28/05/2015 às 15:32
Internet completa 20 anos no Brasil: Do e-mail ao Marco Civil
Escrito por: Gustavo Sumares
Fonte: Tribuna Hoje
Fonte: Tribuna Hoje
No dia 31 deste mês, em 1995, foram publicadas portarias da Anatel
Maio de 2015 é considerado o mês em que a internet no Brasil comemora
20 anos. Um dos motivos para isso é que, no dia 31 desse mês, em 1995,
foram publicadas portarias da Anatel que permitiram o uso de meios da
rede pública de telecomunicações para acesso à internet e criaram o
Conselho Gestor da Internet (CGI), órgão multisetorial responsável pela
coordenação e integração dos serviços de rede no país.
Mas Demi Getschko, conselheiro do CGI desde sua criação e um dos
pioneiros da internet no Brasil, recorda que a rede já era utilizada no
país. Com a realização da conferência mundial sobre meio ambiente ECO 92
no Brasil, ONGs já utilizavam a internet para se comunicar e
compartilhar informações e dados.
Início
Algumas universidades e empresas também faziam uso, desde aquela época,
desse recurso de telecomunicação, basicamente para enviar e receber
e-mails. Ainda não existiam os cabos de fibra óptica que atualmente
servem de espinha dorsal para a conexão mundial. Naquela época, a
ligação digital entre países era feita por meio de cabos submarinos
coaxiais, conta Getschko, semelhantes aos que utilizamos para ligar
nossas televisões.
Em dezembro de 1994, a Embratel abriu uma chamada para que pessoas
físicas que desejassem acessar a internet se inscrevessem para ter
acesso. Apenas no ano seguinte os contratos de acesso seriam
regulamentados para a forma como os conhecemos hoje, na qual os usuários
acessam a internet por meio de provedores, que vendem o acesso que
recebem das empresas de telecomunicação.
Expansão
Com o início da exploração comercial da internet no Brasil, a rede
começou a se expandir de maneira muito rápida. Getschko observa que a
Lei de Moore, que ditava o ritmo de evolução dos processadores e que
completou 50 anos recentemente, acabou valendo para a internet também.
Como os processadores praticamente duplicavam de velocidade a cada 18
meses, a quantidade de informações com as quais eles podiam trabalhar
também dobrava. E esse aumento da velocidade, aliado à expansão do
número de usuários de internet, fez com que a web crescesse de maneira
vertiginosa, cada vez com mais textos, imagens e funcionalidades.
Com isso, usuários passaram a exigir cada vez mais largura de banda da
internet, para poder receber e enviar cada vez mais dados. Apenas por
volta do ano 2000, com a chegada da internet de “banda larga”, foi que a
rede, os sites e os serviços digitais começaram a se parecer mais com o
que conhecemos atualmente.
Buscadores
Getschko também identifica um momento anterior a esse que foi
determinante no desenvolvimento da internet: o surgimento dos
buscadores. “Antes deles, a gente só ficava sabendo das coisas porque a
gente ouvia alguém falando”, conta.
Na época, circulavam pela rede listas de endereços, que enumeravam uma
série de sites interessantes sobre diversos assuntos. O Yahoo!, por
exemplo, começou como uma dessas listas. Mas serviços como o Altavista, o
Lycos e, mais tarde, o Google, que vasculhavam a rede e indexavam novos
sites que apareciam, viabilizaram o uso que fazemos atualmente da
internet.
Os buscadores auxiliam o crescimento da internet à medida que permitem
que aquilo que é produzido por um usuário seja disponibilizado a todos
os outros que busquem por aquele conteúdo, sem que seja necessário
saber, de outra maneira, que ele existe. Tanto que, atualmente, quando
uma pessoa sente que determinado conteúdo fere sua privacidade, pode
solicitar ao Google que remova o site de seus resultados de busca.
O processo, diz Getschko, é como remover um livro do diretório de uma
biblioteca, mas não de suas estantes. “O livro continua lá, mas como
ninguém vai conseguir encontrá-lo, não faz muita diferença”, diz.
Redes Sociais
Em 2004 apareceria o Orkut, e logo em seguida o Facebook. Com a chegada
das redes sociais, a internet foi se tornando, cada vez mais, um espaço
virtual de socialização. As discussões agressivas e sem sentido por
causa de detalhes, no entanto, já existiam desde os tempos das listas de
discussão, lembra Getschko.
A preocupação com o compartilhamento de informações pessoais tem nesse
momento um marco importante. Dados íntimos sobre os usuários se tornaram
disponíveis em enormes quantidades pela rede. Com isso, começou-se a
pensar no que seria necessário fazer para proteger esse tipo de
informação de pessoas com fins maliciosos ou mesmo de empresas que veem
nela uma valiosa mercadoria.
A facilidade de compartilhar informações, opiniões, imagens e até
vídeos representou um novo aumento na exigência de banda da internet. A
estrutura de fibra óptica já existente, porém, felizmente estava à
altura do desafio. Getschko conta que, melhorando-se a interface da
fibra, os cabos podem ter sua capacidade ampliada, e ele acredita que
ela ainda pode se tornar cerca de cem vezes maior antes de precisar ser
substituída. As preocupações com as novas tecnologias que devem vir em
seguida, ao que parece, podem esperar mais alguns anos.
Neutralidade da rede
Ao longo da primeira década do século XXI, questões como a pirataria
nas redes e os crimes digitais trouxeram novas discussões sobre o uso da
internet. Alguns desdobramentos dessas discussões deram origens a
propostas de legislação como a SOPA (Stop Online Piracy Act), que
ameaçavam mudar radicalmente a internet, proibindo o acesso de usuários a
qualquer conteúdo registrado e protegido por leis de propriedade
intelectual.
Legislações como a SOPA, segundo Getschko, têm o problema de “fechar a
porta para os usuários” da internet, em vez de responsabilizar os que
hospedam e disponibilizam conteúdos protegidos. “É como tentar proibir
que os taxistas levem batedores de carteira. O taxista faz o trabalho
dele, e não tem como saber se o que o passageiro fez”, opina.
Esse tipo de proposta punha em risco um dos valores principais da
internet, a neutralidade da rede. Esse conceito, segundo Getschko, pode
ser pensado como uma transferência total de poder de decisão ao usuário:
ele deve ter acesso total à rede, e se algum site hospeda conteúdo que
infringe leis de propriedade intelectual, é o site que precisa ser
alterado, não o acesso do usuário.
Essa foi uma das discussões que levou à elaboração do Marco Civil da
Internet, que regulamenta o uso, o desenvolvimento e a comercialização
da rede no Brasil. Os grandes objetivos do Marco Civil, para Getschko,
são o de preservar a internet como um local “sem jardins murados”,
proteger as informações pessoais dos usuários e manter como um espaço de
livre trânsito de ideias, cujos rumos são decididos coletivamente pela
comunidade.
Regulamentação
Atualmente, dois aspectos do Marco Civil ainda aguardam definição mais
precisa. Primeiramente, é necessário determinar quando a neutralidade da
rede pode ser quebrada. Em outras palavras, em quais situações deve ser
permitido impedir que determinado endereço de IP seja impossibilitado
de acessar determinado site.
Um exemplo de situação no qual esse tipo de atitude seria perfeitamente
aceitável, segundo Getschko, é no caso de ataques de negação de
serviço. Quando diversos IPs tentam acessar um site repetidamente com a
finalidade de derrubá-lo por excesso de solicitações, não haveria
problema em impedir que esses IPs consigam realizar sua finalidade
maliciosa.
Outro aspecto que precisa ser melhor definido sobre o Marco Civil é a
questão do registro de acesso de aparelhos à rede. A atual legislação
determina que é necessário manter registro de qual IP acessou qual site
em qual horário. Alguns serviços e aplicativos, porém, aproveitam essa
determinação para armazenar muitos outros dados sobre a atividade do
usuário, algo que o Marco Civil, a princípio, combate.
IPv6
Outro desafio enfrentado pela internet atualmente é a mudança do padrão
de endereços. Cada dispositivo que acessa a rede ganha um IP, um número
de identificação. Atualmente, muitos dispositivos ainda funcionam no
padrão IPv4. Esse padrão permite um total de 4 bilhões de endereços
diferentes.
No entanto, com a ampliação do número de dispositivos conectados à
internet e a popularização dos smartphones, tablets e notebooks, esse
padrão se tornou rapidamente insuficiente. É possível contornar a
ausência de novos IPs por meio da atribuição temporária de IPs a
dispositivos enquanto eles estão conectados.
A tendência de que o número de dispositivos conectados à internet
aumente ainda mais com a chamada “internet das coisas” faz com que seja
ainda mais necessária a atualização desse padrão. Dispositivos mais
novos já funcionam apenas com IPv6; outros, mais antigos, ainda têm só
IPv4.
As duas versões não são compatíveis, e o ideal, segundo Getschko, é ter
os dois, para se comunicar da melhor forma possível. O processo pode
ser comparado à substituição do sinal analógico de TV aberta no Brasil
pelo sinal digital, ou ainda, como sugere Getschko, com a necessidade de
se atualizar as tomadas dos eletrodomésticos. “Você pode até usar
adaptadores por um tempo, mas chega uma hora que precisa trocar”, diz.
Desenvolvimento
Getschko acredita, porém, no poder da internet de superar os desafios
que aparecem. Ele lembra o período de popularização da rede em 1995,
quando muitos novos usuários começaram a usar de maneira inusitada um
espaço que antes pertencia a poucos, e o começo das redes sociais,
quando as pessoas ainda liam como verídica qualquer história que chegava
até elas, como períodos nos quais havia o medo de que “algo fosse dar
errado”.
No entanto, por meio de um amadurecimento das discussões sobre a rede, e
também graças ao amadurecimento da relação dos usuários com a internet,
os princípios fundamentais que ditam o desenvolvimento da web puderam
se manter firmes até hoje.
Um dos exemplos que ele cita desse amadurecimento é a Wikipedia: algo
criado por usuários comuns mas, mesmo assim, confiável. “Alguém pode até
tentar editar a Wikipédia e escrever coisas erradas, mas os outros
usuários protegem aquilo”, diz. “Com o tempo, a internet vai se
solidificando.”
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