(...) Escavar o subsolo das palavras instáveis, a fim de isolar as diferentes sedimentações da reflexão sobre a dimensão simbólica dos processos posteriormente conhecidos como inter-, multi- ou transnacionalização, depois mundialização e globalização. Permitir ver em que as palavras são dotadas de um poder performativo; como elas agem sobre o mundo. Da cultura à comunicação, da cultura ao cultual, do povo ao “público”, do cidadão ao consumidor. Sob essas substituições, nos dois últimos séculos, não cessou de agir o sentido das tensões entre o projeto de “república mercantil universal” sob o signo do livre-comércio e o universalismo dos valores preconizado pelo Iluminismo; entre o etnocentrismo das colonizações culturais e as lutas pela salvaguarda das identidades; entre o espaço fechado do nacional e os vetores fronteiriços; entre a filosofia do serviço público e o pragmatismo do livre jogo da concorrência; entre a cultura "legítima" e as culturas populares; entre a alta cultura e a cultura do cotidiano. O saldo desse campo de forças assimétricas faz com que hoje se reencontrem face a face uma noção de cultura como “serviço” oferecido na global democratic marketplace e uma outra que, por encarar a cultura como “bem público comum”, aposta num mundo em que a palavra democracia reconquista sentido.
Prova de que a posição central conquistada pelas problemáticas da cultura nos debates sobre o projeto da nova ordem mundial também é testemunho tanto do lugar devolvido às redes e indústrias da cultura, comunicação e informação na reconfiguração do conceito de hegemonia e das estratégias de poder, quanto da gravitação, em escala planetária, de uma esfera pública em formação que busca conjugar o imperativo da interculturalidade com o princípio da igualdade. De onde a pertinência do olhar geopolítico.
Armand Mattelart, em Diversidade cultural e mundialização.
Trad. Marcos Marciolino. São Paulo: Parábola, 2005, pp. 14-15.
Nenhum comentário:
Postar um comentário