Para Conar, regular até mesmo a publicidade infantil é censura
Escrito por: Bia Barbosa
Fonte: Intervozes
Fonte: Intervozes
Em evento, publicitários criticam qualquer iniciativa de regulação da propaganda, inclusive aquelas direcionadas a menores de 12 anos. 'As crianças têm direito à informação', alegam
Uma sociedade só pode ser democrática se as diferentes opiniões e
culturas que a compõem tiverem espaço para se manifestar. O direito à
comunicação é indissociável do exercício da cidadania
Imagem reproduzida do site do Conar: http://www.conar.org.br |
O mundo todo celebrou esta semana, no dia 3 de maio, o Dia Mundial da
Liberdade de Imprensa. A data, como todos os anos, foi marcada pelo
lançamento de relatórios que revelam os desafios do jornalismo nas
sociedades contemporâneas. Entre eles, a violência que segue acometendo
profissionais e comunicadores populares nas mais diferentes regiões do
planeta. Para quem quiser conferir como anda a situação no Brasil, fica a
sugestão de leitura da publicação lançada pela Artigo19, que relata 15
homicídios, 11 tentativas de assassinatos e 28 ameaças de morte no País
motivadas pelo exercício da liberdade de expressão.
Todos os anos, também a Imprensa Editorial, responsável pelo Portal
Imprensa, organiza na mesma data o Fórum Liberdade de Imprensa &
Democracia. O evento tem sido marcado pela reunião de “eminentes nomes
do jornalismo brasileiro" que, invariavelmente, compreendem que qualquer
regulação dos meios de comunicação é prática de censura. Este ano, o
apresentador do Jornal Nacional, Heraldo Pereira, soltou a pérola:
“Ainda bem que temos o PMDB, que já disse que é contrário à Lei da
Censura que o PT quer aprovar. Não adianta falar que é regulação, por
que não é”.
A novidade de 2015, cuja edição foi patrocinada pelo Grupo Globo, com o
apoio de diversas entidades empresariais, foi incluir, no hall dos
temas a serem debatidos, a questão da publicidade. Sim, o Portal
Imprensa embarcou na onda de que as propagandas comerciais também são
manifestações de liberdade de expressão – e que, por isso, devem ser
protegidas pelo mesmo princípio constitucional que impede que
manifestações de pensamento sofram quaisquer restrições. Num painel
intitulado “Limites na criação publicitária: liberdade de consumo X
controle e regulamentação”, três profissionais da propaganda se
revezaram para defender "o direito da população ser informada pela
publicidade", e para atacar principalmente iniciativas de proteção das
crianças em relação à publicidade infantil.
Um dos alvos foi a Resolução n. 163 do Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (Conanda), aprovada em março de 2014, que
considera abusivas a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas
às crianças de até 12 anos. Por ser um ato normativo primário previsto
no Art. 59 da Constituição Federal, as Resoluções do Conanda possuem
poder vinculante e devem ser seguidas e consideradas por todos os
agentes sociais e estatais. Ou seja, desde o ano passado, a publicidade
dirigida à criança é considerada ilegal segundo o Código de Defesa do
Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria
Constituição. Mas continua sendo sistematicamente empregada tanto pelos
anunciantes quanto pelas agências de publicidade, com a conivência dos
veículos de comunicação, que lucram com tais anúncios.
Observando essas ilegalidades, o Projeto Criança e Consumo, do
Instituto Alana, enviou, em abril passado, cinco representações para os
Ministérios Públicos de São Paulo e Paraná e para os Procons de São
Paulo e do Espírito Santo. O objetivo não é acabar com a publicidade,
mas garantir seu direcionamento para os adultos e não mais para as
crianças.
Para Mônica Spada e Souza, diretora executiva da Maurício de Souza
Produções, que esteve no evento do Portal Imprensa, restringir a
publicidade infantil é “subjulgar a inteligência das crianças”, que, na
sua avaliação, tem todas as condições para compreender a diferença entre
realidade e fantasia e também tem “direito ao acesso à informação”.
Mônica é defensora da tese de que são os pais que tem que definir o que
seus filhos podem ver – mesmo que, em grande parte das vezes, as
crianças estejam sozinhas diante da televisão.
Edney Narchi, vice-presidente executivo do Conselho de
Autorregulamentação Publicitária (Conar), outro convidado do Fórum,
concorda plenamente que “o Conanda quer restringir o direito de acesso à
informação pela publicidade”. Para ele “espécies de pessoas e de ONGs
são contra porque são contra a propaganda mercadológica”, assim como a
“Anvisa é contra porque é contra a publicidade de medicamentos e de
determinados alimentos”.
Ou seja, para o Conar, não há qualquer motivo para que a sociedade se
preocupe com o bombardeio publicitário sofrido pelas crianças ou para
que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se preocupe com os
índices crescentes de automedicação da população brasileira.
Reportagem do próprio Jornal Nacional veiculada nesta terça-feira 5,
sobre o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, mostrou que mais
de 39 mil pessoas foram intoxicadas por remédios no ano passado e
destacou os riscos do consumo sem receita de medicamentos. Mas, para o
mercado publicitário, restringir este tipo de anúncio, com buscou fazer a
Anvisa, é “ser contra por ser contra”.
“A comunicação é algo tão sensível que não deve ser motivo de lei”,
cravou Edney Narchi, ignorando que, no mundo todo – sobretudo em
democracias mais antigas que a nossa –, a banda não toca desse jeito.
Para o Conar, nossa Constituição Federal é autoritária e a
autorregulamentação é o que deve existir em termos de regras para o
funcionamento do setor. O resto é censura!
O terceiro convidado do painel, Carlos André Eyer, diretor de criação
da NBS, reforçou o mesmo ponto de vista desta discussão bastante plural,
como deveria se esperar de um evento organizado por uma empresa
jornalística e que leva a palavra "democracia" no título. “Estamos
terceirizando a educação das pessoas ao vilanizar a publicidade e os
produtores de conteúdo. Temos é que dar estrutura para as famílias
educarem seus filhos em vez de acharmos que é preciso privar as crianças
de algumas coisas”, disse Eyer. E encerrou com mais uma pérola do
encontro: “Todos os departamentos de marketing das cervejarias estão
tentando fazer propaganda com menos mulher gostosa no vídeo, mas não dá
certo. O bebedor médio de cerveja gosta é disso. Então a culpa não é da
propaganda, é do consumidor”.
Precisa dizer algo mais?
Para quem quiser conhecer melhor o debate sobre publicidade infantil,
visite o site do projeto Criança & Consumo, do Instituto Alana.
* Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e integra a Coordenação Executiva do Intervozes.
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