Não existe pesquisa sem revisão de literatura e referencial teórico.
Em um momento em que o fluxo de comunicação se acelera e a Internet
disponibiliza uma vasta gama de artigos científicos, escritos sob as
mais variadas perspectivas, orientações e matizes teóricos, uma nova
barreira se apresenta.
Se, antes da rede das redes, o acesso à produção acadêmica envolvia o
deslocamento até as grandes bibliotecas e a seus acervos de livros,
revistas científicas, teses, dissertações e monografias, demandando
recursos consideráveis para o transporte/alojamento, hoje, a cobrança
por acesso a conteúdo (paywall systems) vai surgindo como nova preocupação, mais uma vez segmentando o acesso ao conhecimento.
Um pesquisador que deseje ler o artigo "n-3 fatty acids and
lipoproteins: Comparison of results from human and animal studies", de
William S. Harris, deve "comprar o artigo" por $39,95 (USD); aquele que
quiser estudar as mudanças no jornalismo contemporâneo poderia, por
exemplo, selecionar os artigos, "Dumbing down or
shaping up: New technologies, new media, new journalism", "Journalism in
a state of flux: Journalists as agents of technology innovation and
emerging news practices", "New media and journalism
practice in Africa: An agenda for research", "Coming to Terms with
Convergence Journalism: Cross-Media as a Theoretical and Analytical
Concept", "US Foreign Correspondents: Changes and Continuity at the Turn
of the Century", e teria em seu "carrinho de compras" a quantia de $125
(USD), $25 (USD), pelo acesso a cada um dos cinco artigos.
Mas se o preço parece alto, existem alternativas, é possível alugar
um artigo científico por 24h com valores que oscilam entre $1,99 (USD) e
$12 (USD) ou optar pela compra de pacotes que dão direito à leitura de
um determinado número de artigos por um preço mais baixo, por $9,99
(USD) ou $19,99 (USD) a depender da área.
Nesse shopping de artigos, a lei da oferta e da procura também
funciona, artigos mais procurados têm valor mais elevado, assim como
autores mais conceituados. Como determinam as estratégias de marketing,
lançamentos são mais caros e artigos com mais de dois anos sofrem
deflação, alguns chegam, mesmo, a entrar no espaço de liquidação, antes
de serem liberados para os espaços de acesso gratuito. Grandes portais
oferecem planos individuais e institucionais e descontos especiais para
quem quiser voltar a ser assinante.
No site da DeepDyve-Search, Rent, Readé possível arrendar40
artigos por $40 (USD) por mês, com a vantagem (sic) de poder manter os
artigos alugados não utilizados nos meses seguintes ("Unused rentals get
rolled over", afirma o site). O site promete também varrer a DeepWeb,
zona não indexada da Internet, onde supostamente se encontram artigos e
pesquisas raros além dos chamados materiais proibidos (como manuais
terroristas, pornografia, tráfico de pessoas e drogas, entre outros) e
que merece a constante vigilância dos serviços de informação. Em resumo,
o DeepDyve protege (sic) o usuário que não precisa se arriscar a mergulhar nas águas turvas da "web invisível".
Ironias à parte, o mercado de artigos científicos vem se tornando
cada vez mais rentável. Duas das maiores editoras de artigos científicos
elevaram os preços de suas assinaturas on-line em mais de 145% nos últimos seis anos.
A crise promovida pelos paywall systems não atinge apenas os
pesquisadores individuais. Recentemente, a universidade de Harvard
publicou uma nota informando que não pode mais arcar com o custo da
assinatura de revistas e portais científicos (cerca de 3,5 milhões de
dólares por ano) e recomendou que seus pesquisadores passassem a
publicar seus artigos em plataformas de acesso livre. Robert Darnton,
diretor da Harvard Library, em entrevista ao jornal The Guardian, disse que o custo da assinatura de uma revista científica, como o The Journal of Comparative Neurology equivale ao custo de produção de 300 monografias (ver http://www.theguardian.com/science/2012/apr/24/harvard-university-journal-publishers-prices).
Um movimento chamado "primavera acadêmica", uma analogia à chamada
"Primavera Árabe", capitaneado pelo matemático e pesquisador de
Cambridge, Tim Gowers, prega um boicote à principal editora de
publicações científicas, a Elsevier. O movimento conta com um site, o The Coast of Knowledge (http://thecostofknowledge.com/),
em que os pesquisadores podem declarar o seu boicote e optar por
publicar apenas em plataformas de acesso livre. O grupo também se recusa
a atuar como parecerista para qualquer tipo de publicação que cobre por
acesso, numa estratégia que pode desmontar os sistemas baseados na
avaliação do tipo peer reviewed.
As três maiores editoras da área, Elsevier, Springer e Wiley,
detêm mais de 20.000 publicações científicas e representam 42% de todos
os artigos publicados no mundo e o lucro das três somam alguns bilhões
de dólares.
Submeter artigos para a publicação em alguns periódicos também
implica no pagamento de taxas. A pressão para que os pesquisadores
tenham seus trabalhos publicados abriu um novo nicho de mercado; o preço
para publicar artigos em algumas revistas chega a $5.000 (USD), como é o
caso da revista Cell Report, que destaca: "To provide open access, expenses are offset by a publication fee of $5000 (USD) that allows Cell Reports to support itself in a fully sustainable way. This publication charge is the only fee
that authors pay" (grifo meu). O valor da taxa é superior à maior parte
dos salários mensais pagos a professores universitários no Brasil. A Cell Report não cobra pelo acesso aos artigos, inserindo-se no rol das publicações do tipo open acess.
Algumas publicações exigem pagamento mesmo para artigos que forem
rejeitados, sob o argumento de que os pareceristas são remunerados para
fazer a avaliação dos artigos. A remuneração varia, em média, entre $32 e
$400 (USD), para cada artigo avaliado.
De todo modo, as contas não fecham. Os custos com impressão em offset
não se justificam numa era em as publicações são majoritariamente
baixadas pela web, os custos administrativos alegados e com os
pareceristas também não justificam o fato de um artigo de vinte páginas
custarem quase o dobro de um livro de cem páginas. Se a lógica fosse
essa, as editoras já teriam fechado as suas portas.
O chamado "fator impacto" determina o "preço do prestígio", fazendo
com que os pesquisadores invistam no pagamento para publicar, ameaçados
pela pressão do "publicar ou perecer". Recentemente, quatro periódicos
brasileiros foram punidos pela Thomson Reuters e suspensos do
ranking por um ano, em virtude da aplicação de um algoritmo que fazia
elevar o "fator de impacto" através do aumento do número de citações,
fator este que é considerado nas avaliações de jornais científicos.
Em uma era marcada pela Web 2.0 e sua perspectiva de produção
colaborativa, o mundo acadêmico parece sucumbir à lógica capitalista do
lucro, monetizando a ciência e a produção do conhecimento.
*Lilian Cristina Monteiro França é professora/doutora do
Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe
(DCOS/UFS).
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