos que não a cumprem e não a fazem cumprir; é dos que a querem esquecida, letra morta em papel roto.
E são muitos os cidadãos e agentes públicos, em todo o país, que não querem a LAI. Talvez por desconhecerem a lei, no que o diploma oferece de ferramentas de informação, de expressão e de diálogo, condições para o fortalecimento do Estado e para a legitimação dos governos. Ou, exatamente, por conhecerem a lei e sentirem nela uma “ameaça”.
Observa-se com frequência um alto grau de desconhecimento da LAI, mesmo entre profissionais da comunicação, da gestão pública e do Direito. E, não raro, verifica-se a ignorância (sentido literal) entre os agentes públicos dos palácios, dos parlamentos e dos tribunais, do Ministério Público e órgãos de controle externo.
O resultado é o descumprimento quase generalizado da LAI, nos três Poderes da República e nas três esferas de governo. Para ficar só no Poder Executivo, tem-se que, na grande maioria dos municípios, não há lei local que assegure o direito à comunicação pública – como impõe a referida Lei Federal (Art. 45).
Na maioria dos estados e capitais, já há legislação própria. Mas o seu cumprimento ainda esbarra em muitas limitações de forma (ativa ou passiva, presencial ou virtual) e de conteúdo (quantidade e qualidade da informação). No caso dos sites da LAI, há problemas de acessibilidade, usabilidade e de utilidade dos dados.

A República da intransparência
Somem-se ao panorama adverso os fatos de que o Ministério Público, grosso modo, não vê o descumprimento da LAI na União e nos estados; o promotor da comarca, regra geral, não percebe a desobediência de prefeitos e presidentes de Câmaras; e os tribunais de contas dos estados e municípios não exigem dos ordenadores de despesas a transparência prevista.
É preciso enfrentar já a tradição brasileira do Estado solitário e da sociedade muda. É necessário instituírem-se políticas públicas que informem o cidadão e capacitem os agentes públicos sobre os benefícios da LAI, de forma a que ambos se apropriem da lei como um direito, que é de todos, e como uma oportunidade de mais diálogo e de melhor governança.
Do contrário, seguirá a festa na República da intransparência, das coisas públicas quase sempre escusas e quase sempre praticadas às escuras. E a cultura política, aquela da cidadania ativa e da democracia participativa, da participação e do controle social – sinto informar, caro leitor –, continuará barrada na porta.


>> Conheça a Lei de Acesso à Informação em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

domingo, 17 de maio de 2015

O caso e o pedido de desculpas: a força do Face sobre a TV


A estudante de Medicina Amanda Oliveira foi entrevistada pela emissora em reportagem sobre o programa, mas alertou que as informações foram deturpadas: “A Globo, além de sensacionalista, ainda não é capaz de pesquisar as coisas direito antes de falar… A minha experiência com o ‘Ciência sem Fronteiras’ não poderia ter sido melhor”

Por Redação
Revista Fórum


A estudante de Medicina Amanda Oliveira mostrou indignação ao ver a reportagem divulgada pela TV Globo, nesta semana, sobre o programa Ciência sem Fronteiras. Na matéria, ela foi apresentada como um dos alunos que decidiram voltar ao Brasil por problemas na liberação de verbas por parte do governo federal.

Em seu perfil no Facebook, a jovem – que passou nove meses nos Estados Unidos custeada pelo programa – fez questão de desmentir as informações, que julgou terem sido deturpadas pelo “sensacionalismo” da emissora.

“Gostaria de dizer que tudo o que foi dito a meu respeito naquela reportagem é MENTIRA! Primeiramente, eu NÃO voltei para o Brasil pela insegurança gerada pela falta do dinheiro. Até porque essa foi a ÚNICA parcela da bolsa que não caiu durante todo o meu intercâmbio. Eu voltei pelo simples motivo que minhas aulas na UFT começariam agora”, explicou.

Leia o relato de Amanda Oliveira na íntegra:
Na manhã de ontem passou na globo uma reportagem sobre o Ciência sem Fronteiras onde eu apareço. Gostaria de dizer que tudo o que foi dito á meu respeito naquela reportagem é MENTIRA!
Primeiramente, eu NÃO voltei para o Brasil pela insegurança gerada pela falta do dinheiro. Até porque essa foi a ÚNICA parcela da bolsa que não caiu durante todo o meu intercâmbio. Eu voltei pelo simples motivo que minhas aulas na UFT começariam agora e eu julguei não valer a pena perder outro semestre ( e isso foi dito INÚMERAS VEZES na minha entrevista. Mas a Globo achou mais interessante omitir isso e inventar um motivo mais atraente). 

Segundo, eu NÃO abandonei o programa. A repórter da Globo fez o favor de enfatizar que voltar antes do prazo era quebra de contrato e que nesses casos todo o dinheiro deveria ser devolvido pela capes. Mas a Globo além de sensacionalista ainda não é capaz de pesquisar as coisas direito antes de falar. Eu não voltei antes do prazo. Eu tinha a opção de retornar em maio e a opção de retornar em agosto. Eu optei pela primeira.


Por favor, se vc viu a reportagem ou tem algum parente que viu e comentou com você mostre pra ela esse post. 

A minha experiência com o Ciência sem fronteiras não poderia ter sido melhor. Teve esse pequeno problema no final, claro, mas nada que justifique o programa ser mal falado dessa maneira.



***

Post de estudante no Facebook faz Globo pedir desculpas por erro

Escrito por: Redação
Fonte: Comunique-se

O âncora Chico Pinheiro esclareceu o assunto

Na edição desta sexta-feira, 15, o ‘Bom dia, Brasil’, da Globo, corrigiu um erro veiculado anteriormente em uma matéria sobre o Ciência Sem Fronteiras, do governo federal. Ao noticiar o atraso no repasse de verbas para os bolsistas, o jornalístico enfatizou que alguns estudantes estariam voltando para o Brasil porque não tinham segurança no programa.
Entrevistada pela emissora, a estudante de medicina Amanda Oliveira, do Tocantins, voltou no último domingo dos Estados Unidos, após nove meses como bolsista. Ao contrário do que foi divulgado, no entanto, ela não abandonou o curso e usou o Facebook para desabafar sobre o erro que foi ao ar. “Gostaria de dizer que tudo o que foi dito a meu respeito naquela reportagem é MENTIRA! Primeiramente, eu NÃO voltei para o Brasil pela insegurança gerada pela falta do dinheiro. Até porque essa foi a ÚNICA parcela da bolsa que não caiu durante todo o meu intercâmbio”, disse, na rede social.
O âncora Chico Pinheiro esclareceu o assunto. “Nós apuramos que Amanda não voltou antes da hora. Ela terminou o curso e desistiu de fazer o estágio após o fim das aulas”. O programa Ciência Sem Fronteiras permite que, ao fim do curso, o aluno volte ao Brasil sem fazer estágio, desde que apresente uma justificativa, como fez a estudante . Nesse caso, nenhuma penalidade é aplicada.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Complexo de vira-latas: é discursivamente que se produz

08/05/2015 às 14:19

A filha da rainha e a refugiada africana

Escrito por: Altamiro Borges
Fonte: Blog do Miro

A TV Globo, com o seu complexo de vira-lata, deu longos minutos ao anúncio real

Durante várias semanas, a mídia colonizada fez o maior suspense sobre o nome da segunda filha do príncipe William e sua mulher, Kate Middleton, nascida no sábado (2). Na terça-feira, os herdeiros do trono da Inglaterra registraram formalmente a criança: Charlotte Elizabeth Diana - a quarta na linha da sucessão britânica. A TV Globo, com o seu complexo de vira-lata, deu longos minutos ao anúncio real. Contra esta bajulação servil, que contagia muitos telespectadores embasbacados, vale ler e reler a magistral coluna do escritor Luis Fernando Verissimo, publicada nesta quinta-feira:

Dois destinos 
Luis Fernando Verissimo 

Você nasceu num vilarejo da África Equatorial. Não importa o seu nome, você é uma entre milhares. Além das outras desgraças que a esperavam, você nasceu mulher. Sobreviver ao parto já foi uma vitória sobre as estatísticas. Chegar viva à sua idade sem sofrer qualquer tipo de mutilação foi um milagre. Sua mãe morreu de uma epidemia, você mal a conheceu. Seu pai você nunca soube quem foi. E seu destino está fixado nas estrelas. 

Deve haver uma palavra na sua língua para “destino”. Talvez seja a mesma palavra para “danação”. Sua biografia já foi decidida, antes de você nascer. Quem a decidiu você também nunca soube quem foi. 

Seu destino está fixado nas estrelas – mas as estrelas se movem. Não estão fixadas no mesmo lugar todas as noites. E algumas fogem. Você vê os riscos que deixam no céu as estrelas que fogem. E você decide fugir também. Fugir do seu destino. Fugir da danação. É pouco provável que exista o termo “livre-arbítrio” na sua língua. Você o descobre em você. Você inventa sua própria liberdade. 

E você foge da sua biografia. Com outros do seu vilarejo, caminha para o norte, para o Mediterrâneo. Não morre no caminho – outro milagre! Não morre sufocada no barco abarrotado de fugitivos que atravessa o Mediterrâneo. Não morre afogada antes de chegar ao seu outro destino, o destino que você escolheu. E começar outra biografia. 

Ou: 

Você nasce numa cidade chamada Londres. Seu nome não só importa como é sujeito de uma especulação nacional, até ser escolhido. Sua mãe é linda, seu pai é rico e tem emprego garantido, sua foto provoca êxtases, você já é uma celebridade internacional. Ah, e um detalhe: você é a quarta na linha de sucessão ao trono da Inglaterra. Dependendo da disposição das estrelas, pode acabar rainha. Nada lhe faltará. 

Mas mesmo que queira, jamais poderá fugir da biografia que prepararam para você. Danação.




domingo, 10 de maio de 2015

Cultura P2P e corporações da informação: convívio tenso, atrito necessário

   

Economia Peer-to-Peer

by Bia Martins
do blog AutoriaemRede

A dinâmica de produção do sistema operacional GNU/Linux pode se tornar modelo para outros setores da economia? As novas formas de produção distribuída e equipotencial entre pares estariam apontando para um sistema que vá além do capitalismo?

Michel Bauwens, criador da Peer-to-Peer Foundation, destaca algumas características desse modelo produtivo que representariam profundas mudanças no paradigma da economia capitalista e que poderiam apontar na direção de sua superação:

- a produção entre pares possibilita efetivamente a cooperação livre entre produtores;
- a autoridade entre pares transcende tanto a autoridade do mercado como a do Estado;
- as novas formas de propriedade universal transcendem as limitações dos modelos de propriedade pública e privada na constituição de um patrimônio comum;
- o surgimento de uma nova ética do trabalho (Ética Hacker) e novas práticas culturais.

Já Yochai Benkler, outro importante pesquisador da produção P2P, enfatiza que as redes de comunicação tornaram possível a disseminação em larga escala de práticas colaborativas e solidárias que já existiam em escala menor na sociedade. Hoje você pode não só colaborar com uma iniciativa comunitária no seu bairro, mas também se engajar nos mais variados projetos nos quatro cantos do planeta. Dessa forma, então, iniciativas cooperativas têm ganhado força numa dimensão inédita.

Assista ao TED com Yochai Benkler sobre a nova economia de informação em rede

Os dois pesquisadores concordam que a emergência da produção P2P deriva em grande parte da disseminação das tecnologias de informação e comunicação. Como o capitalismo na atualidade é baseado no conhecimento que gera novo conhecimento (inovação) e o computador é o meio que permite tanto o acesso ao conhecimento produzido como a produção do novo conhecimento, pela primeira vez no sistema capitalista os meios de produção estão nas mãos do cidadão comum.

De fato, há hoje muitos exemplos de iniciativas P2P nas mais diversas áreas, que ilustram como a produção entre pares pode alcançar os mais diversos setores da economia: o projeto WikiHouse, um protótipo arquitetônico aberto que pode ser produzido em impressoras 3D para gerar moradias de baixo custo; ou WikiSpeed, um projeto de carro concebido em um modelo de produção open-source com a colaboração de mais de mil pessoas de 20 países diferentes; ou ainda o sistema de empréstimo P2P Zopa, que intermedeia as operações entre as pessoas, possibilitando taxas mais atraentes para quem empresta e para quem toma emprestado.

No entanto, não se pode esquecer que, por outro lado, as formas de exploração da produção colaborativa se sofisticam ao mesmo tempo. As grandes empresas da atualidade fazem isso de forma explícita. A rentabilidade do Facebook, por exemplo, é baseada na colaboração de seus usuários que alimentam a plataforma de graça. Já o motor de busca Google retira valor de dados fornecidos voluntária e gratuitamente por milhões de pessoas. Some-se a isso o fato de que essas duas grandes empresas são também as maiores alimentadoras dos sistemas de vigilância mundiais, monitorando toda a movimentação on-line e repassando esses dados para organizações governamentais e/ou outras empresas.

O que irá prevalecer? A potência da produção colaborativa entre pares que pode criar soluções para diversos impasses contemporâneos ou disposição da máquina capitalista em capturar a produção colaborativa para priorizar o lucro acima dos interesses coletivos? Está aí, de forma ultra sintética, a grande disputa contemporânea.

Estes foram alguns dos pontos abordados na aula Economia P2P: a produção colaborativa. Para quem se interessar, segue abaixo a apresentação com mais algumas referências:

Economia Peer-to-Peer, from Bia Martins

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Publicidade, comunicação, regulação: quem tem direito a quê?

Para Conar, regular até mesmo a publicidade infantil é censura

Escrito por: Bia Barbosa
Fonte: Intervozes

Em evento, publicitários criticam qualquer iniciativa de regulação da propaganda, inclusive aquelas direcionadas a menores de 12 anos. 'As crianças têm direito à informação', alegam

Uma sociedade só pode ser democrática se as diferentes opiniões e culturas que a compõem tiverem espaço para se manifestar. O direito à comunicação é indissociável do exercício da cidadania
 
Imagem reproduzida do site do Conar: http://www.conar.org.br
O mundo todo celebrou esta semana, no dia 3 de maio, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data, como todos os anos, foi marcada pelo lançamento de relatórios que revelam os desafios do jornalismo nas sociedades contemporâneas. Entre eles, a violência que segue acometendo profissionais e comunicadores populares nas mais diferentes regiões do planeta. Para quem quiser conferir como anda a situação no Brasil, fica a sugestão de leitura da publicação lançada pela Artigo19, que relata 15 homicídios, 11 tentativas de assassinatos e 28 ameaças de morte no País motivadas pelo exercício da liberdade de expressão.
 
Todos os anos, também a Imprensa Editorial, responsável pelo Portal Imprensa, organiza na mesma data o Fórum Liberdade de Imprensa & Democracia. O evento tem sido marcado pela reunião de “eminentes nomes do jornalismo brasileiro" que, invariavelmente, compreendem que qualquer regulação dos meios de comunicação é prática de censura. Este ano, o apresentador do Jornal Nacional, Heraldo Pereira, soltou a pérola: “Ainda bem que temos o PMDB, que já disse que é contrário à Lei da Censura que o PT quer aprovar. Não adianta falar que é regulação, por que não é”.
 
A novidade de 2015, cuja edição foi patrocinada pelo Grupo Globo, com o apoio de diversas entidades empresariais, foi incluir, no hall dos temas a serem debatidos, a questão da publicidade. Sim, o Portal Imprensa embarcou na onda de que as propagandas comerciais também são manifestações de liberdade de expressão – e que, por isso, devem ser protegidas pelo mesmo princípio constitucional que impede que manifestações de pensamento sofram quaisquer restrições. Num painel intitulado “Limites na criação publicitária: liberdade de consumo X controle e regulamentação”, três profissionais da propaganda se revezaram para defender "o direito da população ser informada pela publicidade", e para atacar principalmente iniciativas de proteção das crianças em relação à publicidade infantil.
 
Um dos alvos foi a Resolução n. 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), aprovada em março de 2014, que considera abusivas a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas às crianças de até 12 anos. Por ser um ato normativo primário previsto no Art. 59 da Constituição Federal, as Resoluções do Conanda possuem poder vinculante e devem ser seguidas e consideradas por todos os agentes sociais e estatais. Ou seja, desde o ano passado, a publicidade dirigida à criança é considerada ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição. Mas continua sendo sistematicamente empregada tanto pelos anunciantes quanto pelas agências de publicidade, com a conivência dos veículos de comunicação, que lucram com tais anúncios.
 
Observando essas ilegalidades, o Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, enviou, em abril passado, cinco representações para os Ministérios Públicos de São Paulo e Paraná e para os Procons de São Paulo e do Espírito Santo. O objetivo não é acabar com a publicidade, mas garantir seu direcionamento para os adultos e não mais para as crianças.
 
Para Mônica Spada e Souza, diretora executiva da Maurício de Souza Produções, que esteve no evento do Portal Imprensa, restringir a publicidade infantil é “subjulgar a inteligência das crianças”, que, na sua avaliação, tem todas as condições para compreender a diferença entre realidade e fantasia e também tem “direito ao acesso à informação”. Mônica é defensora da tese de que são os pais que tem que definir o que seus filhos podem ver – mesmo que, em grande parte das vezes, as crianças estejam sozinhas diante da televisão.
 
Edney Narchi, vice-presidente executivo do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), outro convidado do Fórum, concorda plenamente que “o Conanda quer restringir o direito de acesso à informação pela publicidade”. Para ele “espécies de pessoas e de ONGs são contra porque são contra a propaganda mercadológica”, assim como a “Anvisa é contra porque é contra a publicidade de medicamentos e de determinados alimentos”.
 
Ou seja, para o Conar, não há qualquer motivo para que a sociedade se preocupe com o bombardeio publicitário sofrido pelas crianças ou para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se preocupe com os índices crescentes de automedicação da população brasileira.
 
Reportagem do próprio Jornal Nacional veiculada nesta terça-feira 5, sobre o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, mostrou que mais de 39 mil pessoas foram intoxicadas por remédios no ano passado e destacou os riscos do consumo sem receita de medicamentos. Mas, para o mercado publicitário, restringir este tipo de anúncio, com buscou fazer a Anvisa, é “ser contra por ser contra”.
 
“A comunicação é algo tão sensível que não deve ser motivo de lei”, cravou Edney Narchi, ignorando que, no mundo todo – sobretudo em democracias mais antigas que a nossa –, a banda não toca desse jeito. Para o Conar, nossa Constituição Federal é autoritária e a autorregulamentação é o que deve existir em termos de regras para o funcionamento do setor. O resto é censura!
 
O terceiro convidado do painel, Carlos André Eyer, diretor de criação da NBS, reforçou o mesmo ponto de vista desta discussão bastante plural, como deveria se esperar de um evento organizado por uma empresa jornalística e que leva a palavra "democracia" no título. “Estamos terceirizando a educação das pessoas ao vilanizar a publicidade e os produtores de conteúdo. Temos é que dar estrutura para as famílias educarem seus filhos em vez de acharmos que é preciso privar as crianças de algumas coisas”, disse Eyer. E encerrou com mais uma pérola do encontro: “Todos os departamentos de marketing das cervejarias estão tentando fazer propaganda com menos mulher gostosa no vídeo, mas não dá certo. O bebedor médio de cerveja gosta é disso. Então a culpa não é da propaganda, é do consumidor”.
 
Precisa dizer algo mais?
 
Para quem quiser conhecer melhor o debate sobre publicidade infantil, visite o site do projeto Criança & Consumo, do Instituto Alana.
 
* Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e integra a Coordenação Executiva do Intervozes.